1. Do Devido Processo legal Linhas Gerais:
Ao devido processo legal é atualmente atribuída a grande responsabilidade de ser um princípio fundamental, ou seja, sobre ele repousam todos os demais princípios constitucionais, se tornando assim uma espécie de superprincípio.
Com status de superprincípio ela tem a finalidade de reprimir os abusos do Estado, que até hoje se fazem reluzentes em praticamente todas as constituições liberais do mundo. Desta forma, na esteira do estudo do processo em geral, podemos mencionar algumas garantias significativas do direito no sentido de trazer alguns conceitos estrangeiros como o due processo f law e outros.
Destarte, é importante ressaltar que este princípio é subdividido em devido processo legal em sentido formal, e devido processo legal substantivo, que serão abordados em linhas gerais nos tópicos a seguir.
2 – Do devido processo legal em sentido formal (procedural due process):
Nas raias das garantias individuais quando mencionamos procedural due process tem como principal destinatário o juiz como representante do Estado. Pois, a estes competem o dever de obedecer aos ritos, bem como seus demais aspectos que circundam o processo sem, portanto, o eivá-lo de nulidade, ou suprimindo quaisquer garantias das partes.
Com este principio norteando as relações nos processos em geral alcançamos o que o dever do Estado tem como missão, ou seja, oferecer aos seus jurisdicionados, a justiça de uma forma ampla e irrestrita. Uma vez que detém a jurisdição, e não pode afastá-la em caso concreto.
Por final, podemos dizer que é a garantia que a parte tem em saber o que vai acontecer dentro do processo, sem inovações, que possam comprometer seu direito. Em outras palavras é a regularidade formal em todo o procedimento já pré-estabelecido pela Lei em todos os seus termos.
3 – Do devido processo legal substantivo (substantive due process):
O devido processo legal substantivo vai além do que de uma simples decisão formal promovida pelo juiz de direito diante de um caso concreto. Como nos ensina J.J Gomes Canotilho:
“A teoria substantiva está ligada à idéia de um processo legal justo e adequado, materialmente informado pelos princípios da justiça, com base nos quais os juizes podem e devem analisar os requisitos intrínsecos da lei.”[1]
Não podemos afastar também, outros princípios que tomam forma tendo como sustento legal, doutrinário e jurisprudencial, que vem com este princípio, conforme nos aponta Marcelo Novelino:
“O devido processo legal substantivo se dirige, em primeiro momento ao legislador, que constituindo-se em um limite à sua atuação, que deverá pautar-se pelos critérios de justiça, razoabilidade e racionalidade. Como decorrência deste princípio surgem o postulado da proporcionalidade e algumas garantias constitucionais processuais, como o acesso a justiça, o juiz natural a ampla defesa o contraditório, a igualdade entre as partes e a exigência de imparcialidade do magistrado.”[2]
Neste sentido, cumpre destacar que no Supremo Tribunal Federal o guardião da Constituição Federal, através de decisão proferida pelo Ministro Gilmar Mendes, nos informa algo relevante sobre o tema em enfoque nos termos que se segue:
“O principio do devido processo legal, que lastreia todo o leque de garantias constitucionais voltadas para afetividade dos processos jurisdicionais e administrativos, assegura que todo julgamento seja realizado com observância das regras procedimentais previamente estabelecidas, e, além disso, representa uma exigência de fair trial, no sentido de garantir a participação equânime, justa, leal, enfim, sempre imbuída pela boa-fé e pela ética dos sujeitos processuais.”[3]
De igual forma, o guardião da Constituição Federal, em outra decisão memorável, do Ministro Carlos Velloso trouxe o seguinte entendimento acerca do devido processo legal:
“Abrindo o debate, deixo expresso que a constituição de 1988 consagra o devido processo legal nos seus dois aspectos, substantivo e processual, nos incisos LIV e LV, do art. 5º., respectivamente.”[4]
4 – Da Ampla Defesa:
A ampla defesa sem dúvida alguma é um dos temas mais apaixonantes dentro da ceara do direito, visto que além de estar inserido no contexto da garantia do devido processo legal, nos ratifica acerca da necessidade do debate dentro direito, ou seja, a necessidade de que processo seja dialético.
Neste sentido, não permitindo, que a parte tenha no processo sua defesa restringida de forma a não ter sua defesa abrangida por todos os aspectos que envolvem as garantias fundamentais do ser humano, insertas em nossa Constituição Federal de 1988.
