Resumo: O presente trabalho apresenta a questão do depositário infiel e o deferimento de sua prisão em processo de execução. O tema é de relevante discussão atualmente, devido às novas competências do Direito Processual Civil, gerando destaque em inúmeros julgados na jurisprudência. O assunto tem definição junto à lei processual civil, sendo aplicada em decorrência da reforma processual trazida com a lei 11.382/2006 e encontrando-se amplas decisões no âmbito dos Tribunais Estaduais e também no Tribunal Superior. A justiça, como um todo, trabalha dentro do objetivo de garantir a execução de seus julgados e saldar o crédito do exeqüente, diante disso uma das ações coercitivas realizadas para a configuração de uma correta execução é a prisão do depositário infiel quando este não cumprir as responsabilidades que lhe forem conferidas.
Palavras-chave: Execução. Depositário Infiel. Lei 11.382/2006.
Sumário: 1 Introdução. 2 Definição e caracterização da figura do depositário. 3 A prisão do Depositário Infiel e o Pacto da Costa Rica. 4 O depositário infiel sob a ótica da reforma processual civil. 5 A prisão do depositário infiel e a desnecessidade de ação autônoma. 6 A prisão do depositário infiel e as garantias constitucionais. 7 Conclusão. 8 Referências bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO
O direito atribui às pessoas vários direitos e obrigações, entre os direitos está o de colaborar para o bem estar geral, sempre protegendo o seu conteúdo ético.
A doutrina e também a jurisprudência têm se preocupado em ressaltar que o processo é um instrumento ético garantidor de direitos, sendo que essas premissas se tornam muito atuais quando comparadas ao objeto do presente estudo, qual seja, a prisão do depositário infiel.
Sendo assim, o objeto do presente estudo faz parte de algumas das inovações trazidas para o Direito Processual Civil com a Lei 11.382/2006, tanto a figura da prisão do depositário infiel quanto à possibilidade de ser esta decretada em processo de execução e quando seria esta cabível.
A matéria em questão é extremamente exemplificativa, pois a jurisprudência e a doutrina é generosa em seus entendimentos, atribuindo definições e entendimentos que serão analisados no decorrer deste singelo estudo.
2 DEFINIÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA FIGURA DO DEPOSITÁRIO
O vocábulo depositário é expressão usada para aquelas pessoas que recebem alguma coisa em depósito. Sua origem vem do latim deponere e significa pessoa a quem se entrega ou se confia algo.
Segundo a autora Edna Luiza Nobre Galvão (2000), a figura do depósito tem sua origem em três vertentes:
“a) do contrato, previsto no Código Civil (arts. 1265 e seguintes.); b) da lei, como no caso do depósito necessário previsto no artigo 1282, I e II da Lei Civil, em relação a alienação fiduciária, objeto estranho ao presente trabalho e c) de ato judicial, quando o depositário assume um encargo que lhe é deferido pelo Poder Judiciário, responsabilizando-se, como longa manus da Justiça, a guardar o bem até que, por ordem judicial, lhe seja solicitado”.
Dentro do estudo aqui abordado a origem do depósito, a interessar, é aquela oriunda do processo de execução, ao passo que este depósito e conseqüentemente o depositário, se originam a partir da penhora, que após realizada necessita de alguém que a preserve até segunda ordem da justiça.
Carlos Henrique Bezerra Leite (2006, p. 851), aponta algumas características e o principal objetivo do depósito dentro do processo:
“O objetivo do depósito reside na manutenção e na conservação dos bens penhorados, de modo que propicie a plena realização da finalidade do processo de execução. O depositário pode ser público ou particular. Em ambos os casos será sempre um auxiliar da justiça, exercendo, pois, função de caráter público. Embora não haja vedação legal, não é recomendável que a nomeação de depositário recaia em empregado do executado, mormente quando este for ocupante de cargo ou função hierarquicamente inferior na empresa, tendo em vista a sua condição de vulnerabilidade perante o empregado”.
Como se pode observar, a figura do depositário é de suma importância para a configuração da execução, da mesma forma que este tem obrigação legal de após aceita a respectiva função, guardar e conservar o bem ou bens penhorados, empregando zelo e cuidado.
