Resumo: A Constituição é o regramento supremo de um país, encontra-se no topo de qualquer ordenamento jurídico, sendo responsável por apresentar as principais regras necessárias a um convívio harmonioso em sociedade. É em razão da importância que reflete que há a necessidade de assegurar a sua higidez face as demais normas que compõe a ordem infraconstitucional. A questão ganha maior relevo ao analisar-se as teorias da nulidade e da anulabilidade das normas inconstitucionais. Assim, o presente artigo traça linhas gerais acerca do controle de constitucionalidade, abordando os efeitos das decisões quer via controle difuso, quer via controle concentrado. Convida-se o leitor a refletir sobre a modulação dos efeitos temporais, aplicada pelo Supremo Tribunal Federal, o qual vem entendendo pela constitucionalidade do dispositivo da Lei n.º 9.868/1999, a qual lançou tal possibilidade na ordem jurídica interna por meio do seu artigo 27, sendo que para o pleno desenvolvimento deste artigo a pesquisa alicerçou-se em jurisprudências do Supremo Tribunal Federal e principalmente na exploração de obras constitucionalistas.
Palavras-chave: controle de constitucionalidade; nulidade e anulabilidade; modulação.
Abstract: The Constitution is the supreme rule of a country is at the top of any legal system, being responsible for presenting the main rules necessary for a harmonious coexistence in society. It is because that reflects the importance that there is a need to ensure your healthiness compared to other rules that make up the infra-order. The question is especially relevant when analyzing the theories of nullity and annulment of unconstitutional rules. This article provides general guidelines on the control of constitutionality, stating the effects of decisions either by diffuse control, either by concentrated control. The reader is invited to reflect on the effects of temporal modulation applied by the Supreme Court, which is understood by the constitutionality of the provisions in the Law n.º 9.868/1999, which launched this possibility in domestic law through article 27, and for the full development of this research article to be strongly based on jurisprudence of the Supreme Court and especially the exploitation of works constitutionalists.
Keywords: control of constitutionality; nullity and annulment; modulation.
Sumário: 1. Introdução. 2. Material e métodos. 3. Desenvolvimento. 3.1. O controle de constitucionalidade. 3.1.1. O Controle Repressivo de Constitucionalidade. 3.2. A teoria da anulabilidade e a teoria da nulidade: modelo de Kelsen versus modelo de Marshall. 3.3. Dos efeitos temporais da declaração de inconstitucionalidade. 3.4. A ausência de norma regulamentadora e a possível repristinação. 3.5. Da modulação dos efeitos temporais pelo supremo tribunal federal. 4. Considerações finais.
1. INTRODUÇÃO
Em um país como o Brasil, onde existe uma enorme diversidade cultural, subsistem inúmeras diferenças sociais e regionais, da mesma forma há diversos posicionamentos, diversos entendimentos a respeito de um mesmo assunto, variando de acordo com as condições econômicas, sociais e regionais, as quais estão em constante mutação.
Ocorre que neste emaranhado de mudanças se faz necessário a existência de um regramento único em todo o território nacional, com normas gerais, capaz de impedir a arbitrariedade e evitar abusos, trazendo um rol de direitos fundamentais, suficiente para regulamentar as relações entre os indivíduos de forma satisfatória.
Neste diapasão é que impera na ordem jurídica interna a Constituição Federal, não permitindo-se qualquer ato atentatório ao seu texto, sendo que tudo que lhe for contrário deve ser extirpado da ordem jurídica, via controle de constitucionalidade, tema a ser explorado adiante.
Destarte, tem-se uma breve elucidação a respeito do controle de constitucionalidade, esclarecendo-se os efeitos produzidos entre as partes com a declaração de inconstitucionalidade e o marco temporal inicial para a produção de efeitos.
O tema é de reconhecida importância, não havendo como perpetuar-se uma República sem Constituição, ou com permissivo em seu texto para que seja diametralmente desrespeitada e alterada, ao bel prazer do legislador e, também, dos jurisdicionados.
