O contrato de locação no Registro de Imóveis

Resumo: A segurança jurídica decorrente do contrato de locação que tem como objeto bens imóveis, em determinados casos, depende do ingresso deste contrato no Registro de Imóveis. Para tanto, o trabalho em questão aborda os requisitos que devem ser observados pelos signatários e toda a sistemática legal que envolve a repercussão do contrato de locação no fólio real


A locação de bens imóveis é um negócio jurídico de progressiva utilidade no mercado imobiliário brasileiro. O déficit habitacional do País motivado pela falta de recursos da maior fatia da população para a aquisição da casa própria e a procura por instalações comerciais são os principais fatores que impulsionam a utilização do contrato de locação. As normas que disciplinam o referido contrato estão prescritas na Lei Federal nº. 8.245, de 18 de outubro de 1991, no Código Civil brasileiro entre os artigos 565 e 578 e demais legislações em vigor.


Pelo teor da norma, a locação ocorre quando uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição. Contudo, quando se trata de imóvel urbano, embora o contrato em análise não gere direito real sobre imóvel, a formalização de certas garantias vinculadas à locação, não depende exclusivamente da assinatura dos signatários, sendo indispensável o seu ingresso no cartório de registro de imóveis.


A repercussão do contrato de locação no fólio real está ajustada na Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973, denominada Lei de Registros Públicos. Uma prévia observação a ser feita é que a apresentação deste contrato no registro imobiliário será uma garantia do locatário, pois nos termos do artigo 220 são considerados, para fins de escrituração, credor e devedor, respectivamente, o locatário e o locador.


O primeiro efeito deste contrato, inserto na Lei de Registros Públicos, está descrito no artigo 167, inciso I, item 3, o qual dispõe que será feito o registro dos contratos de locação de prédios, nos quais tenha sido consignada cláusula de vigência no caso de alienação da coisa locada. Como se observa, além de ter que ser expressa no instrumento contratual, a simples menção desta cláusula no contrato não é suficiente para que o locatário tenha garantido o direito à continuidade do contrato, em eventual alienação do imóvel. Por outro lado, caso o contrato que contenha a referida cláusula esteja devidamente registrado, o posterior adquirente não poderá opor a efetivação do seu direito real de propriedade, quando decorrente de atos como compra e venda, permuta, dação em pagamento, entre outros, para a desconstituição da garantia. O dispositivo do artigo 8º da Lei Federal 8.245/1991, não obstante verse que o referido ato é objeto de averbação, por um erro de técnica legislativa, corrobora a necessidade de apresentação do contrato de locação no serviço registral imobiliário para assegurar a sua vigência em caso de alienação do imóvel.


Outra importante garantia conferida ao locatário pelo fólio real é o exercício do direito de preferência, ou seja, o inquilino terá a preferência na aquisição do imóvel, se houver intenção do locador em vendê-lo durante o período de vigência do contrato. No entanto, para que este direito possa ser exercido, não há exigência legal para a sua expressa previsão no texto do contrato. Para tanto, a norma do artigo 167, inciso II, item 16, da LRP, exige que seja feita no Registro de Imóveis a averbação do contrato de locação, para os fins de exercício de direito de preferência. A respeito da matéria, o autor Regnoberto M. de Melo Jr. elucida que “o direito de preferência do locatário nasce da lei, mas o seu exercício requer contrato de locação válido e averbado no SRI”. No mesmo sentido, o artigo 27 da Lei 8.245/1991 adverte que, no caso de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento, o locatário tem preferência para adquirir o imóvel locado, em igualdade de condições com terceiros, devendo o locador darlhe conhecimento do negócio mediante notificação judicial, extrajudicial ou outro meio de ciência inequívoca.


