O direito ambiental no conflito de normas constitucionais envolvendo a exploração animal

Resumo:Em todos os ramos do Direito há conflitos entre normas, o que não é diferente no Direito Ambiental. Neste artigo iremos estudar pontos importantes deste conflito, levando a discussão para casos concretos em que o Poder Judiciário teve que se manifestar e decidir qual norma constitucional deve prevalecer sobre outra.  Será abordado o conflito entre Meio Ambiente Natural x Meio Ambiente Cultural e Direito Ambiental/Objeção de Consciência x Autonomia Didático-Científica, ambos os conflitos serão tratados a respeito da exploração dos animais pelo ser humano. O objetivo é o aprofundamento sobre Direitos dos Animais em nossa Constituição Federal, concluindo que temos este respaldo para atuarmos juridicamente na defesa desses seres.

Palavras-chave:Direito Ambiental; Direito Constitucional; Direitos dos Animais;Meio Ambiente Natural; Meio Ambiente Cultural; Autonomia Didático-Científica.

Abstract:In all branches of law conflicts between norms, which is no different in Environmental Law. In this article we study important points of this conflict, leading the discussion to concrete cases in which the judiciary had to manifest and decide which constitutional law should prevail over another. The conflict between the Natural Environment x Cultural Environment and Environmental Law / Conscientious Objection x Didactic and Scientific Autonomy, both conflicts will be treated on the exploration of animals by humans. The aim is deepening about Animal Rights in our Federal Constitution, concluding that we have to support this we act legally on behalf of these beings.

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Key-words:Environmental Law; Constitutional Law; Animal Rights;Natural Environment; Cultural Environment; Didactic and Scientific Autonomy.

Sumário: Introdução. 1. Meio Ambiente Natural. 1.1. A flora e fauna. 2. Meio Ambiente Cultural. 3 Meio Ambiente Natural x Meio Ambiente Cultural. 4. Direito ambiental/objeção de consciência x autonomia didática. Considerações Finais.

  Introdução

Os animais vêm sendo explorados pelo ser humanos à milhares de anos, sendo para alimentação, vestuário, entretenimento, medicina etc. Esta ampla exploração nem sempre (ou quase nunca) leva em consideração que os animais são seres sencientes, merecedores de respeitos por nós humanos.

Porém, a exploração pelo ser humano não se restringe apenas aos animais, mas também à nossa flora, a destruindo meramente para fins lucrativos, ocasionando diversos desastres ambientais, afetando a todos que vivem no planeta Terra.

Neste contexto,o Direito Ambiental é um dos ramos do Direito que mais cresce nos últimos anos, seja pelo ser humano visando benefício próprio (visto que sem o meio ambiente equilibrado a espécie humana enfrentará problemas de sobrevivência), seja por uma visão biocêntrica com o entendimento que todas as formas de vida merecem ser respeitadas.

O Direito Ambiental é divido em várias ramificações, sendo no presente artigo estudada duas delas o Meio Ambiente Natural e o Meio Ambiente Cultural, ambos com previsão em nossa Constituição Federal.

O Meio Ambiente Natural, com previsão no artigo 225 da Constituição Federal, defende nossa fauna e flora, já o Meio Ambiente Cultural deve ser respeitado segundo o artigo 216 da Carta Magna.

Desta forma, iremos comentar quando tais disposições entram em conflito, qual deve prevalecer, O Meio Ambiente Natural ou o Cultural? No caso concreto, vamos estudar a “farra do boi”, tradicional festa catarinense que acarreta em crueldade com os animais envolvidos, onde são explorados até a morte.

Ainda tratando sobre o Meio Ambiente Natural, vamos analisar o conflito entre este e a Autonomia Didático-Científica, prevista no artigo 207 de nossa Carta Magna, abordando sobre a utilização de animais no ensino. Por diversas ocasiões temos ciência das crueldades ocorridas contra os animais nos laboratórios, mas uma grande quantidade de pessoas apenas s sensibilizam por aqueles animais os quais somos mais próximos culturalmente, como oscães e gatos no Brasil.

Há registros que a experimentação animal teve início ainda na Antiguidade, tal experimentação ainda é realizada rotineiramente nos atualmente, sem qualquer misericórdia do ser humano por estes seres dotados de extrema sensibilidade, que sofrem nos laboratórios de pesquisa ao redor do planeta.

