Resumo: A competência para analisar a legalidade dos atos de aposentadoria dos servidores públicos é dos tribunais de contas. Dessa forma os tribunais de contas estabelecem prazos e requisitos para a Administração Pública encaminhar a documentação necessária para que seja possível a análise da legalidade. No entanto, não há prazo fixado para que a Corte de Contas analise referidos processos, que por sua vez acabam se prolongando ao longo do tempo e atingindo diretamente o aposentado quando da negativa de registro ao ato de aposentadoria, sem garantir o princípio constitucional do contraditório e ampla defesa. Este trabalho pretende demonstrar como o Tribunal de Contas atua nesse controle de legalidade, respaldado pelos Tribunais Superiores, face ao contraditório e ampla defesa.
Palavras-chave: Direito Administrativo. Direito Previdenciário. Tribunal de Contas. Servidor público. Ato de Aposentadoria. Controle de Legalidade. Contraditório. Ampla Defesa.
Abstract: The competence to analyze the legality of the acts of retirement of public servants is of the courts of accounts. In this way the courts of accounts establish deadlines and requirements for the Public Administration to submit the necessary documentation so that it is possible to analyze the legality. However, there is no fixed period for the Court of Auditors to analyze said lawsuits, which in turn end up extending over time and directly affecting the retiree when the refusal to register the retirement act, without guaranteeing the constitutional principle of the adversary And ample defense. This paper intends to demonstrate how the Court of Auditors acts in this control of legality, backed by the Superior Courts, in face of the contradictory and ample defense.
Keywords: Administrative Law. Social Security Law. Audit Office. Public server. Retirement Act. Legality Control. Contradictory. Wide Defense.
Sumário: 1. Introdução; 2. Natureza do Ato de Aposentadoria e do Registro; 3. Procedimento e Prazo para Registro do Ato de Aposentadoria Versus Contraditório e a Ampla Defesa; Conclusão
1. INTRODUÇÃO
A Constituição Federal nos seus artigos 70 a 75[1], atribuiu ao Tribunal de Contas a função auxiliar do Congresso Nacional no controle externo, dentre as quais está incluída na parte final do inciso III do artigo 71, a de apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos concessórios de aposentadorias.
O controle externo que tem por finalidade garantir que a Administração Pública atue em conformidade com os princípios constitucionais preconizados no caput do artigo 37 da Constituição Federal, tais como: legalidade, moralidade, publicidade, finalidade pública, impessoabilidade, eficiência, motivação e publicidade, em certas circunstâncias, abrange o denominado controle de mérito, que se refere aos aspectos discricionários dos atos praticados.
Esse controle é exercido pelos Tribunais de Contas, portanto, nos termos constitucionais examina a legalidade das aposentadorias concedidas pela Administração Pública direta e indireta, incluindo as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público.
Considerando a competência que lhe é atribuída, quando do envio dos atos de aposentadoria à Corte de Contas, são apreciados os requisitos constitucionais e infraconstitucionais, para posterior deliberação sobre o atendimento dos requisitos formais e legais, quais sejam, tempo de serviço, de contribuição e idade mínima.
O procedimento de apreciação dos atos de aposentadorias pelo Tribunal de Contas, pode parecer simples, mas na prática provoca muitas dúvidas, indagações e incertezas até hoje não pacificadas e que será abordado no desenvolvimento deste estudo.
Isso porque, em algumas situações há a negativa do registro, gerando controvérsias entre o órgão responsável pela concessão de aposentadoria e o Tribunal de Contas que, por sua vez, reflete diretamente nos administrados, que nos termos da Súmula Vinculante 03[2] não tem assegurado o direito ao contraditório e ampla defesa.
2. NATUREZA DO ATO DE APOSENTADORIA E DO REGISTRO
Cumprido os requisitos de tempo de serviço, de contribuição e idade mínima, o servidor público estará apto a requerer sua aposentadoria e a Administração Pública estará vinculada a conceder o ato de aposentação, que se aperfeiçoa a partir da publicação do ato na imprensa oficial.
No entanto, há discussão doutrinária e jurisprudencial, se realmente o ato de aposentadoria se aperfeiçoa com a publicação realizada pelo ente administrativo ou somente após a manifestação do Tribunal de Contas concedendo o respectivo registro.
