Resumo: O objetivo deste artigo consiste em analisar a reforma do Código Florestal Brasileiro frente ao princípio do desenvolvimento sustentável presente na Constituição da República. O texto verificará se é possível promover a preservação da natureza com a flexibilização da legislação ambiental, em especial com a retirada da obrigatoriedade da reserva legal na propriedade rural.
Palavras-chave: Desenvolvimento sustentável, reforma do Código Florestal, reserva legal.
Abstract: The aim of this paper is to analyze the reform of the Brazilian Forest Code against the principle of sustainable development in this Constitution. The text will verify if it is possible to promote the preservation of nature with the flexibility of environmental legislation, particularly with the removal of the mandatory legal reserve in the rural property.
Key-words: Sustainable development, reform of the Brazilian Forest Code, mandatory legal reserve.
Sumário: 1. Introdução. 2. Meio ambiente e Constituição no Brasil. 3. Desenvolvimento sustentável e preservação do meio ambiente. 4. A reforma do Código Florestal. 5. Conclusão. Referências Bibliográficas.
1. Introdução
A temática ambiental é uma novidade na ordem constitucional brasileira pós-1988, pois nos textos constitucionais anteriores nunca houve uma preocupação real para o meio ambiente e para com todas as possibilidades de vida saudável a partir da realização do desenvolvimento sustentável. No Brasil, a Lei 6.803/1980 que estabelece o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição inaugurou a efetiva proteção para o meio ambiente diante do desenvolvimento industrial. Posteriormente a esta, a Lei 6.938/1981 instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, dando certo enfoque para a temática de um desenvolvimento pautado pela sustentabilidade.
O Código Florestal (Lei 4.771/1965) veio para proteger as florestas brasileiras, bem como evitar que a devastação fosse uma realidade no país, ao instituir, por exemplo, uma limitação ao direito de propriedade com as áreas de preservação permanente, a reserva legal florestal. Contudo, esta limitação está sendo objeto de críticas no Congresso Nacional, inclusive com a busca de se criar novas diretrizes ambientais no Brasil com a reforma do referido Código.
Mas, não se pode deixar de afirmar que
“a Reserva Florestal Legal é uma limitação inerente ao atendimento da função social no exercício do direito da propriedade rural, recomendada pela Carta Constitucional de 1988, independentemente da vegetação ali existente (natural, primitiva, regenerada ou plantada) ou do fato de essa vegetação ter sido substituída por outro uso do solo. Essa a intenção do Código Florestal de 1965, que ainda persiste.” (MILARÉ, 2009, p.752).
Assim, é que este artigo pretende analisar a reforma do Código Florestal, em especial, o que diz respeito à Reserva Legal e aos seus objetivos.
2. Meio ambiente e Constituição no Brasil
A Constituição da República de 1988 consagrou, de forma inédita no Brasil, a proteção ao meio ambiente, dedicando-lhe um capítulo próprio com importantes mecanismos de tutela para a questão ambiental no país. Nesse sentido, o texto constitucional brasileiro é fruto de uma recente conscientização humana para com os problemas ecológicos que permeiam a realidade do planeta Terra. Além dele, diversas outras constituições, a partir da década de 1970, espelharam esta nova realidade, como, por exemplo, Chile e Panamá em 1972, Portugal em 1976, Espanha em 1978, e México em 1987.
Esta preocupação da comunidade internacional tem como marco inicial os dados apresentados, já na década de 1970, a partir do relatório The Limits of Growth, de autoria dos cientistas Donella H. Meadows, Dennis L. Meadows, Jørgen Randers, e William W. Behrens III, do Massachussets Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, e, também, nas discussões apresentadas na I Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em 1972, na cidade de Estocolmo, Suécia.
Dessa forma, a Constituição de 1988 traz uma nova concepção para o constitucionalismo brasileiro, agora um constitucionalismo ambiental que tem como função garantir a existência de um meio ambiente ecologicamente equilibrado e de um desenvolvimento sustentável que proporcione uma sadia qualidade de vida para as presentes e as futuras gerações.
“A Constituição de 1988 pode muito bem ser denominada “verde”, tal o destaque (em boa hora) que dá à proteção do meio ambiente.