Temos toda esta discussão atualmente devido ao especismo, que é o entendimento que uma espécie é superior à outra, no caso, o ser humano julga-se superior às demais, tendo consequência à destruição do meio ambiente em prol de ambições egoísticas sendo, na maioria das vezes, visando fins lucrativos.

1.Meio ambiente natural

O meio ambiente natural é constituído por solo, água, ar atmosférico, fauna e flora, conforme previsão constitucional em seu artigo 225, §1º, I e VII, vejamos:

“Art.225: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defende-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e provar o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

VII – proteger as fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.”

Assim, tal dispositivo da Constituição Federal deixa nítido que o meio ambiente natural deve ser protegido não só pelo Poder Público, mas também por toda a coletividade, devendo protegê-lo e preservá-lo, assegurando o meio ambiente equilibrado para as futuras gerações, que sofrerão com o impacto, positivo ou negativo, causado pela geração do presente.

O que chama atenção neste artigo é a utilização do termo “todos” no caput. Há uma visão biocêntrica que possui o entendimento de que “todos” não refere-se apenas ao ser humano, mas que deve ser incluso todo o meio ambiente natural, principalmente aos animais. Para estes,os animais também seriam defendidos pela Constituição Federal como detentores de direitos próprios, e não meramente consequência de um direito antropocêntrico do ser humano em garantir o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as futuras gerações.

Essa é a visão crescente em todas as áreas que envolvem o estudo e respeito ao meio ambiente, apesar de haver forte resistência daqueles que possuem o entendimento que o ser humano pode explorar o meio ambiente natural da forma que compreender melhor, visando interesses egoísticos.

Gordilho analisa o artigo 225 da ConstituiçãoFederal:

“Além disso, como a caça e a pesca podem ser autorizadas, o sistemajurídicobrasileironão garante sequer o direito à vida desses animais, que continuam sendo capturados e mortosdiariamente, legalouclandestinamente, tornando letramorta a normaconstitucionalque proíbe às práticasque coloquem emrisco a funçãoecológica dos animais, provoquem a suaextinçãoou submeta-os à crueldade (CF, art 225, pár. 1, VII) (GORDILHO, 2004, p. 99).”

Krell afirma quenem o PoderPúblico, muitomenos a coletividade, logram êxito na implementação de normasque vedem o tráfico de animaissilvestres, porconseqüência das falhas na prestaçãoreal dos serviçospúblicos de proteção ambiental, esta falha é encontrada na formulação, implementação e manutenção das respectivas políticas públicas, comotambém na composição dos gastosnosorçamentos da União, dos estados, e dos municípios (KRELL, 2002, p. 31-32).

Eliana Franco Neme diz que todo o regramento fortificado pela norma constitucional é capaz de modificar os hábitos culturais, as tradições comerciais e científicas, os padrões de entretenimento ou os comportamentos religiosos. Com isso, ainda temos uma série de fatores que colidem com o conteúdo jurídico da Constituição, determinando o comportamento cruel com os animais. Esses fatores são decorrentes de uma concepção histórica da superioridade do homem sobre os animais (NEME, 2006, p.97).

1.1 A flora e fauna

Conforme mencionado, a flora é um dos elementos do meio ambiente natural. Em sua obra, Celso Antonio Pacheco Fiorillo a distingue de floresta:

“Os termos de flora e floresta não possuem, no Texto Constitucional, o mesmo significado. O primeiro é o coletivo que engloba o conjunto de espécies de uma determinada região,enquanto floresta, por sua vez, é um dos conteúdos do continente flora. O Anexo I da Portaria n. 486-P do IBDF (item 18) define floresta como “formação arbórea densa, de alto porte, que recobre área de terra mais ou menos densa”.

Dessa feita, flora é um termo mais amplo que floresta, estando a compreender esta última (FIORILLO, 2006, p 102).”