Em relação a este ponto o autor Wagner D. Giglio (2005, p. 519), menciona:
“O auto de penhora, lavrado pelo oficial de justiça, deverá conter a data o local em que foi feito, os nomes do exeqüente e do executado, a descrição clara e precisa dos bens penhorados, para que possam ser identificados com segurança, e a nomeação do depositário (CPC,665), não exige este texto, como fazia o revogado Decreto-lei n. 960/38 (art. 15), a menção do nome e assinatura do depositário, o relato de quaisquer outras circunstâncias relevantes, pertinentes à diligência, e a assinatura do oficial de justiça. A menção ao nome do depositário é exigência que pode ser presumida como integrante do texto do art. 665, quando estipula a obrigação do oficial de justiça de nomear um depositário.
É desta forma que se dá o surgimento do depositário, sendo que a figura do depositário infiel somente surge no momento em que este não cumpre com a responsabilidade que assumiu ao aceitar o encargo.
Ainda com relação à questão do auto de penhora do oficial de justiça, entende o já referido autor (GIGLIO, 2005, p. 519):
“Muito embora certidão da diligência goze de fé publica, parece-nos de boa técnica que o oficial de justiça tente obter a assinatura do depositário, para maior certeza que ficou ciente das responsabilidades que assumiu. É que as conseqüências podem ser graves, indo até a prisão por desvio dos bens, e não convém subsistam dúvidas sobre a lisura do comportamento do oficial de justiça.”
Outra característica bastante importante com relação a esta figura é que o mesmo não poderá dispor juridicamente da coisa que está em depósito, pois o domínio pertence ao executado, devendo o depositário desta forma, aguardar as determinações do judiciário.
Questão interessante ainda é com relação à aceitação pelo devedor do encargo de depositário, sendo que, o mesmo não está automaticamente obrigado a aceitar ser depositário dos bens nomeados à penhora.
No mesmo sentido está a súmula 319 do STJ que determina: Súmula 319 “O encargo de depositário de bens penhorados pode ser expressamente recusado.”
A respeito disso Edna Luiza Nobre Galvão (2000), alerta:
“Nem sempre a figura do depositário é a mesma do devedor. O código processual permite, que em casos de recusa, possam figurar como depositário, instituições financeiras, até mesmo privadas; depósito judicial (provavelmente um funcionário público) ou mesmo qualquer pessoa particular estranha à divida”.
Caso o devedor não queira figurar como depositário, existem outras possibilidades de depósito, bem como de depositário, podendo até ser pessoa estranha a relação envolvendo a dívida em questão.
Sobre este enfoque existem ainda outras opiniões dentro da doutrina, como a de Wagner D. Giglio (2005, p. 519), que assim se posiciona:
“Assim, na hipótese de o depositário se recusar a assinar o auto, parece-nos recomendável a cautela de se exigir sua descrição: altura e peso aproximados, idade estimada, cor de cabelo e de olhos, e outros sinais identificadores, tais como barba, bigode, óculos, etc”.
Se o depositário se recusa a assinar o auto de penhora e depósito é por que não concorda com o fato de ser depositário, o que acarretaria o seu desligamento do processo e da penhora, não sendo possível recair sobre ele os efeitos da decretação da figura do depositário infiel.
Como destaca a súmula 304 do Superior Tribunal de Justiça: “É ilegal a decretação da prisão civil daquele que não assume expressamente o encargo de depositário judicial.” Desta forma, somente pode-se dar a prisão do depositário infiel se este tiver expressamente aceito esta condição, no ato do penhora e depósito.
Feita a definição e expostas algumas características do depositário e a configuração da qualidade de depositário infiel, passa-se ao estudo da figura do depositário infiel dentro da reforma tratada no Processo Civil.
3 A PRISÃO DO DEPOSITÁRIO INFIEL E O PACTO DA COSTA RICA
Questão bastante destacada, com relação a prisão do depositário infiel, está dentro do Pacto de São José da Costa Rica, ocorrido em 1992 (Decreto nº.: 678, de 06 de novembro de 1992), que dispõe em seu artigo 7º, § 7º: “Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.”
