O presente estudo tem a finalidade de demonstrar a inconstitucionalidade de uma norma infraconstitucional, que determina que o bem de família, até então protegido pela Lei da impenhorabilidade do bem de família (Lei 8.009/90), venha a ser alvo de penhora, caso o proprietário do imóvel sirva de fiador nos contratos locatícios. Essa possibilidade se deu a partir do art. 82, da Lei 8.245/91, que introduz no rol das exceções do art 3º, da Lei 8009/90, no inciso VII, a figura do fiador nos contratos de locação de imóveis. Com objetivo de atender a melhor forma, o trabalho divide-se em quatro capítulos: os dois primeiros versam sobre a inconstitucionalidade. O primeiro, apresenta os princípios constitucionais que são feridos por conta dessa exceção à Lei da Impenhorabilidade; o segundo, defende a moradia do fiador com vistas à três argumentos constitucionais: a emenda 26 do ano de 2000, o direito à propriedade privada e a sua função social, e a proteção à família. Os dois últimos apresentam um estudo básico sobre contratos em geral e por fim, o contrato de fiança, de modo a tornar o estudo completo. O resultado apresentado inclina-se para a inconstitucionalidade da dita exceção e a conclusão segue no sentido da verificação do enfraquecimento do Estado Social de Direito diante da globalização.
1. INTRODUÇÃO
O tema proposto para este trabalho monográfico – a impenhorabilidade do bem de família do fiador nos contratos de locação – é pautado na relação direta que possui com um dos assuntos de maior evidência na atualidade, o problema da falta de moradia.
A relevância do tema, no contexto jurídico e social, dá-se pela diversidade de opiniões de estudiosos do assunto, bem como pelas decisões divergentes proferidas pelo judiciário.
Assim, este trabalho possui como principal objetivo demonstrar a inconstitucionalidade da exceção à regra da impenhorabilidade do bem de família, criada pela Lei 8.245/91, que introduz no rol do art 3º da Lei 8009/90 (Lei da impenhorabilidade do bem de família) mais especificamente no inciso VII, a figura do fiador nos contratos de locação de imóveis. E, como conseqüência, garantir a proteção do bem de família do fiador nos contratos de locação de imóveis, através da igualdade de tratamento frente à lei que garante a impenhorabilidade, bem como dos comandos constitucionais.
O primeiro capítulo compõe-se da análise dos princípios constitucionais que devem ser observados pelo legislador ao criar normas jurídicas, pelo magistrado ao optar por adotá-las em suas decisões. Destarte, a abordagem restringe-se sobre dois princípios, quais sejam, o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da igualdade, sendo que a não observância de qualquer destes resultará na edição de normas inconstitucionais e decisões passíveis de revisão.
O segundo capítulo versa sobre o direito à moradia do fiador, cuja abordagem gira em torno de três argumentos constitucionais. Preliminarmente, é feita uma exposição do tema com base na emenda constitucional nº 26, de 14/02/2000, que eleva a moradia à direito fundamental. Após, é estudado o direito à propriedade privada, bem como a sua função social, com o intuito de demonstrar o lado social da propriedade, ambos descritos no artigo 5º da Constituição; E, finalmente, analisa-se a questão da proteção à família tão exaltada pela Constituição como um dever do Estado.
O terceiro capítulo trata dos contratos, passando do conceito à proteção constitucional que lhe é inerente, pelo fato de ser um ato jurídico perfeito. Igualmente, é apresentado os seus princípios: dos tradicionais – princípio da autonomia da vontade, princípio da força obrigatória dos contratos e princípio da relatividade – culminando no enfrentamento dos novos princípios – o princípio da “boa-fé” objetiva, o princípio da função social do contrato e o princípio da equivalência contratual – necessários para regular as relações negociais da atualidade. Os novos princípios contratuais têm por escopo manter o equilíbrio material, nos chamados “contratos do modelo contemporâneo”, que se traduzem nos contratos massificados que já estão prontos, apenas a espera de adesão por parte do cidadão hipossuficiente.
O quarto capítulo trata do contrato de fiança, bem como suas características e casos de extinção. Apresentando, de forma sucinta, que não apenas de deveres do fiador faz-se a relação contratual, mas de direitos que visam amenizar os reflexos da inadimplência do devedor principal. E, por fim, a exposição de uma situação comum enfrentada pelo fiador dos contratos de locação, qual seja, a demora do locador na interposição de ação de despejo em desfavor do locatário que não paga o aluguel.
Para a realização desta pesquisa monográfica foram utilizadas a revisão bibliográfica e pesquisas em sites jurídicos e em banco de dados de jurisprudência.
2. ANÁLISE DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE
2.1 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
O significado do termo dignidade da pessoa humana vem sofrendo mutações desde os tempos bíblicos[1], sendo que, a noção base, onde todos os homens são iguais em dignidade e liberdade, manteve-se inalterada.
Fazer a defesa da moradia do fiador com base em um princípio constitucional é tarefa difícil, tendo em vista a complexidade doutrinária que encerra o tema: o princípio constitucional. Portanto, faz-se necessária uma abordagem preliminar deste.
A Constituição deve sempre ser observada ao conceber-se uma nova lei, eis que, se tal lei vai de encontro a Lei Maior, isso é fator determinante para que seja considerada inconstitucional.
Nesse sentido, faz-se necessário estabelecer a hierarquia nas leis, para constituir um sistema normativo harmônico, que deverá ser respeitado, onde a Constituição encabeça a lista.
O conteúdo constitucional formado por regras e princípios também sofre uma hierarquia. E, embora sejam amplos os critérios utilizados para se fazer a distinção entre regras e princípios, não sendo o propósito explorar este assunto, “os princípios devem ser fundamentos de regras, embora possam se apresentar como regras em si”[2], ou seja, as regras de direito devem ser criadas tendo como base os princípios constitucionais, não podendo, portanto, sob pena de nulidade, contrariá-los.
É tendência mundial que as Constituições reconheçam o ser humano como o centro e o fim do Direito, tendência esta, fortalecida após a barbárie nazi-fascista, de adotar-se a dignidade da pessoa humana como valor básico do Estado Democrático de Direito.[3] Nesse passo, a partir da Constituição de 1934, o constitucionalismo brasileiro que vinha sofrendo forte influência do germânico, não ficou alheio ao tema. E, na Constituição de 1988, declarou de forma expressa, em seu artigo 1º, III[4], a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito.[5]
Ao tratar da dignidade da pessoa humana, Edilson Pereira Nobre Júnior, destaca:
O postulado da dignidade humana, em virtude da forte carga de abstração que encerra, não tem alcançado, quanto ao campo de sua atuação objetiva, unanimidade entre os autores, muito embora se deva, de logo, ressaltar que as múltiplas opiniões se apresentam harmônicas e complementares.[6]
Nesse sentido, devido à abrangência do tema, e pela sua recente discussão na busca de um significado com vistas a trazer para o plano material a dignidade da pessoa humana, entende-se por correto adotar o conceito utilizado por Ingo Wolfgang Sarlet, qual seja:
[…] a qualidade intrínseca de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.[7]
Assim, na esteira da concepção kantiana[8], o ser humano jamais poderá ser tratado como um mero objeto, um instrumento para realização dos fins alheios[9], pois nesse caso poderá ser considerada atingida a dignidade da pessoa humana[10].