A fauna basicamente diz respeito aos animais, sejam eles silvestres ou domésticos, ambos são protegidos pela Constituição Federal e leis infraconstitucionais. Para o direito brasileiro, os animais são tratados como “coisas”, suscetíveis de apropriação, afinal, o ser humano sempre os explorou a seu bel prazer, como entretenimento, alimentação, vestuário etc. Neste sentido Rodrigues e Fiorillo afirmaram:

“Uma tarefa das mais complexas no âmbito do Direito Ambiental é o estudo da fauna, pelo simples fato de que tais bens possuem uma atávica concepção de natureza privatista, fortemente influenciada pela nossa doutrina civilista do começo deste século, que os estudava exclusivamente como algo que poderia ser objeto de propriedade, no exato sentido que era vista como res nullius. Diz Orlnado Gomes: “Há coisas que podem integrar o patrimônio das pessoas, mas não estão no de ninguém. São as res nullius e as res derelictae. Res nullius, as que ninguém pertence atualmente, mas que podem vir a pertencer pela ocupação, como os animais de caça e pesca”(FIORILLO; RODRIGUES, 1999, p. 311).”

Porém, há fortes posicionamentos no sentido de descaracterizar os animais como meros “objetos”, ampliando seus direitos, e acabando por lhes dar um pouco da dignidade de que tanto devem fazer jus.

Ocorre que, no Brasilhá eventos que infligem a proteção constitucional que veda a crueldade contra animais, como rodeios, farra do boi, utilização de animais vivos em testes científicos ou para fins didáticos etc.

No mesmo sentido, nossa flora não é respeitada, com o desmatamento cada vez maior devido à produção de gado e soja pelos latifundiários (soja esta em que a maior parte é voltada para alimentação dos animais que serão abatidos visando consumo e não para o ser humano).

Assim, o artigo 225, §1º, VII torna-se letra morta de lei, pela falta de seu cumprimento e, em diversas oportunidades, negligência das autoridades competentes em prosseguir com investigações que envolvam dano ao meio ambiente natural.

2. Meio ambiente cultural

Podem ser considerados como meio ambiente cultural as obras de arte, imóveis históricos, museus, paisagens, tradições de determinadas regiões do país, tudo que contribua com o bem-estar e felicidade do ser humano.

Helita Barreira Custódio aborda sobre o tema:

“Em princípio, sem entrar nas particularidades doutrinárias, considera-se patrimônio cultural o conjunto de bens móveis ou imóveis matérias ou imateriais, decorrentes da ação da natureza e da ação humana como da harmônica ação conjugada da natureza e da pessoa humana, de reconhecidos valores vinculados aos diversos progressivos estágios dos processos civilizatórios e culturais de grupos e povos. Integrado de elementos básicos da civilização e da cultura de povos, o patrimônio cultural, em seus reconhecidos valores individuais ou em conjunto, constitui complexo de bens juridicamente protegidos em todos os níveis de governo, tanto nacional quanto internacional( CUSTÓDIO, 1997, p.18-19). “

Assim como no caso do meio ambiente natural, o meio ambiente cultural também tem previsão constitucional, mais precisamente no artigo 215, onde afirma que o “Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”.

Prosseguindo o estudo de nossa Carta Magna, o artigo 216 define o que é “patrimônio cultural”:

“Art 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais incluem:

I – as formas de expressão;

II – os modos de criar, fazer e viver;

III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

iV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espações destinados às manifestações artísticos-culturais;

V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

§1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.

§2º Cabem à administração pública, na forma de lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear suas consulta a quantos delas necessitem.

§3º A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais.

§4º Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.

§5º Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.

§ 6 º É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a fundo estadual de fomento à cultura até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, para o financiamento de programas e projetos culturais, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

I – despesas com pessoal e encargos sociais; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

II – serviço da dívida; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

III – qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiados. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)”

Vale ressaltar que no artigo 216-A da Constituição Federal, introduzido pela Emenda Constitucional nº 71/2012, aborda sobre o Sistema Nacional de Cultura, a qual não iremos nos aprofundar neste artigo.

O artigo 216 nos traz alguns avanços significativos, sendo o primeiro no sentido de consolidar o termo “patrimônio cultural”, já utilizado por doutrinadores nacionais e internacionais, porém na lei é mantida a expressão “patrimônio histórico” e “artístico” (SOUZA, 1997, P. 48-49).

Desta forma, cabe ao Estado a proteção de todos os direitos, devendo incentivar sua manutenção e desenvolvimento a fim de não se extinguir os valores culturais.