Na verdade, o Texto Supremo captou com indisputável oportunidade o que está na alma nacional – a consciência de que é preciso aprender a conviver harmoniosamente com a natureza –, traduzindo em vários dispositivos aquilo que pode ser considerado um dos sistemas mais abrangentes e atuais do mundo sobre a tutela do meio ambiente.” (MILARÉ, 2007, p.147).
Assim, é que a Constituição trouxe a seguinte previsão no art. 225, § 1º, III:
“definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.” (BRASIL, 1988).
Trata-se de um dispositivo que tem por finalidade garantir que determinadas áreas sejam preservadas da devastação e da ação do poder econômico. Assim, não se pode negar também que a ação do poder econômico deve ser pautada pela defesa do meio ambiente, tal como previsto no art. 170, VI, da Constituição, defesa esta que é influenciada pelo princípio do desenvolvimento sustentável, sendo um elemento fundamental na execução das políticas econômicas de desenvolvimento no Brasil.
3. Desenvolvimento sustentável e preservação do meio ambiente
O direito ao desenvolvimento sustentável foi erigido à categoria de direito fundamental da pessoa humana a partir da constitucionalização do direito ambiental em 1988. Esta é uma das grandes mudanças na concepção para o modelo de desenvolvimento a ser adotado a partir de então. Um desenvolvimento que leve em consideração a devida preservação do meio ambiente e a qualidade de vida do ser humano.
O desenvolvimento sustentável é uma meta importante a ser buscada e seguida no Brasil tanto pelo Estado quanto pela sociedade[1], encontrando previsão no texto constitucional no art. 225, caput. “A Constituição como pacto intergeracional é a Constituição da co-responsabilidade dos destinos, que tem sua grande expressão na manutenção dos processos vitais e do uso sustentável dos recursos naturais.” (SAMPAIO; DYRUD; NARDY, 2003, p.41).
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” (BRASIL, 1988).
Não se pode deixar de mencionar que a busca pelo desenvolvimento sustentável é um dos objetivos presentes na Declaração do Rio de 1992.
“Princípio 4. Para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental constituirá parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente deste.”
Por outro lado, desde 1981, o desenvolvimento sustentável se faz presente como um dos objetivos básicos da Política Nacional do Meio Ambiente, tal como se pode perceber pelas diretrizes traçadas no art. 4º, I desta lei[2]. Mas, como alcançar o desenvolvimento de forma sustentável num país como Brasil que possui uma das maiores áreas verdes do mundo? Como garantir a preservação do meio ambiente e o crescimento econômico?
“Compatibilizar meio ambiente com desenvolvimento significa considerar os problemas ambientais dentro de um processo contínuo de planejamento, atendendo-se adequadamente às exigências de ambos e observando-se as suas inter-relações particulares a cada contexto sociocultural, político, econômico e ecológico, dentro de uma dimensão tempo/espaço. Em outras palavras, isto implica dizer que a política ambiental não deve erigir-se em obstáculo ao desenvolvimento, mas sim em um de seus instrumentos, ao propiciar a gestão racional dos recursos naturais, os quais constituem a sua base material.” (MILARÉ, 2007, p.62).
Dizer que a política ambiental não é um entrave ao desenvolvimento é uma das grandes lutas para a efetividade do princípio do desenvolvimento sustentável, haja vista que, a todo momento, o grande capital lança novos ataques para garantir, cada vez mais, uma maior lucratividade na atividade econômica.
Mudanças de atitude estão na ordem do dia, pois o planeta Terra já dá sinais concretos de “cansaço”, ante a devastação e o uso irracional dos recursos naturais. O que não dizer das mudanças climáticas, dos problemas de desertificação em muitas regiões do planeta e de diversos outros problemas ambientais que marcam a realidade da vida na Terra?[3] O caminho é o desenvolvimento sustentável e a preservação do meio ambiente.
Mas o que vem a ser este desenvolvimento? Um simples crescimento econômico? Por óbvio que não. Correa (2010, p.86) expõe, com base no pensamento de Souza (2005), que no crescimento “há uma situação de equilíbrio econômico manifestado, em regra, nas figuras da estagnação ou do crescimento” e no desenvolvimento há “uma ruptura dinâmica capaz de provocar alteração na estrutura dos fatores econômicos e sociais de um país. Em outras palavras: um desequilíbrio positivo.”
