Resumo: O presente artigo se propõe a analisar, mesmo que sucintamente, as diferenças e as semelhanças existentes entre os sistemas sanitários implementados em Portugal e no Brasil com vistas a evidenciar a importância da adoção de políticas públicas que possibilitem a efetivação do direito fundamental à saúde. Nesse sentido, serão ressaltados alguns pontos relevantes acerca da sistemática adotada em cada um desses países, com a finalidade de estabelecer um paralelo entre ambos, destacando, ainda, a importância da otimização da discussão sobre o assunto no Brasil.
Palavras-chave: Direito à saúde. Efetivação. Políticas Públicas.
Abstract: This article proposes to analyze, even briefly, the differences and similarities between the health systems implemented in Portugal and in Brazil, in order to highlight the importance of adopting public policies that enable the realization of the fundamental right to health. In this sense, some relevant points about the systematics adopted in each of these countries will be highlighted, with the purpose of establishing a parallel between the two, highlighting the importance of optimizing the discussion on the subject in Brazil.Keyword: Right to health. Effective. Public policy.
Sumário: 1. Aspectos gerais do direito à saúde em Portugal. 2. O direito à saúde no Brasil. 3.Conclusão. 4. Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
O direito à saúde é parte de um conjunto de direitos denominados direitos sociais, relacionados aos princípios da dignidade da pessoa humana, solidariedade e igualdade, que visam atingir a justiça social.
No Brasil, a criação do Sistema Único de Saúde – SUS, em 1988, foi a conquista da principal política pública de saúde contemporânea para atender as demandas populacionais.
Em Portugal a criação do Sistema Nacional de Saúde – SNS, regulamentada pelo Decreto Lei nº 56 de 26 de agosto1979, permitiu novos modelos de acesso à saúde pela população.
Em ambos os países, o acesso à saúde exige permanentes ações políticas do Estado, razão pela qual, o direito à saúde ainda é bastante desigual.
2. ASPECTOS GERAIS SOBRE O DIREITO À SAÚDE EM PORTUGAL
Em Portugal, a partir de 1974 a política de saúde passou por significativas modificações, tendo surgido condições políticas e sociais que permitiram no ano de 1979 a criação do Serviço Nacional de Saúde SNS, através do qual o Estado assegura o direito à saúde (promoção, prevenção e vigilância) a todos os cidadãos.
O Ministério da Saúde português é o responsável pelo desenvolvimento da política da saúde dos portugueses, bem como de gerir os seus Sistemas de Saúde.
Assim, o Estado português assegura o direito à proteção da saúde através do Serviço Nacional de Saúde (SNS), o qual abrange todas as instituições e serviços oficiais prestadores de cuidados de saúde, todos dependentes do Ministério da Saúde.
Foram muitas as mobilizações e conquistas sociais nos últimos trinta anos, seja em Portugal, seja no Brasil, em seus percalços, se traduziu numa experiência corroborativa ao que Silva (1999) define sobre a escolha dos casos, “a eleição de um terreno não é uma escolha, é a produção de um lugar”.
Tanto no Brasil quanto em Portugal, a saúde é um direito garantido pela Constituição. A Constituição Portuguesa, no seu artigo 64º diz: Saúde:
“1. Todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover.
2. O direito à proteção da saúde é realizado:
a) Através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito.”(continua)
Em Portugal há dois níveis de atenção à saúde no sistema público: os Centros de Saúde (CS) e os HospitaisEmergências.
Nesse sentido, o sistema público de saúde em Portugal é o que atende a maioria das pessoas, e tem uma qualidade incrível. Diferente dos hospitais brasileiros, eles são bem equipados, com atendimento de qualidade e não precisa esperar dias para ser atendido. Mas também diferente do Brasil, não é gratuito.
Para usar a saúde pública em Portugal é necessário, em regra, o pagamento de uma taxa moderadora de acordo com o serviço que será utilizado. Dessa forma, os valores vão aumentando conforme o que é solicitado pelos médicos.
Todavia, algumas pessoas são isentas da taxa moderadora. Pessoas que provam que não tem como pagar o sistema de saúde, pessoas com doenças graves e gestantes estão isentas de pagar qualquer coisa no sistema público (inclui: acompanhamento, exames, parto e até dentista).
O sistema de acompanhamento na saúde pública em Portugal ocorre com o médico de família. Nesse sentido, caso seja preciso fazer exames ou acompanhamento com um especialista, o médico de família assina uma guia de encaminhamento. Se o paciente for encaminhado para um hospital particular para a realização de algum exame, o mesmo será pago com o mesmo valor que se pago para fazer o exame no hospital público.
Durante o período de 1970 a 2001, Portugal passou por sucessivas transformações dentro de um contexto social, jurídico e econômico, na qual, influenciou de forma direta no acesso à saúde.
