Resumo: Neste artigo buscou-se pesquisar o direito à informação no Código de Defesa do Consumidor brasileiro inserido na relação médico-paciente. Seu objetivo foi verificar que é possível a aplicação da lei consumerista, bem como o princípio da informação a ser garantido ao paciente-cliente. O estudo buscou por meio de pesquisas bibliográficas com ênfase no Direito do Consumidor e no Direito Civil, bem como jurisprudências, para apresentar a atual conjectura da relação médico e paciente sob a ótica consumerista, a partir da informação prestada no termo de consentimento livre e esclarecido. Após, apontou-se o entendimento doutrinário e jurisprudencial da responsabilidade civil aplicada pela violação do dever de informar médico.
Palavras chave: Direito à informação. Relação médico-paciente. Termo de consentimento.
Abstract: In this article we sought to research the information right to the Brazilian Consumer Protection Code inserted into the doctor-patient relationship. His objective was to verify that it is possible the application for use act, as well as the principle of information to be provided to the patient-client. The study sought through literature searches with emphasis on Consumer Law and Civil Law and jurisprudence, to present current conjecture doctor-patient relationship from the perspective consumption ratio, from the information provided in the consent form free and informed. After, indicated up the doctrinal and jurisprudential understanding of civil liability imposed for violation of the obligation to inform the doctor.
Keywords: Information right. Doctor-patient relationship. Consent form.
Sumário:1. Introdução; 1.1. O direito à informação no Código de Defesa do Consumidor; 2. Breve evolução da relação médico-paciente; 2.1 Ontem e hoje; 2.2. Relação consumerista; 3. O direito à informação do paciente; 3.1. O termo de consentimento livre e esclarecido; 4. A responsabilidade pela violação do dever de informar; 4.1. O vício de informação e o erro médico; 4.2. A responsabilidade pelo dever de informar nas cirurgias; 5. Considerações finais; Referências.
1 INTRODUÇÃO
1.1 O direito à informação no código de defesa do consumidor
A informação consiste no emprego de sinais, palavras, sons e gestos, visando à comunicação entre duas ou mais pessoas, de quem emite para quem recebe.
Pierre Catala citado por Christoph Fabian compreende a informação como um bem “suscetível à apropriação. (…) A informação é em primeiro lugar uma expressão, uma formulação destinada a tornar uma mensagem comunicável. Ela é então comunicada, ou pode sê-lo, por meio de um sinal escolhido para levar a mensagem a outrem” (CATALA apud FABIAN, 2002, p.40).
Cumpre ressaltar que a informação, primeiramente, é um direito fundamental, previsto no artigo 5º, inciso XIV da Constituição da República de 1988, em que: “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”. Por conseguinte, esta garantia constitucional irradia para toda a legislação infra-constitucional, a que interessa nestes estudos, a Lei n. 8.078 de 11 de setembro de 1990, o Código de Defesa do Consumidor (CDC).
O dever de informação é de suma importância na relação de consumo, considerando a vulnerabilidade que o consumidor possui frente ao fornecedor, quem detém todas as informações do produto ou serviço posto no mercado.
Segundo Paulo Luiz Netto Lôbo:
“O direito à informação, no âmbito exclusivo do direito do consumidor, é direito à prestação positiva oponível a todo aquele que fornece produtos e serviços no mercado de consumo. Assim, não se dirige negativamente ao poder político, mas positivamente ao agente da atividade econômica. Esse segundo sentido, próprio do direito do consumidor, cobra explicação de seu enquadramento como espécie do gênero direitos fundamentais” (LÔBO, 2011, p.598).
Percebe-se, assim, intrínseca relação do direito à informação com a boa-fé objetiva nas relações contratuais, pautada no dever de lealdade, visando ao equilíbrio entre as partes. Nas palavras de Daniel Aureo de Castro:
“Parece-nos que o dever de informar segundo os preceitos do Código de Defesa do Consumidor somente será alcançado quando observado o dever de lealdade. A informação transmitida sustentada na boa-fé objetiva tende a gerar relações obrigacionais confiáveis, íntegras e equilibradas, o que se coaduna perfeitamente com o fim buscado pela legislação consumerista” (CASTRO, 2011, p.321).
De acordo com o artigo 6º, inciso III do CDC: “São direitos básicos do consumidor: III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”. Ou seja, é obrigação do fornecedor oferecer informação clara e suficiente acerca do produto ou serviço, com todas as especificações necessárias para o pleno entendimento, a fim de evitar abusos e lesão ao consumidor.
Paulo Luiz Netto Lôbo (2011) esclarece que o dever de informar na relação de consumo deve atender três requisitos: adequação, suficiência e veracidade. O descumprimento de qualquer um deles implica na violação do direito à informação.
“A adequação diz com os meios de informação utilizados e com o respectivo conteúdo. Os meios devem ser compatíveis com o produto ou serviço determinados e com o consumidor destinatário típico. Os signos empregados (imagens, palavras, sons) devem ser claros e precisos, estimulantes do conhecimento e da compreensão (LÔBO, 2011, p.605).
A suficiência relaciona-se com a completude e integralidade da informação. Antes do advento do direito do consumidor, era comum a omissão, a precariedade, a lacuna, quase sempre intencionais, relativamente a dados ou referências não vantajosas ao produto ou serviço. A ausência de informação sobre prazo de validade de um produto alimentício, por exemplo, gera confiança no consumidor de que possa ainda ser consumido, enquanto a informação suficiente permite-lhe escolher aquele que seja de fabricação mais recente. Situação amplamente divulgada pela imprensa mundial foi a das indústrias de tabaco que sonegaram informação, de seu domínio, acerca dos danos à saúde dos consumidores (LÔBO, 2011, p.606).
A veracidade é o terceiro dos mais importantes requisitos do dever de informar. Considera-se veraz a informação correspondente às reais características do produto e do serviço, além dos dados corretos acerca de composição, conteúdo, preço, prazos, garantias e riscos. A publicidade não verdadeira, ou parcialmente verdadeira, é considerada enganosa e o direito do consumidor destina especial atenção a suas consequências” (LÔBO, 2011, p.607-608).
Deste modo, verifica-se que a adequação refere-se à informação prestada correspondente ao tipo de produto ou serviço; já a suficiência, diz respeito ao esclarecimento de todas as especificações do bem ofertado, de forma clara e compreensível ao consumidor; e, por fim, a veracidade ao típico dever de lealdade, em que o fornecedor deve informar aquilo que condiz verdadeiramente ao produto ou serviço. Este último requisito, pode-se entender estar relacionado ao princípio típico da relação consumerista, que é o princípio da transparência.