Ora, o Supremo Tribunal Federal já externou posicionamento no sentido de que quanto a sua classificação o ato de aposentadoria deve ser tido como um ato complexo, conforme referido no voto do Ministro Eros Grau ao relatar o MS 25.072 ao aduzir que “o ato de aposentadoria consubstancia ato administrativo complexo, aperfeiçoando-se somente com o registro perante o Tribunal de Contas.”[3]
Diante dessa situação, a aposentadoria do servidor público é um ato complexo, ou seja, exige-se a conjugação de duas vontades para que se aperfeiçoe, tornando-o completo e acabado. A primeira é a vontade da administração que reconhece, diante de um pedido ofertado pelo servidor, a comprovação dos requisitos autorizadores da aposentadoria e a segunda configura-se no registro desse ato perante o Tribunal de Contas.
Assim, enquanto não formalizado esse registro perante o Tribunal de Contas o servidor, ainda que recebendo os proventos da aposentadoria, não pode se considerar definitivamente aposentado até que haja a manifestação do órgão de controle externo, aliás, consoante entendimento majoritário da maioria dos doutrinadores pátrios.
Ocorre que, atualmente esse entendimento tem sofrido modificações e o ato de registro pela Corte de Contas não tem sido considerado como condição de eficácia e validade do ato de aposentadoria, mas apenas simples controle de legalidade em momento posterior.
Segundo essa corrente, o ato concessório de aposentadoria produz efeitos a partir da publicação no diário oficial, pois há vacância do cargo ou função, mudança na condição jurídica do servidor perante a Administração, bem como o recebimento de proventos e não mais de salários, independente do registro concedido pelo Tribunal de Contas.
Mas, para melhor elucidar a questão necessária se faz analisar a classificação e o conceito dos atos administrativos para a formação de cada um deles. Várias são as classificações, todavia, para ser objetiva a abordagem se dará apenas em dois critérios, quais sejam, o grau de subordinação e quanto a sua formação.
Segundo Justen Filho[4] o ato administrativo pode ser definido como a “manifestação de vontade funcional apta a gerar efeitos jurídicos, produzida no exercício de função administrativa”.
Nesses termos, Bandeira De Mello[5] ao classificar o ato administrativo quanto ao grau de subordinação assim o define:
[…] “77. (1) Atos ditos discricionários e que melhor se denominariam atos praticados no exercício de competência discricionária – os que a Administração pratica dispondo de certa margem de liberdade para decidir-se, pois a lei regulou a matéria de modo a deixar campo para uma apreciação que comporta certo subjetivismo. Exemplo: autorização de porte de arma.
(2) Atos vinculados – os que a Administração pratica sem margem alguma de liberdade para decidir-se, pois a lei previamente tipificou o único possível comportamento diante de hipótese prefigurada em termos objetivos. Exemplo: […] aposentadoria, a pedido, por completar-se o tempo de contribuição do requerente”.
[…] – grifo do autor
Em se tratando da classificação quanto à sua formação os atos administrativos podem ser simples, complexo e composto, como nos ensina Meirelles[6], in verbis:
“3.5.1.1. Ato simples: é o que resulta da manifestação de vontade de um único órgão, unipessoal ou colegiado.[…]
3.5.1.2. Ato complexo: é o que se forma pela conjugação de vontades de mais de um órgão administrativo. […]
3.5.1.3. Ato composto: é o que resulta da vontade única de um órgão, mas depende da verificação por parte de outro, para se tornar exeqüível.”
Explicitados os conceitos e classificações dos atos administrativos, depreende-se, que se o ato de aposentadoria fosse complexo só estaria apto a produzir efeitos após a análise da legalidade pelo Tribunal de Contas concedendo o respectivo registro.
Entretanto, não é isso que ocorre, tendo em vista que a Corte de Contas somente examina a legalidade da conduta administrativa, considerada conduta fiscalizatória, de controle, podendo ser denominada de fiscal da lei.
A título de exemplo, citamos os artigos 56 e 57 das Instruções nº 02/2016[7] do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, que exige para análise dos atos concessórios de aposentadorias o envio de diversos documentos e fixa a data de 31 de janeiro para a remessa de todos os atos concessórios de aposentadorias e apostilas retificatórias efetivadas no exercício anterior.