O SNS possui autonomia administrativa e financeira, estrutura-se numa organização descentralizada e desconcentrada, compreendendo órgãos de âmbito central, regional e local, e dispõe de serviços prestadores de cuidados de saúde primários e serviços prestadores de cuidados de saúde diferenciados.
Durante a segunda metade do século XX, Portugal padeceu com grandes mudanças sociais, econômicas e políticas, em períodos de tempo muito curtos, principalmente com a democratização e a descolonização ocorrida na década de 1970, incluindo-se nestas transformações no ano de 1985, a entrada na Comunidade Econômica Europeia, e pouco tempo depois a integração do País na União Monetária Europeia em 2000[1].
No ano de 1999 foi estabelecido o regime dos Sistemas Locais de Saúde (SLS), que são um conjunto de recursos articulados na base da complementaridade e organizados segundo critérios geográfico-populacionais, que visam facilitar a participação social e que, em conjunto com os centros de saúde e hospitais, pretendem promover a saúde e a racionalização da utilização dos recursos.
Ainda em 1999, seguindo a mesma forma de atuação dos Sistemas de Saúde – SLS, foram criados os Centros de Responsabilidade Integrada – CRI, que se constituem em verdadeiros órgãos de gestão intermédia. Estes, mesmo sem quebrar a unidade de conjunto, são dotados de poder decisório, permitindo a tomada de decisões.
3. O DIREITO À SAÚDE NO BRASIL
Constata-se no Brasil através do SUS que as ações e serviços públicos de saúde são desenvolvidos obedecendo a o princípio constitucional da universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência, sendo o dever do Estado em suprir as necessidades de toda população.
De acordo com Behring & Boschetti[2] (2006) é interessante conhecer o papel do Estado e os interesses envolvidos na regulamentação e desenvolvimento das políticas públicas e os caminhos adotados em sua efetivação, para, desta maneira, desvendar o significado real da política de saúde para os sujeitos envolvidos e compreender a articulação dessas situações sobre a vida humana em que predomina o econômico.
A discussão sobre políticas sociais não se refere tão somente às formas de articulação do Estado com o capital, mas também às manifestações das forças sociais, da organização e da mobilização das classes subalternas na alteração da ordem estabelecida em uma conjuntura específica. Assim, “a análise de uma política deve levar em consideração as formas de organização do Estado e da sua relação com a sociedade civil no conjunto da dinâmica social e econômica”(FALEIROS, 2010). É esse pensamento construído historicamente, que orienta a ideia de inviabilidade, ineficácia e até de descrença em torno das políticas públicas de saúde, que se pretende decompor na análise desta realidade social em que “[…] se inserem as políticas sociais como processos inscritos na sociedade burguesa” (BEHRING & BOSCHETTI, 2006).
No Brasil, o monitoramento anual do acesso de internações no sistema público de saúde, é organizado por Estados da Federação. O Brasil tem tido um gasto muito baixo com a saúde, comparativamente com os países mais ricos. Na comparação com países desenvolvidos constata-se que Portugal, no ano de 2006 gastou $1.494 per capita em saúde, quase quatro vezes mais que o Brasil que gastou $367 per capita.
Desta forma, a proteção à saúde será tanto mais ampla quanto mais a sociedade entender a saúde como um problema coletivo, não de cada individuo ou família, mas de todos os cidadãos (LOBATO E GIOVANELLA, 2012).
O Sistema Único de Saúde – SUS é um sistema público de ações e serviços de saúde no Brasil, instituído com a promulgação da Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 e definido na Lei nº 8.080 de 19 de setembro de 1990, como o “conjunto de ações e serviços públicos de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais da administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público” (BRASIL, 1990).
O SUS é constituído e está organizado em redes regionalizadas e hierarquizadas e atua em todo o território brasileiro, com direção única em cada esfera de governo. O SUS não é, porém, uma estrutura que atua isolada na promoção dos direitos básicos de cidadania, ele insere-se no contexto das políticas públicas de seguridade social, que abrangem, além da Saúde, a Previdência e a Assistência Social.
O processo de implantação do Sistema Único de Saúde foi iniciado a partir do movimento de reforma sanitária, cujas bases foram contempladas pela Constituição Federal de 1988 e das Leis nº 8.080/1990 e nº 8.142/1990. A implantação do SUS vem se inserido como um processo social em permanente construção.
O SUS faz parte das ações definidas na Constituição como sendo de relevância pública, sendo atribuído ao poder público a sua regulamentação, a fiscalização e o controle das ações e dos serviços de saúde. A Constituição Federal de 1988 definiu em seu artigo 198: As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
O texto constitucional demonstra que a concepção do SUS estava baseada na formulação de um modelo de saúde voltado para as necessidades da população, procurando resgatar o compromisso do Estado para com o bem-estar social, especialmente no que refere à saúde coletiva, consolidando-o como um dos direitos da cidadania.