Segundo Roberto Senise Lisboa:
“O dever que advém do princípio da transparência é secundário ou correlato ao vínculo jurídico porque ele sequer precisa se encontrar expresso na cláusula contratual. Consubstancia uma obrigação de fazer, pois trata-se de dever vinculado à conduta que se exige das partes na relação de consumo (LISBOA, 2001, p.101).
A verdadeira transparência nas relações de consumo somente pode ser alcançada pela adoção de medidas que importem no fornecimento de informações verdadeiras, objetivas e precisas ao consumidor, bem como ao fornecedor, por parte do destinatário final do produto ou serviço” (LISBOA, 2001, p.101).
Todavia, pactua-se que o princípio da transparência e o direito à informação se confundem, pois não há transparência sem informação, e vice-versa, no âmbito do direito do consumidor. Pontua Plínio Lacerda Martins que:
“O princípio da transparência consagra que o consumidor tem o direito de ser informado sobre todos os aspectos do serviço ou produto exposto ao consumo, traduzindo assim no princípio da informação. Havendo omissão de informação relevante ao consumidor em cláusula contratual, prevalece a interpretação do art. 47 do CDC, que retrata que “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor” (MARTINS, 2002, p.104-105).
Identifica-se a preocupação do legislador ao elaborar o Código de Defesa do Consumidor, ao pontuar ao longo da lei consumerista vários dispositivos que versam a respeito do direito à informação, além do art. 6º, inciso III, como os artigos 4º, inciso IV, 8º, 9º, 12, 14, 18, 19, 20, 30, 31, 36, 37, 39, inciso VII, 43, 46, 52, 54, §3º, 72 e 73.
A informação, pode-se afirmar, é uma das bases do Código de Defesa do Consumidor, pois orienta a escolha ou não do produto ou serviço. A sociedade de massa e a consequente demanda de rapidez na prática das relações comerciais, impõem especial proteção para quem não detém a informação na escolha do bem, daí dizer-se ser o vulnerável.
Por esta razão, traz o CDC no caput dos artigos 12 e 14, a imputação de responsabilidade, independentemente de culpa, de todos que fizeram parte da cadeia de produção do produto ou serviço, de forma solidária, pela violação também do dever de informar. Aponta Paulo Luiz Netto Lôbo que:
“O dever de informar impõe-se a todos os que participam do lançamento do produto ou serviço, desde sua origem, inclusive prepostos e representantes autônomos. É dever solidário, gerador de obrigação solidária. Essa solidariedade passiva é necessária, como instrumento indispensável de eficaz proteção ao consumidor, para que ele não tenha de suportar o ônus desarrazoado de identificar o responsável pela informação, dentre todos os integrantes da respectiva cadeia econômica (produtor, fabricante, importador, distribuidor, comerciante, prestador de serviço)” (LÔBO, 2011, p.605).
Outro ponto a ser tratado, no que tange ao direito à informação no CDC, refere-se à cognoscibilidade, ou ao discernimento, estado pelo qual deve possuir o consumidor ao escolher o produto ou serviço ofertado. Esclarece Paulo Luiz Netto Lôbo:
“A cognoscibilidade abrange não apenas o conhecimento (poder conhecer) mas a compreensão (poder compreender). Conhecer e compreender não se confundem com aceitar e consentir. Não há declaração de conhecer. O consumidor nada declara. A cognoscibilidade tem caráter objetivo; reporta-se à conduta abstrata. O consumidor em particular pode ter conhecido e não compreendido, ou ter conhecido e compreendido. […] O que interessa é ter podido conhecer e podido compreender, ele e qualquer outro consumidor típico destinatário daquele produto ou serviço” (LÔBO, 2011, p.612).
Revela-se que a cognoscibilidade, no que tange ao paciente, na condição de consumidor frente ao profissional médico, é de fundamental importância junto ao discernimento, na tomada de decisão de sua própria saúde.
Neste sentido, torna-se necessário trazer a temática, dada a peculiaridade que o direito à informação é tratado no âmbito da relação médico-paciente, pois repercute diretamente na vida e saúde do consumidor. Para desenvolver esta pesquisa, cabe ao próximo capítulo, trazer a evolução da relação médico paciente ontem e hoje, para que se possa apontá-la como relação consumerista. Logo após, tratar o direito à informação do paciente, consubstanciado no termo de consentimento livre e esclarecido, e a responsabilidade advinda de sua violação.
2 BREVE EVOLUÇÃO DA RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE
Objetiva-se neste capítulo abordar a evolução da relação médico-paciente desde há poucas décadas atrás aos dias atuais, vista hoje como vínculo contratual, sob a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
2.1 Ontem e hoje
A relação médico-paciente consiste precipuamente em um contrato de prestação de serviços, no qual são estabelecidos direitos e obrigações entre as partes, em que o profissional médico, via de regra, utilizará de todos os recursos e meios necessários para restabelecer a saúde do paciente que requer os seus cuidados.
Maria de Fátima Freire de Sá (2005, p.34-35) pontua que a relação médico-paciente estabelece entre ambos um vínculo contratual, ato jurídico perfeito, de obrigações de resultados ou obrigações de meios.
Cabe asseverar que este vínculo contratual entre as partes será de prestação de serviços médicos, o qual define Paulo Lôbo:
“A prestação de serviços é o contrato bilateral, temporário e oneroso, mediante o qual uma pessoa (prestador de serviços) se obriga a desenvolver uma atividade eventual, de caráter corporal ou intelectual, com independência técnica e sem subordinação hierárquica, em favor de outro tomador ou recebedor dos serviços, assumindo esta uma contraprestação pecuniária” (LÔBO, 2011, p.353).
Ocorre que esta relação vai além de um vínculo contratual, pois os deveres do médico para com o paciente devem ser sempre pautados na ética e no respeito à pessoa, já que o objeto do contrato é o próprio paciente.
Conceituada a relação médico-paciente faz-se mister discorrer uma breve evolução histórica até a sua conjectura atual.