A mesma, sob o ponto de vista da concepção jusnaturalista, é considerada como qualidade inerente do ser humano, partindo-se do princípio que apenas em virtude da sua condição humana, o homem é titular de direitos que devem ser reconhecidos e respeitados por seus semelhantes e pelo Estado. Conforme restou evidenciado, a definição da dignidade da pessoa humana, diferente das demais definições jusfundamentais, pelo fato de não tratar de aspectos mais ou menos específicos da existência humana (integridade física, propriedade, etc.), “acaba por não contribuir muito para uma compreensão satisfatória do que efetivamente é o âmbito de proteção da dignidade, na sua condição jurídico-normativa”[11].
Destarte, a dignidade da pessoa humana poderia existir independentemente de uma definição jurídica, embora se evidencie o papel crucial que o Direito poderá exercer na sua proteção e promoção.[12]
Importante ressaltar que a dignidade da pessoa humana, como elemento qualificador do ser humano, é irrenunciável e inalienável. Portanto, não se pode ponderar que determinada pessoa seja titular de pretensão que lhe conceda a dignidade.[13]
Interessante observar a ponderação (e a hierarquização) como elemento essencial à proteção eficiente da dignidade da pessoa, visto que, na prática, onde as tensões verificadas entre pessoas igualmente dignas deverá ser aplicado um juízo de ponderação ou hierarquização da dignidade, para a solução do caso concreto, o que jamais poderá ter como conseqüência o sacrifício da dignidade.[14]
Quanto à atuação do Estado[15] tem, além do dever de respeito e proteção (no sentido negativo) da dignidade da pessoa humana, a obrigação de promover, ‘num sentido positivo, o pleno desenvolvimento da personalidade de cada individuo’ (PÉREZ LUÑO[16], apud SARLET, 2001, p. 108), removendo, assim, tudo aquilo que for fator impeditivo das pessoas viverem com dignidade.
Ao abordar-se a situação do fiador de contrato, de locação de imóvel, que por determinação legal tornou sua única moradia passível de penhora, verifica-se que o Estado, como membro atuante no sentido de promover a dignidade da pessoa humana, acaba por agir contra o Princípio que serviu como base para a Constituição de 1988. E, nesse passo há que se relembrar o já citado juízo de ponderação, que nesse caso não está sendo observado, senão não haveria de se considerar o fato de honrar com uma dívida, mais importante do que preservar a única moradia de uma família.
Nesse sentido Sarlet diz:
Até mesmo o direito de propriedade – inclusive e especialmente tendo presente o seu conteúdo social consagrado no constitucionalismo pátrio – se constitui em dimensão inerente à dignidade da pessoa, considerando que a falta de uma moradia decente ou mesmo de um espaço físico adequado para o exercício da atividade profissional evidentemente acaba, em muitos casos, comprometendo gravemente – senão definitivamente – os pressupostos básicos para uma vida com dignidade[…].[17]
Isso sem considerar-se que a conseqüência de tal ato reverteria em ônus para o Estado, eis que vem a agravar o problema social.
2.2. O Princípio da Igualdade
O Princípio da Igualdade, descrito no caput do art. 5º da CF/88[18], guarda em si tema de ampla discussão. E, abordar a questão da penhora do único bem de família do fiador nos contratos de locação de imóveis, buscando esse princípio como fundamento para questionar a diferença estabelecida entre fiador e locatário quanto à impenhorabilidade do bem de família, é assunto de extrema responsabilidade, eis que nenhuma norma jurídica pode ser considerada válida se não estiver em plena harmonia com tal princípio.
O País reconhece a igualdade no seu sentido jurídico-formal que significa a igualdade de todos perante a lei, ou seja, a igualdade de oportunidades e aptidões.
[…] igualdade formal, que consiste numa combinação do que chamamos de igualdade perante a lei com a vedação expressa de certas discriminações (pelo sexo, origem, cor, crença, etc.). Todavia, vê-se diante da aporia de que legislar significa discriminar ou produzir recortes na realidade, atribuindo a cada setor um tratamento específico […].[19]
Para o legislador a igualdade perante a lei significa que esta, ao ser elaborada, deverá atribuir iguais vantagens e os mesmos ônus à situações idênticas, assim como deverá distinguir as situações distintas, repartindo encargos e benefícios na medida de suas diversidades.[20]
[…] a igualdade perante a lei seria uma exigência feita a todos aqueles que aplicam as normas jurídicas gerais aos casos concretos, ao passo que a igualdade na lei seria uma exigência dirigida tanto àqueles que criam as normas jurídicas gerais como àqueles que as aplicam aos casos concretos.[21]
Destarte, há que se considerar, também, que a Constituição guarda algumas diferenciações que autorizam a quebra da isonomia, com o intuito de aproximar a igualdade formal da material.[22]
Desse modo, o que se veda são as desequiparações absurdas, visto que a Constituição aceita o tratamento desigual para casos desiguais, na medida em que se desigualam, como uma exigência do próprio conceito de Justiça. [23]
O princípio da igualdade interdita tratamento desuniforme às pessoas. Sem embargo, consoante se observou, o próprio da lei, sua função precípua reside exata e precisamente em dispensar tratamentos desiguais. Isto é, as normas legais nada mais fazem que discriminar situações, à moda que as pessoas compreendidas em umas ou em outras vêm a ser colhidas por regimes diferentes […].[24]
A cláusula constitucional de igualdade, perante a lei maior, tem como destinatários o legislador, o aplicador da lei e o cidadão. Havendo especial interesse no legislador, e em conseqüência, a legislação, eis que, o princípio da igualdade atua como o primeiro e fundamental limitador da política legislativa, por mais discricionários que possam ser os seus critérios.[25]
De acordo, José Afonso da Silva, na esteira de Francisco Campos, sustenta que “[…] o legislador é o destinatário principal do princípio [da igualdade], pois se ele pudesse criar normas distintivas de pessoas, coisas ou fatos, que devessem ser tratados com igualdade, o mandamento constitucional se tornaria inteiramente inútil […]”.[26]
Assim, existem parâmetros que determinam se o princípio da igualdade foi lesado ou não. Fato esse que poderá ser comprovado se o elemento discriminador não se encontrar à serviço de uma finalidade acolhida de direito.[27]
Nesse sentido, segundo Celso Antônio Bandeira de Melo, para que exista a compatibilidade de um critério de discrímen legal com o princípio da igualdade, é necessária a concorrência de quatro elementos:
a) que a desequiparação não atinja, de modo atual e absoluto, um só indivíduo;
b) que as situações ou pessoas desequiparadas pela regra de direito sejam efetivamente distintas entre si, vale dizer, possuam características, traços, nelas residentes, diferenciados;
c)que exista, em abstrato, uma correlação lógica entre os fatores diferenciais existentes e a distinção de regime jurídico em função deles, estabelecida pela norma jurídica;
d) que, em concreto, o vínculo de correlação supra referido seja pertinente em função dos interesses constitucionalmente protegidos, isto é, resulte em diferenciação de tratamento jurídico fundada em razão valiosa, ao lume do texto constitucional, para o bem público.[28]
Simplificando, uma desequiparação descrita na norma jurídica estará em consonância com o princípio da isonomia, quando houver uma correlação lógica entre as diferenças contidas nas situações ou pessoas discriminadas e a desigualdade de tratamento, dada pela lei, em função dessas diferenças, sendo que tal correlação terá que ser compatível com os interesses prestigiados na Constituição.[29]
Contudo, ao aplicar-se o princípio da igualdade no caso em estudo, através da avaliação dos critérios de discrímen legal no caso concreto, poderá verificar-se as diferenças de tratamento que a Lei 8.009/90 confere ao fiador do imóvel locado, e ao locatário, com relação ao bem de família. Diferenças estas introduzidas pelo art. 83, da Lei 8.245/91, que trouxe a exceção à Lei da Impenhorabilidade do bem de família, penhorando o imóvel da família do fiador e deixando livre de penhora o pertencente ao locatário, visto que é protegido pela Lei 8.009/90. Nesse contexto, destaca-se algumas opiniões contrárias à distinção estabelecida.
Para Danilo Andrade tal desequiparação não há porque existir, por tratar de forma desigual os iguais, ao tomar como referência que as obrigações de ambos, fiador e locatário, possuem a mesma base jurídica, que é o contrato de aluguel.[30]
Nesse passo, para que se aceitar-se o tratamento diferenciado entre as figuras em questão, deveria considerar-se a natureza de garante do fiador, o que não é suficiente, segundo Genacéia da Silva Alberton, visto que “o valor moradia tem caráter prevalente”.[31]
Pertinente a colocação de Bandeira de Mello:
[…] a lei não pode conceder tratamento específico, vantajoso ou desvantajoso, em atenção a traços e circunstâncias peculiarizadoras de uma categoria de indivíduos se não houver adequação racional entre o elemento diferencial e o regime dispensado aos que se inserem na categoria diferençada.[32]
Segue mais adiante:
Parece bem observar que não há duas categorias tão iguais que não possam ser distinguidas, assim como não há duas situações tão distintas que não possuam algum denominador comum em função de que possa parificá-las. […] Por isso se observa que não é qualquer distinção entre as situações que autoriza discriminar. Sobre existir alguma diferença importa que esta seja relevante para o discrímen que se quer introduzir legislativamente. […].[33]
Não esquecendo a colocação do professor Erik Frederico Gramstrup que aproveita o texto de Manoel Gonçalves Ferreira Filho sobre os reflexos do esfacelamento da igualdade formal que vem ocorrendo nas normas jurídicas infraconstitucionais:
Onde, “esse direito ‘igualizador’ não raro torna-se um direito de privilegiamento. Sim, porque a razão justificadora da distinção não é freqüentemente uma diferença real, ou a diferenciação não obedece à relação entre meio e fim que a poderia justificar. Costuma ser ditada, ou deformada, em decorrência de cogitações exclusivamente políticas” (FERREIRA FILHO[34], apud GRAMSTRUP, 2004). Acrescente-se ao ilustre comentário, que não só em decorrência de cogitações políticas dá-se a distorção da igualdade formal, mas também, econômicas.
Ademais, é sabido que tal exceção veio a firmar-se tão logo ocorreu uma decadência no mercado imobiliário, ou seja, a distinção, entre fiador e locatário, passou a existir por uma questão econômica e não pela diferença contida na pessoa ou situação. O que nos leva a crer que essa lei infraconstitucional criada com base em fatores externos, ou seja, fatores econômicos e, porque não, políticos, vem a ferir os critérios que devem ser observados do discrímen legal. E, por conseqüência fere o princípio da igualdade o que a transforma em uma lei inconstitucional.
Outrossim, cumpre transcrever o art. 170, II da CF/88, que versa sobre os princípios gerais da atividade econômica:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
—————————–
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade;
——————————-
Nesse passo, a própria Constituição ao regular as atividades econômicas, precaveu-se ao observar os princípios da propriedade privada e da função social da propriedade, das oscilações de mercado. Portanto, o momento em que 8.245/91 criou essa exceção à Lei da impenhorabilidade do bem de família, demonstra claramente a preterição da propriedade, com vistas a um renascimento do mercado imobiliário.
Por fim, Bandeira de Mello:
[…] não basta a exigência de pressupostos fáticos diversos para que a lei distinga situações sem ofensa à isonomia. Também não é suficiente o poder-se argüir fundamento racional, pois não é qualquer fundamento lógico que autoriza desequiparar, mas tão-só aquele que se orienta na linha de interesses prestigiados na ordenação jurídica máxima. Fora daí ocorrerá incompatibilidade com o preceito igualitário.[35]
3. O FIADOR E O DIREITO À MORADIA
A situação atual em que se encontra o país, resultado de uma história de colonização e exploração, nos deu como herança a falta de planejamento, o que se evidencia na explosão demográfica e na falta de políticas públicas necessárias para amenizar a pobreza que se instaurou. Nesse passo, a moradia desponta como um dos problemas que mais aflige a população urbana mundial. Para se ter idéia da gravidade da questão, há mais de 800 milhões de pessoas em todo o mundo que vivem sem habitação e em condições subumanas. Devido à dimensão do problema da falta de moradia, a Organização das Nações Unidas (ONU), já realizou duas conferências mundiais sobre assentamentos humanos[36], mas não obteve êxito devido à velocidade com que a pobreza prolifera-se.
Paralelo ao problema da falta de moradia, há também os países, que não inseriram em seu texto constitucional, o direito à habitação como um dos direitos humanos fundamentais, o que agrava a luta pela moradia.
