Resumo: A presente pesquisa, através de pesquisa bibliográfica, busca aprofundar os estudos sobre o controle de constitucionalidade brasileiro e como é garantida a supremacia da carta magna, desde as influências de sistemas jurisdicionais estrangeiros aos novos desafios do controle jurisdicional aplicado in terra brasilis, em especial à segurança jurídica resultante de tal escolha.
Palavras-chave: Controle jurisdicional. Constitucionalidade. Constitucionalismo. Controle difuso. Controle Abstrato.
Abstract: The present research seeks to deepen studies on the control of Brazilian constitutionality, from the influences of other jurisdictional systems to the new challenges of jurisdictional control applied in terra brasilis, especially to the legal security resulting from such choice.
Keywords: Jurisdictional control. Constitutionality. Constitutionalism. Diffuse control. Abstract Control.
Sumário: Introdução. 1 Constitucionalismo e Estado. 2 A influência dos sistemas Americano e Austríaco no controle de constitucionalidade brasileiro. 2.1 O Modelo Norte-Americano. 2.2 O Modelo Austríaco. 3 A evolução histórica do controle de constitucionalidade na Constituição Brasileira. 4 O controle jurisdicional de constitucionalidade brasileiro e a segurança jurídica decorrente. 4.1 Controle Difuso de Constitucionalidade. 4.2 Controle Abstrato de Constitucionalidade. 4.3 Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). 4.4 Ação de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO). 4.5 Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC). 4.6 Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Conclusão.
Introdução
Quando falamos em controle de constitucionalidade, nos deparamos com a ideia jurídico-positivista de Hans Kelsen, de uma lei originária, que dela decorre todo o ordenamento jurídico de uma nação. Porém, o que torna a lei original superior às demais normas?
Para que esta superioridade seja colocada em vigor, a lei original deve ter características especiais, que a coloquem no ápice do ordenamento jurídico. Dentre tais características, a própria criação da lei originária não pode ser da mesma forma que as demais. Um poder ilimitado, constituinte, é instaurado para a criação da Lei Magna. Adiante, de nada adiantaria tamanho esforço se a Carta Magna pudesse ser emendada ou erradicada da mesma forma que qualquer outra. Deve haver meios especiais, ritos específicos que devem ser obedecidos para tornar a modificação da Carta Magna mais complexa. E, em decorrência de tal poder, todas as normas subsequentes deste ordenamento devem ser coerentes com a lei originária. Não deve haver incoerência entre ela e suas leis complementares. Deve haver um sistema de controle entre a lei originaria e as normas subsequentes, garantindo a unidade do ordenamento jurídico.
O presente ensaio exposto tem a pretensão de contribuir para a disseminação do conhecimento sobre o controle de constitucionalidade no sistema judiciário brasileiro, através de um resgate de sua jovem história, desde sua concepção como um sistema híbrido, ao sistema misto complexo que hoje encontra-se em vigor.
1 Constitucionalismo e Estado
O constitucionalismo, enquanto movimento, foi uma criação histórica, como meio para limitação do poder estatal no século XVIII. Jorge Miranda (2017, p. 1) lembra que: “As ‘Leis Fundamentais’ das monarquias anteriores aos séculos XVIII e XIX não regulavam senão muito esparsamente a atividades dos governantes e não traçavam com rigor as suas relações com os governados; eram difusas e vagas; vindas de longe, assentavam no costume e não estavam ou poucas estavam documentadas por escrito; apareciam como uma ordem suscetível de ser moldada à medida da evolução das sociedades. Não admira, por isso, que se revelassem inadaptadas ou insuportáveis ao iluminismo, ou que este as desejasse reconverter, e que as queixas acerca do seu desconhecimento e do seu desprezo – formuladas na Declaração de 1789 ou no preâmbulo da Constituição portuguesa de 1822 – servissem apenas para sossegar espíritos inquietos perante as revoluções liberais e para criticar os excessos do absolutismo.”[i]
Os sistemas políticos contemporâneos das sociedades democráticas são instituídos em Constituições, trazendo em seu bojo os princípios da sociedade, codificados, normatizando as relações entre o Estado e sociedade.
Continua Jorge Miranda (2017, p. 2): “Eis então como elementos caraterizadores do constitucionalismo, independentemente das concessões de sucessivos e, por vezes, contrastantes regimes políticos: a) A Constituição como fundação ou refundação do ordenamento estatal; b) A Constituição como sistematização racionalizadora das normas estatutárias do poder e da comunidade; c) A Constituição como lei, como conjunto de normas de fonte legal, e não consuetudinária ou jurisprudencial (mesmo se, depois, acompanhadas de normas destas origens).”
Segundo Canotillo (2003, p. 51), o constitucionalismo é “técnica específica de limitação de poder com fins garantísticos”[ii] que através de tais garantias criam barreiras de defesa dos direitos caros à sociedade que o constituiu, frente ao poder do estado, tornando-os fundamentais, servindo de paradigma na consecução de um Estado Democrático de Direito.
Contudo, assegurar limites de um poder através apenas de uma carta de princípios ou recomendações seria inócuo, se não forem garantidas as condições e instrumentos pelos quais a norma jurídica seja assegurada, não sendo desfigurada através de normas infraconstitucionais. Se faz mister uma rigidez, para assegurar a hierarquia das normas jurídicas, para que uma norma inferior incompatível com o ordenamento superior não seja acolhida como norma. Esse controle da constitucionalidade urge como decorrente da rigidez necessária, como garantidor da segurança jurídica de um Estado.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2000, p. 2) diz que: “Controle da constitucionalidade é a garantia sine qua non da imperatividade da Constituição. Onde ele inexiste ou é ineficaz, a Constituição perde no fundo o caráter de norma jurídica, para se tornar um conjunto de meras recomendações cuja eficácia fica à mercê do governante, mormente do Poder Legislativo.”[iii]
É papel da Constituição, num Estado democrático, disciplinar a relação entre o Estado, governantes e governados, através de normas, como (re)início de um pacto social que busca a racionalização das relações políticas e sociais do Estado, servindo como fundamentação do poder público, garantindo assim, a segurança jurídica de um Estado democrático de direito.