3. Meio ambiente natural x meio ambiente cultural

Sempre que há conflitos de normas constitucionais é gerada enorme polêmica antes, durante e após o julgamento, qual normal deve prevalecer e por quê? No caso do Direito Ambiental não é diferente. E se o Direito Cultura e o Natural se colidirem, qual deles deverá se sobrepor ao outro?

Essa discussão chegou ao Supremo Tribunal Federal no julgamento que envolvia a “Farra do Boi”, tradicional evento que ocorre todos os anos no estado de Santa Catarina onde o animal é solto pelas ruas e é torturado por “humanos” até a sua morte cruel.

Os autores da ação foram a Associação Amigos de Petrópolis – Patrimônio, Proteção aos Animais, Defesa da Ecologia, a LDZ – Liga de Defesa dos Animais, a Sozed – Sociedade Zoológica Educativa, e a APA – Associação Protetora dos Animais em face do estado de Santa Catarina.

A fundamentação jurídica dos autores na ação civil pública foi o citado artigo 225, §1º, VII da Constituição Federal.

Apesar de não obterem sucesso em instâncias inferiores, até mesmo com julgamento sem resolução de mérito em primeira instância devido ao entendimento impossibilidade jurídica do pedido, e, posteriormente, julgamento improcedente pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, conseguiram sucesso perante o STF em seu Recurso Extraordinário, segue ementa:

“MEIO AMBIENTE – Crueldade a animais – “Farra do boi” – Alegação de que se trata de manifestação cultural – Inadmissibilidade – Aplicação do art. 225§1º da CF – Voto Vencido.

Ementa da Redação. – A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância da norma do art. 225,§1º, VII, da CF que veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade, como é o caso da conhecida “farra do boi”.

Ementa do voto vencido, pela redação: A manifestação popular conhecida como “farra do boi”, é uma tradição cultural regionalizada, e, como dispõe o art. 225,§1º, da CF pois é patrimônio cultural de natureza material do povo e expressa a memória de grupos formadores da sociedade brasileira o que é assegurado pelo art. 216 também da CF. Se há excessos na sua prática, cumpre ao Estado impedir que se submetam animais à crueldade (art. 225, §1º, VII, da Carta Magna).

FRE 153.531-8/SC – 2ª T – j. 03/06/1997. – redator p/ acórdão Min. Marco Aurélio – DJU 13/03/1998”.

Há outros julgados com este posicionamento, prevalecendo o meio ambiente natural, ou seja, a visão do direito tem progredindo com o passar dos anos no sentindo de compreender o animal com ser senciente, que também sofre, sente medo, frio, fome etc como o ser humano.

Visando uma melhor ilustração, segue um caso de rodeio em que é determinado a emissão de laudos que demonstram que os animais não sofrem crueldade e impondo o cancelamento de algumas competições:

“SENTENÇA – Nulidade – Cerceamento de defesa em razão do julgamento antecipado da lide – Inocorrência – Suficiência da prova existente nos autos, para a concreta decisão da lide – Preliminar rejeitada AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL -RODEIO – Obrigação de não fazer -Condenação da Municipalidade, prepostos ou terceiros a, nas Festas de Rodeio do Município,se absterem de a) utilizar qualquer subterfúgio ou instrumento, qualquer que seja o material,capaz de causar dor e sofrimento aos animais (sedem, corda americana, esporas, peiteiras,laços, cintas, cilhas, barrigueiras e sinos), ou meios que visem a estimular a inquietação deles (choques elétricos ou mecânicos,espancamento nos bretes); b) realizar provas que sejam torturantes ou causadoras de maus-tratos aos animais (bulldogging, teamroping,calfroping ou quaisquer outras de laço e derrubada), assim como o rodeio-mirim ou afins; c) conceder autorização ou alvará administrativos a terceiros autorizando tais práticas, ainda que de forma privada e desvinculada da pessoa jurídica da Municipalidade, sob pena de aplicação de multa diária – Procedência do pedido -Contundência dos laudos e estudos produzidos nos autos a comprovar que a atividade do rodeio submete os animais a atos de abus maus tratos, impinge-lhes intenso martírio físico e mental, constitui-se em verdadeira exploração econômica da dor – Incidência do art. 225, § Io, VII, da Constituição Federal, do art. 193, X, da Constituição Estadual, além do art. 32 da Lei nº 9.605/98, que vedam expressamente a crueldade contra os animais -Inadmissível a invocação dos princípios da valorização do trabalho humano e da livre iniciativa, pois a Constituição Federal, embora tenha fundado a ordem econômica brasileira nesses valores, impôs aos agentes econômicos a observância de várias diretivas, dentre as quais a defesa do meio ambiente, e a conseqüente proteção dos animais, não são menos importantes – Apelo desprovido Em verdade, sequer haveria necessidade dos laudos produzidos e constantes dos autos para a notória constatação de que tais seres vivos, para deleite da espécie que se considera a única racional de toda a criação, são submetidos a tortura e a tratamento vil. Ainda que houvesse fundada dúvida sobre o fato do sofrimento e dor causados aos animais utilizados em rodeios – dúvida inexistente diante da prova colacionada -,incide na espécie o princípio da precaução, segundo o qual "as pessoas e o seu ambiente devem ter em seu favor o benefício da dúvida, quando haja incerteza sobre se uma dada ação os vai prejudicar", ou seja, existindo dúvida sobre a periculosidade que determinada atividade representa para o meio ambiente, deve-se decidir favoravelmente a ele – ambiente – e contra o potencial agressor. REJEITADA A MATÉRIA PRELIMINAR, NEGA-SE PROVIMENTO AO APELO”