Com relação ao exposto no Pacto, que foi recepcionado pela legislação brasileira, o Supremo Tribunal Federal foi instigado a se pronunciar sobre a prisão por dívida do depositário infiel, por ocorrer um confronto entre o referido Pacto e a Constituição Federal no inciso LXVII que menciona: “
Da mesma forma, com relação à questão exposta, muitos doutrinadores apontaram várias discussões, chegando à maioria a defender a corrente que defende a validação do tratado internacional, como segue nas palavras do autor José Guilherme Bernard Corrêa Pinto (2008):
“Parte da doutrina passou a defender a impossibilidade da prisão do depositário infiel, sendo que os tratados internacionais sobre direitos humanos possuiriam status de normas constitucionais, por força do § 2º, do art. 5º da Constituição, que estabelece: “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Para esta corrente doutrinária, portanto o Pacto de São José da Costa Rica teria derrogado, neste ponto, a Constituição de 1988, ampliando-se a proteção contra a prisão civil”.
Entendeu-se que os tratados internacionais sobre os direitos humanos entram no Brasil com força de norma Constitucional, dotada de supremacia, mas, não é esse o entendimento do Supremo Tribunal Federal, mais precisamente do Ministro Moreira Alves, que em habeas corpus (HC 72.131-RJ), entendeu que:
“Por fim, nada interfere na questão do depositário infiel em matéria de alienação fiduciária a Convenção de San José da Costa Rica, por estabelecer, no § 7º de seu artigo 7º que: “Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”. Com efeito, é pacífico na jurisprudência desta Corte que os tratados internacionais ingressam em nosso ordenamento jurídico tão somente com força de lei ordinária (o que ficou ainda mais evidente em face de o artigo 105, III, da Constituição que capitula, como caso de recurso especial a ser julgado pelo Superior Tribunal de Justiça como ocorre em relação à lei infraconstitucional, a negativa de vigência a tratado ou a contrariedade a ele), não se lhes aplicando, quando tendo eles integrado nossa ordem jurídica posteriormente à Constituição de 1988, o disposto no artigo 5º, § 2º, pela singela razão de que não se admite emenda constitucional realizada por meio de ratificação de tratado. Sendo, pois, mero dispositivo legal ordinário este § 7º do artigo 7º não pode restringir o alcance das exceções previstas no artigo 5º, LVII, da nossa atual Constituição (e note-se que essas exceções se sobrepõem ao direito fundamental do devedor em não ser suscetível de prisão civil, o que implica em verdadeiro direito fundamental dos credores de dívida alimentar e de depósito convencional ou necessário), até para o efeito de revogar, por interpretação inconstitucional de seu silêncio no sentido de não admitir o que a Constituição brasileira admite expressamente, as normas sobre a prisão civil do depositário infiel, e isso sem ainda se levar em consideração que, sendo o artigo § 7º, § 7º, dessa Convenção norma de caráter geral, não revoga ele o disposto, em legislação especial, como é a relativa à alienação fiduciária em garantia, no tocante à sua disciplina do devedor como depositário necessário, suscetível de prisão civil se tornar depositário infiel.”
Sendo assim, compreendeu-se que os tratados internacionais têm valor de lei ordinária, o que não recepcionaria o entendimento de que não seria mais possível a prisão por dívida. À título de exemplificação, cita-se julgado a respeito da prisão do depositário infiel (HC 72.131, 22.11.95 e RE 206.482, 27.5.98):
“Prisão civil de depositário infiel (CF, art.5º, LXVII): validade da que atinge devedor fiduciante, vencido em ação de depósito, que não entregou o bem objeto de alienação fiduciária em garantia: jurisprudência reafirmada pelo Plenário do STF – mesmo na vigência do Pacto de São José da Costa Rica (HC 72.131, 22.11.95, e RE 206.482, 27.5.98) – à qual se rende, com ressalva, o relator, convicto da sua inconformidade com a Constituição. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE345345 / SP – SÃO PAULO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE. Julgamento: 25/02/2003. Órgão Julgador: Primeira Turma.)”
Fica evidenciada a importância e atualidade da discussão, com relação ao Pacto de São José da Costa Rica e a prisão do depositário infiel, questão pautada de que os compromissos assumidos em tratado internacional não minimiza o conceito de soberania nacional, devendo, portanto, serem estes tratados interpretados com as limitações impostas pela Constituição Federal.