Segundo Jorge Miranda (2017, p. 9): “Uma Constituição não se reduz, por certo, a esses princípios, a esses princípios fundamentais. Ela surge, aparentemente, como um somatório de preceitos. Porém, são esses princípios e outros com eles conexos que lhe conferem unidade, identidade e durabilidade, de acordo com um postulado elementar de coerência.”
Devido à natureza do conteúdo da Constituição e tudo o que ela representa, há de se esperar que algumas de suas normas, que representam os pilares estruturantes mais caros à sociedade, tenham um significado mais resistente às mudanças de posicionamentos, seja no campo político ou econômico, prevalecendo mesmo depois de algumas alterações da Constituição. Falamos das cláusulas pétreas, cláusulas que carregam em si as limitações para as reformas da constituição. Sintetizam que no caso da necessidade de alguma alteração nas cláusulas, decorrente de uma evolução nos princípios da sociedade, ensejam numa nova Constituição.
Compreendida a relação entre Constitucionalismo e Estado, avancemos para a história da constituição brasileira, especificamente as influências que sofreu no decorrer do seu desenvolvimento.
2 A influência dos sistemas Americano e Austríaco no controle de constitucionalidade brasileiro
Pesquisando a evolução do controle de constitucionalidade brasileiro, percebemos com naturalidade que o constitucionalismo brasileiro ao longo da história colheu influências de doutrinas jurídicas estrangeiras, adaptando-as aos desafios que aqui se apresentavam.
Atualmente o sistema jurisdicional brasileiro combina as características dos sistemas americano e austríaco, aprimorando-os e criando um sistema híbrido, complexo, tornando-se ímpar com características próprias. Porém, nem sempre foi desta forma. Até o surgimento da República, a presença da doutrina europeia no constitucionalismo brasileiro era recorrente, diretamente ligada ao constitucionalismo real francês.
Maria Auxiliadora Castro e Camargo (2008, p. 3) nos ensina: “A formação do constitucionalismo brasileiro, na sua origem, acolheu o pensamento constitucionalista predominante na Europa do início do século XIX. A primeira Constituição outorgada em março de 1824, pelo Imperador Dom Pedro I, foi inspirada na Constituição real francesa de 1814, que por sua vez, sofreu inegável influência de Montesquieu na organização da justiça francesa.”[iv]
Continua Maria Auxiliadora Castro e Camargo (2008, p. 4): “Não havia, então, o controle de constitucionalidade das leis porque o sistema constitucional vigente não era favorável à criação de uma justiça constitucional, primeiro porque toda possibilidade de interferência dos juízes na esfera do Poder Legislativo era incompatível com o princípio da divisão de poderes; segundo, porque era no Poder Moderador que repousava a defesa da Constituição. Esse Poder Moderador era privativamente delegado ao Imperador e só a ele competia, por imposição natural, o controle da legalidade, a “suprema inspeção”, como superpoder. Seu principal objetivo era de equilibrar a ação dos demais poderes, neles intervindo quando houvesse rompimento ou desequilíbrio, o que justificava a sua inviolabilidade. A influência então recebida da França, não permitia ao Judiciário, pelas razões históricas conhecidas, examinar a constitucionalidade dos atos legislativos, cabia-lhe apenas a aplicação das leis.”
Percebe-se, então, que não era insólita a falta de um controle de constitucionalidade, dada a dinâmica no Poder do Estado brasileiro da época.
Com o advento da República e o natural interesse da nova estrutura política de Estrado (forma de governo) em afastar-se dos sistemas anteriores que fortaleciam e criavam o Poder Moderador na figura de um Imperador, foi incorporado ao sistema constitucional brasileiro o modelo norte-americano.
2.1 O Modelo Norte-Americano
A influência da doutrina norte-americana transpassa os limites do constitucionalismo, influenciando também a organização política da então nova República.
Maria Auxiliadora Castro e Camargo (2008, p. 4) diz: “[…] com a proclamação da República, que abandonou o padrão francês de organização política, fez-se sentir a forte influência norte-americana quanto à forma de Estado Federal, a República e o Presidencialismo. Até o nome era parecido: Estados Unidos do Brasil. A criação republicana do Supremo Tribunal Federal também se baseou na Corte Suprema Americana, tanto em relação às competências, como em relação à composição, forma de investidura, garantias e impedimentos. Também sob a nítida influência do sistema constitucional norte-americano, a Constituição republicana de 1891 inaugura o sistema de controle de constitucionalidade difuso ou incidental, típico do sistema do Common Law, da jurisdição universal (judicial review) que também havia influenciado outros países latino-americanos como o México de 1847 e a Argentina de 1860.”
No Brasil República, a criação do Supremo Tribunal Federal, suas competências e características bebem da fonte dos doutrinadores norte-americanos, iniciando o controle de constitucionalidade difuso, positivado na Constituição de 1891, atribuindo aos tribunais e ao STF a guarda da constitucionalidade dos atos e normas.
Foi no constitucionalismo Norte-Americano que o Judiciário iniciou a competência para afastar leis dissonantes com o sistema judicial posto, tornando efetiva a supremacia da Constituição. A partir de então o juiz, no caso concreto, deveria ter o poder de verificar a harmonia entre as leis e Constituição.