 (TJ-SP – APL: 14714720098260160 SP 0001471-47.2009.8.26.0160, Relator: Renato Nalini, Data de Julgamento: 03/03/2011, Câmara Reservada ao Meio Ambiente, Data de Publicação: 15/03/2011)

A discussão dentre vários defensores dos animais é que não é pelo motivo de haver laudos periciais que descaracterizaria os maus tratos, para estes, qualquer tipo de exploração aos animais deveria ser considerado crueldade, visto que eles não estão sendo montados por vontade própria, mas sim por imposição humana, e é nesse sentido que eles ingressam com ações no Poder Judiciário.

4. Direito ambiental/objeção de consciência x autonomia didática

Outro conflito de normas constitucionais que envolve a exploração animal é entre o  Direito Ambiental Natural e a Autonomia Didática-Científica, que faz com que comentamos sobre a vivissecção.

O termo vivissecção é aplicado, genericamente, para quaisquer experimentos que se utilizam de animais. Esses experimentos são realizados em diversas áreas, como na biotecnologia, no mercado econômico ou ainda para fins didáticos.

Atualmente ainda podemos visualizar diversas instituições de ensino realizando a experimentação animal corriqueiramente, sem respeitar a vida daquele ser que está servindo de objeto para pesquisa.

E não é apenas em cursos como medicina ou medicina veterinária que os animais são utilizados, apenas a título de exemplo, é muito comum a presença de cobaias nos cursos de psicologia.

Os doutrinadores Levai e Daró abordam o tema:

“Em favor da experimentação animal os vivisseccionistas formulam, em regra, sempre o mesmo discurso indagativo: Se não testarmos remédios em animais, se não fizermos experiências com esses seres, como poderemos acabar com as doenças que assolam a humanidade? Respostas a essas objeções podem ser encontradas não apenas no campo filosófico, mas no próprio universo científico. Isso porque inúmeras experiências com animais são desnecessárias e repetidas, supérfluas e destituídas de sentido. Impingem a eles dor e padecimento, com o propósito de demonstrar o óbvio. A maioria dos experimentos, aliás, nem sequer é feita para o benefício da humanidade (LEVAI; DARÓ, 2004, p. 141)”.

Nos Estados Unidos da América, um grande marco para a redução na utilização de animais ocorreu em 1987, quando a estudante JeniferGrahan, da Universidade da Califórnia, recusou-se a dissecar um animal, levando a discussão até o Tribunal, o que criou precedentes para que, posteriormente, se criasse a atual lei estadual que estabeleceu direitos aos estudantes de não utilizarem animais de forma destrutiva e prejudicial (GREIF, 2003, p. 28).

Atualmente, nos EUA, os cursos que irão se utilizar de animais vivos em seus laboratórios devem comunicar o estudante antecipadamente para que estes possam usufruir de seus direitos. Foi assim que vários estudantes resolveram cursar áreas biológicas, com o direito assegurado de não participar de aulas que envolvessem a utilização de animais (GREIF, 2003, p.28).