Assim sendo, objetiva-se com a pesquisa esclarecer o leitor da importância do tema, mas principalmente elucidar a teoria da nulidade e anulabilidade das normas inconstitucionais e quais efeitos podem ser produzidos por estas normas, para somente após contrapô-los com o permissivo legal vislumbrado no artigo 27, da Lei n.º 9.868/1999, o qual autoriza a modulação dos efeitos da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.
2. MATERIAL E MÉTODOS
A metodologia utilizada para alcançar o pleno desenvolvimento deste estudo, consistiu na consulta de livros, arquivos de jornais e revistas jurídicas, encontradas no acervo contido no Fórum da Comarca de Wenceslau Braz – Paraná, no acervo particular, e nas bibliotecas: municipal da cidade de Wenceslau Braz-Paraná; da Faculdade de Direito, integrante das FIO-Faculdades Integradas de Ourinhos-SP; da Faculdade de Direito, integrante da FEATI-Faculdade de Administração e Tecnologia de Ibaiti-PR; da FUNDINOP-Faculdade de Direito do Norte do Paraná, integrante da UENP–Universidade Estadual do Norte do Paraná, campus Jacarezinho-Paraná. Além da pesquisa de documentos eletrônicos, em especial de jurisprudências do Supremo Tribunal Federal.
3. DESENVOLVIMENTO
3.1. O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Em um mundo altamente globalizado onde as mudanças e transformações sociais são cada vez mais comuns não havendo como fixar-se um paradigma por muito tempo sem que este sofra também mutações, as quais geram reflexos ora positivos, ora negativos.
É em razão deste contexto que todos os Estados trazem uma Carta Política, embora muitas vezes não seja de fato política, mas sim imposta em virtude das opiniões e intentos dos detentores do poder à época da sua edição, visando assegurar-lhes o domínio da máquina estatal e a sua manutenção no comando.
Inobstante tal assertiva, tem-se claro que a Constituição de um Estado, objetiva traçar as regras básicas, os princípios norteadores, o essencial para a existência do próprio Estado, possibilitando que haja um convívio minimamente saudável e harmonioso entre os jurisdicionados, não sendo permitido a ninguém, nem mesmo ao próprio órgão jurisdicional ou mesmo ao legislador, agir em desacordo com estas normas pré-definidas, devendo abster-se de manifestações e da criação de institutos e regramentos com afronta a este texto.
Neste sentido, afirma José Afonso da Silva:
“Significa que a Constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos. É, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estruturação deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais de Estado, e só nisso se notará sua superioridade em relação às demais normas jurídicas” (2009, p. 45).
Há a necessidade de um controle de constitucionalidade com o fito de assegurar que os preceitos elencados na Carta Magna não sejam violados, atuando de forma preventiva, evitando a edição e criação de normas, além de retirar aquelas que mesmo afrontando diametralmente os ditames constitucionais conseguiram vigorar.
Verifica-se, portanto, que o controle pode ocorrer em dois momentos, antes do ato ou regra ingressar no ordenamento jurídico, dito prévio ou preventivo, e posteriormente ao ingresso destes na ordem jurídica interna, chamado posterior ou repressivo.
3.1.1. O Controle Repressivo de Constitucionalidade
O controle de constitucionalidade após a entrada de uma determinada norma no ordenamento jurídico pode ser, difuso ou concentrado, dependendo da maneira da sua arguição.
Quando o órgão julgador ou mesmo o magistrado de primeira instância profere uma decisão em um caso concreto, o controle foi exercido de forma difusa, eis que existe a possibilidade de ser realizado por mais de um “ente”, não vislumbrando-se a obrigatoriedade da decisão ser proferida por um órgão com poderes especiais para o ato. Diz-se, ainda, que é incidental, pois não reflete o objetivo da demanda, sendo exercido como um incidente, diante daquele caso concretamente apresentado ao julgador.