Como se verifica, a Administração Pública submetida ao controle externo de legalidade dos atos praticados, tem a obrigação de encaminhar no prazo fixado toda a documentação para análise, cabendo ao Tribunal de Contas verificar se o ato de aposentadoria atendeu os requisitos legais.
Em sendo assim, a concessão da aposentadoria pode ser classificada como ato vinculado, pois se o servidor cumpriu os requisitos para se aposentar, ao requerer a Administração está não poderá negar a concessão, estando, portanto, vinculada a um único comportamento, qual seja, conceder a aposentadoria sem qualquer manifestação de cunho subjetivo.
Da mesma forma ocorre com o ato de aposentadoria que enviado no prazo fixado ao Tribunal de Contas, com todos os documentos necessários solicitados, em tese, após analisar os requisitos de legalidade, concederá o registro do ato de aposentação, podendo dizer que esta análise tem natureza de ato vinculado, pois praticou apenas o exame da legalidade da conduta administrativa e não a concessão da aposentadoria, a qual já produz efeitos desde sua publicação.
Nessas circunstâncias, como até o momento exposto, a finalidade de cada ato praticado é diferente, sendo assim que não é plausível considerar o ato de aposentadoria como ato complexo se não há unicidade de fim e conteúdo.
Para Teixeira[8] o ato de aposentadoria é “ato vinculado e simples, resultando perfeito, completo, com a só manifestação de vontade do órgão administrativo emitente”, e o mesmo se aplica em seu entendimento ao ato de registro pelo Tribunal de Contas, uma vez que “o registro não é condição de eficácia como a homologação.”
Portanto, considerando os atos administrativos praticados e seus efeitos, pode-se concluir que o ato de aposentadoria do servidor público é ato vinculado, simples e declaratório, bastando apenas a manifestação de vontade do servidor desde que preenchido os requisitos da aposentação.
3. PROCEDIMENTO E PRAZO PARA REGISTRO DO ATO DE APOSENTADORIA VERSUS CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA
Em que pese as Cortes de Contas estabelecerem prazos para a Administração enviar a documentação dos atos de aposentadorias concedidos no exercício anterior, não há prazo fixado para análise da legalidade e concessão do registro.
Daí surge a indagação de qual seria o prazo para a Administração invalidar os atos de aposentação?
No âmbito federal, a Administração tem prazo decadencial de 05 (cinco) anos[9], já na esfera estadual, especificamente o Estado de São Paulo, o prazo decadencial é de 10 (dez) anos[10], para anulação de atos que produzem efeitos favoráveis aos administrados, contados a partir da data que foram praticados, com exceção de comprovada má-fé.
Entretanto, o STF por entender que o ato de aposentadoria é um ato complexo, em diversas decisões tem adotado o entendimento de que o prazo decadencial conta-se a partir do registro efetivado pelos Tribunais de Contas, a exemplo da decisão abaixo transcrita:
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. ATO CONCESSIVO DE APOSENTADORIA. RECUSA DE REGISTRO PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. GLOSA DE VALORES RECEBIDOS A TÍTULO DE URP DE FEVEREIRO DE 1989. MONITORAMENTO. TERMO INICIAL DO PRAZO DO ART. 23 DA LEI 12.016/2009. DETERMINAÇÃO DE DEVOLUÇÃO DE VALORES INDEVIDAMENTE RECEBIDOS. AUSÊNCIA DE BOA-FÉ. PRAZO DO ART. 54 DA LEI 9.784/1999. ATO COMPLEXO. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA AO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. 1. “O prazo decadencial alusivo à impetração começa a correr a partir da ciência do ato atacado e não da primeira supressão da parcela glosada pelo Tribunal de Contas da União” (MS 25985 AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJe de 21.8.2009). […]. Dessa forma, enquanto não aperfeiçoado o ato concessivo de aposentadoria, não há falar em fluência do prazo do art. 54 da 9.784/99, referente ao lapso de tempo de que dispõe a Administração Pública para promover a anulação de atos de que resultem efeitos favoráveis aos destinatários, tampouco em estabilização da expectativa do interessado na aposentadoria e na composição dos respectivos proventos, aspecto a conjurar, na espécie, afronta ao princípio da segurança jurídica. Precedentes. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento.[11]– grifo do autor”.