“Dados de 1995 revelam que nos EUA, mais de 80% dos estudantes se opuseram à prática da vivissecção em sala de aula. Em diversos lugares, salas inteiras objetaram-se a participar de experimentos que prejudicassem animais. Balcombe realizou levantamento de diversos estudos, demonstrando atitude de estudantes frente ao uso de animais, na educação, obtendo uma percepção negativa, mas muitas vezes declaradamente necessária, como relação a estas práticas. A resposta em alguns lugares, como no Instituto de Marburg, Alemanha, foi o desenvolvimento por parte dos professores de simulações computacionais, multimídias de alta qualidade, baseadas em experimentos originais (GREIF, 2003, p. 28-29).”

O direito a escusa de consciência à experimentação animal não se limitou apenas ao estado da Califórnia, EUA. Em 1993, na Itália, foi sancionada uma lei federal tratando especificamente desse assunto, a lei 413/1993, possibilitando aos estudantes de biomédicas o direito a escusa de consciência. Esta lei italiana serviu como base para a lei municipal 4.428/1999 de Bauru, cidade do interior do estado de São Paulo, cujos artigos 7º , 8º e 9º são expressos em permitir a objeção de consciência àqueles que lidam com a experimentação animal em escolas ou centros de pesquisas (LEVAI, 2006, p. 6).

Na Câmara dos Deputados há um projeto de lei (PL 1.691/2003) regulamentador da experimentação animal e permissivo da escusa de consciência, texto que se encontra atualmente tramitando em Brasília. No estado de São Paulo, existe o Código Estadual de Proteção Animal (Lei 11.977/2005, de São Paulo), contendo um artigo específico sobre o assunto, deferindo, ao estudante, o direito à escusa de consciência para não participar de aulas que envolvam a experimentação animal (LEVAI, 2006, p. 6-7).

“Ao contrário do que ocorre na hipótese da prestação do Serviço Militar, de natureza obrigatória, inexiste no Brasil lei que obrigue alguém a praticar vivissecção ou experimentação animal e, portanto, não há que se falar em “obrigação legal a todos imposta”. Daí porque, não havendo lei a ser descumprida, torna-se perfeitamente possível o exercício da objeção de consciência à experimentação animal, em face do consagrado princípio da legalidade. Considerando que a escusa de consciência é uma forma particular de resistência pacífica pelo estudante, ela assemelha-se à chamada Desobediência Civil, com diferencia de naquela hipótese a punição do aluno recalcitrante é incabível.

Soa paradoxal, nesse contexto, que estudantes de biologia sejam obrigados a perfazer experimentos cruéis em animais quando seu próprio Código de Ética, no artigo 2º , dispõe o seguinte: “Toda atividade do Biólogo deverá sempre consagrar o respeito à vida, em todas as suas formas e manifestações e à qualidade do meio ambiente” (LEVAI, 2006, p. 7).”

Em nossa Constituição Federal é prevista a possibilidade da objeção de consciência, em seus artigos 5º, II, VI, VIII, que diz:

“Art. 5º, II. Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

Art. 5º , VI. É inviolável a liberdade de consciência e de crença…

Art. 5º, VII. Ninguém será privado de direitos por motivos de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.”

O artigo 207 da Constituição Federal prevê a autonomia universitária didático-científica, juntamente com os artigos 47 e 53 da Lei de Diretrizes e Bases, porém tais normas não possuem garantem absoluto, como demonstra Levai:

“ O argumento de que o artigo 207 da CF e os artigos 47 e 53 da Lei de Diretrizes e Bases garantem à Universidade a autonomia didático-científica para decidir de acordo com seus próprios interesses, não possui caráter absoluto. Isso porque a autonomia didático-científica não é irrestrita, tanto que a Lei de Biossegurança – aprovada recentemente – estabeleceu limites para a pesquisa científica. Se assim não fosse, seria desnecessária a autorização legal dada pelo Congresso à utilização de células embrionárias para as pesquisas de células-tronco. Outro exemplo são os trotes acadêmicos – alguns deles de conseqüências trágicas – que acontecem dentro das Universidades. É claro que se crime houver, a Escola não poderá acobertá-lo sobre a alegação de que possui autonomia própria para resolver os problemas ocorridos em seu campus. Neste caso, a lei ordinária deverá ser aplicada independentemente do local em que se deu o fato delituoso.