Dessa forma, para Souza (2005, p.399)
“no ‘desenvolvimento’, rompe-se tal ‘equilíbrio’, dá-se o ‘desequilíbrio’, modificam-se as proporções no sentido positivo. Se tal se verificasse em sentido negativo, teríamos o retrocesso, a recessão, embora também como forma de ‘desequilíbrio’, pois igualmente rompido estaria o status quo ante.”
Assim, é que o desenvolvimento sustentável deve assumir a característica de ser um desequilíbrio positivo na realidade brasileira, tendo em vista a garantia de um meio ambiente ecologicamente equilibrado e que possibilite às presentes e futuras gerações uma vida mais saudável de forma plena, pois uma boa qualidade de vida é uma conseqüência direta da preservação ambiental.
4. A reforma do Código Florestal
A atual proposta de reforma do Código Florestal brasileiro é fruto de discussões no Congresso Nacional em torno dos problemas ambientais existentes no país. Mas, qual a razão de ser de tal reforma? Ela seria capaz de realizar o princípio do desenvolvimento sustentável? Ou não seria mais uma forte ação da política econômica privada em detrimento do meio ambiente? Flexibilizar a legislação ambiental neste momento de crescimento do agronegócio no Brasil pode ser um grande problema para o meio ambiente, tendo em vista os elevados lucros que o setor vem alcançando nos últimos anos[4]. Segundo informações:
“As exportações do agronegócio do Brasil atingiram US$ 6,011 bilhões em março, recorde para o terceiro mês do ano e alta de 25,5% em relação ao mesmo período de 2009, informou nesta quinta-feira o Ministério da Agricultura.
O valor alcançado no primeiro trimestre também é recorde para o período -entre janeiro e março de 2010, as exportações totalizaram US$ 14,490 bilhões, crescimento 15% em relação ao valor exportado na mesma época do ano passado.
De acordo com comunicado do ministério, a alta em março foi impulsionada pelo incremento dos embarques de, entre outros produtos, complexo soja (18,3%), complexo sucroalcooleiro (48%), carnes (24,8%) e café (26,2%).
Com isso, o superávit da balança comercial do setor em março alcançou US$ 4,872 bilhões.
O ministério destacou que a receita de exportação de carne bovina in natura continua retomando crescimento e em março foi 25,2% maior, passando de US$ 234 milhões para US$ 293 milhões em março deste ano, apesar de redução de 2,4% na quantidade embarcada.
As vendas totais das carnes aumentaram 24,8%, passando de US$ 914 milhões em março de 2009 para US$ 1,14 no mesmo período deste ano.
Já o complexo soja teve crescimento de 18,3%, somando US$ 1,622 bilhão. O valor das exportações do complexo sucroalcooleiro cresceu 48%,
O relatório ao projeto de reforma apresentado, em junho de 2010, pelo Dep. Federal Aldo Rebelo (PCdoB/SP) promoveu, lamentavelmente, a flexibilização da legislação ambiental ao retirar a obrigatoriedade da reserva legal na propriedade rural, com exceção daquela de preservação permanente, e também conferiu mais poder aos Estados para legislar sobre matéria ambiental. Assim, os Estados e os Municípios poderão fixar seus próprios limites de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e as reservas legais.[5] Atualmente, a título de exemplo, tem-se que “o tamanho da reserva varia de acordo com a região e o bioma: – Na Amazônia Legal: 80% em área de florestas, 35% em área de cerrado, 20% em campos gerais; – Nas demais regiões do País: 20% em todos os biomas.” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2010).
O relatório do Dep. Aldo Rebelo ainda foi capaz de causar uma divergência no país, pois colocou em lados opostos ambientalistas e ruralistas, dando assim à questão apenas dois pontos de vista, os quais são divergentes.[6] Por outro lado, o texto apresentado também desqualificou o Código Florestal vigente, o que demonstra a necessidade de uma nova legislação que seja capaz de atender aos anseios desenvolvimentistas do país. “Ainda a respeito da legislação, muito se falou na falta de base técnico-científica do atual Código Florestal, além de vários problemas conceituais, necessitando-se uniformizar a linguagem e os conceitos dos bens e serviços ambientais.” (REBELO, 2010, p.240).
