Introdução
O contrato de locação é um dos mais importantes e também um dos mais utilizados na órbita contratual.Talvez por isso desperte tanta controvérsia e mereça a atenção de tantos estudiosos do Direito, e até mesmo atenção especial do legislador, que designou uma lei especial para esse tipo de contrato.
È acerca não só da lei do inquilinato, mas também de toda leva de matéria que este traz consigo que este trabalho se propõe penetrar nas indagações e pontos cruciais da locação.
Índice do artigo
A natureza jurídica da locação
“Locar” algo, segundo Soares Amora, significa alugar, arrendar um determinado objeto.O termo arrendamento, bastante utilizado no universo contratual, condiz ao contrato de locação, que, por sua vez, é aquele em que uma parte, geralmente o proprietário do objeto, cede à outra parte este em troca de uma determinada prestação.
È importante salientar que a coisa não pode exaurir-se com o uso e gozo proporcionado à parte usufruinte; portanto bens como gás, energia elétrica ou mesmo água não podem ser objeto de locação.
No que tange à sua classificação, o contrato de locação é oneroso, na maior parte das vezes consensual, comutativo, de execução continuada (há continuidade de prestação até que se cesse o contrato – o aluguel); resulta-se a partir dessa caracterização um dos seus três principais pressupostos: a contratualidade, seguida da chamada “cessão temporária de uso e gozo” (onde há transferência de propriedade) e remuneração. Este último se materializa perante o aluguel, o salário e a soldada, conforme o contrato se tratar de locação de coisa, prestação de serviço ou empreitada, respectivamente.
O contrato de locação possui três espécies: locação de serviços, de obra e de coisas.
a) Locação de serviços (locatio conductio operarum):De acordo com a explicação de Maria Helena Diniz, “Se relativa a uma prestação de serviço economicamente apreciável, considerada em si mesma, independente do resultado”. Em outras palavras, nessa espécie de locação uma parte presta serviços à outra mediante um pagamento.
b) Locação de obra ou empreitada (locatio conductio operis):No entender de Sílvio Rodrigues, é aquela em que há um obra “… para a qual o locador promete fornecer seu trabalho e/ou material em troca de uma remuneração”.
c) Locação de coisa (locatio conductio rerum): É aquela que, como cita Venosa, “O locador cedia ao locatário o uso e gozo de um bem mediante dinheiro”, fazendo referência ao Direito Romano. Essa espécie de locação, cuida exclusivamente do uso e gozo de bem infungível, uma vez que ao tratar de um bem fungível, ter-se-ia o negócio de mútuo e não de locação.
A lei do inquilinato, para a qual o estudo desta pesquisa está sendo direcionado, toca a espécie locação de coisas.
A lei do inquilinato
A lei do inquilinato,de nº 8245, publicada em outubro de 1991, dispões sobre as locações de imóveis urbanos, bem como os procedimentos concernentes a ela, excluind0-se, pelo menos num primeiro instante – como cita Venosa, os bens móveis e os imóveis rurais.
Isso porque, a partir da reflexão do mesmo autor, “Considera-se imóvel urbano conforme sua destinação e não de acordo com sua localização”. O que Venosa defende é a idéia de que mesmo situado numa área rural, o imóvel pode ser considerado urbano para fins de locação desde que seja destinado à moradia ou ao comércio.
Alei também denominada norma inquilinária por parte da doutrina exclui do seu âmbito de atuação alguns dos tipos de imóveis urbanos. Logo em seu primeiro artigo, diz expressamente que não cuida de apart-hotéis, arrendamentos mercantis (leasing), espaços destinados à publicidade, imóveis da União e vagas de garagem autônomas e estacionamentos, por pertencerem à alçada do código civil ou de legislações especiais.
Obras de célebres juristas como Humberto Theodoro Jr e Venosa, atentos certamente ao entendimento sólido do leitor, costumam classificar a locação de coisas em três sub grupos, dos quais esta pesquisa se utilizou para uma melhor compreensão do universo da locação.
2.1) Locação residencial
Na locação residencial, há que se considerar o tempo de duração do contrato escrito; se este fora acordado com prazo inferior ou superior a trinta meses. A lei, em seu dispositivo nº 46, trata das locações com prazo igual ou superior a trinta meses, frisando a possibilidade da chamada denúncia vazia, que consiste na faculdade de notificação por parte do locador.