Noutra banda, tem-se que o controle de constitucionalidade em determinadas hipóteses somente pode ser exercido pelo Órgão responsável pela guarda da Constituição – o qual pode possuir outras funções – impondo-se a concentração destas decisões neste Órgão, o qual se vale dos fatos e fundamentos suscitados pelas partes, previamente definidas – as quais gozam de capacidade para intentar tal demanda – de maneira que apenas a norma impugnada abstratamente é posta sob análise.
Não é apresentado um caso concreto ao julgador exigindo-se dele a solução da controvérsia para aquelas partes, ainda que para isto resulte incidentalmente uma declaração de inconstitucionalidade, aqui a discussão é justamente a constitucionalidade ou não de uma norma em abstrato, a qual gera efeitos para todos os jurisdicionados, também, de maneira abstrata e geral.
A declaração de inconstitucionalidade, de regra, quando proferida pelo Supremo Tribunal Federal por meio do controle concentrado/abstrato de constitucionalidade, tem eficácia erga omnes, ou seja, atinge a todos (art. 102, § 2.º, da CF/88), enquanto que a decisão proferida por meio do controle difuso/incidental tem eficácia para as partes envolvidas no litígio, visto tratar-se de um incidente, sendo assim inter partes, ainda que proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em virtude do duplo grau de jurisdição.
Inobstante o já aludido, acresça-se a existência de permissivo constitucional (art. 52, inciso X, da CF/88), para que o Senado suspenda a norma reconhecida inconstitucional, por via de exceção, atingindo a toda a coletividade por meio da atribuição de efeitos erga omnes (CHIMENTI; CAPEZ; ROSA; SANTOS, 2005, p. 394).
Na mesma banda, destaca-se a possibilidade do próprio tribunal ad quem, atribuir efeitos erga omnes, ainda que por meio do controle difuso, tratando-se de mais uma exceção a regra do efeito inter partes.
3.2. A TEORIA DA ANULABILIDADE E A TEORIA DA NULIDADE: MODELO DE KELSEN versus MODELO DE MARSHALL
Ao analisar a inconstitucionalidade de uma norma, invariavelmente, surge um questionamento: esta norma é nula ou anulável?
Pois bem, reportemo-nos as aulas de processo civil durante os anos da graduação. Tem-se portanto, em linhas gerais, que anulável é algo que devido a uma mudança no quadro fático ou até mesmo devido a um vício, não pode mais produzir efeitos, enquanto nulo é algo que desde o seu nascedouro encontra-se eivado, apresentando além de vícios, erros, os quais são vislumbrados em conjunto, muitas vezes, com desrespeito ao procedimento prescrito e ao texto constitucional.
Assim sendo, tem-se que nulo é aquilo que não apresenta condições de produzir resultado no mundo dos fatos, pois está maculado desde o seu surgimento, entendimento este defendido por John Marshall, o qual sustentava que o vício da inconstitucionalidade atingia diretamente o plano de validade da norma, sendo ela nula desde o seu início, embora tenha existido não logrou êxito em ingressar no plano da eficácia (LENZA, 2005, p. 151).
Já o ato anulável é aquele com condições de produzir efeitos no mundo dos fatos, enquanto não reconhecida a causa da sua anulabilidade (PALU, 1999, p. 80), de maneira que a lei é dita provisoriamente válida, posto que somente com o reconhecimento da inconstitucionalidade deixa de produzir efeitos, preservando-se os até então produzidos, eis que o vício repercute tão somente no plano de existência da norma e não no plano de validade, tese esta defendida por Hans Kelsen (LENZA, 2005, p. 151).
De posse de tais premissas é possível lançar nova indagação: A norma inconstitucional é capaz de produzir efeitos por algum tempo e tornar-se inconstitucional apenas a partir de uma certa data? Ora, se é inconstitucional, não afronta o texto da Carta Política da República Federativa do Brasil?