Segundo Dirley da Cunha Júnior (2015): “[…] o modelo norte-americano da judicial review define-se como um controle judicial de constitucionalidade das leis e atos do poder público que qualquer juiz e tribunal, ante um caso concreto, pode desempenhar. É um controle judicial, pois somente os órgãos do Poder Judiciário podem realizá-lo. É um controle difuso no sentido de que todos os órgãos do Poder Judiciário podem exercê-lo, pouco importando sua natureza e grau de jurisdição. E, finalmente, é um controle incidental ou indireto (provocado por via de exceção ou de defesa), no sentido de que somente no curso de uma demanda concreta, pressupondo controvérsia, pode ser efetivado, como condição para a solução da vexata quaestio. Neste último sentido, diz-se também que se cuida de um controle subjetivo, pois desenvolvido em razão de um conflito de interesses intersubjetivos, cuja finalidade principal é a defesa de um direito subjetivo ou de um interesse legítimo juridicamente protegido de alguém.”[v]
Foi no controle de judicial de constitucionalidade norte-americano que, no caso Masbury x Madson em 1803, a Suprema Corte Americana consagra a supremacia da Constituição, iniciando o poder dever dos juízes e tribunais norte-americanos de impugnar leis e atos contrários à Constituição.
No Brasil, a implantação de tal modelo com força vinculante sofreu dificuldades para sua completa implantação. Diferentemente dos Estados Unidos, em que o sistema de controle de constitucionalidade obteve êxito em tornar efetiva as decisões da Suprema Corte Americana. Sobre as diferenças na implantação de tal sistema no Brasil e nos Estados Unidos, narra Maria Auxiliadora Castro e Camargo (2008, p. 5): “Nos Estados Unidos, o sistema de controle de constitucionalidade, fundamentalmente, baseado no common law, teve força institucional suficiente para dar eficácia às decisões da Suprema Corte baseado na regra do stare decisis e, ainda que essa regra lá não fosse dotada com o mesmo rigor com o qual era aplicada na Inglaterra, serviu para dar estabilidade ao controle de constitucionalidade norte-americano. Entretanto, no Brasil, o stare decisis não teve condições de sedimentar-se considerando que num sistema jurídico centrado no direito positivo, não era propício ao surgimento de forma espontânea de uma jurisprudência mais rigidamente vinculante. Esse antagonismo natural obsta a aceitação de uma vinculação imperativa dos juízes aos precedentes superiores, mesmo em face do Supremo Tribunal Federal. Por esse motivo, ainda que a Constituição republicana tenha adotado o controle difuso ou incidental na sua forma pura, a importação do modelo norte-americano não teve força suficiente para ser completamente implantada no Brasil.”
Assim, o constitucionalismo brasileiro gradativamente afasta-se da doutrina norte-americana, buscando respostas nos modelos europeus mais próximos do pragmatismo nacional, iniciando em 1934 pequenas mudanças de modo a garantir eficácia erga omnes às decisões de constitucionalidade.
2.2 O Modelo Austríaco
No início do século XX, ganhava espaço no cenário internacional o modelo de controle de constitucionalidade europeu, conhecido como austríaco, tendo como um de seu principal doutrinador Hans Kelsen (2009)[vi].
Iniciado na Constituição da Áustria em 1920, controlava a constitucionalidade através de um modelo concentrado num único tribunal com tal competência, um Tribunal Constitucional. Influenciados pela obra de Hans Kelsen (2009), a Europa adotou o controle de constitucionalidade concentrado, tendo na inconstitucionalidade o ponto fulcral para uma ação, anulando leis e atos normativos a partir do momento em que fosse julgada como dissonante à Carta Magna, estendendo seus efeitos a todos, sem exceção.
Conforme iniciado anteriormente, o constitucionalismo brasileiro buscava novas respostas para efetivação do poder vinculante nas decisões sobre matéria de constitucionalidade, buscando efetivar de fato a supremacia da Constituição Federal.
Continua sobre o tema Maria Auxiliadora Castro e Camargo (2008, p. 5): “Diante da ausência da regra do stare decisis e sem uma ferramenta processual que emprestasse a “força de lei” do direito alemão (Gesetzeskraft) era necessário buscar outras soluções para generalizar a decisão com uma eficácia erga omnes efetivamente
vinculadora, que envolvesse inclusive os agentes do Estado, a fim de dar estabilidade ao controle mediante a formação de um padrão de constitucionalidade. Essa força vinculadora começaria, ainda que timidamente, a ser introduzida a partir da Constituição de 1934, mas, diferentemente dos Estados Unidos não se dará por intermédio da vinculação da jurisprudência e sim no intuito de transformar a Suprema Corte brasileira num tribunal quase que exclusivamente constitucional, o que de fato ocorrerá apenas com a Constituição de 1988.”
Com Constituição de 1988 as competências de um controle constitucional concentrado no Supremo Tribunal Federal foram positivadas, ampliando os mecanismos de controle concentrado, tornando o modelo austríaco prevalente, mesmo sem abrir mão do controle difuso, de influência norte-americana. Desta forma, consolidou-se no Brasil até o presente momento, o modelo híbrido, combinando características de doutrinas opostas, porém complementares.
3 A evolução histórica do controle de constitucionalidade na Constituição Brasileira
Iniciado no Império, a Constituição de 1824 absorvia as ideias inglesa e francesa de supremacia do parlamento e da lei respectivamente. A Constituição Imperial nomeava a Assembleia Nacional como a guardiã da Constituição, atribuindo-a competência de produção, suspensão, interpretação e revogação das leis, não prevendo o controle de constitucionalidade. Existia um quarto poder, o Poder Moderador, exercido pelo Imperador, com prerrogativas para a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos demais poderes.