Desde os primórdios, do início da atividade médica, com o já conhecido, “Juramento de Hipócrates”, os profissionais médicos sempre foram vistos como verdadeiros sabedores, inquestionáveis, cabendo aquele que se submetia aos seus cuidados somente cumprir as suas prescrições, na verdade, ordens. Partia-se da ideia de que, pela própria formação e o suposto conhecimento do médico, sua figura, vista como autoridade, ou mesmo herói, o “salva-vidas”, gerava a contraprestação do respeito, reconhecimento e reverência por parte da sociedade.
Surgiu-se então uma relação de subordinação, que com o passar do tempo, foi acrescida a um caráter paternalista até pouco tempo atrás. Fala-se no médico de família[1].
Antônio Luiz Bento (2008, p.46) aduz que ao longo da história da medicina essa ênfase paternalista no benefício do paciente converteu-se na pedra angular da ética médica.
Entretanto, em vistas do crescimento do capitalismo, junto à globalização, aliada ao rápido avanço da medicina, com o surgimento dos grandes hospitais e planos de saúde e da biotecnologia, tornou-se necessário, para atender a este compasso, do profissional generalista para o especialista.
Seguem este raciocínio Maria de Fátima Freire de Sá e Bruno Torquato de Oliveira Naves:
“As crescentes especializações dos médicos, embora necessárias, causam afastamento lógico entre este e o paciente. O médico deixou de ser aquele profissional de confiança da família, mas o “especialista”, indicado por alguém, ou encontrado, por coincidência, numa dessas visitas a determinado hospital, ou aquele conveniado ao plano de saúde do paciente” (SÁ; NAVES, 2009, p.80).
E, justamente neste processo, foi-se criando certo distanciamento entre médico e paciente, devido também ao maior acesso à informação e à educação, que levou à sociedade com indivíduos de meros expectadores a coadjuvantes de seus interesses, cada vez mais exigentes no mundo consumista em que vivemos.
Coaduna com esta assertiva os referidos autores para quem:
“Embora possamos ter contato com médicos que nos presenteiam com sua amizade, carinho e consideração, o fantástico desenvolvimento científico, o surgimento de grandes hospitais e centros de saúde e a necessidade cada vez mais premente de vinculação a algum plano de saúde fez com que o profissional da medicina se distanciasse de seu paciente. […] A óptica agora é a de uma sociedade consumista, cada vez mais consciente de seus direitos e mais exigente quanto aos resultados” (SÁ; NAVES, 2009, p.79-80).
Hoje, de paciente passou-se à cliente, aquele que sabe e exige os seus direitos, que participa na tomada de decisões junto ao profissional médico.
Roxana Cardoso Brasileiro Borges pontua esta mudança ao explicar que:
“No meio médico tem-se buscado uma maior humanização da medicina. Um reflexo dessa tentativa é a consideração do paciente como cliente. A troca das expressões é significativa. Ao tratar o doente como cliente e não como paciente, aquele é elevado a sujeito, deixando de ser meramente aquele que espera, como a expressão paciente significa.
[…] Assim, o cliente – e não mais o paciente – decide se quer o tratamento oferecido pelo médico e, estando na duração desse tratamento, pode também decidir se vai continuar neste mesmo tratamento” (BORGES, 2000, p.296).
Devido a estas mudanças, o Conselho Federal de Medicina aprovou o novo Código de Ética Médica, a Resolução n. 1.931/2009[2], que passou a entrar em vigor desde 13 de Abril de 2010, rompendo a anterior relação de subordinação entre médico e paciente, de forma a dar mais autonomia a este último[3].
2.2 Relação consumerista
De acordo com o Código de Ética Médica (CFM, 2009) a relação entre médico e paciente não se enquadra como relação de consumo. “CAPÍTULO I – Princípios fundamentais – XX – A natureza personalíssima da atuação profissional do médico não caracteriza relação de consumo”.
Todavia, atualmente, doutrina e jurisprudência vem entendendo que a relação médico e paciente é consumerista, aplicando-se o art. 14, §4º do CDC, levando em consideração que a classe médica encontra-se como profissionais liberais.
“Art. 14. do CDC. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
[…] §4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.”
Tal entendimento é mais condizente com a boa-fé nas relações contratuais e a vulnerabilidade, condição na qual o paciente geralmente se encontra, não só em relação à sua condição psicofísica, mas também devido à informação técnica que o profissional médico detém. Deste modo, para garantir a isonomia das partes em possível litígio, principalmente no caso de pedido de indenização, caberia ao médico provar que não agiu com culpa, seja com dolo ou culpa em sentido estrito, podendo-se aplicar o artigo 6º, inciso VIII do CDC:
“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
[…] VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;”
Preceitua Carlos Roberto Gonçalves:
“A prova da negligência e da imperícia constitui, na prática, verdadeiro tormento para as vítimas. Sendo o médico, no entanto, prestador de serviço, a sua responsabilidade, embora subjetiva, está sujeita à disciplina do Código de Defesa do Consumidor, que permite ao juiz inverter o ônus da prova em favor do consumidor (art. 6º, VIII).
Deve ser lembrado, ainda, que a hipossuficiência nele mencionada não é apenas econômica, mas precipuamente técnica […]” (GONÇALVES, 2010, p.257).
Não se ouvida, portanto, que a relação médico-paciente enquadra-se no Código de Defesa do Consumidor, já que o médico presta um serviço mediante remuneração, e o paciente é o destinatário final daquele serviço a ser prestado, de acordo com os ditames do artigo 3º §2º[4], e artigo 2º caput[5] do CDC, respectivamente.
Assim, já entendeu o Superior Tribunal de Justiça:
“RECURSO ESPECIAL. ERRO MÉDICO. CIRURGIÃO PLÁSTICO. PROFISSIONAL LIBERAL. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRECEDENTES. PRESCRIÇÃO CONSUMERISTA. I – Conforme precedentes firmados pelas turmas que compõem a Segunda Sessão, é de se aplicar o Código de Defesa do Consumidor aos serviços prestados pelos profissionais liberais, com as ressalvas do § 4º do artigo 14. II – O fato de se exigir comprovação da culpa para poder responsabilizar o profissional liberal pelos serviços prestados de forma inadequada, não é motivo suficiente para afastar a regra de prescrição estabelecida no artigo 27 da legislação consumerista, que é especial em relação às normas contidas no Código Civil. Recurso especial não conhecido.” (BRASIL, 2005)
Consubstanciada como relação de consumo, passa-se adiante ao direito à informação do paciente.