As normas anteriores a atual Constituição, de fato produziram efeitos, mesmo afrontando o texto constitucional em vigor, ocorre que tais normas com o advento da Carta de 1988, deixaram de produzir quaisquer efeitos, ponto no qual alguns podem sentir-se bem em sustentar a anulabilidade da norma inconstitucional, assim como Pontes de Miranda e Regina Nery Ferrari.
Mas a questão, ainda, não é a inconstitucionalidade ou não. Nesta situação específica o que se tem é o instituto da recepção o qual estabelece que com a promulgação de uma nova Constituição apenas as normas que não afrontarem seus dizeres podem continuar a produzir efeitos, visto serem recepcionadas pela nova Carta Magna.
Sem prejuízo do já exposto, vale mencionar que com relação ao próprio texto constitucional, tal é revogado com a promulgação da nova Constituição, exceto se houver manifestação expressa no novo texto.
A este respeito:
“Desde já, contudo, há de se observar que pela própria teoria do poder constituinte originário exposta, que rompe por completo com a antiga ordem jurídica, instaurando uma nova, um novo Estado, o fenômeno da recepção material só será admitido se houver expressa manifestação da nova Constituição: caso contrário, as normas da Constituição anterior, como visto, serão revogadas (…) se está diante da regra da compatibilidade horizontal de normas de mesma hierarquia. A posterior revoga a anterior, não podendo conviver com ela simultaneamente, mesmo que não seja com ela incompatível. A revogação se concretiza com a simples manifestação do poder constituinte originário (Lex posterior derogat priori)” (LENZA, 2009, p. 127).
Sobre o tema também esclarecem Ricardo Cunha Chimenti, Fernando Capez, Márcio F. Elias Rosa e Marisa Ferreira dos Santos:
“As normas da Constituição anterior, em regra, são ab-rogadas (totalmente revogadas), ou seja, ocorre a substituição integral do antigo texto pelo novo (revogação global), já que um país não pode conviver com duas Constituições ao mesmo tempo. Admite-se, porém, que expressamente a nova Constituição recepcione com força constitucional regras do texto anterior, conforme expressamente consta do art. 34 do ADCT da CF/88 (que manteve o sistema tributário da CF/67 por 5 meses) (2005, p. 25).
Ainda sobre a questão, mas com enfoque nas normas infraconstitucionais, acrescenta Pedro Lenza:
“Se incompatível, a lei anterior será revogada, não se falando em inconstitucionalidade superveniente (…) Isto porque só se fala em ADI de uma lei editada a partir de 1988 e perante a CF/88 (princípio da contemporaneidade) (…) a recepção ou a revogação acontecem no momento da promulgação do novo texto” (2009, p. 125).
Inobstante o até então explanado, tem-se portanto que em momento algum fala-se em anulabilidade, mas sim em não recepção ou revogação quando a norma anterior ao texto constitucional for retirada do ordenamento jurídico nacional devido a promulgação da nova Carta Política.
Continuando o raciocínio, tem-se que as normas editadas após a entrada em vigor da nova Constituição, se em desacordo, não poderão produzir efeitos no mundo dos fatos, sendo inválidas, visto o desrespeito aos preceitos constitucionais, norteadores de todo o sistema jurídico em vigor no país.
Valendo-se do abordado é possível dizer que as normas inconstitucionais, são nulas de pleno direito, pois desde o seu nascedouro afrontam o texto constitucional, enquanto que àquelas anteriores a constituinte não encontram-se nesta condição, porquanto não foram sequer recepcionadas pela nova Carta Política, tratando-se de institutos diferentes.
No Brasil, em que pese as discussões em torno do assunto, prevalece na doutrina a teoria da nulidade das normas inconstitucionais, sustentando-se principalmente em expoentes como Rui Barbosa, Francisco Campos, Castro Nunes e Alfredo Buzaid (LENZA, 2009, P. 150).
Assim, diante da nulidade de pleno direito que abarca a norma inconstitucional, importa a análise dos efeitos temporais da sua declaração.