Mello (1980, p. 154-155) explica o porquê da inexistência do controle de constitucionalidade: “[…] é de recordar-se, os homens públicos do Império ao elaborarem a Carta de 1824 sofreram a influência dos doutrinadores políticos da Inglaterra e da França, e os juízes, de então, estavam pouco afeitos ao Direito Constitucional dos E.E.U.U. Por isso, não obstante, de há muito, nesse país, o Judiciário exerce o controle da constitucionalidade dos atos dos outros poderes, no Brasil se ignorava essa prerrogativa, ou mesmo conhecendo-a os governantes, não se afeiçoaram a ela.”[vii]
Em fevereiro de 1891, com a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, já percebemos um incipiente controle de constitucionalidade, determinando a validade dos atos e leis estaduais frente a Constituição Federal, tendo a Justiça Estadual a prerrogativa do controle de constitucionalidade, cabendo, porém, recurso ao Supremo Tribunal Federal. Já as questões fundamentadas em dispositivos da Constituição eram analisadas pela Justiça Federal, cabendo recurso também ao Supremo Tribunal Federal.
Por influência da doutrina norte-americana judicial review, todos os tribunais e magistrados eram responsáveis pelo julgamento das demandas, pela garantia da Constituição.
Em 20 de novembro de 1894, através da Lei Federal n° 221, os magistrados e tribunais apreciariam a validade de leis e regulamentos, deixando de aplicar leis inconstitucionais ou atos incompatíveis com a Constituição, instaurando assim a Supremacia do Judiciário.
O sistema judiciário encontrava dificuldades, na possibilidade de decisões conflitantes entre os órgãos judiciários no controle de constitucionalidade, conforme diz Dirley da Cunha Júnior (2015, p. 4): “No entanto, no Brasil, esse sistema, como originalmente moldado, apresentava deficiências, pela possibilidade de existirem decisões conflitantes entre os vários órgãos judiciários competentes para o controle de constitucionalidade, circunstância que propiciava um estado de incerteza no direito e uma pletora de demandas judiciais, que congestionavam as vias judiciais ordinárias, já que as decisões sobre a constitucionalidade das leis proferidas pelos juízes e tribunais operavam efeitos somente interpartes. Tal situação agravava-se em face de não existir no Brasil, país tradicionalmente vinculado ao sistema da civil law de derivação romano-germânica, o princípio do stare decisis, típico do sistema da common law, como já tivemos a oportunidade de registrar acima.”
Já em 1934, as deficiências no controle de constitucionalidade foram atenuadas, com a nova Constituição alterando o funcionamento do sistema jurídico brasileiro, conferindo modificações importantes para garantir maior segurança jurídica:
a) Leis federais julgadas constitucionais pelos tribunais poderiam ser objeto de recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal;
b) Caberia ao Senado, quando comunicado pelo Procurador-Geral da República, suspender a eficácia de qualquer ato, lei, deliberação ou regulamento declarados inconstitucional pelo Poder Judiciário;
c) Em decorrência influência da doutrina commow law, a verificação de constitucionalidade em abstrato nos tribunais dependia da maioria absoluta dos seus membros, conhecida no direito norte-americano como regra full bench, full cort ou também como in banc. No Brasil ficou conhecida como cláusula de reserva; e
d) Criação a representação interventiva, marco na consolidação do controle abstrato da constitucionalidade. Com esta, a União poderia intervir nos Estados com disposição de garantir os princípios constitucionais ou execução de leis federais, logo após a análise positiva do Supremo Tribunal Federal de constitucionalidade ou a contrariedade de leis e atos inconstitucionais que justificassem tal intervenção.
Sobre a Constituição de 1934, Celso Ribeiro Bastos (2010, p. 559) sustenta que: “Grande passo foi assim dado no sentido da implantação do controle de constitucionalidade por via de ação e não apenas de exceção. O sistema defendido pela Constituição de 1934 já permitia o alargamento da decisão judicial, após a intervenção do Senado Federal, que passou dessa maneira a suspender para todos os casos os efeitos do ato inconstitucional, e não apenas naquele sub judice.”[viii]
Adiante, em 1937 uma nova Constituição é apreciada, absorvendo o clima político de um Estado Ditatorial. O Poder Legislativo era concentrado no Poder Executivo enquanto um novo parlamento não fosse composto, além de drásticas mudanças no controle de constitucionalidade, que passava a ser ato do Presidente da República e não ato do Poder Público; e no poder interventivo, que não teria mais a análise do Supremo Tribunal Federal. Além deste, o Presidente da República teria o poder de retirar qualquer poder de decisão do Supremo Tribunal Federal, através de decretos.
A Constituição de 1937 foi um triste marco na história do Brasil, servindo como legitimador de uma ditadura, conforme diz Marcelo Lamy (2005, p. 558): “A Constituição de 1937 não passou de uma Constituição Semântica (acepção de Karl Loewenstein), ou seja, documento que formalizou a situação do poder político em benefício exclusivo dos detentores do poder fático, que legitimou o golpe e a ditadura.”[ix]
Já em 1946, através de nova Constituição, o controle difuso é restabelecido no ordenamento jurídico brasileiro, retornando à exigência de maioria absoluta dos membros dos tribunais para a declaração de inconstitucionalidade de leis e atos do Poder Público, exceto os atos do Presidente da República.
Ainda em 1965, através de Emenda Constitucional, é iniciado o controle concentrado/abstrato, de influência da doutrina austríaca, no sistema jurídico brasileiro. Nesse momento, o sistema jurídico brasileiro já apresentava um modelo misto de controle jurisdicional, combinando os modelos difuso incidental, de competência de todos os magistrados e tribunais, com o modelo concentrado principal, sob competência do Supremo Tribunal Federal. Com tudo isso, porém, o Supremo Tribunal Federal tinha na época o entendimento de que uma ação de inconstitucionalidade por si somente, não produziria efeito erga omnes, necessitando de ação do Senado Federal neste sentido.