Preliminarmente, faz-se necessário observar que o direito à moradia não necessariamente significa o direito à casa própria. Segundo lição de José Afonso da Silva, o direito à moradia significa ocupar um lugar como residência para nele habitar. Logo, o “morar” faz referência apenas a permanecer, com habitualidade, ocupando uma edificação. Embora se evidencie que a obtenção da casa própria contribui, de forma ímpar, para a efetivação do direito à moradia.[37]
Ainda, para Afonso da Silva, o fato do direito à moradia constar de forma expressa como um direito fundamental, traz em si um sentido mais amplo do que apenas a faculdade de ocupar um lugar como residência. Assim, há normas e princípios – como por exemplo, a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e o direito a intimidade e a privacidade (CF, art. 5º, X) – que devem ser observados, garantindo, dessa forma, que a moradia tenha dimensões adequadas, condições de higiene e conforto; em suma, que seja uma habitação digna e adequada, sob pena de empobrecimento do direito à moradia.[38]
3.1 A emenda 26/2000 e o direito social à moradia
Nesse sentido, a Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000[39] trouxe em seu bojo o direito à moradia, que passou a constar como um direito fundamental. O que representa um grande passo para o desenvolvimento social, muito embora o direito à habitação já possuísse um status de direito social em seu inciso IX, do artigo 23, desde a promulgação da Constituição, em 1988.[40]
A ascensão da moradia ao status de direito constitucional, no entanto, não garante efetivamente a moradia à todos. O que não é novidade quando se trata de direitos sociais, eis que, estes, no que concerne a sua aplicabilidade, não são passíveis de serem invocados por qualquer cidadão, tão logo entre em vigor, necessitando que se recorra ao judiciário para fazer valer o seu direito expresso.
Assim, o direito à moradia faz parte do rol dos direitos que possui duas faces: uma negativa, que importa na abstenção do Estado e de terceiros em privar o cidadão de uma moradia ou impedi-lo de obter uma, enquanto a positiva, demonstra um caráter prestacional, visto que legitima a pretensão do seu titular à realização do direito por via de ação positiva do Estado.[41]
Por conta do caráter positivo do direito à moradia, a jurisprudência majoritária entende que o direito à moradia necessita de regulamentação para poder ser aplicado, sendo considerada uma norma constitucional de conteúdo meramente programático[42], não tendo, por si, força para exigir uma prestação positiva do Estado.
Nesse sentido, o parecer do Procurador de Justiça Valmir Teixeira Barbosa sobre a decisão do recurso extraordinário nº 770853, em 27 de maio de 2003, bem exemplifica o entendimento do artigo 6º da Constituição Federal pelo magistrado.
Como bem dito no v. acórdão guerreado: ‘Outrossim, não há se perder de vista que muito embora o artigo 6º da Carta Magna tivesse alargado o rol dos chamados direitos sociais, para nestes incluir a moradia, ainda assim, não vejo como negar-se vigência ao artigo 3º, inciso VII da Lei 8.009/90, porquanto o comando constitucional por representar norma de eficácia contida, ainda depende de regulamentação no plano infra-constitucional. Ausente aquela, ao menos por ora, permanece plenamente vigente a exceção contida no inciso VII, artigo 3º, da Lei 8.009/90’ (fls. 94).[43]
Ademais, no caso em tela não se está buscando uma prestação positiva do Estado, mas, justamente, a sua abstenção e a ação de terceiros no sentido de privar o fiador do seu direito à moradia.
Assim, o direito à moradia, embora constitucionalmente expresso, é negado de forma efetiva pela exceção contida no inciso VII, artigo 3º, da Lei 8.009/90, onde o bem de família do fiador passa a ser alvo de penhora. De onde se pode questionar a atuação do Estado, pois é sabido que uma prestação positiva que venha a resolver o problema da moradia no país demandaria tempo e, embora se aplauda a emenda 26/2000, primeiro passo, ao mesmo tempo questiona-se se não seria um retrocesso a perda do único imóvel por conta de dívidas de terceiros. Comentário esse que não tem por intuito desmerecer a importância da figura do garante, peça fundamental para a segurança contratual. Mas, não é aceitável que uma norma infraconstitucional determine situações de perda de um direito constitucional fundamental do indivíduo, como a moradia, visto que, para que isso aconteça, estas situações deverão estar previstas, mesmo que implícitas, na própria Constituição Federal.[44]
Nesse passo, Chiarini Júnior utiliza-se da lição de José Afonso da Silva na qual toda norma constitucional – independentemente de ser, ou não, simples norma programática – deverá ter um mínimo de eficácia no sentido de, ao menos, ser capaz de impedir a promulgação de leis com elas incompatíveis, o que, no caso, tornaria a penhorabilidade do bem de família inconstitucional se confrontado com o artigo 6º da Constituição Federal.[45]
Por conseguinte, cumpre destacar posição jurisprudencial a respeito do direito social, v. g:
PROCESSUAL CIVIL – CIVIL –CONSTITUCIONAL-AÇÃO DE EXECUÇÃO –PENHORA – FIADOR –DESCONSTITUIÇÃO DA CONSTRIÇÃO JUDICIAL DOS BENS – IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA – EXCEÇÃO PREVISTA NO ART. 3º, VII, da lei 8009/90, ACRESCIDO PELO ART. 82 DA LEI N.º 8.245/91- NORMA NÃO RECEPCIONADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 26/2000- ELEVAÇÃO DA MORADIA COMO DIREITO SOCIAL – AGRAVO IMPROVIDO – MAIORIA . A nova ordem constitucional, emanada pela Emenda n.º 26/2000, merece a reflexão dada pelo il. Magistrado ‘a quo’, ao considerar como não recepcionados os preceitos infraconstitucionais que cuidam sobre a exclusão do benefício da impenhorabilidade do imóvel residencial do fiador e dos bens que guarnecem a casa. Com efeito, ao alçar a moradia a direito social do cidadão, considerou o legislador constituinte as atuais condições de moradia de milhões de brasileiros, que vivem em situação deprimente e que configuram verdadeira ‘chaga social’ para grande parte das metrópoles do País”. (Brasília – Agravo de Instrumento 2000.00.2.003053-2-Relator: Des. Lecir Manoel da Luz. DF.Quarta Turma Cível do Tribunal de Justiça. Maioria. Data do julgamento:13 de novembro de 2000)
3.2 O direito à propriedade privada e a função social da propriedade
Assim, com todo respeito ao entendimento predominante, é de ter-se que existem outras normas constitucionais que devem ser levadas em consideração, e, para isso, recorro a lição do ilustre Enéas Castilho Chiarini Júnior, que ressalta o direito de propriedade garantido pela Constituição através do seu artigo 5º, inciso XXII, aliado a função social da propriedade contida no artigo 5º, inciso XXIII, da Carta. Embora tal autor aborde a questão da impenhorabilidade do bem de família ligada à cobrança de tributos incidentes sobre o próprio imóvel[46], utiliza-se de argumentos que se apresentam úteis também para se tratar sobre o tema da penhora do bem de família do fiador.