4 O DEPOSITÁRIO INFIEL SOB A ÓTICA DA REFORMA PROCESSUAL CIVIL
O artigo 666 do Código de Processo Civil trouxe algumas alterações com relação ao depósito dos bens quando da ocorrência da penhora. Uma destas está no fato de que antes da reforma os bens eram deixados sob a responsabilidade do executado e somente com a discordância do exeqüente é que os bens eram confiados a outro depositário.
O autor Humberto Theodoro Júnior (2007, p. 94) comenta o assunto:
“Com a reforma operada pela lei nº.: 11.382/2006, não há mais a preferência genérica em favor do executado (isto é, do dono dos bens penhorados). O encargo de depositário somente por exceção ser-lhe-á atribuído. A regra geral é o deslocamento do bem penhorado para a guarda de outrem. Em duas situações excepcionais o executado assumirá o encargo, segundo a previsão do §1º do artigo 666: a) quando houver expressa anuência do exeqüente qualquer que seja o bem penhorado; de modo que não é mais a impugnação de exeqüente que afasta o executado da função de depositário, mas é a liberdade do credor que permite, eventualmente, assunção do encargo processual pelo devedor; b) serão mantidos em poder do (que assumirá o encargo de depositário) os bens penhorados que forem de difícil remoção”.
Os autores Jaqueline Mielke Silva, José Tadeu Neves Xavier e Jânia Maria Lopes Saldanha (2007, p. 158), comentam com relação a mudança que exige expressa anuência do credor para que o devedor assuma o encargo de depositário:
“Tendo em vista os riscos e os custos que o depositário gera, dificilmente terceiros, terão interesse em exercer o encargo, sendo o executado o maior interessado, pois, em continuar exercendo posse sobre a coisa. Na generalidade das execuções, o executado efetivamente é o depositário, sem a oposição do exeqüente. A alteração legislativa apenas veio a positivar uma situação que já existe nos processos judiciais. Nos termos do novel §1º,apenas se houver a expressa anuência do exeqüente, os bens poderão ser depositados em nome do executado. Parece-nos um exagero a expressa anuência. Entendemos que, no silêncio do exeqüente, o executado deva ser aceito como depositário”.
Os autores citados apontam que o que ocorreu é apenas uma efetivação ou concretização do que estava acontecendo nos processos judiciais. A propósito os autores Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2007, p. 278-9) lecionam:
“Afirma o CPC que o depósito deve ser feito, em regra, em mãos de terceiro, não devendo o bem ficar nem com o credor nem com o devedor (art. 666). A conservação da posse sobre a coisa – na pendência da execução- estimula o devedor a empregar expedientes protelatórios com o fito de manter o status quo. Diante disto, o artigo 666, § 1º, na redação da Lei 11.832/2006, admite que o executado seja nomeado depositário apenas em duas hipóteses: i) quando houver expressa anuência do exeqüente ou ii) nos casos de difícil remoção do bem. Ressalvadas essas situações, o depósito dar-se-á sempre em mãos de terceiros.”
Desta forma pode-se perceber que o artigo 666, em seu §1º, trouxe mudanças no sentido de atingir mais particularmente o depósito de bens em processo de execução, aplicando-se o depósito junto ao executado quando ocorrer a anuência do exeqüente ou quando o bem penhorado for de difícil remoção.
5 A PRISÃO DO DEPOSITÁRIO INFIEL E A DESNECESSIDADE DE AÇÃO AUTÔNOMA
Como já foi evidenciado o depósito é ato complementar da penhora cuja principal função é conservar a coisa, como apontam os já citados autores Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2007, p. 278-9):
“O depósito é ato complementar à penhora, realizando a função de conservar a coisa. Porém, o principal objetivo da penhora que é a separação do bem para a satisfação do crédito objeto da execução ocorre com a elaboração do documento que atesta a existência do gravame processual, independentemente de qualquer outra providência. O depósito pode até mesmo inexistir, como ocorre com os direitos que estiverem sendo pleiteados judicialmente já que não se pode considerar como depositário o autor no processo em cujos autos a penhora é averbada. De todo modo, o depósito é providência naturalmente vinculada à penhora, sendo uma das suas conseqüências. Se a penhora impõe o dever de conservar o bem (em que se especifica a responsabilidade pela divida executada) até a sua alienação, alguém deve responsabilizar-se por esta conservação, surgindo estão a figura do depositário.”
