Resumo: O presente artigo busca estudar o direito ao esquecimento tendo em vista as novas tecnologias ocorridas nos últimos anos, principalmente a partir da rede mundial de computadores, que proporciona a quebra de fronteiras entre países e o trânsito instantâneo de notícias e informações, desafiando a humanidade diante de uma ferramenta que pode se tornar incontrolável.
Palavras-chave: Direito ao esquecimento, rede mundial de computadores, internet, liberdade de comunicação, dignidade da pessoa humana.
Abstract: This article seeks to examine the right to oblivion in view of the new technologies in recent years, especially from the global network of computers, which provides the breaking of borders between countries and the transit of instant news and information, challenging humanity in the face of a tool that can become uncontrollable.
Key words: Right to oblivion, worldwide network of computers, the internet, freedom of communication, dignity of the human person.
Sumário: 1. Direito ao esquecimento, definição, surgimento. 2. O direito ao esquecimento e a internet. 3. Considerações acerca do posicionamento do Superior Tribunal de Justiça. 4. Conclusões. 5. Referências bibliográficas.
1. Direito ao esquecimento, definição, surgimento.
O direito ao esquecimento não encontra definição na legislação pátria. Trata-se de desenvolvimento da jurisprudência a nível mundial, com casos isolados. O assunto, assim, ganhou pouco desenvolvimento até o presente momento.
Um dos casos famosos relatados é o conhecido como “Lebach”.
O nome deve-se à cidade alemã onde ocorreu um crime bárbaro. Robert Alexy assim descreve a situação fática:
“…a emissora de televisão ZDF planejava exibir um documentário chamado ‘O assassinato de soldados em Lebach’. Esse programa pretendia contar a história de um crime no qual quatro soldados da guarda de sentinela de um depósito de munições do Exército Alemão, perto da cidade de Lebach, foram mortos enquanto dormiam e armas foram roubadas com o intuito de cometer outros crimes. Um dos condenados como cúmplice nesse crime que, na época prevista para a exibição do documentário, estava perto de ser libertado da prisão, entendia que a exibição do programa, no qual ele era nominalmente citado e apresentado por meio de fotos, violaria seu direito fundamental garantido pelos arts. 1º, § 2° e 2°, § 1°, da Constituição alemã, sobretudo porque sua ressocialização estaria ameaçada.”[1]
O documentário teria sido produzido com a contratação de atores, menção dos nomes dos acusados e insinuação no sentido de que seriam homossexuais.
Ingressou, assim, e teve seu pleito indeferido em duas instâncias da justiça alemã. Ajuizou, assim, uma reclamação constitucional contra estas decisões e obteve ganho de causa.
Reproduzimos o seguinte trecho da ementa trazida por Junger Swab, citado por George Marmelstein Lima:
“Em face do noticiário atual sobre delitos graves, o interesse de informação da população merece em geral prevalência sobre o direito de personalidade do criminoso. Porém, deve ser observado, além do respeito à mais íntima e intangível área da vida, o princípio da proporcionalidade: Segundo este, a informação do nome, foto ou outra identificação do criminoso nem sempre é permitida. A proteção constitucional da personalidade, porém, não admite que a televisão se ocupe com a pessoa do criminoso e sua vida privada por tempo ilimitado e além da notícia atual, p.ex. na forma de um documentário. Um noticiário posterior será, de qualquer forma, inadmissível se ele tiver o condão, em face da informação atual, de provocar um prejuízo considerável novo ou adicional à pessoa do criminoso, especialmente se ameaçar sua reintegração à sociedade (ressocialização).”[2]
Posteriormente houve um segundo caso Lebach, chamado Lebach 2, que novamente tentou retratar o crime, agora envolvendo uma outra rede de televisão alemã. Desta feita, a emissora tomou cautelas e não mencionou os nomes dos envolvidos.