3 O DIREITO À INFORMAÇÃO DO PACIENTE
O dever de informar médico deve abranger todos os ditames previstos na lei consumerista, observando-se os requisitos da adequação, suficiência e veracidade, de acordo com o capítulo 1.1 destes estudos. Para Cláudia Lima Marques:
“[…] a informação médica é dever de conduta de boa-fé (contrário da autuação negligente), informar clara e adequadamente é um dever de cuidado com o outro parceiro contratual (atuação prudente), informação é poder (estado subjetivo de saber ou não saber), logo, informar suficiente e lealmente é cooperar com o outro (se abstendo de abuso ou desvio de poder na relação médico-paciente-consumidor)” (MARQUES, 2011, p.407).
Neste sentido, coaduna Sérgio Cavalieri Filho:
“O conteúdo do dever de informar do médico compreende, segundo a unanimidade da doutrina, todas as informações necessárias e suficientes para o pleno esclarecimento do paciente quanto aos aspectos relevantes para a formação de sua decisão de submeter-se ao procedimento, tais como os riscos, conseqüências do tratamento, chances de êxito, efeitos colaterais e outros aspectos relevantes” (CAVALIERI FILHO, 2010, p.394).
Contudo, o direito à informação do paciente, como anteriormente apontado, tem seu aspecto peculiar, sendo abrangido pelo termo de consentimento livre e esclarecido, objeto de estudo no capítulo a seguir.
3.1 O termo de consentimento livre e esclarecido
O consentimento informado livre e esclarecido[6] consiste na exposição pelo médico de todas as terapêuticas possíveis a que o paciente possa se submeter, informando-lhe os riscos e benefícios em linguagem acessível, para que o paciente livremente possa escolher se quer ou não se submeter aquele determinado tratamento. O consentimento informado deve ser, via de regra, escrito, para a segurança de ambas as partes.
Carlos Nelson Konder conceitua o consentimento livre e esclarecido da seguinte forma:
“[…] é possível conceituar o consentimento livre e esclarecido como a anuência, livre de vícios, do paciente, após explicação completa e pormenorizadamente sobre a intervenção médica, incluindo sua natureza, objetivos, métodos, duração, justificativa, possíveis males, riscos e benefícios, métodos alternativos existentes e nível de confidencialidade dos dados, assim como de sua liberdade total para recusar ou interromper o procedimento em qualquer momento; tendo o profissional a obrigação de informá-lo em linguagem adequada (não técnica) para que ele a compreenda” (KONDER, 2003, p.61).
Maria Helena Diniz aponta os seguintes requisitos para que o termo de consentimento seja válido:
“O termo de consentimento livre e esclarecido deverá conter em suma, os seguintes elementos essenciais: a) ser feito em linguagem acessível; b) conter: os procedimentos ou terapêuticas que serão utilizados, bem como seus objetivos e justificativas; os desconfortos e riscos possíveis e os benefícios esperados; métodos alternativos existentes; a liberdade de o paciente recusar ou retirar seu consenso sem que lhe aplique qualquer sanção punitiva ou sem que haja prejuízo à sua assistência médico-hospitalar; assinatura ou identificação dactiloscópica do paciente ou de seu representante legal” (DINIZ, 2006, p.676-677).
Todavia, no contexto atual, como mencionado no capítulo 2, o paciente-cliente, não é mais hoje visto como aquele que consente, mas o que solicita, exige e participa na tomada de decisões da sua saúde, sendo o agente de sua própria vontade.
É o que defende Roxana Brasileiro Cardoso Borges para quem:
“Para que as finalidades do consentimento informado sejam alcançadas, convém cada vez mais abandonar essa expressão e optar pela expressão mais significativa da solicitação de tratamento, ou da decisão de interrupção de tratamento. A solicitação é mais independente que um consentimento, que indica para uma concordância passiva, ou como uma mera não-manifestação: quem cala, consente. Esse tipo de consentimento não pode ser mais admitido. Deve haver vontade, não apenas consentimento ou, pior, não apenas manifestação de objeção. A manifestação do cliente deve ser expressa” (BORGES, 2000, p.297).
Neste contexto, deve-se dar importância à autonomia do paciente, dando-lhe o direito à informação, garantia constitucional, prevista no artigo 5º, inciso XIV da Constituição, através do consentimento esclarecido, o qual é direito do paciente. Esta autonomia, contudo, só é possível de ser exercida mediante a informação fornecida pelo médico, para que o paciente possa decidir por si próprio qual tratamento deseja ou não se submeter, conferindo-lhe autoderminação.
Segundo Maria Helena Diniz:
“A obtenção do consentimento do paciente após a informação médica resulta do seu direito de autodeterminação, ou seja, de tomar decisões relativas à sua vida, à sua saúde e à sua integridade físico-psíquica, recusando ou consentindo propostas de caráter preventivo, diagnóstico ou terapêutico. O paciente tem direito de opor-se a uma terapia, de optar por tratamento mais adequado ou menos rigoroso, de aceitar ou não uma intervenção cirúrgica, de mudar ou não de médico ou de hospital etc. […]” (DINIZ, 2006, p.672-673).
Completa Maria de Fátima Freire de Sá e Bruno Torquato de Oliveira Naves (2011), que o consentimento livre e esclarecido do paciente confunde-se com o exercício de sua autonomia privada. Entretanto, esta somente poderá ser exercida desde que o paciente tenha discernimento em compreender a informação dada pelo médico e distinguir qual o melhor caminho a ser seguido para a proteção de sua saúde. Caso não haja discernimento, ou competência para decidir, este consentimento será nulo, cabendo ao médico atestar o nível de consciência do paciente. De acordo com os autores:
“O paciente precisa ter discernimento para a tomada da decisão. Discernimento significa estabelecer diferença; distinguir, fazer apreciação. Exige-se que o paciente seja capaz de compreender a situação em que se encontra. Em Direito, a capacidade de fato de exercício traduz-se em presunção de discernimento, no entanto, diante do quadro clínico, o médico deverá atestar se o nível de consciência do paciente permite que ele tome decisões” (SÁ; NAVES, 2011, p.88).
Deve-se ter em vista que este consentimento deve ser feito de forma clara, respeitada as fragilidades e sensibilidades do paciente, num diálogo amigável e confortável, permitindo ao paciente escolher se deve participar do tratamento sugerido pelo médico, continuá-lo ou dele desistir. Para tanto, a cada procedimento médicohospitalar, caberá ao médico colher um novo consentimento do paciente, aceitando aquele tratamento.