Cabe dizer que, contrário a esse entendimento existem julgados do Superior Tribunal de Justiça fixando como termo inicial para contagem do prazo de decadência a data da edição do ato pela Administração, pois vem ao encontro do princípio da segurança jurídica e os princípios constitucionais da eficiência e da proteção da confiança legítima e, por fim, a garantia de duração razoável do processo. À guisa de exemplo vejamos:
“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO DISTRITAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. PRELIMINAR. REVISÃO. APOSENTADORIA. INÍCIO DO PRAZO. CONCESSÃO. ART. 54 DA LEI N. 9.784/99. DECADÊNCIA CONFIGURADA. […]. 2. A aposentadoria de servidor público não é ato complexo, pois não se conjugam as vontades da Administração e do Tribunal de Contas para concedê-la. São atos distintos e praticados no manejo de competências igualmente diversas, na medida em que a primeira concede e o segundo controla sua legalidade. 3. Deve ser aplicado o prazo decadencial de cinco anos, previsto no art. 54 da Lei n. 9.784/99, que se funda na importância da segurança jurídica no domínio do Direito Público, aos processos de contas que tenham por objeto o exame da legalidade dos atos concessivos de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as hipóteses em que comprovada a má-fé do destinatário do ato administrativo. 4.[…]. Agravo regimental improvido.[12] – grifo do autor”.
“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. APOSENTADORIA. REVISÃO DO ATO. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. TERMO INICIAL. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO.
1. Nos casos em que o servidor busca a revisão do ato de aposentadoria, ocorre a prescrição do próprio fundo de direito após o transcurso de mais de cinco anos entre o ato de concessão e o ajuizamento da ação. Precedentes.
2. O prazo prescricional para revisão do ato de aposentadoria começa a transcorrer na data de sua publicação e não do seu registro no Tribunal de Contas, pois este possui natureza jurídica meramente declaratória.
3. Recurso especial conhecido e improvido”.[13] – grifo do autor.
Destaca-se que, atualmente, esse entendimento do STJ mudou, tendo, inclusive, sido baixado o informativo jurisprudencial nº 508[14] no sentido de que a contagem do prazo decadencial para anulação ou revisão do ato de aposentadoria inicia-se após a manifestação do Tribunal de Contas, a exemplo da decisão abaixo transcrita:
“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. APOSENTADORIA. ATO COMPLEXO. DECADÊNCIA. TERMO INICIAL. MANIFESTAÇÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. 1. A Corte Especial do STJ confirmou a orientação de que a aposentadoria de servidor público, por ser ato administrativo complexo, só se perfaz com a sua confirmação pelo respectivo Tribunal de Contas, iniciando-se, então, o prazo decadencial para a Administração rever a concessão do benefício. 2. Recurso Especial não provido.[15] – grifo do autor”.
Ocorre que na prática, os atos de aposentadoria que aguardam a análise da legalidade pelos Tribunais de Contas passam anos parados sem obter o devido registro e, passado tanto tempo, os servidores aposentados acreditam que sua aposentação não poderá sofrer mais modificações, quando de repente são surpreendidos com alguma alteração nos proventos de sua aposentadoria.
Divergindo da jurisprudência majoritária do STF e do STJ, temos o julgamento do Mandado de Segurança nº 25.166-DF[16] de relatoria do Ministro Carlos Ayres Britto, fixando o prazo de 05 (cinco) anos, estabelecendo como prazo razoável na duração do processo de aposentadoria que aguarda a análise da legalidade, para receber o respectivo registro, porém, como já mencionado, ainda não é entendimento unânime na Corte Suprema, considerando que o prazo decadencial conta-se a partir do registro do ato pelo Tribunal de Contas.
A decisão proferida pelo MM. Ministro para a fixação do prazo tem como pilares: “a) o princípio da segurança jurídica, proteção objetiva do princípio da dignidade da pessoa humana e elemento conceitual do Estado de Direito; b) a lealdade, um dos conteúdos do princípio constitucional da moralidade administrativa (caput do art. 37).”