O direito de propriedade passou a ser entendido como uma relação jurídica onde o sujeito ativo seria o proprietário do bem, com amplos poderes sobre o mesmo e o sujeito passivo se comporia de todas as pessoas, com o dever de respeitá-lo, abstraindo-se de violá-lo.[47] Assim, se observa que o conceito de propriedade denota uma idéia de bem individual, garantindo ao seu proprietário amplos poderes e total liberdade para usar, gozar ou dispor de sua propriedade.[48]
No entanto, o direito de propriedade, que é inviolável segundo o caput do artigo 5º da Constituição[49], deve ser interpretado com observância ao princípio da função social da propriedade.
Destarte, como todo princípio constitucional, sobre o da função social da propriedade incide aplicabilidade imediata.[50] Ademais, o próprio “art. 5°, no qual está inserido o inciso XXIII (o da função social da propriedade), apresenta um § 1° no qual lê-se claramente que ‘as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata’. Ora, o inciso XXIII afirma categoricamente que “a propriedade atenderá a sua função social”,[51] é de concluir-se que, a propriedade se subordina à função social e, no caso desta não ser observada o bem poderá ser desapropriado.
A Constituição Federal estabelece, em seu artigo 5º inciso XXIV, que a desapropriação se dará por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social e, ao proprietário, caberá justa e prévia indenização em dinheiro. Assim, a desapropriação é a única forma de perda da propriedade admitida pela Lei Maior.
Embora, não se tenha uma definição acerca do que seria uma propriedade cumpridora de sua função social, a doutrina traça “… características do que seria o núcleo inescapável da função social da propriedade urbana…”.[52] Inga Michele Ferreira Carvalho adota o posicionamento de Cretella Jr., no qual, uma propriedade estaria cumprindo a sua função social se cumprisse com o seu fim previsto. No caso da propriedade urbana, a sua função social estaria sendo cumprida se atendesse as necessidades de seus moradores.[53]
Aparentemente, um imóvel que sirva para abrigar uma família estará cumprindo a sua função social. Com isso, conclui-se que o fiador e sua família, ao utilizar o seu bem de família para morar estarão respeitando o princípio da função social da propriedade. Ademais, observados os ditames da Constituição, apenas por necessidade, utilidade pública, ou por interesse social, é que se dará a desapropriação de um imóvel familiar, e nunca pelo pagamento de dívidas de terceiros.
3.3 Proteção à família
A proteção da família não é novidade na Constituição Federal e na Lei 8.009/90, visto que a edição do Código Civil de 1916 (art. 70 a 73) já tratava do tema.
O bem de família está regulado no sistema jurídico nacional pelo Código Civil de 1916, pela Lei 8.009/90 e pelo Código Civil de 2002. Todas essas normas partem do pressuposto de que resguardar o domicílio da família, garantindo-lhe um teto, é fundamental para a sua segurança, evitando, consequentemente, sua desestruturação. Assim, o nobre objetivo dos dispositivos legais referentes a esse instituto no Brasil é a proteção da família.[54]
O Código Civil de 1916, que nasceu sob a égide dos direitos de primeira geração[55], segundo José Camacho Santos, teve como base a tradição romana-germânica[56], o que refletiu em um conteúdo individualista e patrimonialista.
Segue o autor:
[…] Afinal, imperava – com todo vigor – a noção de Estado liberal. Por exemplo, as inúmeras disposições que originariamente nortearam o Direito de Família ilustram quanto o legislador se preocupou com os aspectos patrimoniais, a ponto de reservar diminuta atenção a questões de maior nobreza, como as pertinentes à pessoa dos cônjuges, ao seu estado civil, aos seus direitos e obrigações etc.[57]
O bem de família, que no Código Civil de 1916 constava na Parte Geral no livro dos bens, já no Código de 2002 a matéria foi deslocada para a Parte Especial no livro Direito de Família. Washington de Barros Monteiro[58], citado por Mariana Ribeiro Santiago (2004), já defendia essa mudança: “Bem de família é relação jurídica de caráter específico e não genérico. Seu lugar apropriado seria o direito de família, já que a finalidade do instituto é a proteção da família, proporcionando-lhe abrigo seguro”.
Importante salientar que o bem de família apresenta uma classificação quanto a forma de constituição do instituto. Desse modo, o bem de família móvel ou imóvel, pode ser voluntário ou involuntário.
O bem de família voluntário “[…] é o que se constitui por atitude voluntária do proprietário, como um ato de previdência no intuito de proteger sua família de oscilações econômicas futuras”[59]. Está descrito no Código Civil de 2002, anteriormente no de 1916, e se efetiva após lavrada a escritura no Registro de Imóveis (CC, art. 1714). Nesse passo, a penhora somente se dará por dívidas provenientes de tributos do próprio imóvel, ou de despesas de condomínio (CC, art. 1715).
No entanto, o bem de família involuntário, descrito pela lei 8.009/90[60], é instituído pelo Estado, não podendo ser estabelecido por terceiros. “[…] Além disso, como a lei é pública, não há também a exigência de registro para a validade da instituição, a validade é automática”[61]. O artigo 3º da Lei 8.009/90[62] apresenta o rol da exceção à impenhorabilidade.
Nesse contexto, o legislador ao instituir, através da Lei 8.009/90, o bem no qual a família reside como impenhorável, não o fez com o intuito de proteger o fiador, isentando-o de cumprir com o que se obrigou. Assim, o fato do imóvel familiar ser impenhorável não significa perdão da dívida, visto que se o cidadão se comprometer, através de um contrato acessório de fiança, a arcar com dívida no lugar de terceiro só estará livre desta após adimpli-la.
Nesse contexto, Ozéias J. Santos justifica a criação da Lei 8.009/90:
Nas situações anteriores à Lei 8.009/90, chegava-se através da execução a uma verdadeira limpeza no patrimônio do devedor, porém, sacrificava-se com isso a família do devedor, deixando-a em situação miserável, aumentando ainda mais o bolsão de miséria da população. Buscou-se com a impenhorabilidade que já era tratada no Código Civil, dotar não o devedor, mas sua família de uma proteção maior quanto aos bens essenciais para uma digna sobrevivência.[63]
Desse modo, Antônio de Pádua Ferraz Nogueira[64], citado por Genacéia Alberton (2004), em lição sobre os fundamentos jurídicos da Lei 8.009/90, dando destaque ao imóvel no qual reside a família ao declarar a intenção do legislador:
‘Objetivou, desse modo, ao declarar a sua impenhorabilidade, preservá-la de transtornos econômicos ou financeiros, impedindo a extensão da miséria à classe média em decadência, protegendo os integrantes da família, inclusive das penhoras vexatórias dos bens que a guarneçam. Não encerra essa norma, em seu bojo, como equivocadamente se possa entender, – um objetivo desonesto de diminuição da garantia dos credores. Ao reverso, o escopo altruístico, de relevância social, sobrepõe-se’.