Pontua Christoph Fabian que:
“O consentimento abrange apenas uma intervenção concreta. Para outras intervenções o médico sempre deve esclarecer novamente. Quando surge, durante uma operação, o médico deve suspender o ato para submeter a decisão ao paciente. Ele deve esclarecer o paciente sobre a situação nova e os seus riscos. Se ele realiza a intervenção ampliada por iniciativa própria, ele age sem consentimento. Seria mais fácil curar o paciente por uma intervenção só. Porém há- como já mencionado – a primazia da autonomia decisiva sobre as razões médicas” (FABIAN, 2002, p.137).
Não se ouvida que o termo de consentimento livre e esclarecido compõe o dever de informação previsto nos artigos 6º, inciso III e 31 do Código de Defesa de Consumidor, os quais aduzem:
“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
[…] III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.”
Assim, vislumbra-se a importância da informação ao paciente que se submete a um procedimento que põe em risco sua vida, como a cirurgia, levando-se em conta principalmente o que dispõe o artigo 15 do Código Civil[7] em vigor.
Neste diapasão, afirma Carlos Roberto Gonçalves:
“O art.15 do Código Civil consagra importante direito de personalidade […]. A regra obriga os médicos, nos casos mais graves, a não atuarem sem prévia autorização do paciente, que tem a prerrogativa de se recusar a se submeter a um tratamento perigoso. A sua finalidade é proteger a inviolabilidade do corpo humano. Vale ressaltar, in casu, a necessidade e a importância do fornecimento de informação detalhada ao paciente sobre o seu estado de saúde e o tratamento a ser observado, para que a autorização possa ser concedida com pleno conhecimento dos riscos existentes” (GONÇALVES, 2010, p.260).
Em outras palavras, sem informação clara e suficiente, esclarecimento adequado e alerta sobre os riscos da futura intervenção médica, não há consentimento livre e racional do consumidor no Brasil. Há desrespeito à sua autonomia privada, violação da boa-fé, há inadimplemento de um dever básico dos médicos e de um direito fundamental dos consumidores: o acesso à informação (MARQUES, 2011).
Cabe ressaltar que o termo de consentimento não se confunde com o termo de responsabilidade, como bem distingue Rui Stoco (2011), pois o termo de consentimento serve para comprovar que o paciente ou cliente estava ciente e concorde com todas as condições e circunstâncias da intervenção. Já o termo de responsabilidade constitui um questionário e tem por finalidade demonstrar que o paciente respondeu às perguntas fundamentais para convencer o médico de que poderá fazer uma intervenção segura e, ainda, que autoriza a intervenção.
Note-se que nem sempre é possível que o médico exerça o dever de informação ao paciente, como nos casos de urgência, hipótese na qual muitas vezes é vítima de acidentes, em estado de inconsciência, tendo o profissional a obrigação de restabelecer a saúde daquele paciente que deu entrada no hospital. Todavia, caso esteja acompanhado (o paciente) de seus familiares ou representante legal, estes serão responsáveis pelo consentimento em nome do enfermo, caso previamente o paciente não tenha se manifestado ainda capaz[8].
Indica Maria Helena Diniz que consentimento livre e esclarecido do paciente somente será dispensável diante de: urgência, paciente incapaz, privilégio terapêutico para não piorar o quadro clínico do paciente, e a renúncia ao direito de ser informado, o direito a não saber (DINIZ, 2006).
Este último, o direito de não saber, apesar de contrariar o direito à informação, deve ser respeitado, já que para o paciente é um direito, e não um dever, ao contrário do médico. Para tanto, este último deverá colher a renúncia ao consentimento informado do paciente, de forma a eximir-se de eventual responsabilidade.
Neste entendimento, Christoph Fabian:
“A autonomia do paciente é um direito para fortalecer a posição do paciente contra o médico e finalmente estabelecer um equilíbrio contratual entre paciente e médico. Por isso, admitimos a renúncia de forma restrita no direito médico. Uma renúncia geral ou “em branco” ao dever de informar compreendemos também como nula. Antes da renúncia o paciente deve saber, em geral, qual é a sua doença e o tratamento possível e quais são os riscos do tratamento. Temos a opinião que a iniciativa da renúncia não deve ser do médico e essa deve ser declarada clara e expressamente” (FABIAN, 2002, p.139).
Destaca-se que os tribunais brasileiros também têm entendido que a falta do dever de informar, como direito constitucional e do consumidor, causa sérios danos ao paciente que não detêm os conhecimentos técnicos necessários para fazer a escolha livre e consciente da melhor forma de garantir a sua integridade psicofísica e a saúde, sobretudo, o próprio direito à vida.
O Superior Tribunal de Justiça já algum tempo entende a falta do termo de consentimento informado como violação ao dever de informar do médico, sendo-lhe imputada responsabilização civil:
“RESPONSABILIDADE CIVIL. Médico. Consentimento informado. A despreocupação do facultativo em obter do paciente seu consentimento informado pode significar – nos casos mais graves – negligência no exercício profissional. As exigências do princípio do consentimento informado devem ser atendidas com maior zelo na medida em que aumenta o risco, ou o dano. Recurso conhecido.” (BRASIL, 2002)
Adentrando-se ao assunto, aborda-se no capítulo seguinte, a responsabilidade civil pela violação do dever de informar do médico.
4 A RESPONSABILIDADE PELA VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAR
A responsabilidade civil implica na violação de um direito, seja contratual ou extracontratual, na qual resulta em dano, moral ou patrimonial, com dolo ou culpa, atendendo aos seguintes requisitos em regra: conduta do agente, culpabilidade, dano e nexo de causalidade.
De acordo com Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho:
“[…] a responsabilidade civil deriva da agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor in natura o estado anterior de coisas” (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2012, p.53).
A responsabilidade civil pode ser subjetiva ou objetiva. Subjetiva é a responsabilidade na qual se deve comprovar a culpa do agente causador do dano. Já a objetiva, o agente responde independentemente de culpa.
Distingue Carlos Roberto Gonçalves:
“Diz-se, pois, ser “subjetiva” a responsabilidade quando se esteia na ideia de culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Nessa concepção, a responsabilidade do causador do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa.