Assim, findo o prazo do contrato, o locador, nos termos concernentes a este artigo, fica desobrigado de notificar o locatário, havendo resolução automática do acordo. Porém, caso o locatário permaneça no imóvel por mais de trinta dias sem a oposição do locador (prorrogação tácita), o contrato dar-se-á como vigente (art. 46 § 1º) até que este notifique aquele (art. 46 § 2º).
No artigo 47 estão arroladas as restrições impostas aos contratos escritos ou verbais que estipularem prazo inferior a trinta meses (denúncia justificada). De acordo com o disposto no artigo, ao contrário do citado anteriormente, ocorre a prorrogação automática do contrato que, por sua vez, só findará com a operância das hipóteses de seus incisos, seguido da devida e obrigatória notificação do locatário,incisos estes que se seguem:
I – Nos casos do art. 9º
Esse inciso diz que pode haver resolução contratual nas hipóteses do art. 9º da lei, abrangendo o mútuo acordo, a prática de infração legal ou contratual, falta de pagamento de aluguel e/ou inadimplemento de encargos e mediante a necessidade de reparação urgente determinada pelo poder público.
II – Em decorrência de extinção do contrato de trabalho, se a ocupação do imóvel pelo locatário for relacionada com seu emprego.
A relação que evidencia o vínculo trabalhista é pressuposto essencial para a locação; desfazendo-se abre-se espaço para despejo.
III – Se for pedido para uso próprio, de seu cônjuge ou companheiro, ou para uso residencial de ascendente que não disponha, assim como seu cônjuge ou companheiro, de imóvel residencial próprio.
Nesse inciso a lei trata do direito de retomada do imóvel em casos de necessidade por parte do locador. Ele abraça também a pessoa jurídica locadora que pede o imóvel para que nele possa instalar e exercer sua atividade, desde que para uso próprio.
IV – Se for pedido para demolição e edificação licenciada ou para realização de obras aprovadas pelo poder público, que aumentem a área construída, em , no mínimo, vinte por cento ou, se o imóvel for destinado a exploração de hotel ou pensão, em cinqüenta por cento.
Tal inciso não se confunde com o art.9º IV, pois aqui a iniciativa é do proprietário e não do poder publico, que apenas aprova a idéia.
V – Se a vigência ininterrupta da locação ultrapassar cinco anos.
Venosa cita este inciso como sendo o mais importante, fundamental à nova lei do inquilinato. Ele cuida da “denúncia imotivada da locação com vigência ininterrupta por mais de cinco anos”, ou seja, uma espécie de denúncia vazia que está restrita aos tomos da lei e que só florescerá finda o prazo mínimo estipulado, que é de cinco anos nos casos de locações com prazo inferior a trinta meses.
2.2) Locação de temporada
A locação de temporada é “… aquela destinada à residência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorrem tão somente de determinado tempo”, e contratada por prazo não superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel”. (art48)
Uma vez que possui prazo determinado, este tipo de contrato de locação só poderá existir se escrito, pois sob a forma verbal irá submeter-se às normas do dispositivo anterior ( “ Quando ajustada verbalmente…”art.47). Como se refere a situações transitórias, com curta duração, é comum que o pagamento de aluguel e encargos se façam anteriormente ao uso e gozo do bem, atentando-nos para uma de suas mais relevantes peculiaridades.
A prorrogação tácita se dará da mesma forma daquelas locações residenciais com prazo igual ou superior a trinta meses; se o locatário permanecer no imóvel por mais de trinta dias sem a oposição do locador presumir-se-á a prorrogação do contrato até que se faça a notificação por parte deste (art 50).
2.3) Locação não residencial
As locações não residenciais se dividem quanto à possibilidade da renovação compulsória. Caso a locação não esteja acobertada por essa possibilidade, a regra a qual irá submeter-se o contrato será a da lei 8245/91, estando este sujeito à denúncia vazia, ao direito de retomada.
Nos contratos com renovação compulsória, também denominados comerciais, em que não há vínculo existente entre a locação e relevante significância social ( escolas, igrejas..) ou humanitária (hospitais..), é preciso que o contrato seja de no mínimo cinco anos e que não haja mudança no ramo de atividade por no mínimo três, a fim de preservar o valor do “ponto”. Para garantir a inerência do locatário, deve-se fazer com seis meses de antecedência do vencimento do contrato uma renovação deste – a ação renovatória, para garantir a prioridade sobre o imóvel. Se não houver a possibilidade de renovação, o locatário deverá ser indenizado pelos acréscimos que realizou.