A própria Constituição assume o seu compromisso com a família ao declarar em seu artigo 226 que: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. Ainda, no parágrafo 8º do mesmo artigo, o Estado assegura assistência a todos os membros da família de forma a coibir a violência no meio em que se relacionam.
Destarte, a Constituição abarca a Lei 8.009/90, uma vez que essa vem ao encontro dos seus anseios ao proteger o imóvel da família garantido aos menos o mínimo de dignidade para todos. Ademais, uma família a mais sem ter onde morar só viria a agravar o problema da miséria do nosso país e retardar os objetivos por ele traçados.
Por fim, cumpre destacar alguns dos objetivos do Estado, inseridos no artigo 3º da Constituição, quais sejam: construir uma sociedade justa e solidária, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais, promover o bem de todos (incisos I, III e IV).
4. O CONTRATO
Não é possível imaginar o mundo sem o contrato. “Superado o estágio primitivo da barbárie, em que os bens da vida eram apropriados pela força ou violência, e implantada a convivência pacífica […], o contrato se fez presente […]”.[65] Assim, com o crescimento da civilização e aumento das relações negociais, o contrato se mostrou um importante instrumento no sentido de harmonização das vontades não coincidentes, sendo, portanto, um valioso aliado para o desenvolvimento econômico dos povos.
Vários são os autores a conceituar contrato. Segundo Caio Mário da Silva Pereira[66], citado por Marcus Valério Guimarães de Souza (2004), “contrato é um acordo de vontades, na conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar ou modificar direitos”. Já no dizer de Orlando Gomes “o contrato é uma espécie de negócio jurídico que se distingue, na formação, por exigir a presença pelo menos de duas partes. Contrato é, portanto, negócio jurídico bilateral, ou plurilateral”[67]
Assim, independentemente do conceito de contrato utilizado, necessariamente há de conter os princípios basilares desse instituto, quais sejam: a autonomia da vontade, a força obrigatória do contrato e a relatividade. De onde se depreende que o efeito do contrato é criar obrigações entre as partes contratantes, dando a segurança do seu cumprimento e vinculando a esta obrigação apenas às partes contratantes[68].
4.1 Contrato: ato jurídico perfeito
A velocidade com que evolui as relações negociais, muitas vezes, não é acompanhada pelo sistema jurídico, resultando em normas vigentes desprovidas de eficácia, ou seja, normas que embora existentes no mundo jurídico não servem para regular situações novas e, portanto, deixam de ser aplicadas. Assim, novas normas surgem, já com base nos anseios da sociedade, com o objetivo de reger suas relações.
A Constituição, com o intuito de preservar as relações jurídicas que se constituíram durante a vigência de uma lei, garante ao cidadão que esses atos produzam seus efeitos jurídicos, mesmo com o advento de lei nova que a revogue. É o que traduz o Princípio da Segurança Jurídica, do qual decorre o artigo 5º, XXXVI da Constituição, que diz: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
Assim, o contrato é ato jurídico protegido pela Constituição, tanto que para se definir contrato basta acrescentar ao conceito de ato jurídico a conjunção da vontade das partes.[69]
O ato jurídico perfeito se encontra definido no artigo 6º, §1º da Lei de Introdução do Código Civil, no qual, “reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou”. Conforme José Afonso da Silva, na esteira de Limongi, nos termos do art. 5º, XXXVI da Constituição Federal, ato jurídico perfeito é “[…] aquele que sob o regime da lei antiga se tornou apto para produzir os seus efeitos pela verificação de todos os requisitos a isso indispensável. É perfeito ainda que possa estar sujeito a termo ou condição.”[70]
O ato/negócio jurídico possui os requisitos de validade elencados no artigo 104 do Código Civil[71], ou seja, observados esses requisitos, o ato/negócio é tido como válido. No entanto, cumpre observar-se a transcrição do artigo 2.035 do Código Civil:
A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.
Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.
Segundo o artigo 2.035 do Código Civil, além daqueles requisitos já observados anteriormente, cabe as partes contratantes assegurar que o contratado não fira os preceitos de ordem pública, sob pena de ser declarada a invalidade do contrato.
Se o ato/negócio jurídico não é interpretado com vista ao sistema hierárquico de normas e competências, de forma a manter a unidade do sistema, esse é tido como inválido. Assim, inexiste direito adquirido ou ato jurídico perfeito com base em ato/negócio inválido, em respeito à coesão do sistema hierárquico de normas e ao princípio da segurança jurídica.[72]
Pertinente a colocação de Gonzales:
De qualquer sorte, cabe ao operador do direito averiguar em cada caso concreto a validade do ato, servindo-se da hermenêutica que lhe é a luz nesse escuro e árduo caminho. Releva considerar que cada ato (civil, administrativo, tributário, previdenciário etc.) deve ser regido de acordo com o regime jurídico peculiar, mas interagindo com a totalidade do sistema, pois o direito não se interpreta em tiras mas sim no todo, especialmente com a Constituição da República, nossa norma fundamental, o pilar de validade de todo sistema. E as suas normas são os vetores do intérprete e das demais normas infraconstitucionais, cabendo a essas adaptarem-se aos comandos daquela e jamais essas estabelecerem o sentido daquelas, como que se as normas constitucionais tivessem sentido vago e incerto.[73]
Conclui-se que qualquer contrato que ferir algum dispositivo constitucional está condenado a invalidade, visto que não sobrevive qualquer direito subjetivo que ofenda à Constituição.
4.2 Princípios do contrato
O princípio da autonomia da vontade consiste na liberdade que os cidadãos possuem para regular a matéria e a extensão de suas convenções. Essa liberdade de contratar, segundo Humberto Teodoro Junior, “pode ser vista sob três aspectos: pela faculdade de contratar ou não contratar, pela liberdade de escolha da pessoa com quem contratar e pela liberdade de fixar o conteúdo do contrato”.[74]
No entanto, a autonomia da vontade deve se submeter “às regras impostas pela lei e que seus fins coincidam com o interesse geral, ou não o contradigam”[75]. Desse modo, duas limitações são opostas a esse princípio, quais sejam, as leis de ordem pública[76] e os bons costumes. A primeira limitação tem por fim a preservação do interesse público sobre o privado e a segunda faz referência às condições de moralidade.