A lei impõe, entretanto, a certas pessoas, em determinadas situações, a reparação de um dano cometido sem culpa. Quando isto acontece, diz-se que a responsabilidade é legal ou “objetiva”, porque prescinde da culpa e se satisfaz apenas com o dano e o nexo de causalidade. Esta teoria, dita objetiva, ou do risco, tem como postulado que todo dano é indenizável, e deve ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de causalidade, independentemente de culpa” (GONÇALVES, 2010, p.48).
O Código de Defesa do Consumidor, visando à proteção do consumidor, parte mais vulnerável da relação consumerista, a fim de garantir-lhe a plena reparação de possíveis danos, adotou, em regra, a responsabilidade objetiva, prevista no artigo 14, caput. Todavia, no §4º deste mesmo artigo, prevê, como exceção, a responsabilidade subjetiva para os profissionais liberais, como os médicos. Ressalta-se que caso o médico esteja vinculado a um hospital existirá coresponsabilidade, sendo a do primeiro subjetiva e a do segundo objetiva. Segue entendimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
“AÇÃO INDENIZATÓRIA. MÉDICO. LEGITIMIDADE PASSIVA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO HOSPITAL E DO MÉDICO. ART. 14, CAPUT E §4º, DO CDC. ARTS. 186 E 951 DO CC. OMISSÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA DO HOSPITAL. DANOS MORAIS CARACTERIZADOS. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO. DANOS MATERIAIS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. O médico componente da equipe que realizou a cirurgia é parte legítima para responder à ação de indenização por suposto erro médico. A Lei nº 6.932/81 nada dispõe a respeito da responsabilidade civil dos médicos no período de residência, de modo que não há como afastar sua culpa por eventual erro cometido, mesmo que em grau menor do que a de seu preceptor. A responsabilidade civil do hospital na prestação de serviços médicos é objetiva, segundo o caput do art. 14 do CDC, enquanto a responsabilidade do médico é subjetiva, nos termos do §4º do mesmo dispositivo e artigos 186 e 951 do CC. É dever do profissional da medicina informar ao seu paciente todas as questões envolvidas no procedimento médico-cirúrgico, ou seja, deve prestar informações completas e consistentes sobre os atos pré e pós-operatórios, a técnica utilizada e os possíveis riscos. Caso não tenha assim procedido, deve responder pelos danos causados ao paciente. O hospital responde objetiva e solidariamente pelos atos negligentes causados por médico nas suas dependências. A quantificação do dano moral obedece ao critério do arbitramento judicial, que, norteado pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, fixará o valor, levando-se em conta o caráter compensatório para a vítima e o punitivo para o ofensor. Para o ressarcimento dos danos materiais é necessária a efetiva comprovação dos mesmos”. (MINAS GERAIS, 2010)
Neste sentido, aponta Cézar Fiúza que:
“Segundo o Código do Consumidor, o fornecedor de serviços responde, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. Mas a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. Em outras palavras, cuidando-se de profissionais liberais, como médicos e advogados, aplica-se a teoria subjetiva da responsabilidade” (FIÚZA, 2007, p.547).
A responsabilidade civil médica está pautada como relação contratual, que, via de regra, caso seja descumprida, incorre no caso da responsabilidade contratual, prevista no artigo 389, passível de indenização, conforme artigos 927 e 951, ambos do Código Civil de 2002:
“Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.”
O dano causado ao paciente, em caso de culpa, além da previsão do art. 951, encontra-se como fundamento no art. 186 do código civilista, em que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Ademais, o Conselho Federal de Medicina prevê a responsabilidade civil de seus profissionais, nos seguintes termos:
“Capítulo III – É vedado ao médico – Art. 1º Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência.
Parágrafo único. A responsabilidade médica é sempre pessoal e não pode ser presumida” (CFM, 2009).
Manifesta Carlos Roberto Gonçalves que:
“Não se pode negar a formação de um autêntico contrato entre um cliente e o médico, quando este o atende. Embora muito já se tenha discutido a esse respeito, hoje já não pairam mais dúvidas sobre a natureza contratual da responsabilidade médica.
Pode-se falar assim, em tese, em inexecução de uma obrigação, se o médico não obtém a cura do doente, ou se os recursos empregados não satisfizerem. Entretanto, o “fato de se considerar contratual a responsabilidade médica não tem, ao contrário do que poderia parecer, o resultado de presumir a culpa” (GONÇALVES, 2010, p.256).
Assim, infere-se que não há dúvidas que a falta do dever de informar ou o vício na informação prestada pelo médico incide na violação de dispositivos tanto do Código de Defesa do Consumidor como do Código Civil de 2002, ou seja, em uma relação de conexão, o chamado “diálogo das fontes”, amplamente discutido por Cláudia Lima Marques (2011) e Gustavo Tepedino (2011).
4.1 O vício de informação e o erro médico
Segundo Roberto Senise Lisboa o vício de informação compreende:
“a) a disparidade entre a informação constante do rótulo, embalagem ou assemelhado e o resultado concreto do serviço; b) a disparidade entre a publicidade e o serviço oferecido; ou c) a omissão de informação relevante sobre as características, qualidade, composição, preço, garantia, prazos de validade, origem e riscos que o serviço pode proporcionar” (LISBOA, 2001, p.213-214).
Para incorrer em responsabilidade pelo vício da informação ou dever de informar o médico não expõe com clareza o tipo de tratamento a ser realizado, os riscos prováveis, usa expressões técnicas incompreensíveis e deturpa o real estado de saúde do paciente, podendo fornecer-lhe diagnósticos equivocados. Assim, viola não somente o direito de informação, como também a boa-fé, o dever de lealdade e a dignidade do paciente.
Cláudia Lima Marques citando Gustavo Tepedino dispõe que:
“Efetivamente, como ensina Gustavo Tepedino, para configurar-se a responsabilidade dos médicos e hospitais hoje, devemos determinar inicialmente quais são os deveres de boa-fé, de conduta e contratuais que foram imputados pelo direito brasileiro a estes profissionais: “os quais podem ser enquadrados em três categorias centrais: a) o dever de fornecer ampla informação quanto ao diagnóstico e prognóstico; b) o emprego de todas as técnicas disponíveis para a recuperação do paciente, aprovadas pela comunidade científica e legalmente permitidas; c) a tutela do melhor interesse do enfermo em favor de sua dignidade e integridade física e psíquica” (TEPEDINO apud MARQUES, 2011, p.398-399).
O vício de informação pode também ser configurado como erro médico, na medida em que o profissional médico não obteve formação adequada e suficiente para prestar a informação correta, como no exame do paciente e na interpretação de resultados de exames médicolaboratoriais.