Mais uma vez o acusado tentou impedir a divulgação, mas desta feita sem sucesso. Como resume Otávio Luiz Rodrigues Junior, o Tribunal Alemão entendeu que “o direito geral da personalidade é protetivo dos indivíduos em face de situações … que distorçam ou desfigurem sua imagem em público, de modo a impedir o livre desenvolvimento da personalidade, o que se revela de modo evidente quando há sério risco de estigmatização … ou quando essas representações ameaçam, de modo efetivo, a reintegração dos delinquentes à sociedade, desde que esses hajam cumprido suas penas.” A intensidade da violação ao direito fundamental dos criminosos, no Caso Lebach-1, era sensível porquanto o programa de televisão da ZDF conferira um caráter sensacionalista ao fato, com a exposição do nome e de fotografias dos envolvidos. A veiculação do documentário, à época, prejudicaria e muito a ressocialização dos condenados. 5) No programa da SAT 1, no entanto, é inadequado encontrar tal nível de interferência no direito ao desenvolvimento da personalidade dos autores da reclamação constitucional. Passaram-se 30 anos da ocorrência do crime (de 1969; o acórdão é de 1999) e os riscos para a ressocialização foram bastante minorados. [3]
O direito ao esquecimento também foi invocado para impedir a divulgação de fatos desabonadores ocorridos ao longo da vida de uma pessoa, quando esta mudou seu comportamento e aquela vida pregressa é desconhecida da sociedade.
É o caso do filme “The Red Kimono” de 1925, que pretendia retratar a história de uma ex-prostituta denominada Gabrielle Darley. Acusada de homicídio, veio a ser absolvida e mudou de vida, tendo se casado e convolado núpcias. Seu passado era totalmente desconhecido da sociedade. A divulgação do filme representava um grave prejuízo à sua honra e imagem na sociedade, motivo pelo qual moveu ação objetivando impedir a divulgação do filme.
Posteriormente houve desenvolvimento do direito ao esquecimento para tutelar o direito de pessoas acusadas e absolvidas da prática de ilícitos, além das vítimas de crimes ou mesmo familiares das vítimas de crimes, tentando apagar as marcas deixadas pelos infortúnios, impedindo novas divulgações dos fatos.
Famosos, no Brasil, os casos que ficaram conhecidos como “Chacina da Candelária” e “Aída Curi”, ambos envolvendo a Rede Globo de Televisão e seu programa denominado “Linha Direta”.
Muito embora não encontre uma delimitação na legislação pátria, pode ser o direito ao esquecimento definido como a faculdade de reclamar ao poder judiciário a proteção visando impedir a divulgação de fatos desabonadores ocorridos ao longo da vida de uma pessoa, tendo em vista o decurso de um longo lapso de tempo aliado a uma modificação da situação fática, uma modificação do comportamento ou o cumprimento da pena imposta.
Ou seja, a pessoa já teria cumprido sua pena, sua conduta no passado sombrio não mais persistiria, de modo que para proteger sua intimidade, sua honra, seria lícito deixar estes fatos pretéritos no esquecimento. É o direito de ser deixado em paz, de ter sossego, de poder “virar a página” de um passado que se quer esquecer; de renovar a vida.
O direito ao esquecimento foi reconhecido na VI Jornada de Direito Civil promovida pelo CJF/STJ, com a aprovação do Enunciado n° 531, cujo teor e justificativa são os seguintes: “ ENUNCIADO 531 – A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento. Artigo: 11 do Código Civil. Justificativa: Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados.”
Na Constituição de 1988 o tema gira em torno do conflito entre de um lado o direito à intimidade, à vida privada, e de outro o direito à informação e à divulgação do pensamento:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; …
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;”
“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.”
Conforme ensina Daniel Sarmento a democracia “… pressupõe um espaço público aberto, plural e dinâmico, onde haja o livre confronto de ideias, o que só é possível mediante a garantia da liberdade de expressão”. [4]
E continua o mesmo Autor:
“A consagração constitucional da liberdade de expressão parte da premissa antipaternalista de que as pessoas são capazes de julgar por si mesmas o que é bom ou ruim, correto ou incorreto, e têm o direito moral de fazê-lo. Por isso, não é legítimo às autoridades públicas proibirem a manifestação de uma ideia por considerá-la errada ou até perniciosa. Até porque, se o Estado pudesse decidir o que pode e o que não pode ser exprimido, haveria a tendência natural de que tentasse silenciar as ideias contrárias aos governantes, ou aquelas que desagradassem às maiorias que lhe dão suporte político.”[5]
Mas, adverte o mesmo autor na mesma obra, a liberdade de expressão não constitui valor absoluto. Muito embora tenha um fator preponderante, deve ser objeto de sopesamento com outros valores presentes no texto constitucional, especialmente a intimidade e a honra.