Ademais, cumpre trazer a baila sobre a ampla defesa às palavras de Nestor Sampaio Penteado Filho:
“Por isso a defesa assume o papel multifacetário no processo, ora indicando testemunhas, ora juntando documentos, ofertando quesitos etc. O conteúdo da defesa é a prevalência do principio da igualdade para que ela possa repelir o argumentos de acusação, seja no processo judicial, seja no processo administrativo disciplinar (a par conditio, ou seja, a igualdade de armas no processo)”.[5]
Quanto à ampla defesa, esta deve abranger a defesa técnica, ou seja, o defensor deve estar devidamente habilitado nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, a defesa efetiva, ou seja, a garantia e a efetividade de participação da defesa em todos os momentos do processo e, em alguns casos, a ampla defesa autoriza até o ingresso de provas favoráveis à defesa, obtidas por meios ilícitos, justificada por estado de necessidade.
Desta forma, o que se percebe é que é muito abrangente o conceito de ampla defesa, contudo podemos constatar de forma prática sua aplicabilidade no direito processual, principalmente no que trata os que são demandados que possuem neste instrumento, uma forma ampla de se defender, em face das alegações de seus antagonistas.
Por final, encerro este tópico com uma frase de Dr. Martin Luther King Jr, que nos ensina:
“Liberdade nunca é dada voluntariamente pelo opressor; ela deve ser exigida pelo oprimido.”[6]
5 – Do Contraditório:
Dentro da sistemática constitucional, e numa visão mais ampla do direito nos sentido de que os processos possuem uma série de garantias, e esta sendo uma das mais importantes que o presente trabalho visa apenas, conceder um adendo já que há no contexto jurídico, diversos escritos referentes ao tema do contraditório no âmbito da ciência do direito.
O contraditório, encontra guarida dentro do Estado Democrático de Direito de uma forma muito abrangente já que visa estabelecer de forma clara as regras, para ambas as partes.
Nesta esteira nos aponta a Constituição Federal do Brasil em seu artigo 5º inciso LV in verbis:
“LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”
Sobre este assunto nos ensina Vicente Greco Filho sintetizando o princípio de maneira bem prática e simples:
“O contraditório se efetiva assegurando-se os seguintes elementos:
a) o conhecimento da demanda por meio de ato formal de citação;
b) a oportunidade, em prazo razoável, de se contrariar o pedido inicial;
c) a oportunidade de produzir prova e se manifestar sobre a prova produzida pelo adversário;
d) a oportunidade de estar presente a todos os atos processuais orais, fazendo consignar as observações que desejar;
e) a oportunidade de recorrer da decisão desfavorável.”[7]
Trata-se, portanto, de uma garantia que concede a parte que litiga ou que tem sobre seu bem da vida, uma ação o direito de contestar de maneira geral sobre qualquer fato ou ato alegado pela parte contrária.
Num dos exemplos, clássicos que temos é o fato do magistrado em uma audiência não deixar a parte produzir provas sem justificativa, já que suas decisões devem ser fundamentadas. Com isso, ensejando assim de forma clara e transparente cerceamento de defesa, repudiado pelo direito.
O contraditório é, portanto, uma máxima do direito não se permitindo mais processos inquisitórios, ou kafkanianos em alusão ao livro de Franz Kafka que conta à história do personagem é Joseph K, que é processado sem ao menos saber do que se trata a acusação, sem direito ao acesso a qualquer fato, sobre o que lhe imputavam.
Sem embargo, também podemos constatar que é a luta da justiça contra o poder, que se resume da seguinte forma:
“Dessa forma, parece-nos, a justiça deve conquistar o poder – e jamais o contrário, pois, conquistando o conquistador (ou usurpador), a justiça torna-se forte, presente e atuante: a justiça que provém da verdade real. Isto porque, de modo contrário, só nos restaria um poder injusto. Desse modo, este seria o caso em que (no poder injusto) a legitimidade seria usurpada e, muitas vezes, em nome, injustamente, de uma suposta legalidade”.[8]
Em conclusão, constatamos que o contraditório também encontra-se inserido na garantia do devido processo legal ao passo que não podemos alcançar um processo justo sem que a parte tenha o seu sagrado direito de defesa respeitado tanto em seu aspecto formal, quanto no aspecto material.