O erro médico não decorre da vontade do agente, pois segundo Maria Helena Diniz:
“O erro médico é decorrente não só de uma ação ou omissão culposa lesiva ao paciente, requerendo, por exemplo, uma conduta profissional exercida sem habilidade, sem cautela necessária no procedimento médico ou sem o conhecimento de técnicas adequadas, susceptível de produzir dano á vida ou a saúde de outrem, mas também de falhas estruturais, quando as condições de trabalho e os recursos materiais forem insuficientes para o bom exercício da medicina. Por isso, o erro médico não é oriundo de má prática. O erro médico exprime a fraqueza humana, um ato culposo ou uma falha estrutural, enquanto a má prática (mala práxis) é expressão da maldade, surgindo com a intenção deliberada de maltratar o paciente constituindo motivo plausível para o lesado ingressar em juízo com ação de responsabilidade civil por dano moral e patrimonial […]” (DINIZ, 2006, p.686).
No que tange à inversão do ônus da prova, afirma-se que, nos casos de responsabilidade pela violação do dever de informar, cabe ao médico comprovar que prestou a informação adequada, visto que, caso fosse incumbido de demonstrar a culpa do médico pela violação deste dever, caberia enorme esforço à vítima, hipossuficiente nesta situação.
Corrobora Cládia Lima Marques, para quem:
“A inversão do ônus da prova é muitas vezes necessária, tendo em vista a hipossuficiência do consumidor que, segundo as regras da experiência, não tem condições de informar (mas sim os médicos e hospital envolvidos) o que realmente aconteceu em determinada cirurgia, tipo de anestesia, tratamento etc., e em que medidas estas falhas têm um nexo com os danos sofridos pela vítima-consumidor, durante e até o fim do tratamento, cirurgia etc.” (MARQUES, 2011, p.438-439).
Neste sentido, revela-se a importância do termo de consentimento, documento pelo qual é obrigação do médico obtê-lo junto ao paciente, cumprindo-o de forma esclarecida, em linguagem acessível e pormenorizada, e livre de vícios, para o exercício da autonomia do paciente, conforme explanado no capítulo anterior.
Coaduna o Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
“CIRURGIA ESTÉTICA – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, ESTÉTICOS E MATERIAIS – QUELÓIDES – RESPONSABILIDADE CIVIL – CULPA – CASO FORTUITO.
A cirurgia plástica é uma obrigação de resultado; por isso, deve o médico-cirurgião zelar por garantir a obtenção do resultado prometido ao paciente, salvo a ocorrência de caso fortuito.
Atua com cautela e segurança o cirurgião plástico que informa à paciente os riscos da intervenção estética e dela colhe o ""ciente"" por escrito, dando a conhecer à pessoa as conseqüências ou decorrências do procedimento que será efetuado.
Considera-se caso fortuito ou força maior o acontecimento, previsível ou não, que causa danos e cujas conseqüências são inevitáveis.” (MINAS GERAIS, 2009)
4.2 A responsabilidade pela violação do dever de informar nas cirurgias
No caso de cirurgias, a informação deve ser rigorosamente prestada, com o maior número de detalhes possíveis, devido ao risco envolvido. Expõe Rui Stoco que:
“Ora, a falta de informação acerca das consequências do tratamento ou da intervenção cirúrgica poderá conduzir à realização do procedimento, com o surgimento de sequelas ou incômodos ou outras intercorrências que poderiam não ser assumidas pelo paciente se tivesse a informação prévia e adequada. […] E se tal ocorrer por falta de informação prévia e adequada, o resultado deve ser considerado insatisfatório e danoso, a ensejar reparação tanto do dano material como moral” (STOCO, 2011, p.625).
Ademais, no caso de cirurgias plásticas estéticas, o dever de informação deve ser ainda mais amplo, pois, afinal, somente se submete a uma cirurgia embelezadora quem tem a informação do resultado a ser atingido, pois ninguém sadio, em sã consciência se exporia a um risco sem obtenção do sucesso do resultado esperado.
Segundo Miguel Kfouri Neto:
“Repita-se, mais uma vez, que as obrigações do cirurgião, nessa especialidade, são agravadas. Deve ele, em primeiro lugar, apreciar a veracidade das informações prestadas pelo paciente; depois, sopesar os riscos a enfrentar e resultados esperados; a seguir, verificar a oportunidade da cirurgia. Convencido da necessidade da intervenção, incube-lhe expor ao paciente as vantagens e desvantagens, a fim de obter seu consentimento. Na cirurgia plástica estética a obrigação de informar é extremamente rigorosa. Mesmo os acidentes mais raros, as seqüelas mais infreqüentes, devem ser relatados, pois não há urgência, nem necessidade de se intervir” (KFOURI NETO, 1998, p.165).