2.4) Sublocação
Segundo Maria Helena Diniz, “A sublocação vem a ser um contrato de locação que se efetiva entre o locatário de um bem e terceiro – o sublocatário, com a prévia permissão do locador, que, participando de uma primeira relação jurídica ex locatio ( contrato de locação), se vincula a uma segunda (contrato de sublocação), tendo-se em conta, nas duas, o mesmo objeto locado”
A lei do inquilinato trata especialmente da sublocação nos arts 14,15 e16, onde diz que essa relação jurídica ramificada de uma outra da mesma espécie segue as mesmas normas e procedimentos da locação, sujeitando-se primordialmente à permissão do locador original. Segue o mesmo raciocínio da sublocação a cessão e o empréstimo do imóvel já em locação.
O começo e o fim do contrato de locação
Como todo contrato, é preciso estar atento às formalidades da lei quando esta assim determinar – quando se tratar de contratos solenes; além de, obviamente, conter os elementos essenciais de qualquer contrato como o consentimento válido dos contratantes e a capacidade dos sujeitos envolvidos no acordado.
Há ainda observações concernentes à locação em especial como a cessão de posse do bem locado, forma livre na maior parte das vezes e lapso de tempo, sendo este último determinado ou não.
A extinção do contrato se dará mediante resilição bilateral, direito de retomada, cláusula resolutiva, perda da coisa (seja de forma total ou parcial), vencimento do prazo, desapropriação, nulidade (absoluta ou relativa), inexecução contratual ou infração à lei, falência ou concordata de um dos contratantes e ainda por extinção de usufruto ou fideicomisso , no caso do art 7º da lei.
As nulidades da lei
A lei do inquilinato visa proteger a ordem pública, no que tange os atos que possam atingir seus objetivos basilares.É importante salientar que o texto legal não trata de nulidades relativas, embora estas obviamente possam ocorrer, mediante interpretação doutrinária ou jurisprudencial. Wilson de Andrade Brandão cita, em obra especializada: “Para o art 45 da lei do inquilinato, só existem nulidades, porque a ineficácia das cláusulas advém de sua ofensa à ordem pública em que se situam os ditames”.
Observações complementares acerca da locação
Divórcio do locatário:
Ocorrendo separação ou divórcio a locação se estenderá ao cônjuge que permanecer no imóvel locado, lembrando sempre que se deve comunicar o locador por escrito. Este, por sua vez, poderá exigir a substituição do fiador ou uma das garantias legais no prazo de trinta dias.
Morte:
A morte de uma das partes da relação ex locatio, seja do locador ou do locatário, não finda os efeitos do contrato. Em casos assim, ocorre a transmissão aos herdeiros ou segue-se as ordens de sub-rogação elencadas no art 11 da lei.
Alienação do imóvel:
A alienação, quando ocorre durante a vigência do contrato, requer a denúncia do mesmo, que deve ser exercida por sua vez no prazo de noventa dias, contados do registro da venda ou do compromisso, sob pena de se presumir a concordância tácita de continuação da locação. Esta regra se aplica a todas as modalidades de locação, com exceção apenas daquelas contratadas com prazo determinado, com cláusula de vigência e devidamente registradas no registro imobiliário competente.
Conclusão
A nova lei do inquilinato veio para materializar a até então também inovadora teoria contratual. Balanceou as bases do contrato, igualou as partes contratantes, harmonizou a relação ex locatio. A pesquisa que se seguiu procurou ambientar o entendimento de forma objetiva e didática, procurando mostrar os ditames estruturais da lei e sua aplicabilidade prática.
Referências bibliográficas
Diniz, Maria Helena . Curso de Direito Civil Brasileiro vol 3, “Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais”, 20ª ed. , São Paulo: Saraiva, 2004.
Gomes ,Orlando.* Obrigações, 18ª ed., Rio de Janeiro: Forense,1999.
Venosa, Sílvio de Saulo.Lei do inquilinato comentada – doutrina e prática,7ª ed, São Paulo: Atlas,2001.
Rodrigues,Sílvio. Direito Civil vol 3 , “Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade”, 29ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003
Brandão,Wilson de Andrade. Locações de imóveis urbanos, Rio de Janeiro: Freitas e Bastos, 1995.
Amora, Soares. Minidicionário de língua portuguesa, 9ª ed.,São Paulo: Saraiva, 2001.
Informações Sobre o Autor
Olívia Ricarte
Advogada, pós – graduanda em Direito Constitucional.