Excepcionalmente, tanto a cláusula de vigência em caso de alienação do imóvel quanto o direito de preferência perderão os seus efeitos quando se tratar de formas de aquisição originária de propriedade, tais como, desapropriação e usucapião na modalidade extraordinária. O que justifica a perda destes direitos pelo locatário é que, com a aquisição originária, surge uma nova propriedade, sem ligação com a antiga. Logo, qualquer direito real ou ônus pré-constituído sobre o imóvel deixam de integrar a cadeia dominial do imóvel. Ademais, o direito de preferência também não alcança os casos de perda da propriedade ou venda por decisão judicial, permuta, doação, integralização de capital, cisão, fusão e incorporação, sendo que tal assertiva pode ser confirmada pelo conteúdo do artigo 32 da Lei Federal 8.245/1991.


A qualificação positiva do contrato de locação no Registro de Imóveis, ou seja, a certificação pelo registrador de que o citado título encontra-se apto para o registro ou a averbação em comento deve atender há alguns requisitos. O artigo 169 da LRP, em seu inciso III, prevê que o registro do ajuste contratual para assegurar a cláusula de vigência, em caso de alienação do imóvel, e a averbação para fins de exercício do direito de preferência serão efetuados no cartório onde o imóvel esteja matriculado mediante apresentação de qualquer das vias do contrato, assinado pelas partes e subscrito por duas testemunhas, bastando a coincidência entre o nome de um dos proprietários e o locador. Neste caso, deve ser destacada a flexibilidade do legislador para viabilizar a eficácia do ato quando não exige a anuência de todos os proprietários na via contratual. Esta preocupação é de extrema pertinência já que nos referimos a benefícios ao locatário e eventuais exigências quanto à qualificação do locador poderiam obstar a constituição das garantias. Por outro lado, deve-se advertir que a mencionada norma é uma manifestação do princípio da cindibilidade do título, o qual orienta que, sempre que o documento contiver requisitos suficientes para formalizar o ato, o registrador deve fazê-lo.


O princípio da especialidade objetiva do registro público também possui grande relevância para o ingresso do contrato de locação na serventia de registro imobiliário. Pela sua substância, o título deve contar a plena e perfeita identificação do imóvel, sob pena de ser devolvido para o apresentante. Os dispositivos legais dos artigos 222 e 223 da LRP ratificam a sua importância quando versam que o instrumento particular deve fazer referência à matrícula ou ao registro anterior, seu número e cartório.


Embora não esteja presente no rol de atos praticados pelo oficial de registro de imóveis elencados no artigo 167, incisos I e II, da Lei de Registros Públicos, há um outro ato relativo ao contrato de locação de imóvel urbano que deve ser formalizado na serventia registral imobiliária. Trata-se da caução em bens imóveis, modalidade de garantia locatícia, que deve ser averbada à margem da matrícula do imóvel oferecido pelo locatário ao locador. Além de constituir-se como uma garantia de grande importância, deve-se ressaltar que não é absoluta a regra do artigo 220 da LRP, a qual descreve que são considerados, para fins de escrituração, credor e devedor, respectivamente, o locatário e o locador. Neste caso, a garantia é diretamente em benefício do locador, proprietário do imóvel. A garantia em estudo está regularizada no artigo 38, parágrafo 1º, da Lei Federal 8.245/1991. 


Por todo o exposto, é possível concluir que, em razão da natureza obrigacional do contrato de locação, as partes contratantes freqüentemente têm a falsa noção de que o instrumento contratual é suficiente para confirmar as garantias que envolvem a locação. No entanto, quando o objeto do contrato é um bem imóvel, a validade das garantias apontadas neste trabalho depende, sobretudo, da observância das normas e princípios de registro público e da apresentação do título no Registro de Imóveis.


 


Referências bibliográficas

BRASIL. Código Civil. 53. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

CENEVIVA, Walter. Lei de registros públicos comentada. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

FIUZA, César. Direito civil: curso completo. 8. ed., rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

JÚNIOR, Regnoberto M. de Melo. Lei de Registros Públicos comentada. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora, 2003.

VADE MECUM SARAIVA. 2ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2006.


Informações Sobre o Autor

Fabrício Petinelli Vieira Coutinho

Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Conclusão do curso: dezembro de 2006; Tutor do Curso de Pós-Graduação \”lato sensu\” em Direito Registral Imobiliário ofertado pela PUC Minas Virtual, em convênio com o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil – IRB; Escrevente cartorário.


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