Ao discorrer sobre este período, assinala Dirley da Cunha Júnior (2015, p. 5): “[…] o Supremo Tribunal Federal, em um primeiro momento, entendeu que a decisão declaratória de inconstitucionalidade, por si só, não produzia efeitos gerais, dependendo, para tanto, da suspensão da execução do ato pelo Senado Federal. Isto é, firmou o STF a sua posição oficial de que qualquer decisão de inconstitucionalidade, seja ela proferida em controle difuso (junto a um caso concreto) ou concentrado (em sede da incipiente ADI), só operava efeitos gerais ou contra todos (erga omnes) quando houvesse a intervenção do Senado suspendendo a execução da lei ou ato declarado inconstitucional.”
Seguindo, em 1967 uma nova Constituição é promulgada, ampliando as competências do Senado Federal e mantendo a reserva de plenário, admitindo recursos extraordinários contra decisão diversa de outros tribunais e do próprio Supremo Tribunal Federal. Na matéria de intervenção, não houve ruptura com o modelo anterior, continuando a suspensão da eficácia de atos que justificassem intervenção pelo Presidente da República.
Em 1977, a Emenda Constitucional n° 7 trouxe novidades no sistema jurídico brasileiro, conforme relacionado abaixo:
a) Constituiu que tribunais de justiça com número superior a 25 desembargadores deveriam designar órgão especial para exercer atribuições do pleno, permitindo a declaração de inconstitucionalidade incidental pelo órgão especial;
b) Concebeu a representação para interpretação de ato normativo e leis;
c) Criou a avocatória, instrumento pelo qual o Supremo Tribunal Federal
d) Convoca para si decisões sobre questões que tramitam em instâncias judiciárias inferiores; e
e) Elaborou medida cautelar nas representações, no controle abstrato.
Assinala Dirley da Cunha Júnior (2015, p. 5) sobre as modificações no controle de constitucionalidade neste período: “Foi somente em 1977 que a Suprema Corte, realizando uma redução teleológica do disposto no art. 42, VII, da Constituição de 1967/69, fixou nova posição no sentido de reconhecer a dispensabilidade de intervenção do Senado Federal nos casos de declaração de inconstitucionalidade de lei proferida na ADI (representação de inconstitucionalidade). Passou-se, assim, a atribuir eficácia geral à decisão de inconstitucionalidade proferida em sede de controle concentrado.”
Em 1988, a Constituição da República Federativa do Brasil[x] é promulgada, sob forte apelo popular, decorrente do período ditatorial cívico-militar instalado no país, promovendo a transição para um Estado Democrático de direito. Suas alterações são profundas no controle de constitucionalidade, consolidando um modelo híbrido, combinando características do controle difuso e do controle concentrado e das doutrinas austríaca e norte-americana, cabendo ao Supremo Tribunal Federal o papel de guardião da Constituição Federal. Ampliou a via de Ação Direta, mantendo o controle difuso, possibilitando que questões incidentais pudessem chegar, através de Recurso Extraordinário, ao Supremo Tribunal Federal.
Nestes 29 anos da Constituição, percebe-se que maior prestígio foi conferido ao controle concentrado, conforme dita Orione Dantas de Medeiros (2013, p. 189-190): “Nesses vinte e cinco anos, verificou-se uma progressiva ascendência do controle concentrado sobre o controle difuso, iniciada com a aprovação da Emenda Constitucional no 3/93, que instituiu a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) e a Arguição de Descumprimento de Preceitos Fundamentais (ADPF), e consolidada com a Emenda Constitucional no 45/2004, com a criação da Súmula Vinculante e do instituto da Repercussão Geral.”[xi]
Novos institutos para o controle jurisdicional foram consagrados, por via de Ação Direta. Evidencia-se a ampliação de legitimados para a instauração do controle
abstrato, podendo propor ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade órgãos, pessoas e entidades, democratizando o acesso ao Supremo Tribunal Federal.
Outra novidade foram as ações de inconstitucionalidade por omissão, a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (CF/88, art. 103, § 2) e o Mandado de Injunção (CF/88, art. 5, LXXI) utilizados na hipótese da inércia do legislador ordinário em face de uma exigência constitucional de fazê-lo.
Continua sobre o tema Orione Dantas de Medeiros (2013, p. 192-193): “Desse modo, pode-se afirmar que o controle concentrado, abstrato, passou a desempenhar papel preeminente no sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, a partir da Constituição de 1988, mas convivendo lado a lado com um amplo sistema difuso, o que resultou em um modelo híbrido, complexo, com características próprias, sui generis. Tal assertiva decorre não só do fato de terem sido previstas quatro ações distintas na Via Direta (ADI, ADC, ADO e ADPF) e da ampliação dos entes legitimados para a instauração desse processo concentrado de controle abstrato, mas também da permanência, ao lado desse controle concentrado, de um sistema difuso, já tradicional em nossa ordem jurídica, que atribui competência aos juízes e aos tribunais para afastar a aplicação da lei in concreto, ou seja, pela via incidental. Por meio de inúmeras ações, como o habeas corpus, o Mandado de Segurança (coletivo), a Ação Popular, o Mandado de Injunção (coletivo), o habeas data e a Ação Civil Pública, os legitimados podem questionar indiretamente a constitucionalidade das leis.”
Como efeito da Emenda Constitucional n° 45/2004[xii], foram criados os institutos da Repercussão Geral e da Súmula Vinculante, fortalecendo a visão de que no Brasil temos um controle híbrido de controle jurisdicional, com características singulares absorvidas dos modelos de controle difuso e concentrado.
Talvez como resultado do crescente controle concentrado, o Poder Judiciário, através do Supremo Tribunal Federal, vem desempenhando papel de destaque, vezes por via da judicialização da política, vezes por via do ativismo judicial.
4 O controle jurisdicional de constitucionalidade brasileiro e a segurança jurídica decorrente
Superadas as etapas de compreensão da necessidade do controle de constitucionalidade, as doutrinas que o influenciaram e sua evolução histórica, falaremos neste ponto sobre os meios para fazê-lo, no sistema de controle jurisdicional de constitucionalidade brasileiro e a segurança jurídica decorrente da adoção do modelo híbrido.