“A respeito das RLs as opiniões são divergentes. Há os que querem simplesmente acabar com esse instituto. Outros querem que não seja obrigatório para os pequenos agricultores familiares. Por outro lado, há também aqueles que consideram a RL necessária e estrategicamente importante para a preservação ambiental, inclusive foram apresentados dados mostrando sua importância, em conjunto com as APPs, para o efetivo controle de pragas e doenças, sem falar da questão hidrológica e da biodiversidade. Entretanto, a maior reivindicação foi o cômputo das áreas de APP na RL.” (REBELO, 2010, p.241).
Algumas audiências públicas foram realizadas em todo o país para debater a matéria. Em 04 de fevereiro de 2010, foi a vez de Belo Horizonte.[7] Nessa audiência, algumas idéias foram levantadas por representantes da sociedade civil mineira, idéias as quais estão muito próximas e militam em prol de uma reforma da legislação para “facilitar” o desenvolvimento do país, haja vista que algumas vezes as leis ambientais são muito “rigorosas” e constituem um entrave às políticas econômicas a serem implementadas.
“ARLEN SANTIAGO[8] – Reclamou do Decreto que considera a Mata Seca existente no norte de Minas como pertencente ao bioma Mata Atlântica. Região pobre, e que agora se vê com graves problemas de desemprego por causa deste Decreto.(…)
Art. 545º – EDUARDO ANTÔNIO ARANTES DO NASCIMENTO[9] – Representante dos trabalhadores rurais, apresentou algumas proposições, partido dos seguintes pressupostos: o Código Florestal tem que mudar; o espaço público de construção dessa nova proposta é o Legislativo brasileiro; o que for construído deve ser mediante o consenso possível.
Art. 546º A questão ambiental deve levar em consideração, também, os processos produtivos sociais e econômicos. Não dá para desvincular o ambientalismo do econômico, do social, da vida real. Também considera indispensável haver um corte claro na diferenciação da agricultura familiar e que as áreas antropizadas, com ocupação consolidada, têm que ser reconhecidas.
Art. 547º Levantou, ainda, outras duas questões. A primeira, “além de haver a necessidade de uma consciência clara sobre os enormes impactos ambientais derivados das áreas urbanas, é preciso também ter clareza de que a área rural é palco de inúmeros projetos de infraestrutura, projetos hidrelétricos e outros, que beneficiam a todos, mas os impactos ficam apenas na área rural, inclusive com populações atingidas”. Segundo, não há como deixar de reconhecer que o meio ambiente tem um valor. Portanto, é absolutamente indispensável que haja o retorno financeiro para aqueles que vão garantir as nascentes, as matas e a qualidade de vida. A inclusão social é um pressuposto ambiental também.(…)
Art. 548º – VÍTOR FEITOSA[10] – Disse que a posição da FIEMG é francamente favorável à defesa intransigente de que o conhecimento técnico e científico deve ser sempre a base para suportar as decisões que virão.
Art. 549º Nesse mecanismo de suporte às decisões é fundamental que haja uma descentralização no processo decisório e de gestão ambiental no Brasil.
Art. 550º “A legislação deve favorecer o desenvolvimento econômico e a preservação do patrimônio natural. No entanto, como tenho dito em diversas oportunidades, no Brasil, a legislação tem conseguido exatamente o contrário: inibir o desenvolvimento e não fazer a preservação”.
Art. 551º Acredita que os limites da reserva legal devem ser decididos por cada Estado, com base em suas análises técnico-cientifícas e na discussão com a sociedade. As áreas de preservação, APPs ou RL, deveriam dar suporte ao Zoneamento Econômico-Ecológico para que uma área dedicada ao uso agrícola pudesse ser 100% utilizada. Também entende que a legislação deveria prever a possibilidade de alterar a reserva legal averbada.