Nesse contexto, Humberto Teodoro Junior utiliza-se dos ensinamentos do ilustre professor Caio Mário da Silva Pereira ao referir-se ao que são os bons costumes:
‘são aqueles que se cultivam como condições de moralidade social, matéria sujeita a variações de época a época, de país a país, e até dentro de um mesmo país e mesma época. Atentam contra bonos mores, aqueles atos que ofendem à moral sexual, ao respeito à pessoa humana, à liberdade de culto, à liberdade de contrair matrimônio’ (PEREIRA[77], apud TEODORO JR., 1993, p. 17).
Já as leis de ordem pública, que muitos repetem e poucos definem, podem ser assim explicadas:
Os autores admitem, quase unanimemente, a imprecisão e a variabilidade do conceito de ordem pública. Pode-se afirmar, contudo, que a ordem pública implica a precedência do interesse geral, público ou social sobre o individual. Como acentuam Enrique R. Aftalión, Fernando Garcia Olano e José Vilanova, […]. A dificuldade de conceituação da ordem pública reside no fato de que esta se assenta na valoração jurídica vigente em dado momento histórico. Do fato de que a ordem pública está indissoluvelmente ligada aos valores sociais vigentes deriva, como conseqüência natural, sua mutação no espaço e no tempo, destacando-se, neste sentido, a ampliação moderna do seu conteúdo, paralela ao retrocesso do individualismo liberal, perante as diversas ideologias de tipo ‘social’, próprias do Estado contemporâneo. As leis de ordem pública apresentam os seguintes efeitos: 1) revogando as convenções entre particulares, não valendo, contra elas, a autonomia da vontade individual; 2) contra elas não valem os direitos adquiridos, constituindo tais diplomas, já se vê, exceção ao princípio da irretroatividade da lei.[78]
O segundo princípio, que é o da força obrigatória dos contratos, pode ser entendido como conseqüência natural do princípio da autonomia da vontade, sendo que o que foi contratado passa a valer como lei entre as partes. Assim conclui-se que a partir do momento que as vontades convertem-se em contrato, este existente no mundo jurídico. Nesse contexto, são descritos, de forma taxativa, os casos em que poderia ocorrer o seu rompimento. Assim leciona Humberto Teodoro Junior sobre os casos de rompimento do contrato:
Fora desse quadro, o contrato é ato jurídico perfeito, cuja força, no direito brasileiro, é protegida por garantia constitucional (CF, art. 5º, XXXVI), ficando imune de modificações, seja pela vontade unilateral de qualquer dos contratantes, seja do juiz e até mesmo do legislador.[79]
Segundo Silvio Rodrigues (1991, p. 19), dentro da concepção clássica, a única limitação à obrigatoriedade das convenções que acarretaria na extinção da obrigação seria na impossibilidade de cumprir o acordado devido à força maior ou caso fortuito.
Por fim, o princípio da relatividade do contrato consagra a idéia de que os efeitos do contrato, que nada mais é do que gerar obrigações alcançam apenas as partes contratantes[80].
4.3 Os princípios do contrato na atualidade
Os princípios, que na fase do Estado liberal[81] foram absorvidos pela legislação para regular a relação negocial clássica, são: o princípio da autonomia da vontade, o princípio da força obrigatória dos contratos e o princípio da relatividade. Ocorre que, atualmente, ao falar-se em contrato, esses princípios não mais correspondem à complexidade das relações negociais, havendo a necessidade de adotar-se outros princípios para melhor explicar esse momento do contrato. Importante ressaltar que esses novos princípios, intitulados “princípios sociais do contrato”, não eliminam os princípios tradicionais.
Os contratos do modelo contemporâneo são caracterizados por serem “[…] contratos de massa, despersonalizados, contratos que não mais defluem das manifestações de vontade livres, não mais originando da igualdade formal das partes. […]”[82]. Essa descaracterização do contrato, ou nova roupagem por assim dizer, é fruto do grande volume de negócios nos últimos tempos, o que se traduz em uma padronização do contrato de modo a abarcar o maior número de adeptos possível.
Como se vê, ponderando-se apenas os princípios elencados nas relações negociais clássicas, atualmente, muito do que se chama de contrato não poderia assim ser considerado. Como é o caso das relações de massa, onde os princípios tradicionais do contrato foram esquecidos, em especial o da autonomia da vontade, visto que não há vontade em “[…] um ato que foi predisposto, que passou a existir no mundo jurídico independentemente de estar integrado a um contrato individual […]”[83].
O Estado que antes possuía o papel de limitar vontades, com o fito de tutelar o hipossuficiente da relação contratual, hoje, busca meios de intervir nas novas relações, para que essa proteção torne-se eficaz. Assim, “[…] ao invés de consentimento, o Direito aponta para outras categorias, tais como o dever de informar, que gera responsabilidade pré-contratual […]”[84].
Além disso, como já referido, outros princípios passaram a nortear o Direito Contratual, quais sejam, o princípio da função social, o da “boa-fé” e da equivalência contratual.
4.3.1 O princípio da “boa-fé” objetiva
Não somente no Código Civil de 2002[85], a “boa-fé” objetiva passou a constar de forma expressa como um norte para os contratantes. Outros ordenamentos também a absorveram, a exemplo do Código de Defesa do Consumidor[86]. Além disso, a doutrina e a jurisprudência já a consideravam, por unanimidade, como um princípio geral do Direito.
O Direito Contratual Romano, historicamente, apresentava uma classificação que dividia os contratos em: de direito estrito e de boa-fé, sendo que este último não tinha forma descrita em lei, permitindo ao juiz considerar a intenção das partes. Já naquele, o juiz apenas poderia considerar a interpretação rigorosa da lei.[87]
Atualmente, não existe mais essa classificação, todos os contratos são de “boa-fé”, independentemente da sua solenidade. Destarte, todos os contratos devem ser pactuados, interpretados, executados e, inclusive, concluídos, com base no princípio da “boa-fé”. É o que dispõe o Código Civil em seu artigo 422[88].
Rinaldo Mendonça Biatto de Menezes observa que a boa-fé objetiva: “É um valor pertencente à solidariedade que deve existir entre os cidadãos, ao respeito mútuo e cooperação. […]. Difere da “boa-fé” subjetiva, pois esta é o estado da consciência do agente, a sua intenção interna, que, desta maneira, está eivada de subjetivismo.”[89]
A “boa-fé”, como princípio norteador das relações contratuais, deve ser observada pelos contratantes, sob pena de incorrerem em ato ilícito ou abuso de direito. [90]
4.3.2 O princípio da função social do contrato
O Código Civil de 2002[91] trouxe, em seu bojo, a mais importante inovação do direito contratual: o princípio da função social do contrato. Esse princípio determina que, ao celebrar um contrato, as partes devem observar seus interesses individuais para que não colidam com os interesses sociais, visto que estes têm prevalência sobre aqueles.