3.3. DOS EFEITOS TEMPORAIS DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
A declaração de inconstitucionalidade produz efeitos retroativos ou tão somente à partir da sua declaração, de acordo com a via por meio da qual a decisão foi proferida, se pela via de ação (controle concentrado) ou se pela via de exceção (controle difuso).
De regra as declarações de inconstitucionalidade proferidas por meio do controle difuso de constitucionalidade são capazes de produzir efeitos à partir da sua declaração, atingindo somente as partes envolvidas na lide. Todavia há hipóteses em que a reconhecida inconstitucionalidade é capaz de gerar efeitos temporais ex tunc, a depender do caso concreto.
Em sentido oposto são as decisões emitidas através do controle concentrado, onde os efeitos em regra são ex tunc, atingindo a todos os jurisdicionados, eis que não se trata de um caso concreto posto sob análise, mas de uma situação abstrata, realizando-se, portanto, a análise da norma abstratamente.
Inobstante a regra no controle concentrado de constitucionalidade seja a produção de efeitos retroativos, a declaração de inconstitucionalidade pode produzir efeitos ex nunc a contar da data em que a decisão foi proferida necessitando, todavia, preencher requisitos previamente estipulados (artigo 27, da Lei n.º 9.868/1999).
3.4. A AUSÊNCIA DE NORMA REGULAMENTADORA E A POSSÍVEL REPRISTINAÇÃO
Considerando a regra dos efeitos temporais da decisão proferida por meio do controle pela via de ação, qual seja ex tunc, atingindo fatos pretéritos, muitos sustentam uma possível repristinação.
A repristinação trata-se de instituto por meio do qual o diploma anteriormente revogado, volta a vigorar face a retirada da norma revogadora do ordenamento jurídico.
Com a retirada do diploma alterador do mundo jurídico fático, a norma por ela revogada seria capaz de voltar a produzir efeitos, a depender tão somente de manifestação do próprio Supremo Tribunal Federal, sendo tal posicionamento sustentado por inúmeros juristas (PALU, 1999, p. 169).
Noutra banda, tem-se correntes doutrinárias as quais sustentam a impossibilidade da norma revogada voltar a produzir efeitos, aduzindo que o ordenamento jurídico pátrio não contempla o instituto da repristinação, não havendo como tal ser aplicado sem a existência de qualquer regramento disciplinando a situação (LENZA, 2009, p. 125).
A este respeito é o texto do artigo 2.º, § 3.º, da Lei de Introdução ao Código Civil: “Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”.
No mesmo sentido:
“EMENTA: Agravo regimental – não tem razão o agravante. A recepção de lei ordinária como lei complementar pela Constituição posterior a ela só ocorre com relação aos seus dispositivos em vigor quando da promulgação desta, não havendo que pretender-se a ocorrência de efeito repristinatório, porque o no sso sistema jurídico, salvo disposição em contrário, não admite a repristinação (artigo 2.º, § 3.º, da Lei de Introdução ao Código Civil). Agravo a que se nega provimento” (AGRAG 235.800/RS, rel. Min. Moreira Alves, DJ, 25.06.1999, p. 16, Ement. V. 01956-13, p.2660, 1.ª Turma).
É neste emaranhado que verifica-se a lacuna ocasionada por meio da supracitada declaração, havendo um reconhecido espaço de tempo sem norma regulamentando as relações jurídicas, isto também porque tal é nula de pleno direito, sendo nula o é desde o seu nascedouro.
Assim, com o fito de regulamentar o suposto período em que há reconhecida ausência de norma regulamentadora, é que o Supremo Tribunal Federal se vale de dispositivos constitucionais e até mesmo do próprio texto da Lei n.º 9.868/99, e torna o ato impugnado capaz de produzir efeitos tão somente à partir da sua reconhecida inconstitucionalidade.