Ocorre que após o depósito surgem os efeitos inerentes a esta figura, entre eles o de responder pelos prejuízos causados à coisa, podendo até mesmo ser considerado depositário infiel.
O depositário apenas irá responder por seu encargo se tiver agido com dolo ou culpa, nestes casos poderá ser ressarcido pelas despesas que teve no exercício do encargo, mas perderá o direito a remuneração conforme artigo 150 do Código de Processo Civil.
Caso o depositário ao ser chamado a juízo para entregar o bem, não o faço poderá ser responsabilizado, como comenta os autores Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2007, p. 279):
“É dever do depositário restituir a coisa, quando instado pelo juízo da execução. Em não fazendo, será considerado depositário infiel, sujeitando-se a prisão civil, de até um ano (art. 902, §1º, do CPC). Havia controvérsias doutrinárias sobre a necessidade ou não de se ajuizar ação de depósito para se aplicar a prisão civil ao depositário infiel. Atualmente, não há mais qualquer dúvida sobre a desnecessidade de se propor tal ação, afirmando literalmente o §3º, do artigo 666 que “a prisão de depositário judicial infiel será decretada no próprio processo, independentemente de ação de depósito”.”
Desta forma como o depositário tem o dever de proteção do bem, sob pena de prisão o mesmo pode a qualquer momento requerer as providências judiciais que achar convenientes devendo de qualquer forma ser restituído de qualquer despesa que acarretar o depósito.
No mesmo sentido está a sumula 619 de STF que determina: “a prisão do depositário judicial pode ser decretada no próprio processo em que se constituiu o encargo, independentemente da propositura de ação de depósito.”
Neste contexto também não é necessário que o depositário ajuíze ação autônoma para garantir a proteção do bem do qual seja responsável contra violação da posse de terceiro, pois, uma vez que ocorra esbulho ou turbação na posse do referido bem “poderá reclamar ordem de reintegração ou manutenção de posse na própria execução, sendo dispensável a propositura da ação judicial. Isto se dá porque o vínculo de posse em prol do depositário é de cunho judicial, afronta à autoridade do Estado.” (Marinoni, 2007, p. 280.)
Araken de Assis (2005, p. 580), comenta sobre os poderes do depositário:
“Em razão do regime de posse no direito pátrio, tanto o depositário, quanto o executado ostentam legitimidade para promover em juízo os interditos possessórios porventura cabíveis, mas só o devedor pode reivindicar. Legitima-se o depositário, por igual, no concernente às medidas cautelares relativas à conservação da coisa. Para tais iniciativas, concernentes aos poderes ordinários de administração, de nenhuma autorização judicial prévia carece o depositário.”
Com relação mais especificamente a divergência sobre o procedimento mais adequado para a decretação da prisão civil do depositário infiel, esta acabou no momento da chegada da Lei 11.832/2006, pondo fim a polêmica ao determinar que a prisão pode ser decretada dentro do processo de execução.
A respeito da questão apresentada os autores Jaqueline Mielke Silva, José Tadeu Neves Xavier e Jânia Maria Lopes Saldanha (2007, p. 159), apontam:
“Pondo fim à grande divergência sobre o procedimento adequado para a decretação da prisão civil do depositário infiel, o legislador avança para concentrar essa possibilidade no próprio processo de execução, concedendo ao juiz da causa o poder de decretar a prisão. Assim o legislador optou por seguir o entendimento que já gozava de maior prestigio tanto no STF quanto no STJ, no sentido de acolher o reconhecimento do poder de polícia do juiz da causa, sendo a prisão civil do depositário infiel um incidente do processo executivo. Fica, portanto, afastada a discussão acerca da necessidade de instauração de uma específica ação de depósito.”
Em relação ao mesmo assunto o autor Humberto Theodoro Júnior (2007, p. 96) expõe sobre a divergência:
“Antiga e grande divergência pairava sobre o cabimento da prisão civil como medida coercitiva contra o depositário judicial, independentemente da ação de depósito. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, se inclinava por admitir a sanção, como exercício do poder de polícia do juiz da causa, praticado incidentalmente no processo em que o depósito se aperfeiçoa, outros tribunais, porém resistiam a este entendimento.”