6 – O Devido Processo Legal e Duplo Grau de Jurisdição:
O processo, como instrumento para se materializar o direito no caso concreto, se reveste de uma série de princípios que são de suma importância para uma relação processual coerente.
O direito, especificamente o processual quando incorpora tais princípios, fazem com que as regras em que as partes litigam em uma determinada demanda, possam ter amplitude acerca do processo e seu seguimento até a tutela jurisdicional. Algo interessante sobre os princípios é colocado Paulo Henrique dos Santos Lucon:
“A questão que se coloca hoje é saber como os princípios e as garantias constitucionais do processo civil podem garantir uma efetiva tutela jurisdicional aos direitos substanciais deduzidos diariamente. Ou seja, não mais interessa apenas justificar esses princípios e garantias no campo doutrinário. O importante hoje é a realização dos direitos fundamentais e não o reconhecimento desses ou de outros direitos.”[9]
Com este entendimento, os protagonistas de uma demanda não são mais surpreendidos por atos praticados, seja pela parte, seja pelo Estado através do magistrado, manifestamente ilegais, que na maioria das vezes criam procedimentos, com simples conjecturas ou ilações, que frontalmente prejudicam o direito. Com isso, as partes estão em plena igualdade diante do conflito de interesses.
Com idéia supramencionada faz-se pertinente os escritos de Francisco Fernandes de Araújo:
“Exercer a Justiça não é só exercer um poder, mas um poder transcendental que não tem similar. O juiz não pode ser um mero profissional do Direito, pois sua missão tem algo de divino, que é a de distribuir justiça entre os mortais. E de nada serve aos cidadãos terem poderes, riquezas e cultura, se não têm uma boa justiça.”[10]
Em vista disso, o legislador constituinte originário de 1988, incorporou na Carta Política, no capítulo dos direitos e garantias fundamentais, e nos apresentou as primeiras linhas do devido processo legal, no sentido de que as partes pudessem ter segurança, e os processos que tramitam na Justiça, ou até mesmo no âmbito administrativo, fossem revestidos sem dúvida alguma de maior transparência e gerência quanto ao modo de se chegar ao seu fim.
Sendo assim, ficou consignado em nossa Constituição Federal em seu artigo 5º inciso LIV, que dispõe in verbis:
“Art. 5º (omissis) LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;”
Posto isto, o direito através da Lei Maior trouxe de forma indelével ao nosso ordenamento jurídico, um novo norte de forma nos a conceder a garantia efetiva do devido processo legal, não mais como uma versão utópica, mais sim como sendo algo de extrema relevância.
A partir de então, de forma clara o processo passou a ser tratado sempre a luz desta garantia, oriunda de uma idéia norte americana que é o due process of law, como nos aponta a doutrina:
“Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Colorário a este principio assegura-se aos litigantes, em processo judicial e administrativo, e aos acusados em geral o contraditório e ampla defesa, com meios de recursos inerentes.”[11]
Cumpre ressaltar, que a garantia por ser emanado da Lei Maior, é mais importante que o direito, uma vez que o primeiro precisa ser exercido pela parte, já a garantia é irrenunciável, imprescritível, inalienável, entre outros aspectos como nos aponta Alexandre de Morais:
“O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado – persecutor e plenitude de defesa (direito à defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal).”[12]
Outrossim, acerca da importância do devido processo legal, e do duplo grau de jurisdição nos aponta a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal[13]:
“Duplo grau de jurisdição no Direito brasileiro, à luz da Constituição e da Convenção Americana de Direitos Humanos. Para corresponder à eficácia instrumental que lhe costuma ser atribuída, o duplo grau de jurisdição há de ser concebido, à moda clássica, com seus dois caracteres específicos: a possibilidade de um reexame integral da sentença de primeiro grau e que esse reexame seja confiado à órgão diverso do que a proferiu e de hierarquia superior na ordem judiciária. Com esse sentido próprio — sem concessões que o desnaturem — não é possível, sob as sucessivas Constituições da República, erigir o duplo grau em princípio e garantia constitucional, tantas são as previsões, na própria Lei Fundamental, do julgamento de única instância ordinária, já na área cível, já, particularmente, na área penal. A situação não se alterou, com a incorporação ao Direito brasileiro da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José), na qual, efetivamente, o art. 8º, 2, h, consagrou, como garantia, ao