Trata-se o instituto da já reconhecida modulação dos efeitos temporais, sendo possível a Corte Constitucional fixar o momento de incidência da norma impugnada, podendo tal ser até mesmo uma data futura.
3.5. DA MODULAÇÃO DOS EFEITOS TEMPORAIS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
A modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade foi inserida no ordenamento jurídico por meio da Lei n.º 9.868/1999[1], tratando-se de verdadeiro permissivo legal para que o Supremo Tribunal Federal atribua efeitos a uma norma que não existe (no plano da validade). Diz-se inexistente, haja vista estar maculada por vício (quer material, quer formal) o qual remonta ao nascedouro da norma, impedindo-a de produzir quaisquer efeitos no mundo dos fatos.
O aludido permissivo traz que é possível, mesmo quando diante do controle concentrado de constitucionalidade, a Corte Constitucional determinar o momento em que a decisão passará a produzir efeitos.
Da leitura do artigo 27, da lei ora em comento, extrai-se que a questão envolvendo os efeitos temporais da decisão de inconstitucionalidade pela via de ação incumbe ao livre arbítrio dos Doutos Ministros, os quais podem determinar que a decisão produza efeitos apenas ex nunc ou, ainda, determinar data futura para o início dos seus efeitos, trata-se do chamado efeito pro futuro.
Pelo dispositivo retro declinado, a modulação depende da existência de razões de segurança jurídica ou de interesse social excepcional, cabendo aos Ministros analisarem de modo subjetivo se a norma apreciada gera tais repercussões.
O único limite ao poder dado aos Ministros do Supremo para modularem os efeitos da declaração de inconstitucionalidade é a exigência trazida pela própria lei de que seja a decisão aprovada por dois terços de seus membros, em ocorrendo não há óbice para a modulação.
Hodiernamente a doutrina mantém divergência a respeito da matéria, há aqueles que em sentido contrário ao exposto defendem a possibilidade da modulação vendo-a como fator positivo e de suma relevância no ordenamento jurídico pátrio.
Defendendo este posicionamento, assim expressa-se Regina Maria Macedo Nery Ferrari:
“A retroatividade, ex tunc, da sentença que reconhece a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo deve ser aceita com reservas, pois não existem mais dúvidas quanto ao fato que, no campo dos fatos concretos, durante o tempo em que a norma era protegida pelo princípio da presunção de sua validade, consolidaram-se um sem-número de situações jurídicas que, se ignoradas, podem levar ao desvirtuamento da finalidade que o próprio direito visa alcançar, que é a justiça e a segurança jurídica das relações sociais, para a realização da consequente harmonia da vida em sociedade” (1999, p. 258).
No mesmo sentido:
“A flexibilização do dogma da nulidade da lei inconstitucional foi saudada como positiva por juristas que nela viram a concessão de uma ‘margem de manobra’ para o Judiciário ponderar interesses em disputa” (BARROSO, 2009, p. 15).
Cumpre esclarecer que mesmo antes da edição da norma ora em discussão já haviam decisões esporádicas e isoladas aduzindo a relativização da declaração de inconstitucionalidade, é o que extrai-se do voto proferido pelo então Ministro do Supremo, Leitão de Abreu, no dia 24 de março de 1981:
“A lei inconstitucional é um ato eficaz, ao menos antes da determinação da inconstitucionalidade, podendo ter consequências que não é licito ignorar. A tutela da boa-fé exige que, em determinadas circunstâncias, notadamente quando sob a lei ainda não declarada inconstitucional, se estabelecerem relações entre o particular e o poder público, se apure, prudencialmente, até que ponto a retroatividade da decisão, que decreta a inconstitucionalidade, pode atingir, prejudicando o agente que teve por legítimo o ato e, fundado nele, operou na presunção de que estava procedendo sob o amparo do direito objetivo” (STF, Recurso Extraordinário 93356/MT, DJ 24.03.1981).
Em que pese a inigualável sabedoria dos juristas mencionados acima, não coaduna-se deste posicionamento.