Com razão, entende o Superior Tribunal de Justiça que:
“PROCESSO CIVIL E CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. MÉDICO. CIRURGIA DE NATUREZA MISTA – ESTÉTICA E REPARADORA. LIMITES. PETIÇÃO INICIAL. PEDIDO. INTERPRETAÇÃO. LIMITES. 1. A relação médico-paciente encerra obrigação de meio, e não de resultado, salvo na hipótese de cirurgias estéticas. Precedentes. 2. Nas cirurgias de natureza mista – estética e reparadora -, a responsabilidade do médico não pode ser generalizada, devendo ser analisada de forma fracionada, sendo de resultado em relação à sua parcela estética e de meio em relação à sua parcela reparadora. 3. O pedido deve ser extraído da interpretação lógico-sistemática da petição inicial, a partir da análise de todo o seu conteúdo. Precedentes. 4. A decisão que interpreta de forma ampla o pedido formulado pelas partes não viola os arts. 128 e 460 do CPC, pois o pedido é o que se pretende com a instauração da ação. Precedentes. 5. O valor fixado a título de danos morais somente comporta revisão nesta sede nas hipóteses em que se mostrar ínfimo ou exagerado. Precedentes. 6. Recurso especial não provido”. (BRASIL, 2011)
A título de exemplificação torna-se clara a responsabilização pela violação no dever de informar em cirurgia, como a cirurgia de vasectomia, em dois casos concretos distintos, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Neste primeiro acórdão, verifica-se a falha da informação:
“Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. MÉDICO/CLÍNICA. INDENIZAÇÃO. VASECTOMIA. PRESTAÇÃO DEFEITUOSA DO SERVIÇO MÉDICO. FALHA NO DEVER DE INFORMAÇÃO. PRÁTICA DE PUBLICIDADE ENGANOSA. DANO MORAL CONFIGURADO. REDUÇÃO DO QUANTUM. VERBA HONORÁRIA MANTIDA. – Responsabilidade Civil – A responsabilidade da clínica médica, mesmo sendo objetiva, é vinculada à comprovação da culpa do médico. Precedentes da Câmara. O consentimento informado estabelece que o médico deve dar ao paciente informações suficientes sobre o tratamento proposto. O direito de informação contém disposição expressa na Constituição Federal (art. 5º, XIV), constituindo-se num dos direitos do consumidor (art. 6º, inc. III, do CDC). Vedação a pratica de publicidade enganosa (art. 37, § 1º, do CDC). – Dever de Indenizar Configurado – Hipótese na qual está demonstrada a prestação defeituosa do serviço médico pela prática de publicidade enganosa, induziu em erro o consumidor a respeito da qualidade do serviço, omitindo a informação correta e verdadeira, pois deixou subentendido ao paciente a infalibilidade do ato cirúrgico sobre o seu resultado, dando a falsa segurança de que a vasectomia era infalível, quando tal procedimento não é 100% seguro como método contraceptivo, dependendo de cuidado complementar por certo período para não correr o risco de futura concepção. Somado a isso, houve equívoco no resultado do espermograma realizado pelo paciente, cujo exame, assinado pelo próprio médico demandado, atestou a esterilidade do paciente, quando, na verdade, não era a sua real condição pelo fato de ter gerado a concepção não planejada da filha do casal. Presença do nexo de causalidade, tendo em vista que o evento resultou da omissão pela parte ré, deixando de informar suficientemente sobre dado essencial do serviço, sobretudo acerca da qualidade do serviço prestado. Impõe-se a obrigação de indenizar pelo dano extrapatrimonial sofrido, o qual decorre do próprio fato e independe de comprovação específica. – Quantum indenizatório – Redução – A indenização por dano extrapatrimonial deve ser suficiente para atenuar as conseqüências da lesão sofrida, não significando, por outro lado, um enriquecimento sem causa, bem como deve ter o efeito de punir o responsável de forma a dissuadi-lo da prática de nova conduta. Redução do valor da condenação, em face das peculiaridades do caso concreto e da observância do princípio da proporcionalidade, considerado o interesse jurídico lesado. – Verba Honorária – Mantido o percentual de 15% sobre o valor da condenação, a teor do art. 20, § 3º, do CPC. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. UNÂNIME”. (RIO GRANDE DO SUL, 2012)
Por outro lado, cumprido o dever de informação prestado pelo profissional médico, não há que se imputar responsabilidade em decorrência deste dever, conforme entendimento do mesmo tribunal:
“Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CIRURGIA DE VASECTOMIA PLANEJADA E ESCOLHIDA PELO ATOR COMO MÉTODO CONTRACEPTIVO. GRAVIDEZ POSTERIOR. HIPÓTESE DE IMPERÍCIA MÉDICA NÃO COMPROVADA, TANTO QUE AUSENTE QUALQUER PROVA EM TAL SENTIDO. EVENTUAIS FALHAS DE TAL MÉTODO, IMPLICANDO GESTAÇÃO, SÃO ADMITIDAS PELA DOUTRINA MÉDICA, EM RAZÃO DA RECANALIZAÇÃO ESPONTÂNEA DOS DUCTOS DEFERENTES. TAL FENÔMENO PODE OCORRER ATÉ MESMO ALGUNS ANOS DEPOIS DA CIRURGIA, TAL COMO NO CASO EM TELA. DEVER DE INFORMAR DEVIDAMENTE OBSERVADO PELA ENTIDADE RÉ. INOCORRÊNCIA DE ERRO ; AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS E JURÍDICOS FUNDAMENTOS. APELAÇÃO DESPROVIDA.” (RIO GRANDE DO SUL, 2012).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Verificou-se que o direito à informação é princípio norteador do Código de Defesa do Consumidor. Este direito compõe a boa-fé nas relações contratuais, como premissa no dever de lealdade do fornecedor perante o consumidor. Ademais, deve apresentar adequação, suficiência e veracidade, requisitos indispensáveis para garantia da informação nas relações de consumo.
Identificou-se a mudança que a relação médico-paciente sofreu nas últimas décadas, rompendo-se, enfim, a subordinação antes existente, buscando dar mais autonomia ao paciente.
Neste sentido, como relação contratual, este vínculo passou a ser visto como prestador de serviço (médico) e cliente (paciente), aplicando-se, por conseguinte, o Código de Defesa do Consumidor.
Não obstante, o direito à informação do paciente-consumidor é consubstanciado essencialmente no termo de consentimento livre e esclarecido, a ser prestado pelo médico. Este documento deve ser obtido junto ao paciente, livre de qualquer vício, sendo em linguagem acessível, relatando pormenorizadamente todos os tratamentos e riscos que compõem a terapêutica a ser empregada, para que o paciente possa decidir se quer ou não se submeter ao procedimento médico informado, garantindo-lhe o exercício de sua autonomia privada.
Por outro lado, caso haja falha no dever de informar ou na sua falta, o médico será responsabilizado, aplicando a responsabilidade subjetiva, com a inversão do ônus da prova, devido a dificuldade de se provar a falta da informação ou o seu vício pelo paciente-vítima do erro médico, hipossuficiente e vulnerável na relação de consumo.
Mestre em Direito Privado pela PUC Minas. Especialista em Direito Público pelo IEC PUC Minas. Advogado e membro da Comissão de Bioética e Biodireito da OAB/MG. Biotécnico. Professor universitário.
Acidentes de trânsito podem resultar em diversos tipos de prejuízos, desde danos materiais até traumas…
Bloqueios de óbitos em veículos são uma medida administrativa aplicada quando o proprietário de um…
Acidentes de trânsito são situações que podem gerar consequências graves para os envolvidos, tanto no…
O Registro Nacional de Veículos Automotores Judicial (RENAJUD) é um sistema eletrônico que conecta o…
Manter o veículo em conformidade com as exigências legais é essencial para garantir a sua…
Os bloqueios veiculares são medidas administrativas ou judiciais aplicadas a veículos para restringir ou impedir…