A jurisprudência (RHC 19.766, 17.10.06) se pronuncia no seguinte sentido:
“CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. DEPOSITÁRIO INFIEL. PACTO DE SÃO JOSE DA COSTA RICA. PREVALÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. A prisão do depositário infiel, por tempo não superior a um ano, encontra amparo no artigo 5º, inciso LXVII, da Constituição da República, com vista a compelir o depositário infiel a cumprir sua obrigação, previsão que também resta contemplada no novel Código Civil Brasileiro. 2. É assente no Supremo Tribunal Federal que a ratificação pelo Brasil, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e do Pacto de São José da Costa Rica, não revogou a possibilidade de se decretar a prisão civil do depositário infiel. 3. A prisão do depositário infiel conforme jurisprudência compendiada na Súmula 619 do Supremo Tribunal Federal, “pode ser decretada no próprio processo em que se constitui o encargo, independentemente da propositura da ação de depósito”. 4. In casu, a probabilidade da decretação da prisão decorre do não-cumprimento, pelo depositário judicial, da determinação constante de mandado de intimação, para que apresentasse os bens penhorados que se encontravam sob sua guarda. 5. Regulamente constituída a penhora e aceito o encargo de depositário pelo paciente, sem que nenhum fato posterior possa excusar-lhe a responsabilidade, correta a decretação da prisão pelo descumprimento da obrigação de apresentar os bens ou o valor equivalente em dinheiro (CPC, art. 902, I). Não o fazendo, sujeita-se à prisão por infidelidade ao depósito, nos termos do art. 904, parágrafo único, do CPC. 7. Recurso Ordinário Desprovido. (RHC 19.766. rel. Min. Luiz Fux. 1ª Turma. 17.10.06).”
No sentido do cabimento da ação de depósito o autor Araken de Assis (2006, p. 279.) expõe:
“Segundo a orientação consolidada na jurisprudência, recusando-se o depositário o restituir o bem, apesar de pessoalmente intimado, e propiciada ampla defesa, por exemplo, é ilegal aplicar a sanção ao depositário que provou a destruição do bem apesar de tomadas as cautelas ordinárias, cabe ao órgão judiciário decretar-lhe a prisão nos próprios autos da execução, independentemente de ação autônoma de depósito (súmula 619 do STJ). Para tal efeito mostra-se imprescindível que o depositário tenha assumido a função voluntariamente, por si ou através de procurador com poderes especiais de firmar compromisso (art. 38). É uma incógnita o entendimento que se formará acerca da possibilidade de prender o devedor que assumiu função de depositário fictamente (art. 659, §5º).”
Como se observa, anteriormente da ocorrência da reforma, a prisão do depositário deveria ser requerida em ação de depósito, com a mudança advinda da Lei 11.382/2006, a prisão poderá ser requerida e decretada no próprio processo de execução, conforme dispõe o §3° do artigo 666 do CPC.
Menciona ainda a súmula 304, do Superior Tribunal de Justiça “é ilegal a decretação da prisão civil daquele que não assume expressamente o encargo de depositário judicial”.
Assim, tem-se que não se pode decretar nem prender aquele que não assumiu o encargo de depositário no ato da penhora e depósito de bens para garantia do processo de execução.
O autor Araken de Assis (2005, p. 581), expõe algumas razões com relação a súmula estudada:
“Mercê da nova redação do art. 659. §5º, abrandou-se a exigência, na penhora de imóvel, pois a assunção do depósito é ficta, decorrente da intimação do termo. No entanto a edição da Súmula 304 do STJ, na vigência do §5º do art. 659, revela que a orientação liberal continua em vigor. Por conseguinte, não se sujeita à prisão o depositário investido de modo ficto em sua função, ou seja, sem a correspondente declaração de vontade.”
No sentido de manter a efetividade da liberdade de quem não assumiu o encargo de depositário a jurisprudência se pronuncia:
6 A PRISÃO DO DEPOSITÁRIO INFIEL E AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS
Como pode ser analisado a prisão do depositário infiel, com a reforma processual, passou a ser deferida nos próprios autos do processo de execução, mas ainda não se referiu as garantias de defesa a que o depositário tem direito.
A prisão do depositário infiel é um assunto e uma decisão que exige muita cautela, cuidados devem ser tomados como forma de não ocorrer injustiça dentro do processo.