Considera-se que norma inconstitucional – dita aquela a qual formal ou materialmente ofende o texto da Constituição Federal – não poderia nem ao menos ter ingressado no ordenamento jurídico pátrio.
O equívoco ou mesmo o desleixo quando da realização do controle preventivo de constitucionalidade, quer pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, quer pela Comissão de Constituição Justiça e Cidadania do Senado ou pelo Presidente da República (CHIMENTI; CAPEZ; ROSA; SANTOS, 2005, p. 381-382), não justifica a atribuição de qualquer efeito a norma reconhecida através do controle repressivo como inconstitucional.
Não há fundamento jurídico capaz de embasar a atribuição de efeitos para algo que é nulo de pleno de direito e sendo nulo não produz efeito algum, assim como vislumbra-se no direito civil e no direito empresarial onde negócios jurídicos e contratos eivados por vícios que acarretam a sua nulidade não produzem quaisquer efeitos, sendo considerados inexistentes.
Enriquecendo a discussão destaca-se trecho da obra “O Federalista” de Alexandre Hamilton, no distante ano de 1824:
“Não há posição que apóie em princípios mais claro que a de declarar nulo o ato de uma autoridade delegada que seja contrária ao teor da delegação sob a qual se exerce tal autoridade. Consequentemente, não será válido qualquer ato legislativo contrário à Constituição” (apud, WEFFORT, 2000, p. 276).
A importância do tema é tamanha que a doutrina desde tempos preocupa-se com os efeitos dos atos contrários a Carta Política de um Estado, não havendo até o momento uma posição unânime acerca de como proceder, o que repercute diretamente no andamento das ADIs n.º 2154 e 2258, as quais versam sobre a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei n.º 9.868/99, entre os quais o art. 27, sendo que ambas foram distribuídas no longínquo ano 2000, e pendem de julgamento até a presente data.
Tendo em vista a teoria da nulidade, a qual mostra-se mais condizente com os efeitos a serem produzidos (ou não serem produzidos) pela norma impugnada, não é possível viger na atual ordem jurídica o dispositivo da lei em discussão (art. 27, da Lei 9.868/99).
Todavia ante aos atuais julgados do STF reconhecendo a modulação e aplicando-a é possível falar-se em uma constitucionalidade implícita deste dispositivo.
3.5.1. Do Caráter Eminentemente Político da Modulação de Efeitos
Destarte o já exposto nos itens anteriores, sabe-se a necessidade de regular as situações anteriormente regidas pela norma, ora reconhecida inconstitucional, ponto onde até seria possível “louvar” a ocorrência da modulação dos efeitos realizada hodiernamente pelo STF, ocorre que a questão pode ser revolvida de maneira mais satisfatória a todos evitando “constitucionalizar o que é inconstitucional” (PRAZERES, 2001, p. 44).
A fim de sanar a controvérsia tem-se que as declarações de inconstitucionalidade devem seguir exatamente o modelo de Marshall, ou seja, a teoria da nulidade, por ser esta mais condizente com a realidade.
Todavia urge a regulamentação do período antes regulamentado pela norma extirpada do ordenamento jurídico nacional, é neste ponto que extrai-se o caráter político das decisões proferidas pelo Supremo.
Ao pautar-se pela constitucionalidade do art. 27 da Lei n.º 9.868/99, o STF deixa de regulamentar o período em que há ausência de norma, dizendo efetuar a modulação (relativização) dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, fazendo-a ex nunc ou pro futuro. Decidindo desta forma, o STF se exime do ônus de criar uma forma de regulamentar o período anterior, preservando o terceiro de boa-fé, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito, a coisa julgada, etc.
O que subsiste é um conflito de interesses, no qual ante a comodidade da situação prefere-se dizer ser possível a relativização de efeitos de algo nulo, portanto inexistente, mesmo que signifique “nova ofensa” ao texto Constitucional.