Já no direito à intimidade, destaca José Adercio Leite Sampaio, quem dá o tom de sua proteção é o referencial da dignidade da pessoa humana, “como o faz em relação ao direito geral à vida privada, a partir de suas múltiplas ligações com princípios e regras constitucionais, v.g., a inviolabilidade da casa (art. 5°, XI); do sigilo dos dados, da correspondência e das comunicações (arts 5°, XII); a inadmissibilidade no processo das provas obtidas por meios ilícitos (art 5°, LVI) e o habeas data (art. 5°, LXXII).”[6]
Ambos os valores, a intimidade, vida privada e direito à informação, liberdade de imprensa, são igualmente importantes nas sociedades democráticas, motivo pelo qual o impasse está longe de ser solucionado.
1.O direito ao esquecimento e a internet
As novas tecnologias surgidas nas últimas décadas trouxeram um desafio extra na temática da proteção à imagem, à intimidade, e consequentemente colocaram um tempero novo no tema do direito ao esquecimento.
O ser-humano, com a ferramenta da internet, rompe fronteiras. As mensagens não encontram limites e são divulgadas instantaneamente. Não apensas pessoas famosas são alvo dos noticiários, mas também o cidadão comum. As redes sociais constituem um perigo para a intimidade da pessoa. Quando estão envolvidas crianças ou adolescentes, então, o perigo é ainda maior. As pessoas abrem sua vida particular, disponibilizando fotografias, sua casa, o que fazem ou deixam de fazer, seu corpo, enfim, divulgam fatos e fotos a uma infinidade de estranhos.
Inicialmente divulgadas para conhecidos, basta uma informação ou fotografia cair nas mãos de um estranho para navegar sem fronteiras pelo mundo afora.
Soma-se a isso os fatos ilícitos praticados na internet, como crimes ou mesmo a criação de falsos perfis nas redes sociais.
A tutela de um direito ao esquecimento no âmbito da internet teve no exterior um primeiro caso que é sempre lembrado. Trata-se de demanda envolvendo um espanhol, Mário Costeja Gonzales além da empresa Google e o jornal La Vanguardia. Segundo relato, teria sido disponibilizado na Rede Mundial de Computadores anúncio publicado no jornal La Vanguardia em 1998 pelo Ministério do Trabalho e dos Assuntos Sociais espanhol, divulgando um leilão de imóveis para o pagamento de dívidas à Segurança Social em que Mario Costeja era um dos devedores.
Houve em referida ação julgamento favorável ao autor, afirmando seu direito de ser esquecido (parte final) (grifos nossos):
“Os artigos 12.°, alínea b), e 14.°, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 95/46 devem ser interpretados no sentido de que, no âmbito da apreciação das condições de aplicação destas disposições, importa designadamente examinar se a pessoa em causa tem o direito de que a informação em questão sobre a sua pessoa deixe de ser associada ao seu nome através de uma lista de resultados exibida na sequência de uma pesquisa efetuada a partir do seu nome, sem que, todavia, a constatação desse direito pressuponha que a inclusão dessa informação nessa lista causa prejuízo a essa pessoa. Na medida em que esta pode, tendo em conta os seus direitos fundamentais nos termos dos artigos 7.° e 8.° da Carta, requerer que a informação em questão deixe de estar à disposição do grande público devido à sua inclusão nessa lista de resultados, esses direitos prevalecem, em princípio, não só sobre o interesse económico do operador do motor de busca mas também sobre o interesse desse público em aceder à informação numa pesquisa sobre o nome dessa pessoa. No entanto, não será esse o caso se se afigurar que, por razões especiais como, por exemplo, o papel desempenhado por essa pessoa na vida pública, a ingerência nos seus direitos fundamentais é justificada pelo interesse preponderante do referido público em ter acesso à informação em questão, em virtude dessa inclusão.[7]
No Brasil, o mesmo tema foi apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça em alguns casos, podendo-se mencionar os Recursos Especiais n° 1.316.921/RJ e 1.593.873-SP. Ambos os Recursos Especiais tiveram a mesma relatoria de Nancy Andrighi, e com resultados idênticos afastando a aplicação de uma tutela ao esquecimento.
O Recurso Especial n° 1.593.873-SP, tendo como partes Google Brasil Internet Ltda. e S. M. S., foi oriundo de ação de obrigação de fazer por meio da qual a autora objetivou o bloqueio definitivo do sistema de buscas da GOOGLE de pesquisas realizadas por meio do nome daquela, pois poderiam levar a páginas que reproduziam imagens suas de nudez.