Art. 552º Por fim, considera que as intervenções no uso do solo, nos Estados, devem ser decididas pelos órgãos estaduais. “Não há cabimento uma licença de desmate para uma área em Minas Gerais só ser concedida depois da anuência do IBAMA ou qualquer órgão federal”.
Art. 553º – JOSÉ CARLOS DE CARVALHO[11] – Entende que se deve procurar construir uma convergência e que o atual dilema na questão ambiental tem que estar focado no uso da terra. “Estou certo de que é possível fazer mudanças na legislação para melhor equacionar essa questão. Mas, ainda que tivéssemos todas as propriedades com reserva legal e APP e continuássemos usando práticas agrícolas obsoletas, que não conservam o solo e que não protegem a água, só as reservas legais e APPs não seriam suficientes”. Isso significa que é preciso fazer mudanças na política agrícola, não apenas na política de meio ambiente. A dimensão territorial tem que ser incluída no planejamento de maneira adequada.
Art. 554º Nesse sentido, o Governador do Estado de Minas Gerais, Aécio Neves, sancionou lei que incorpora o conceito do uso antrópico consolidado, com corte em 2002, das áreas de Preservação Permanente. Também diferencia as APPs de proteção de recursos hídricos das APPs de topo de morro e de encostas. Também procura descriminalizar o uso de APP, afastando a possibilidade de auto de infração, desde que o agricultor assine o termo de compromisso de que adotará as medidas técnicas adequadas de uso da terra. “Temos que adotar práticas adequadas de uso da terra. Temos que modernizar o uso da terra no Brasil com tecnologias já existentes”.
Art. 555º Defendeu o pagamento por serviços ambientais. Não bastam os mecanismos de comando e controle, tem que ser introduzida uma política de incentivos econômicos, caso contrário, serão repetidos os erros do passado. (grifo nosso).” (REBELO, 2010, p.149-155).
O que pode ser percebido pelas opiniões aqui apresentadas é a necessidade de se alterar o atual Código Florestal brasileiro, haja vista que o mesmo gera uma série de dificuldades para o processo de desenvolvimento do país. Outro aspecto a se destacar é que o conhecimento técnico e científico é elevado à categoria de verdade plena e absoluta, matriz de qualquer decisão a ser tomada na seara do Direito Ambiental. Dessa forma, o Direito estaria subordinado ao tecnicismo e deveria operar de acordo com as suas diretrizes. Os caminhos e diretrizes para uma nova legislação ambiental, tal como esta da reforma do Código Florestal, não são os melhores a serem trilhados pelo desenvolvimento sustentável previsto na Constituição de 1988, pois a mesma busca promover uma transformação da realidade de forma que o meio ambiente possa se constituir num princípio constitutivo das novas relações sociais a serem constituídas, inclusive da atividade econômica.
Os pontos principais do substitutivo, reservados à Reserva Legal, do Dep. Aldo Rebelo dificultam a devida preservação do meio ambiente e à garantia de um desenvolvimento que seja realmente sustentável.
“As Áreas de Preservação Permanente atuais são mantidas no Capítulo II, apenas acrescentando-se uma faixa inicial menor (quinze metros) para os cursos d’água com menos de cinco metros de largura, e retirando-se os topos de morros (atualmente considerados como o terço superior de todos os morros do país) e as terras acima de 1.800 metros de altitude, cujas encostas continuam protegidas em declividades elevadas. Acrescentamos, por outro lado, as veredas como área de preservação permanente.
A manutenção das APPs vigentes evita qualquer avanço oportunista sobre essas áreas protegidas, ao passo que permite aos Estados reduzirem ou aumentarem, em até 50%, as faixas mínimas, desde que assim recomendem o Zoneamento Ecológico-Econômico estadual e o Plano de Recursos Hídricos da bacia hidrográfica.