Contudo, o mundo jurídico, no Brasil e em outros países, vem acompanhando um movimento massivo atinente à busca da efetivação de prerrogativas presentes na Constituição de cada Estado de Direito: a judicialização. Esse termo atina à procura do Judiciário pela população para que o Poder Executivo seja compelido, através de uma demanda judicial, a implementar políticas públicas deficitárias.
É fato que o sistema de saúde no país não tem sido capaz de efetivar a contento o direito à saúde a todas as pessoas, conforme previsão da Constituição Federal. Nessa esteira, muitas vezes o Judiciário acaba sendo a última alternativa de muitos pacientes para obtenção de um medicamento ou tratamento. Mas o que deveria ser uma exceção tem se tornado cada vez mais frequente, de modo que, em 2010, os gastos com demandas judiciais individuais somaram o equivalente a quase 2% do orçamento total da saúde. Esse crescimento pode causar graves desequilíbrios ao orçamento, prejudicando a consecução de políticas públicas previstas. No entanto, também não se pode olvidar o paciente que buscou a Justiça, pois receber atendimento é um direito. A saída, portanto, é efetivar uma “contenção saudável” da judicialização, diminuindo a quantidade e o custo das demandas sem prejudicar investimentos ou o direito individual em saúde.
No que tange o tema, Antônio José Avelãs[3] aponta em Portugal, o Tribunal Constitucional pronunciou-se duas vezes sobre questões relativas ao direito à saúde, em ambas chamadas a apreciar a inconstitucionalidade de dois diplomas legais, afirma o autor que:
“Não conheço nenhuma sentença de um tribunal português sobre pedido do cidadão no sentido de o tribunal condenar o Executivo adoptar as medidas adequadas à efetivação do direito (individual) à saúde do requerente (fornecimento de medicamentos, recurso a meios de diagnósticos, realização de cirurgia ou outro tipo de tratamento).
Assim, no que toca aos direitos a prestações materiais do estado colocadas sob a reserva do possível, o referido autor destaca que o Tribunal Português tem defendido que a Constituição não pode determinar o conteúdo exato de cada uma das prestações, nem pode definir as condições ou pressupostos que devam enquadrar o processamento da respectiva atribuição.
No Brasil, contudo, o entendimento corrente sobre a problemática em análise, é muito diferente. O STF tem defendido a tese de que cabe nas competências do Poder Judiciário evitar que as omissões do poder político façam perecer os direitos fundamentais previstos na Constituição, assumindo que, “ quando a Constituição Federal consagra um direito e a norma infraconstitucional o explicita, impõe-se ao Judiciário torná-lo realidade, ainda que para isso resulte obrigação de fazer, com repercussão na esfera orçamentária”.
4. CONCLUSÃO
A evolução histórica das políticas de saúde está relacionada diretamente à evolução político-social e econômica da sociedade. O acesso à saúde no Brasil e em Portugal exige permanente ação do Estado na realização dos programas sociais, que tem por finalidade proteger o indivíduo contra as investidas abusivas dos órgãos estatais, não permitindo a sua violação.
Para tanto, o SUS em seu arcabouço de leis, normas, resoluções e diretrizes é um marco definitivo na garantia do direito a saúde do cidadão brasileiro, por determinar um caráter universal às ações e aos serviços no país.
As dificuldades de crescimento econômico, o baixo nível de riqueza, e as acentuadas desigualdades na distribuição dos rendimentos em Portugal, faz com que, aumente a percentagem dos gastos sociais no PIB, não havendo progressos na proteção social sem crescimento econômico. A proteção contra os resultados negativos deve assentar-se nas políticas de emprego, no amparo contra o endividamento e em uma política ativa de promoção do acesso aos serviços de saúde.
Ambos os países, apesar das crises temporárias, lutam para manter a igualdade e justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, fundadas na harmonia social e comprometidas na ordem nacional e internacional, com a solução pacífica das controvérsias.
Referências
BRASIL, Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Disponível em http://conselho.saude.gov.br/legislacao/lei8080.htm Acesso em 26 out de 2016.
BEHRING, Elaine; BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: Fundamentos e História. São Paulo: Cortez Editora, 2006.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: um longo caminho. Civilização Brasileira, 2001
CUNHA JÚNIOR. Dirley da. Curso de Direito Constitucional. Salvador:Juspodivm,2010.
FALEIROS, V. P. O trabalho da política: saúde e segurança dos trabalhadores. 2.ed. São Paulo: Cortez, 2010
Professora substituta de Direto Administrativo da Universidade Federal da Bahia; mestre em Direito Público e doutoranda em Direito Público Pelo PPGD da Faculdade de Direito da UFBA
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