A autora vencia a ação em segunda instância, com a ementa seguinte:
“OBRIGAÇÃO DE FAZER – Autora que busca impedir a veiculação de resultado de pesquisa, cujo conteúdo envolva suas imagens a partir do seu nome em site de busca – Possibilidade – Direito de esquecimento – Conteúdo sem interesse público, circunscrito apenas à vida privada da pessoa exposta – Afirmação do preceito constitucional da dignidade da pessoa humana – Recurso Provido (e-STJ fl. 121)”[8]
O outro caso mencionado, Recurso Especial n° 1.316.921/RJ se refere a ação proposta também em face da Google, mas pela apresentadora Xuxa Meneguel, com a mesma relatoria de Nancy Andrighi. Através da demanda pretendia a autora que a empresa de internet não propiciasse acesso à pesquisa que ligasse a imagem da apresentadora à nudez infantil ou à pedofilia.
Com isso tencionava um esquecimento com relação ao seu passado de filme de nudez acompanhada de criança/jovem, em contraste com a atualidade de apresentadora de programas infantis.
Como dito, ambos os casos tiveram decisão do Superior Tribunal de Justiça negando um direito ao esquecimento.
Nancy Andrighi analisa os atores envolvidos na complicada trama da internet para o fim de definir em que consistiria a atuação da Google e para afastar sua responsabilização.
Transcrevemos parte significativa do julgado para uma melhor compreensão:
“Os provedores de serviços de Internet são aqueles que fornecem serviços ligados ao funcionamento dessa rede mundial de computadores, ou por meio dela. Trata-se de gênero do qual são espécies as demais categorias, como:
(i) provedores de backbone (espinha dorsal), que detêm estrutura de rede capaz de processar grandes volumes de informação. São os responsáveis pela conectividade da Internet, oferecendo sua infraestrutura a terceiros, que repassam aos usuários finais acesso à rede;
(ii) provedores de acesso, que adquirem a infraestrutura dos provedores backbone e revendem aos usuários finais, possibilitando a estes conexão com a Internet;
(iii) provedores de hospedagem, que armazenam dados de terceiros, conferindo-lhes acesso remoto;
(iv) provedores de informação, que produzem as informações divulgadas na Internet; e
(v) provedores de conteúdo, que disponibilizam na rede os dados criados ou desenvolvidos pelos provedores de informação ou pelos próprios usuários da web.
É frequente que provedores ofereçam mais de uma modalidade de serviço de Internet; daí a confusão entre essas diversas modalidades.
Entretanto, a diferença conceitual subsiste e é indispensável à correta imputação da responsabilidade inerente a cada serviço prestado.
Na hipótese específica dos sites de busca, verifica-se a disponibilização de ferramentas para que o usuário realize pesquisas acerca de qualquer assunto ou conteúdo existente na web, mediante fornecimento de critérios ligados ao resultado desejado, obtendo os respectivos links das páginas onde a informação pode ser localizada.
Essa provedoria de pesquisa constitui uma espécie do gênero provedor de conteúdo, pois esses sites não incluem, hospedam, organizam ou de qualquer outra forma gerenciam as páginas virtuais indicadas nos resultados disponibilizados, se limitando a indicar links onde podem ser encontrados os termos ou expressões de busca fornecidos pelo próprio usuário.
Como bem descreve a recorrente na inicial do agravo de instrumento, o mecanismo de busca dos provedores de pesquisa trabalha em 03 etapas:
(i) uma espécie de robô navega pela web identificando páginas; (ii) uma vez identificada, a página passa por uma indexação, que cataloga e mapeia cada palavra existente, compondo a base de dados para as pesquisas; e (iii) realizada uma busca pelo usuário, um processador compara os critérios da pesquisa com as informações indexadas e inseridas na base de dados do provedor, determinando quais páginas são relevantes e apresentando o resultado.
Evidentemente, esse mecanismo funciona ininterruptamente, tendo em vista que, além de inúmeras páginas serem criadas a cada dia, a maioria das milhões de páginas existentes na web sofrem atualização regularmente, por vezes em intervalos inferiores a uma hora, sendo que em qualquer desses momentos pode haver a inserção de informação com conteúdo ilícito.