Daí porque a autonomia conferida pelo artigo 207 da Constituição Federal não é absoluta, e sim relativa, haja vista que a Universidade não pode colocar-se acima da lei. Se por acaso ocorresse no campus um corte ilegal de árvores ou a poluição de um lago, com danos à natureza, evidente que a Universidade não poderá invocar sua autonomia para justificar esse desastre ambiental. Da mesma forma. Não poderá praticar e/ou compactuar com a prática de maus-tratos para com os animais – conduta vetada por lei – valendo-se do argumento de que possui autonomia didático-científico para decidir o que seja, ou não cruel.

Ainda que assim não fosse, isto é, ainda que se quisesse entender que a autonomia universitária só encontra limite na Constituição Federal – o que se admite apenas para argumentar – o artigo 225 pár. 1º, VII da CF veda as práticas capazes de submeter os animais à crueldade, não se podendo excluir delas a experimentação animal. Se existe um conflito aparente de normas entre os artigos 207 e 225 da Carta Política brasileira, evidente que deve prevalecer o segundo mandamento, por contemplar um valor mais elevado (a vida) (LEVAI, 2006, p. 9).”

Resta ao Brasil o reconhecimento legal da cláusula de objeção de consciência à experimentação animal, o que já ocorre nos EUA e na Europa, para que assim se assegure aos estudantes, interessados em cursos que utilizam animais vivos em seus experimentos, seus direitos sem maiores complicações.

Laerte Fernando Levai salienta que, quando negada a objeção de consciência pela autoridade administrativa acadêmica, o estudante deve impetrar Mandado de Segurança (Lei 12.016/2009), com pedido de liminar, invocando seu direito à objeção de consciência e, paralelamente, o de apresentar trabalho alternativo sobre o mesmo assunto proposto pelo professor da matéria, com o diferencial de ele ser realizado sem a necessidade de ferir ou matar criaturas sencientes, preservando o objetor, desse modo, suas convicções morais e filosóficas (LEVAI, 2006, p. 9-10).

Para encerrar, Levai comenta sobre a função do Ministério Público no que tange o presente o assunto:

“O Ministério Público, a quem toca a tutela jurídica da fauna e o cumprimento das leis, não deve se omitir diante dessa cruel realidade. Atuando na condição de substituo processual dos animai (artigo 3º , par. 3º do Decreto n. 24.645/1934) e curador do meio ambiente (artigo 129, III, da Constituição Federal), o promotor de justiça pode agir preventivamente, recomendando às escolas e aos institutos de pesquisa – de modo oficioso – a necessidade da substituição do uso animal pelos métodos alternativos e a garantia do direito de escusa à consciência para os alunos que porventura o quiseram (LEVAI, 2006, p.11).”

Desta forma, um estudante sensível ao sofrimento dos animais pode conquistar o direito de frequentar um curso sem ter que mutilar e matar qualquer ser senciente para conclui-lo e conseguir seu diploma de formação, inclusive, com tal direito, podemos ter profissionais mais éticos o futuro.

 Considerações finais

O Direito Ambiental ganha cada vez mais relevância com as transformações que nosso planeta tem tido nestes últimos tempos. A preocupação com a fauna e a flora vem aumentando à medida que o ser humano começa a perceber que é impossível convivermos sem ter o mínimo de equilíbrio com o meio ambiente.

Já ocorrem congressos globais abordando sobre ao meio ambiente, um exemplo foi o “RIO+20”, que ocorreu em 2012 no Rio de Janeiro. Apesar de grande parte das ideias não entrarem em prática, esses eventos já demonstram que a conscientização mundial aumentando progressivamente.

Mais especificamente, o tema sobre Direitos dos Animais também está sendo discutido na mídia diariamente. Infelizmente, muitas destas discussões ocorrem devido aos maus tratos aos animais e a branda legislação para este crime.

Há também grupos de defesas aos animais têm aparecido cada vez na mídia e em instituições para dar palestras sobre o assunto, e, consequentemente, o interesse do público vem aumentando consideravelmente.