No caso em concreto, o servidor teve o registro de sua aposentadoria negado após 05 anos da data de sua aposentadoria, sendo assim, o aposentado impetrou MS alegando entre outros argumentos a inobservância do contraditório e ampla defesa, previsto no inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal[17], sendo anulada a decisão proferida pelo Tribunal de Contas da União[18], para única e exclusivamente assegurar o direito de defesa do aposentado em razão do prazo excessivo em que se deu a negativa do registro.
De acordo com a decisão supracitada o prazo somente se aplica quando da análise da legalidade dos atos de aposentadorias, reformas e pensões que ultrapassem o marco temporal de 05 (cinco) anos, uma vez que a Súmula Vinculante 03[19] excetua a oportunidade do contraditório e ampla defesa a esses atos, in verbis:
“Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão”.- grifo do autor
A exceção em questão existe pelo fato de atribuir ao ato de aposentadoria, reforma e pensão a natureza complexa, influenciando na aplicação do referido prazo decadencial.
A questão é tão polêmica, que ainda não há um entendimento consolidado e está em trâmite no STF o Recurso Extraordinário 636553[20] ao qual foi atribuída à repercussão geral com o tema 445, que diz respeito à obrigatoriedade do Tribunal de Contas da União – TCU observar os princípios do contraditório e da ampla defesa no exame da legalidade de atos concessivos de aposentadorias, reformas e pensões, após o decurso do prazo de cinco anos.
Já existem inclusive manifestações do STF exigindo que o TCU garanta o contraditório e a ampla defesa nos casos que a análise ultrapassar o prazo de 05 (cinco) anos, em observância ao princípio da segurança jurídica.
Pensando assim, pode-se dizer que, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, considerando inúmeras decisões judiciais interpostas em face de suas decisões tem exigido quando da abertura de prazo para a Administração se manifestar, que o interessado, isto é, o aposentado, seja cientificado do prazo para, caso queira, apresentar alegações de seu interesse, já com o intuito de afastar a alegação da ausência do contraditório e ampla defesa, mesmo não tendo extrapolado o prazo de 05 (cinco) anos fixado pelo STF, ressalvando desde já que, de acordo com a lei estadual este prazo aumenta para 10 (dez) anos, a exemplo citamos:
“À vista das manifestações da Equipe de Fiscalização (evento 12.9 e 12.11), PFE (eventos 15.1 e 17.1) e MPC (evento 20.1), ouça-se o responsável, bem como os demais interessados, no prazo de 30 (trinta) dias, nos termos do artigo 2º, inciso XIII, da Lei Complementar estadual nº 709/93.
Fica a Origem incumbida de informar, de imediato, o servidor a respeito da presente publicação no DOE, conforme Termo de Ciência e de Notificação assinado pela parte envolvida (evento 12.6).
Publique-se”.[…].[21] – grifo do autor.
“Vistos.
À vista da falha apontada no Relatório da Equipe de Fiscalização da DF-7.1(Evento 8), e tendo em conta os pronunciamentos da douta PFE, do Sr. Procurador de Estado Chefe (eventos 11 e 13) e do Ministério Público de Contas (Evento 19), notifico, nos termos do inciso XIII do artigo 2º, da Lei Complementar n. 709/93, os interessados para apresentarem as justificativas pertinentes, juntando provas documentais quando as circunstâncias assim o exigirem.
Noto, ademais, que caberá à UNESP cientificar o servidor aposentado do teor deste despacho”.[…].[22] – grifo do autor
Dessa forma, verifica-se que está havendo uma relativa mudança de posicionamento e flexibilidade da parte final da Súmula Vinculante nº 03 do STF, que implicará em uma revisão do seu conteúdo, pois ao ser editada teve como fundamento que não haveria litigantes nessa fase de controle externo, considerando que o ato de aposentadoria seria considerado legal e daí a desnecessidade de assegurar o contraditório e a ampla defesa aos administrados.
Contudo, essa idéia muda quando há uma decisão que considera ilegal o ato e nega o competente registro, comunicando a Administração responsável que reveja o procedimento.