A única maneira de reconhecer-se a constitucionalidade de tais atos, seria acreditar que a Corte Suprema implicitamente ao tratar do período no qual verifica-se a inexistência de norma entende por bem regulamentá-lo com a aplicação das mesmas disposições ora reconhecidas inconstitucionais, mas em momento algum falar-se-ia em modulação, o que invariavelmente retrataria a conveniência e oportunidade do Tribunal ad quem.
Isso porque é muito mais fácil regulamentar uma situação pretérita com uma norma que já foi editada, mas que outrora fora retirada do ordenamento jurídico, do que estudar e apontar outra solução mais coerente preservando da mesma forma o terceiro de boa-fé e, com isso, assegurando a supremacia da Constituição.
A modulação como vista usualmente, também reflete o cunho político das decisões do STF, por ser utilizada pelo Órgão, inúmeras vezes, para evitar desavenças com o Executivo Federal e com a elite ora dominante no país, regulando da maneira mais conveniente cada situação que lhe é posta sob julgamento.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo exposto, tem-se que o controle de constitucionalidade no Brasil pode ser exercido de maneira preventiva ou repressiva. Quando pela via repressiva, o controle é realizado pelo Poder Judiciário, podendo se dar via controle difuso, o que significa que pode ser realizado de maneira incidental em um caso concreto, ou via controle concentrado, no qual tem-se a propositura de uma ação específica cujo mérito é justamente a declaração de inconstitucionalidade ou constitucionalidade de uma norma.
As decisões proferidas por meio do controle difuso são capazes de gerar efeitos ex nunc, atingindo tão somente as partes envolvidas (inter partes), já a declaração emanada através do controle concentrado produz efeitos ex tunc, porém erga omnes, dada a sua abstração.
Neste contexto foi possível concluir que o sistema de controle de constitucionalidade adotado pelo Brasil encontra raízes naquele modelo sustentado por John Marshall, para o qual as normas contrárias a Constituição do Estado são nulas, pois ofendem o texto constitucional, sendo que sequer poderiam ter ingressado na ordem jurídica, posto serem consideradas como inexistentes.
Tal fato levou a necessidade de criação de um mecanismo capaz de assegurar eventual direito de terceiro de boa-fé, culminando com isso na edição da Lei n.º 9.868/1999, a qual traz expressa autorização para o STF fixar o marco inicial da produção de efeitos pela decisão proferida no controle de constitucionalidade.
Através da pesquisa foi possível concluir que a modulação de efeitos reflete verdadeira afronta ao texto constitucional, visto gerar a constitucionalização de norma reconhecidamente inconstitucional por determinado período.
A questão do espaço de tempo a necessitar de regramento devido ao reconhecimento da inconstitucionalidade deveria ser discutida pelos membros do STF de maneira diferente, cabendo a eles por maioria absoluta regulamentarem a situação em que passou a haver lacuna da lei.
Assim sendo, o que caberia ser editado é permissivo legal para que em situações como as do art. 27 da Lei 9.868/1999, seja possível ao STF regulamentar o período que carece de norma e não apenas aplicar a norma inconstitucional como se constitucional fosse, de acordo com o seu livre arbítrio, escorado na conveniência, oportunidade e inevitável ingerência política.
Informações Sobre o Autor
Rossane Cristina Ferraz dos Santos
Pós-graduada em Direito do Estado pela Faculdade de Direito das Faculdades Integradas de Ourinhos-FIO/FEMM;
Pós-graduada em Gestão Pública pela Universidade Estadual de Ponta Grossa-FAFIPA; Pós-graduada em Direito Processual Civil pelo Centro Universitário Internacional de Curitiba-UNINTER; Pós-graduada em Docência no Ensino Superior pela Faculdade Estadual de Filosofia Ciências e Letras de Paranavaí-FAFIPA; Professora de Direitos Transindividuais Direito do Consumidor Direito Ambiental Direitos da Criança e do Adolescente e Teoria Geral do Estado na UNIESP-FEATI e na ULT-FAJAR.