4.1 Controle Difuso de Constitucionalidade
Iniciado no direito norte-americano, o controle difuso tem este nome devido a sua característica de distribuir a competência da guarda da constituição para todos os juízes e tribunais, em qualquer grau de jurisdição, analisarem incidentalmente em casos concretos. Nestes casos, não são as normas que são discutidas como objeto da demanda, se são ou não constitucionais, e sim determinada relação jurídica que tenha relação subjetiva com a constitucionalidade, sendo julgada anteriormente ao mérito, como fundamento de tal ação.
Siqueira Jr. (2011, p. 146) evidencia: “O controle de constitucionalidade difuso caracteriza-se pela possibilidade de qualquer juiz ou Tribunal, ao analisar um caso concreto, verificar a inconstitucionalidade da norma, arguida pela parte como meio de defesa. Nesse caso, o objeto principal da ação não é a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, sendo a mesma analisada incidentalmente ao julgamento de mérito. A declaração de inconstitucionalidade torna-se necessária para a solução do caso concreto em questão, ou seja, a apreciação de inconstitucionalidade tem o condão de decidir determinada relação jurídica, objeto principal da ação.”[xiii]
No mesmo sentido, elucida Ivo Dantas (2010, p. 177): “Na hipótese de controle incidental ou difuso, poderá ele ser exercido em qualquer tipo de ação, ou seja, de natureza cível, penal, trabalhista, tributária, etc., em processos de conhecimento, cautelar ou de execução, sendo de destacar que, ocorrendo a arguição, esta é feita em relação processual onde a lide a resolver-se tem por objeto matéria estranha ao controle, entrando a arguição apenas como incidente, e por isto mesmo, podendo ser arguida em qualquer grau ou juízo.”[xiv]
O próprio Supremo Tribunal Federal também tem a controle difuso, quando julga recursos extraordinários, habeas corpus e mandados. Da mesma forma que os demais tribunais, onde haja a necessidade de arguição incidental. Cabe a ressalva de que, tratando-se de decisões em tribunais, há de se observar a reserva de plenário (art. 97 da CF/88) para declaração de inconstitucionalidade de ato ou lei do Poder Público.
O efeito da coisa julgada no controle difuso é via de regra interpartes, vinculando apenas as partes do processo em questão, com os efeitos da coisa julgada alcançando apenas as partes envolvidas no litígio. Não sendo pacífico tal entendimento, parte da doutrina dita que a decisão do Supremo Tribunal Federal com maioria absoluta de votos, em controle difuso, que houver declarado inconstitucionalidade em ato ou lei do Poder Público, deveria ter força erga omnes, com força vinculante aos tribunais de instância inferiores em casos de mesma fundamentação de inconstitucionalidade.
Didier Júnior (2008, p. 267), sobre o controle difuso pelo Supremo Tribunal Federal relata que “[…] o controle, embora difuso, quando feito pelo STF (Pleno) tem força para vincular os demais órgãos do Poder Judiciário, assemelhando-se, nesta eficácia, ao controle concentrado de constitucionalidade.”[xv]
Sobre o mesmo tema, declara o Ministro Teori Zavascki (2014, p. 26) “[…] ademais, uma razão de ordem prática: se a norma é aplicável a um número indefinido de situações, não faz sentido repetir, para cada uma delas, o mesmo julgamento sobre a questão constitucional já resolvida em oportunidade anterior.”[xvi]
Continua o Ministro Teori Zavascki (2014, p. 28-29): “A outorga ou não de eficácia erga omnes às decisões sobre a legitimidade de normas tomadas no julgamento de casos concretos é problema que não recebeu tratamento uniforme no direito comparado, e o modo de enfrentá-la está na origem dos diferentes sistemas de controle de constitucionalidade das leis. Nos Estados Unidos, onde nasceu o método de controle difuso de constitucionalidade, o problema foi superado com a adoção da doutrina do stare decisis cuja consequência prática é a de atribuir eficácia erga omnes às decisões da Suprema Corte em matéria constitucional.”
Em decorrência do modelo híbrido adotado no Brasil, é de se esperar que o poder vinculante do Supremo Tribunal Federal assuma a prática no mundo jurídico, por força do princípio da segurança jurídica. Desta forma, o Senado Federal tem acolhido as decisões do Supremo Tribunal Federal em matéria de inconstitucionalidade incidental, embora o poder do Senado, segundo a Carta Magna, seja de “em todo ou em parte” (CF/88, artigo 52, X) acolher a decisão da Suprema Corte. Daí vem o entendimento não pacífico: de deixar resquícios da Constituição de 1934, de uma outra realidade social, política e jurídica, deixar o Senado Federal disciplinar de forma discricionária em última palavra a guarda da constitucionalidade, abrindo margem para a possibilidade de uma questão jurídica tornar-se política.
Hoje, no Supremo Tribunal Federal, o Ministro Gilmar Mendes é um dos percursores no debate sobre a alteração do artigo 52, X da Constituição Federal de 1988, garantindo o poder vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal em decisões de controle difuso, cabendo ao Senado Federal o papel de garantidor da publicidade da decisão, limitando o ato político em tais situações.
4.2 Controle Abstrato de Constitucionalidade
Foi na Constituição Federal de 1988 que o controle abstrato ou concentrado foi consagrado no constitucionalismo brasileiro. De influência da doutrina austríaca, positivado no ordenamento jurídico nacional através das ações diretas de inconstitucionalidade, ações declaratórias de constitucionalidade, ações de inconstitucionalidade por omissão e arguição de descumprimento de preceito fundamental, concentrando no Supremo Tribunal Federal a competência para julgar as ações de tal magnitude e nos Tribunais de Justiça para julgar matérias ligadas às Constituições Estaduais.