Com relação aos meios adequados a se observar, o autor Araken de Assis (2005, p. 582) leciona:
“Legitimar-se-á a prisão de depositário judicial, nos próprios autos em que se constitui o encargo, através de rigorosa observância do devido processo legal, embora internamente a execução. Torna-se necessário, pois, intimar o depositário explicitamente, assegura-lhe acesso à prova (p. ex. para comprovar o desaparecimento fortuito da coisa), examinar suas alegações e fundamentar o pronunciamento que decretar a prisão, a teor do art. 165. Assim, o caso fortuito e a força maior, se devidamente provados, elidem o descumprimento ao dever de restituição.”
A temática da prisão do depositário infiel abrange as garantias constitucionais que devem ser plenamente respeitadas, de acordo está o autor Humberto Theodoro Júnior (2007, p. 97), que aponta:
“Permitido o decreto incidental da prisão civil do depositário judicial que não restitui os bens sob sua custódia, não cabe ao juiz fazê-lo sem antes ensejar-lhe o direito de defesa e esclarecimento sobre o desaparecimento dos objetos penhorados. A garantia do contraditório e da ampla defesa não lhe pode ser negada, sob pena de grave ofensa aos incisos LIV e LV do art. 5º, da Constituição. Até mesmo da possibilidade de depositar o preço do bem penhorado deve ser admitida como defesa capaz de evitar a prisão, na espécie.”
As garantias constitucionais devem ser preservadas com relação a decretação da prisão do depositário judicial que não cumpre o seu encargo, lhe dando primeiramente a oportunidade de se pronunciar e fazer provas que evidenciem o porque do desaparecimento do bem, não sendo a sua culpa, não há como condená-lo a prisão.
Em relação ao direito de defesa pelo depositário os autores Jaqueline Mielke Silva, José Tadeu Neves Xavier e Jânia Maria Lopes Saldanha (2007, p. 159), apontam suas lições afirmando:
“É inequívoco que a situação que se estabelece não está isenta de várias ponderações. A primeira refere-se ao caráter ostensivo da medida, uma vez que supre a liberdade da pessoa. Desse modo, seja depositário uma das partes- exeqüente ou executado- deve ser-lhe assegurado o devido processo legal, acompanhado do contraditório, em obediência ao artigo 5º, LIV e LV da CF. Além disso, tratando-se de depositário terceiro, estranho ao processo, mais ainda devem ser asseguradas essas garantias constitucionais.”
Como jamais pode deixar de ser as garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa e até mesmo da legalidade devem ser preservados para que não ocorram injustiças, principalmente em casos como os que envolvem o processo de execução e o depositário de bens.
7 CONCLUSÃO
O presente artigo, sem pretensão de esgotar o tema, procurou de forma objetiva demonstrar o conceito de depositário, bem como a sua importância dentro do processo de execução, uma vez que para a penhora ser concretizada é necessário efetivar o depósito dos bens, segundo os artigos 664 e 666 do Código de Processo Civil.
No decorrer do tempo, devido a não conservação e zelo destes bens, ou pela oneração, o depositário pode se tornar infiel, o que constitucionalmente pode ser passível de prisão civil.
A Justiça tem o poder de executar os seus respectivos julgados e fazer a respectiva cobrança dos créditos do exeqüente, inclusive com a decretação da prisão civil do depositário infiel, sendo que a jurisprudência tem tratado de forma sábia cada caso que é declinado ao seu entendimento.
Como já mencionado, a medida a ser imposta ao depositário infiel é a prisão civil, mas surge também dentro desta temática, outra questão de relevante importância, qual seja, a figura da impetração do habeas corpus, que é analisado com profundidade pelos julgadores dos Tribunais.
Desta forma, o ordenamento jurídico procura proteger os direitos do credor, mas ao mesmo tempo deve tratar a figura do depositário infiel e conseqüentemente a sua prisão com muita cautela, analisando caso a caso, como vem sendo observado na prática forense.
Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul, RS, UNISC. Especialista em Direito Civil e Processo Civil pelo Instituto Ritter dos Reis, Canoas, RS. Professora da Graduação e Pós-Graduação em Direito Processual Civil na Universidade Luterana do Brasil, ULBRA – Campus Santa Maria. Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Direito Processual Civil e do Núcleo de Prática da Ulbra – Santa Maria/RS. Advogada
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