É nesse momento que surge o direito ao contraditório e ampla defesa, pois na grande maioria das vezes o aposentado não se manifestou durante a análise do Tribunal de Contas e se sente tolhido de seus direitos.
Como ensina Grinover (apud Meirelles, 2015, p. 112)[23] em relação ao princípio do contraditório e da ampla defesa:
[…] “a Constituição não mais limita o contraditório e a ampla defesa aos processos administrativos (punitivos) em que haja acusados, mas estende as garantias a todos os processos administrativos não punitivos e punitivos, ainda que neles não haja acusados, mas simplesmente litigantes”.
[…] “litigantes existem sempre que, num procedimento qualquer surja um conflito de interesses. Não é preciso que o conflito seja qualificado pela pretensão resistida, pois neste caso surgirão a lide e o processo jurisdicional. Basta que os partícipes do processo administrativo se anteponham face a face, numa posição contraposta. Litígio equivale a controvérsia, a contenda, e não a lide. Pode haver litigantes – e os há – sem acusação alguma, em qualquer lide”.
Com essa definição e, tendo em vista o inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal, conclui-se que a Súmula Vinculante 03 quando editada em 2007, já nasceu defasada por considerar que o ato de aposentadoria tem natureza complexa e não admitir o contraditório e ampla defesa na fase de análise da legalidade pelos Tribunais de Contas.
Diante da situação exposta resta somente uma alternativa ao aposentado que teve o registro de sua aposentadoria negado pelo Tribunal de Contas, qual seja, recorrer ao Judiciário numa tentativa de buscar ao menos a garantia do contraditório e ampla defesa prevista constitucionalmente para ter seu direito preservado. Isso porque, as decisões proferidas pelos órgãos de controle externo, inclusive aquelas que fazem coisa julgada administrativa, somente são imutáveis no âmbito administrativo, mas não na via judicial, onde poderão ser revistas e modificadas quando houver lesão ou ameaça a direito.
CONCLUSÃO
Pela análise dos entendimentos apresentados, percebe-se que está havendo a mitigação da doutrina e da jurisprudência em relação a estrita legalidade, quanto a definição do ato de aposentadoria como ato jurídico complexo e a Súmula Vinculante nº 03.
A repercussão geral atribuída ao RE 636553 com o Tema 445, visando à observância do contraditório e da ampla defesa no exame da legalidade de atos concessivos de aposentadorias, reformas e pensões, após o decurso do prazo de cinco anos, evidencia que os atos de aposentadorias não podem ser considerados complexos.
Em que pese, ainda, não ter uma decisão definitiva da Suprema Corte, a repercussão geral existente só reforça o entendimento de que o ato de aposentadoria é um ato vinculado e simples, como exposto na decisão do Ministro Humberto Martins (EDcl no REsp 1187203) e o posicionamento do jurista TEIXEIRA, pois o ato administrativo da concessão de aposentadoria resulta de uma única manifestação de vontade, portanto, autônomo, produzindo efeitos a partir de sua publicação, independentemente do órgão de controle externo, que no estudo é o Tribunal de Contas.
Por fim, a modificação do entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca dessa matéria que se vislumbra, resultará na imprescindível readequação da Súmula Vinculante 03 para, durante a tramitação do exame administrativo dos atos concessivos de aposentadorias pelos órgãos de controle, assegurar ao servidor público aposentado o exercício do contraditório e da ampla defesa sem a necessidade de ter de se socorrer ao Poder Judiciário, salvo se da decisão administrativa houver lesão ou ameaça a direito que lhe assista.
Informações Sobre os Autores
Rosane Gomes da Silva
bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, pós-graduada em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito – EPD e pós-graduanda em Direito da Seguridade Social pela Faculdade Legale. Advogada na Assessoria Jurídica da Reitoria da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” e Membro da Comissão de Direito Previdenciário na OAB/SP
Carlos Alberto Vieira de Gouveia
Carlos Alberto Vieira de Gouveia é Mestre em Ciências Ambientais e Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais; Vice-Presidente para a área Previdenciária da Comissão Direitos e Prerrogativas e Presidente da Comissão de Direito Previdenciário ambas da OAB-SP Coordenador do curso de pós-graduação em Direito Previdenciário da Faculdade Legale