menos na esfera processual penal, o duplo grau de jurisdição, em sua acepção mais própria: o direito de ‘toda pessoa acusada de delito’, durante o processo, ‘de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior’. Prevalência da Constituição, no Direito brasileiro, sobre quaisquer convenções internacionais, incluídas as de proteção aos direitos humanos, que impede, no caso, a pretendida aplicação da norma do Pacto de São José: motivação. (…) Competência originária dos Tribunais e duplo grau de jurisdição. Toda vez que a Constituição prescreveu para determinada causa a competência originária de um Tribunal, de duas uma: ou também previu recurso ordinário de sua decisão (CF, arts. 102, II, a; 105, II, a e b; 121, § 4º, III, IV e V) ou, não o tendo estabelecido, é que o proibiu. Em tais hipóteses, o recurso ordinário contra decisões de Tribunal, que ela mesma não criou, a Constituição não admite que o institua o direito infraconstitucional, seja lei ordinária seja convenção internacional: é que, afora os casos da Justiça do Trabalho — que não estão em causa — e da Justiça Militar — na qual o STM não se superpõe a outros Tribunais —, assim como as do Supremo Tribunal, com relação a todos os demais Tribunais e Juízos do País, também as competências recursais dos outros Tribunais Superiores — o STJ e o TSE — estão enumeradas taxativamente na Constituição, e só a emenda constitucional poderia ampliar. À falta de órgãos jurisdicionais ad qua, no sistema constitucional, indispensáveis a viabilizar a aplicação do princípio do duplo grau de jurisdição aos processos de competência originária dos Tribunais, segue-se a incompatibilidade com a Constituição da aplicação no caso da norma internacional de outorga da garantia invocada.”
Ocorre que além desta garantia que de legal podemos ver que ela abrange uma série de outros pontos, como nos aponta a doutrina pátria de Humberto Theodoro Junior:
“A garantia do devido processo legal, porém não se exaure na observância das formas da lei para tramitação das causas em juiz. Compreende algumas categorias fundamentais como a garantia do juiz natural (CF. art. 5º. inc. XXXVII), e do juiz competente (CF, art. 5º. inc. LIII), garantia de acesso a Justiça (CF, art. 5º. inc. XXXV), da ampla defesa e do contraditório e a da fundamentação de todas as decisões judiciais (art. 93, inc. IX). Faz-se necessário modernamente uma assimilação da idéia de devido processo legal a de processo justo”.[14]
Com esta mesma idéia, também vem afirmando o autor Cândido Rangel Dinamarco:
“direito ao processo justo é, em primeiro lugar, o direito ao processo tout court – assegurado pelo princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional que a Constituição impõe mediante a chamada garantia da ação. Sem ingresso em juízo não se tem a efetividade de um processo qualquer e muito menos de um processo justo. Garantido o ingresso em juízo e até mesmo a obtenção de um provimento final de mérito, é indispensável que o processo se haja feito com aquelas garantias mínimas: a) de meios, pela observância dos princípios e garantias estabelecidas; b) de resultados, mediante a oferta de julgamentos justos, ou seja, portadores de tutela jurisdicional a quem efetivamente tenha razão. Os meios, sendo adequadamente empregados, constituem o melhor caminho para chegar a bons resultados. E, como afinal o que importa são os resultados justos do processo (processo civil de resultados), não basta que o juiz empregue meios adequados se ele vier a decidir mal; nem se admite que se aventure a decidir a causa segundo seus próprios critérios de justiça, sem ter empregado os meios ditados pela Constituição e pela lei. Segundo a experiência multissecular expressa nas garantias constitucionais, é grande o risco de erro quando os meios adequados não são cumpridos. Eis o conceito e conteúdo substancial da cláusula due process of law, amorfa e enigmática, que mais se colhe pelos sentimentos e intuição do que pelos métodos puramente racionais da inteligência.”[15]
Em conclusão, notamos que no Estado Democrático em que vivemos há uma grande necessidade de manutenção de tal garantia, ao passo que sua violação traria prejuízos irreversíveis, não só a justiça, mais a toda sociedade.
Informações Sobre o Autor
Fausto Luz Lima
graduação em Direito, pós-graduação lato sensu em Direito Processual Civil, pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUCCAMP. Cursando pós-graduação em direito e processo do trabalho, pela Universidade Anhanguera de Campinas/SP. Membro da Comissão de Direitos Humanos – CDH, e da Comissão de Ecologia Meio Ambiente e Interesses Difusos da Ordem dos Advogados do Brasil, 3.º Sub – Seção – Campinas/SP. Advogado militante