Em nosso cotidiano podemos verificar várias transgressões ambientais, tanto do meio ambiente cultural quanto do meio ambiente natural. Infelizmente o Poder Público não consegue ou não tem interesse em punir os responsáveis que, em diversas oportunidades, cometem crimes. . Ainda é comum assistirmos na televisão cenas de maus tratos à animais e sem a punição dos criminosos.

Apesar do Brasil ser um dos poucos países que vedam a crueldade dos animais na própria Constituição Federal, ainda utilizamos, sem qualquer controle, seres vivos em laboratórios, isso devido a falta de estímulo a novos rumos da pesquisas científica e a não punição dos que a utilizam de forma indiscriminada.

A exploração dos animais através de pesquisas em laboratórios constitui apenas parte de um problema, que é muito mais amplo representado pelo especismo, e é improvável que seja eliminado antes mesmo que o próprio especismo seja abolido.

Os animais querem viver, como nós também queremos, porque no que diz respeito, a dor, fome, sede, aos diversos sentimentos, e não querer morrer, somos todos iguais.

Depois de tudo, simplesmente percebemos que é errado. Se pudéssemos conversar com os animais, como justificaríamos para eles toda esta exploração pela qual são submetidos diariamente?

A parte que mais deve tocar o pensamento e a sensibilidade humana neste momento é refletirmos se é correto ética e moralmente realizarmos toda esta exploração como fossemos seres superiores ou Deus. Quem nos deu o direito de utilizarmos seres vivos que têm sentimentos (assim como nós) em ações que resultam em dor, sofrimento e morte? 

Devemos, sim, sobrepor o meio ambiente natural acima de quaisquer disposições contrária à ele, pois neste estão inclusos outros seres sencientes, merecedores do respeito humano, somente assim conquistaremos um mundo fraterno, necessário para resguardar a sobrevivência da própria espécie humana.

Caso o ser humano realmente deseja salvar as futuras gerações, devemos ter um pensamento mais fraterno para com as demais espécies que dividem o planeta conosco e não apenas sermos egoístas e visarmos interesses próprios, afinal, é disso que a sociedade se indigna com os que detêm o poder e se corrompem cotidianamente.

Desta forma, o momento de reconhecer os animais como sujeitos de direito já chegou e a corrente em seu favor está cada vez mais conquistando mais adeptos no mundo todo, trata-se de pessoas que não suportam mais a crueldade contra seres indefesos por uma espécie que se julga superior e dominante.

                                                                          

Referências:
CUSTÓDIO, Helita Barreira. Normas de proteção ao patrimônio cultural brasileiro em face da Constituição Federal e das normas ambientais.Revista de Direito Ambiental, São Paulo, v6, 1997.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco.  Curso de Direito Ambiental Brasileiro.7 ed.São Paulo: Saraiva, 2006.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de Direto Ambiental.2 ed. São Paulo: Max Limonad, 1999.
GORDILHO, Heron José de Santana. Abolicionismo Animal.Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, out-dez 2004.
GREIF, Sérgio . Alternativas ao uso de animais vivos na educação. São Paulo: Instituto Nina Rosa, 2003.
KRELL, Andréas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: Os (des)caminhos de um direitos constitucional “comparado”. Porto Alegre: Fabris, 2002.
LEVAI, Laerte Fernando. O direito à escusa de consciência na experimentação animal. In: Congresso de Meio ambiente do Ministério Público do Estado de São Paulo, 10º, 2006, Campos do Jordão. Disponível em: http://www.sentiens.net/top/PA_ACD_laertelevai_0016_top.html. Acesso em: 05.02.2014.
LEVAI, Laerte Fernando; DARÓ, Vânia Rall. Experimentação animal: histórico, implicações éticas e caracterização como crime ambiental. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, out-dez 2004.
NEME, Eliana Franco. Limites constitucionais aos experimentos com animais: uma aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana. Bauru,SP: Edite, 2006.
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Bens culturais e proteção jurídica. Porto Alegre: unidade Editorial, 1997.

Informações Sobre o Autor

José Honório de Oliveira Filho

Mestrando em Teoria Geral do Direito e do Estado Responsável pelo Setor de Licitações da Prefeitura de Vera Cruz/SP e Advogado


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Equipe Âmbito Jurídico

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