Essa circunstância, aliada ao fato de que a identificação de conteúdos ilícitos ou ofensivos não pode ser automatizada, torna impraticável o controle prévio por parte dos provedores de pesquisa da cada página nova ou alterada, sob pena, inclusive, de seus resultados serem totalmente desatualizados.”[9]
Com base na argumentação desenvolvida, o Superior Tribunal de Justiça afastou a responsabilização da empresa Google, com a seguinte ementa no primeiro julgado, AgInt no REsp. n° 1.593.873-SP:
“PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PROVEDOR DE PESQUISA. DIREITO AO ESQUECIMENTO. FILTRAGEM PRÉVIA DAS BUSCAS. BLOQUEIO DE PALAVRAS-CHAVES. IMPOSSIBILIDADE. – Direito ao esquecimento como “o direito de não ser lembrado contra sua vontade, especificamente no tocante a fatos desabonadores, de natureza criminal, nos quais se envolveu, mas que, posteriormente, fora inocentado”. Precedentes. – Os provedores de pesquisa não podem ser obrigados a eliminar do seu sistema os resultados derivados da busca de determinado termo ou expressão, tampouco os resultados que apontem para uma foto ou texto específico, independentemente da indicação da página onde este estiver inserido. – Ausência de fundamento normativo para imputar aos provedores de aplicação de buscas na internet a obrigação de implementar o direito ao esquecimento e, assim, exercer função de censor digital. – Recurso especial provido.”
Outro fundamento importante para a conclusão foi o fato de haver, no Brasil, o Marco Civil da Internet, lei n° 12.965/2014, que preenche parcialmente a ausência de uma legislação específica sobre a proteção de dados pessoais. Assim dispõe seu artigo 7°:
“Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:
I – inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
X – exclusão definitiva dos dados pessoais que tiver fornecido a determinada aplicação de internet, a seu requerimento, ao término da relação entre as partes, ressalvadas as hipóteses de guarda obrigatória de registros previstas nesta Lei; (grifou-se)”
Em síntese, o Superior Tribunal de Justiça concluiu que “provedores de pesquisa: (i) não respondem pelo conteúdo do resultado das buscas realizadas por seus usuários; (ii) não podem ser obrigados a exercer um controle prévio do conteúdo dos resultados das buscas feitas por cada usuário; e (iii) não podem ser obrigados a eliminar do seu sistema os resultados derivados da busca de determinado termo ou expressão.”[10]
2. Considerações acerca do posicionamento do Superior Tribunal de Justiça
Parece claro que o fato de ter o Superior Tribunal de Justiça afastado a responsabilização da empresa Google não implica na impossibilidade de uma decisão jurisdicional vinculá-la à tutela do direito ao esquecimento.
Com efeito, o Novo Código de Processo Civil estabelece, em seu artigo 301, que qualquer meio hábil à efetividade do processo poder ser utilizado como tutela de urgência de natureza cautelar (grifos nossos):
“Art. 301. A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito.”
Nos casos tratados, ainda que a empresa atue através de um robô, filtrando elementos ou palavras dos verdadeiros propagadores dos conteúdos a serem controlados, parece claro que é muito mais fácil para o prejudicado, na busca de seu direito, buscar o controle através da empresa que gerencia a ferramenta de busca. Pensamos que os prejudicados, sem prejuízo de direcionarem as ações principais em face dos titulares dos sites que estão a divulgar as notícias falsas ou indesejadas, podem sim pleitear tutelas de urgência em face das empresas de busca na internet, de modo a tornar efetivo seu direito ao esquecimento.