No controle abstrato, não há um caso específico, uma motivação singular. O que rege o controle abstrato é a própria segurança jurídica, o interesse público na resguarda da constituição em última análise. Veloso (2003, p. 61-62) explica, sobre o controle concentrado de constitucionalidade: “O controle concentrado se realiza através de um processo ‘objetivo’, para usar a expressão da doutrina alemã. Só o fato de vigorar uma lei que contraria a Constituição, afrontando o postulado da hierarquia constitucional, representa uma anomalia alarmante, um fator de insegurança que fere, profundamente, a ordem jurídica, desestabilizando o sistema normativo, reclamando providência expedita e drástica para a eliminação do preceito violador. E isto se faz independentemente de qualquer ofensa ou lesão a direito individual. No caso, é o interesse público que fala mais alto. O princípio da supremacia da Constituição é que é o valor supremo, que precisa ser defendido e resguardado, a todo poder que se possa.”[xvii]
Assim, o controle abstrato não trata de um caso concreto, e sim dos próprios atos ou leis que possam vir a ser dissonantes com a Constituição, com efeito erga omnes em todo o ordenamento jurídico nacional, incluindo não só os tribunais, mas também todas as esferas de Poder. Segue a seguir as ações de controle abstrato.
4.3 Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)
A ação Direta de Inconstitucionalidade é a ação mais comumente utilizada no controle constitucional concentrado brasileiro. Tem como objeto uma suposta lei ou ato inconstitucional Federal e Estadual revestidos de algum grau de abstratividade e generalidade, defendendo o princípio da Supremacia Constitucional. Segundo Orione Dantas Medeiros (2013, p. 201): “A Ação Direta de Inconstitucionalidade visa à defesa da ordem constitucional, possibilitando a extirpação de lei ou ato normativo inconstitucional do sistema jurídico. Não se visa – como ocorre no controle incidental – à garantia de direitos subjetivos, à libertação de alguém no acatamento de uma lei inconstitucional. O autor da ADI não atua na qualidade de alguém que postula interesse próprio, pessoal, mas na condição de defensor do interesse coletivo, traduzido na preservação da higidez do ordenamento jurídico.”
Segundo o artigo 103 da CF/88, são legitimados para o propor a ação direta de inconstitucionalidade:
“I) o Presidente da República;
II) a Mesa do Senado Federal;
III) a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV) a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
V) o Governador de Estado ou do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
VI) o Procurador-Geral da República;
VII) o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII) partido político com representação no Congresso Nacional;
IX) confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.”
Comparada às constituições anteriores, a Constituição atual aumentou o leque de legitimados, segundo a melhor doutrina democratizando o acesso ao Supremo Tribunal Federal. Sobre os legitimados para propor a ação, Renato Baptista Toledo Duran (2010, p. 4) explica em sua obra: “[…] a doutrina cria a distinção entre competência especial (legitimidade especial) e competência universal (legitimidade universal). Os legitimados especiais são: a Mesa da Assembleia Legislativa ou Câmara Legislativa do Distrito Federal (inciso IV), o Governador de Estado ou do Distrito Federal (inciso V) e, a confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional (inciso IX). Denominam-se como tal, pois além da competência para impetrar a ADI, existe também uma condição de pressuposto para a demanda, ou seja, somente poderão propor a ação se demonstrado a pertinência temática. Em outras palavras, vale dizer que elas deverão ter interesse direto na lei que é alvo de impugnação. Portanto, concomitante a legitimidade especial, exige-se também a demonstração do interesse na matéria tratada na ação, que nada mais é do que a pertinência temática, e, após essa constatação é que esses agentes estarão aptos para a propositura da ação direta.”[xviii]
Parte importante da evolução na legitimidade para propor a Ação Direta de Inconstitucionalidade foi a necessidade de haver interesse, pertinência do impetrante com o tema em questão, como pressuposto para interpor a ação.
A extensão dos efeitos da ação é, em via de regra, ex tunc, com os efeitos da coisa julgada indo até o nascimento do ato ou lei julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Excepcionalmente, há duas hipóteses entre as ações, são os efeitos ex tunc: Por razões de segurança jurídica e interesse social. Em ambos os casos, há a necessidade de dois terços da casa para aprovar tais efeitos, podendo ser a partir da coisa julgada ou noutro momento aprovado pelo plenário.
4.4 Ação de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO)
Esta ação, inspirada no constitucionalismo português, tem a finalidade de regulamentar situação jurídica previamente estabelecida pela Constituição Federal, dando eficácia às normas de eficácia limitada da Carta Magna através de um controle abstrato.
Renato Baptista Toledo Duran (2010, p. 5) explica em sua obra: “Ocorre que a Constituição demanda uma conduta positiva, que encontra respaldo na inércia, na atitude negativa do legislador ou do órgão administrativo responsável por tornar efetivo aquele preceito não autoaplicável da Constituição. É exatamente nisso que consiste o objeto da ADInPO, ou seja, procura-se dar eficácia, principalmente, às denominadas normas de eficácia limitada. Consiste em atribuir concretude às normas que dependam de complementação.”
A Ação de Inconstitucionalidade por Omissão tem como características ser ex tunc e erga omnes. Ao passo que, uma vez acolhida, comunica em 30 dias ao Poder Público para que as medidas cabíveis sejam tomadas.
Orione Dantas Medeiros (2013, p. 203) complementa: “O objetivo da ADO é implementar a norma faltante no ordenamento jurídico, promovendo a função integrativa do sistema jurídico. Contrariamente ao que sucede na ADI, cuja finalidade é expelir a norma impugnada do ordenamento, o fim da ADO é a obtenção de uma sentença contendo um comando dirigido ao poder ou ao órgão competente para que ele atue em obediência à norma constitucional a fim de ‘colmatar a lacuna jurídica’.”