Mantivemos, também, a possibilidade do Poder Público de definir, por ato específico, APPs nas demais áreas, como restingas, várzeas e outras. O regime de uso das APPs permanece inalterado, ou seja, a supressão de vegetação só poderá ser autorizada por utilidade pública ou interesse social, ressalvando-se o acesso e as atividades de baixo impacto ambiental, conforme dispuser o regulamento. Dirimimos ainda a dúvida jurídica pertinente às APPs em áreas urbanas consolidadas. Sobre essas disporão as leis municipais.(…)
Algumas alterações foram introduzidas na Reserva Legal. Transferimos ao proprietário a decisão de onde localizá-la, o que antes dependia de aprovação do órgão ambiental. E incluímos no cômputo da Reserva Legal as Áreas de Preservação Permanente que efetivamente tenham vegetação nativa, e desde que isso não implique em supressão de vegetação, e que o proprietário realiza cadastro ambiental no órgão competente. Nos imóveis que conservarem vegetação acima dos percentuais mínimos, pode-se instituir servidão ambiental para compensação da Reserva Legal que faltar em outro imóvel.” (REBELO, 2010, p.243-244).
Há outro elemento importante presente na reforma: a anistia àqueles que praticaram a devastação de áreas de preservação, tal como se pode perceber no art. 47 do substitutivo:
“Pelo período de cinco anos contados da data de vigência desta Lei, não será permitida a supressão de florestas nativas para estabelecimento de atividades agropastoris, assegurada a manutenção e consolidação das atividades agropecuárias existentes em áreas convertidas antes de 22 de julho de 2008 e todas as que receberam autorização de corte ou supressão de vegetação até a publicação desta Lei.” (REBELO, 2010, p.267).
A anistia concedida neste projeto terá o condão de legitimar a devastação até agora praticada, um grande retrocesso na legislação ambiental brasileira. Segundo informações de organizações de defesa do meio ambiente, tal como o Greenpeace, a proposta de anistia será responsável por deixar impunes aqueles que destruíram o meio ambiente em nome do lucro. Da mesma forma, promoverá a “legalização” de 14,6 bilhões de toneladas de dióxido de carbono emitidas ilegalmente, bem como para o desmatamento que pode ocorrer na Amazônia.
Nos artigos 24 e seguintes do substitutivo fica claro que a alteração a ser empreendida busca privilegiar aqueles que são proprietários e que, ao longo dos anos, não se preocuparam em respeitar o meio ambiente. Neste capítulo, a regularização ambiental é uma das metas da nova lei, mas só aplicável nas áreas que tiveram a vegetação nativa suprimida antes de 22 de julho de 2008.
“Art. 27. Até que o Programa de Regularização Ambiental – PRA seja implementado, e respeitados os termos de compromisso ou de ajustamento de conduta eventualmente assinados, fica assegurada a manutenção das atividades agropecuárias e florestais em áreas rurais consolidadas, localizadas em Áreas de Preservação Permanente e de Reserva Legal, como também nas áreas mencionadas nos arts. 12. e 13., vedada a expansão da área ocupada, e desde que: I – a supressão da vegetação nativa tenha ocorrido antes de 22 de julho de 2008; II – assegure-se a adoção de práticas que garantam a conservação do solo e dos recursos hídricos; e III – o proprietário ou possuidor de imóvel rural faça seu cadastro ambiental no órgão estadual do Sisnama.” (REBELO, 2010, p.256-257).
5. CONCLUSÃO
Diante de uma situação como a apresentada até o momento, vê-se que a reforma do Código Florestal não possibilitará uma maior preservação e proteção ao meio ambiente no Brasil. O que se pretende é ampliar os espaços para o agronegócio, em nome de um desenvolvimento que desconsidera as disposições constitucionais do art. 225, CR.
Promover uma mudança no Código Florestal será um retrocesso, pois a realidade brasileira carece de normas mais restritivas para o uso do espaço natural, haja vista as violações que já ocorreram e que, ainda, lamentavelmente ocorrem em todo país.
O desenvolvimento no Brasil deve ser sustentável de forma a garantir que o meio ambiente seja preservado e utilizado de acordo com os ditames constitucionais, ou seja, sustentável para que as gerações futuras possam desfrutar de uma vida mais saudável, pois, tal como anota Trindade (1993), este direito é uma extensão do direito à vida e da dignidade humana.
Informações Sobre o Autor
Eder Bomfim Rodrigues
Doutor e Mestre em Direito Público Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor de Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional – IBDC. Membro da Academia Brasileira de Direito Constitucional – ABDConst. International Law Associate – American Bar Association – EUA. Advogado