Perfeitas, neste sentido, as colocações de Afonso de Oliva e Marco Cunha e Cruz, merecendo reprodução:
“Em que pese o fato de realmente não haver qualquer influência do serviço de busca Google Search nas páginas por ele exibidas, não se pode olvidar o impacto que o sistema de busca possui na divulgação e na facilitação de localização destas páginas. Importa lembrar que, nos dias atuais, cada vez menos pessoas se utilizam de uma URL completa para acesso aos sítios eletrônicos que desejam acessar. Aludida mudança de comportamento ficou cada vez mais evidente com a inclusão, nos browsers, de barras de endereço com múltiplas funções, através do qual o usuário, além de poder indicar a URL que deseja acessar, pode também utilizar-se do mesmo campo para iniciar uma pesquisa em seu “buscador” preferido. A Internet, pois, sem uma indexação completa, é um emaranhado de páginas interligadas e interconectadas – hyperlinks. Encontrar uma informação sem um guia para auxiliar nesta busca é praticamente impossível. Com efeito, se afastados dos grandes portais de informações e agregadores de notícias, mais obscuros ficam os caminhos da rede, chegando-se à fronteira da chamada Deep Web ou Dark Web, áreas da Internet que não estão sujeitas à indexação por nenhum sistema popular de busca, vertendo-se em terreno de exploração praticamente impossível aos que não tenham a URL ou o “caminho” que desejam seguir. À guisa de ilustração, imagine-se o imenso trabalho que uma pessoa teria ao tentar localizar um pequeno bistrô (site com conteúdo indevido) em uma grande megalópole desconhecida (Internet), contando apenas com informações que pudesse obter em conversas com moradores desconhecidos (hyperlinks) daquela megalópole. Tratar-se-ia, efetivamente, de uma atividade de dificuldade hercúlea com chances mínimas de sucesso, considerando-se a multiplicidade de “bistrôs” espalhados em toda a megalópole e a falta de conhecimento específico acerca de qual destes se efetivamente procurava. Sem esta “bússola virtual” que representa os provedores de pesquisa, a maior parte dos sites, hospedados nos mais diversos servidores de todo o mundo, estaria inacessível à maioria dos usuários. Somente aqueles que efetivamente conhecessem a URL desejada, ou, ao menos, a URL de um sítio que o apresentasse a um hyperlink que o levasse ao sítio desejado, poderiam efetivamente encontrar o conteúdo ilícito desejado.”[11]
Em síntese, dificilmente as pessoas acessam diretamente as páginas da internet. Pelo contrário, quase sempre se utilizam dos motores de busca para descobrirem os endereços, motivo pelo qual constituem no alvo correto e eficaz para a tutela do esquecimento da rede mundial de computadores.
4. Conclusões
O direito ao esquecimento consiste na possibilidade de impedir a divulgação de fatos desabonadores ou criminosos de uma pessoa, fundado na ressocialização ou mesmo no decurso de um lapso temporal dos fatos ocorridos. Este decurso do prazo funcionaria como estabilizador da situação jurídica, impedindo que os fatos deletérios fossem revolvidos.
As novas tecnologias surgidas com a rede mundial de computadores trouxeram um ingrediente novo neste debate, tendo em vista a rapidez na divulgação dos fatos e a amplitude especial, o que acarretou a dificuldade ou até impossibilidade de se controlar esta ferramenta.
Trata-se de mais um problema que o direito estatal, que quer ser e se mostra como sendo o direito hegemônico tem que solucionar para afirmar-se e manter sua pretensa efetividade.
Referências
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva, São Paulo: Malheiros Editores, 2ª edição, 669 p..
DE OLIVA, Afonso Carvalho e CUNHA E CRUZ, Marco A. R., Um Estudo do Caso Xuxa vs. Google Search (REsp 1.316.921): O DIREITO AO ESQUECIMENTO NA INTERNET E O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA disponível em: http://www.cesumar.br/prppge/pesquisa/mostras/pri_mestrado/pdf/03_GT1_Afonso_Carvalho_Oliva.pdf acesso em 03.03.2017
LIMA, George Marmelstein, Proteção Judicial dos Direitos Fundamentais: Diálogo Constitucional entre o Brasil e a Alemanha, 2007, disponível em http://georgemlima.xpg.uol.com.br/alemanha.pdf., acesso em 02.03.2007.
RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz, Direito ao esquecimento na perspectiva do STJ, Consultor Jurídico, 19.12.2013, disponível em http://www.conjur.com.br/2013-dez-19/direito-comparado-direito-esquecimento-perspectiva-stj#_ftn3_9178, acesso em 02.02.2017
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SAMPAIO, José Adercio Leite, comentário ao artigo 5°, X, In: CANOTILHO, J.J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, 2380 p.
SARMENTO, Daniel, comentários ao artigo 5°, IV, In: CANOTILHO, J.J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 256.
SCHWAB, Jürgen. Cinquenta anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão. Montevideo: Konrad Adenauer Stiftung, 2006, p. 488. 82, apud George Marmelstein Lima, Proteção Judicial dos Direitos Fundamentais: Diálogo Constitucional entre o Brasil e a Alemanha, 2007. disponível em http://georgemlima.xpg.uol.com.br/alemanha.pdf., acesso em 02.03.2007.
Notas
Informações Sobre o Autor
Juarez Sanfelice Dias
Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP Doutorando em Filosofia do Direito pela PUC/SP Procurador do Estado de São Paulo e Professor do Curso de Direito da PUC/Campinas