Continua Orione Dantas Medeiros (2013, p. 203-204): “[…] este tem sido o entendimento do Pleno do STF em relação ao instituto da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão: ela confere ao Supremo Tribunal, unicamente, o poder de cientificar o legislador inadimplente, para que este adote as medidas necessárias à concretização do texto constitucional. Nesse sentido, não assiste ao Supremo Tribunal Federal criar regras, em face dos próprios limites fixados pela Lei Maior, em sede de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2o, da CF/88).”
A dificuldade encontrada pelo Supremo Tribunal Federal é a ausência de prazo e força para fazer o legislador para produzir o complemento necessário à Constituição.
4.5 Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC)
A Ação Declaratória de Constitucionalidade tem por objetivo, como o próprio nome credita, declarar a constitucionalidade de leis e atos do Poder Público Federal unicamente. Possui força vinculante, erga omnes, impedindo que outras ações peçam a inconstitucionalidade da norma ou ato.
Renato Baptista Toledo Duran (2010, p. 07) explica: “[…] poderá o STF, ainda, proclamar a constitucionalidade da lei ou ato normativo, frise-se, por fundamentos distintos daqueles apontados pelo autor. Tanto uma quanto a outra, por não se sujeitarem a prescrição ou a decadência, podem ser propostas a qualquer tempo. Não se admite a desistência. Assim como na ação direta, a ação declaratória possui efeito erga omnes (contra todos), ex tunc (retroativos) e força vinculante. Por fim, ambas não podem ser objetos de ação rescisória, conferindo, ainda, as suas decisões de mérito o caráter da irrecorribilidade.”
Segundo o artigo 103 da CF/88, são legitimados para o propor a ação:
“I) o Presidente da República;
II) a Mesa do Senado Federal;
III) a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV) a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
V) o Governador de Estado ou do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
VI) o Procurador-Geral da República;
VII) o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII) partido político com representação no Congresso Nacional;
IX) confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.”
Novamente, percebemos a nítida escolha do legislador em conferir à Ação Declaratória de Constitucionalidade os mesmos legitimados para propor a ação, numa clara referência à democratização do acesso ao Tribunal Superior.
Continua Renato Baptista Toledo Duran (2010, p. 07): “[…] ela busca manter a harmonia do sistema constitucional. Por essa razão, apresenta um requisito essencial e indispensável para o cabimento da demanda. Trata-se da existência de relevante controvérsia judicial que possa acarretar a instabilidade do sistema. Frise-se que o termo ora utilizado foi o “judicial”, pois já é pacífico o entendimento no STF quanto à impossibilidade de propositura da ação declaratória com base em mera polêmica doutrinária, ou seja, deve existir invariavelmente a controvérsia judicial, não sendo aceitável a comprovação de desavença doutrinária.”
Novamente, a preocupação do legislador e da própria Suprema Corte em delimitar o requisito essencial para a demanda, claramente fundamentados nos princípios da segurança jurídica, do justo processo legal e da celeridade do processo.
4.6 Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)
Regulamentada em 1999, com o fito de complementar o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade concentrada, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental tem por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental como resultado de ato do Poder Público, com força erga omnes e efeito vinculante. Não exige caso concreto, podendo ser levado a juízo por interpretação em abstrato da norma ou ato.
Orione Dantas de Medeiros (2013, p. 204) ilustra: “Esse novo instituto representou uma relevante alteração no sistema de controle de constitucionalidade. Até a instituição da ADPF, o direito municipal e o direito pré-constitucional não podiam ter a sua validade em abstrato impugnada perante o STF, uma vez que, conforme já demonstrado, a ADI e a ADC só admitem como objeto de questionamento as leis e os atos normativos praticados na vigência da Constituição Federal de 1988.”
Ainda não pacífico na doutrina, é discutida pelos doutrinadores a extensão da interpretação do termo “preceito”. De qualquer forma, é pacífico que preceito é direta e logicamente ligado aos princípios basilares da Constituição.
Conclusão
Na história do constitucionalismo brasileiro, algumas doutrinas estrangeiras influenciaram a construção do sistema de controle constitucional. Uma jornada pelo modelo europeu francês, passando pelos modelos norte-americano de controle difuso e europeu austríaco de Hans Kelsen de controle concentrado, alcançando nos dias atuais a influência do modelo português, através das ações de inconstitucionalidade por omissão. Em todos estes casos aqui narrados, o que podemos perceber é a escalada do controle constitucional, rumo a um modelo sólido, que não só transmita segurança jurídica, mas que de fato alcance tal ensejo.
O efeito vinculativo dos julgamentos em controle abstrato e difuso de constitucionalidade na Suprema Corte outorgam eficácia e harmonia ao sistema jurisdicional brasileiro, gerando certeza e certo grau de previsibilidade na coisa julgada. Por outro lado, a crescente concentração de competências do Supremo Tribunal Federal pode vir a ser, num futuro próximo, motivadora para alteração deste status quo.
Hodiernamente temos um sistema misto complexo, que combina as características dos modelos doutrinários aqui expostos, adaptado à realidade e aos desafios brasileiros. Como resultado dessa escalada da rigidez constitucional em conjunto com uma democratização do acesso ao judiciário, temos um Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, muitas vezes protagonista nos desafios da construção de uma sociedade brasileira mais justa, humana, para todos.
Longe de termos um sistema perfeito, a prova de falhas, temos um sistema de controle de constitucionalidade que, mesmo transmitindo rigidez no seu controle, consegue adaptar-se aos desafios e corrigir falhas, em grande parte devido à habilidade dos Ministros da Suprema Corte e aos poderes que lhes foram conferidos pela Constituição Federal de 1988, que atestam legalidade aos atos do Poder Público, boa-fé, confiança jurídica nas decisões do Poder Judiciário, concedendo legitimidade à expressão de que o Brasil é um Estado Democrático de Direito.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande. Pós-graduado em Direito Público
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