André Soares Hentz, na esteira de Eduardo Sens dos Santos, destaca que o conceito de função social do contrato, bem como o delinear dos seus parâmetros de aplicabilidade são tarefas a serem definidas pela doutrina e a jurisprudência, visto que o Código Civil apenas a prevê, mas não a disciplina sistematicamente ou especificamente.[92]
A função social do contrato tem relação com o clássico princípio da relatividade do contrato, com a finalidade singular de cuidar para que os reflexos do contrato não atinjam a coletividade. Nesse sentido, André Soares Hentz entende que as partes contratantes “não podem criar situações jurídicas que afrontem direitos de terceiros (fraude e dolo), nem podem terceiros agir, frente ao contrato, de modo a dolosamente lesar o direito subjetivo do contratante (ato ilícito, abuso de direito)”[93].
Desse modo, os contratos, que até então eram vistos como relações individuais, que atingiam apenas as partes contratantes e que somente entre estas eram válidos, passa a ter reflexos na coletividade. O que, de certa forma, já era esperado, pelo fato da Constituição de 1988 ter um cunho social.
Nesse passo, Paulo Luiz Netto Lobo bem explica a função social do contrato no atual momento:
[…] o princípio da função social supera a função individual que esteve presente no modelo liberal. Além da função individual, que evidentemente continua, nenhum contrato pode ser admitido pelo Direito, se lesar os interesses e valores constitucionalmente estabelecidos, como, por exemplo, o da justiça social, que é o macro princípio estabelecido no artigo 170 da Constituição […]. [94]
4.3.3 O princípio da equivalência contratual
O contrato, símbolo da autonomia privada no século XIX, foi um importante instrumento da expansão capitalista, visto que dava às partes a liberdade de contratar. No entanto, essa liberdade não assegurava a igualdade entre elas. E, não demorou a advir o desequilíbrio na relação contratual, pelo fato da igualdade ser tratada apenas sob o ponto de vista formal.[95]
Na lição de Paulo Luiz Netto Lobo, “[…] superamos o plano do contrato liberal que é baseado na igualdade formal, portanto, na abstração dos sujeitos, e agora o direito contratual se volta para verificar, efetivamente, qual a força ou o poder de cada parte contratante. […]”[96]. Nesse sentido, o princípio da equivalência material permite ao juiz ponderar a igualdade real, eis que antes somente era lícito observar a igualdade formal.
Assim, o princípio da equivalência material se faz presente através de normas jurídicas, com o intuito de assegurar o justo equilíbrio contratual, preservando o equilíbrio real de direitos e deveres no contrato, inclusive para corrigir os desequilíbrios supervenientes, mesmo que as circunstâncias pudessem ser previsíveis. Esse princípio demonstra que o “[…] princípio clássico pacta sunt servanda passou a ser entendido no sentido de que o contrato obriga as partes contratantes nos limites do equilíbrio dos direitos e deveres entre elas […]”, visto que o seu interesse maior é que a execução do contrato não acarrete vantagem excessiva para uma das partes e desvantagem excessiva para outra.[97]
Paulo Luiz Netto Lobo apresenta uma classificação para o princípio da equivalência material:
O princípio da equivalência material desenvolve-se em dois aspectos distintos: subjetivo e objetivo. O aspecto subjetivo leva em conta a identificação do poder contratual dominante das partes e a presunção legal de vulnerabilidade. A lei presume juridicamente vulneráveis o trabalhador, o inquilino, o consumidor, o aderente de contrato de adesão. Essa presunção é absoluta, pois não pode ser afastada pela apreciação do caso concreto. O aspecto objetivo considera o real desequilíbrio de direitos e deveres contratuais que pode estar presente na celebração do contrato ou na eventual mudança do equilíbrio em virtude de circunstâncias supervenientes que levem a onerosidade excessiva para uma das partes.[98]
O Código Civil apresenta o princípio da equivalência material em dois artigos (423 e 424) que disciplinam os contratos de adesão, quais sejam, o artigo 423, que determina a interpretação mais favorável ao aderente quando se tratar de cláusulas ambíguas ou contraditórias, e o artigo 424 que declara nula a cláusula que estipular renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.
Pelo exposto, se conclui que na celebração dos contratos além dos princípios clássicos, rigidamente aplicados no dito contrato liberal, também, novos princípios devem ser agregados a estes, para que a evolução do contrato acompanhe o ritmo das relações negociais. Isso acarreta em desenvolvimento da sociedade e preservação do respeito e confiança que os cidadãos depositam nos contratos.
5. FIANÇA E FIADOR
5.1 Conceito e características
A fiança é o contrato pessoal pelo qual o fiador vincula-se a uma obrigação principal, com a função de garantir o cumprimento deste, caso o afiançado não a cumpra (art. 818 do Código Civil).
O termo fiança vem do latim, fidere, que quer dizer confiar. A fiança é uma garantia fidejussória, ou seja, uma garantia pessoal, que para ser celebrada é necessária a existência do elemento confiança entre as partes. Assim, cumpre destacar que o devedor não participa do pacto fidejussório, visto que o contrato de fiança existe apenas entre o credor e o fiador.
Nesse sentido, "A fiança é um negócio entabulado entre credor e fiador, prescindindo da presença do devedor e podendo até mesmo ser levado a efeito sem o seu consenso, por não ser parte na relação jurídica fidejussória." (DINIZ[99], apud SEGALLA, 2000).
A fiança é contrato acessório, pois sua existência está condicionada a de um contrato principal e sua função é garantir a obrigação deste. Destarte, independentemente de a fiança ser contratada em instrumento autônomo, continua a ser um contrato acessório, pois refere-se a um contrato principal.
Trata-se de negócio unilateral, visto que apenas o fiador obriga-se perante o credor, mas este não assume nenhum compromisso para com aquele.
É contrato solene porque sua forma é prevista em lei, a qual prevê sua forma escrita (art. 819 do CC), portanto não é admissível a forma verbal.
Em sua grande maioria, a fiança é contrato gratuito, visto que o fiador não cobra para figurar como garante e seu intuito maior é ajudar o afiançado.
A fiança figura no rol das garantias locatícias ao lado da caução[100] e do seguro fiança[101]. Sendo que, conforme o parágrafo único do artigo 37 da Lei 8.245/91 (Lei do Inquilinato), tratando-se de fiança locatícia, não é permitida mais de uma modalidade de garantia no mesmo contrato, sob pena de nulidade. Ainda, segundo artigo 43, inciso II da mesma lei, essa prática é considerada contravenção penal, passível de punição, com pena de prisão simples de cinco dias a seis meses ou multa de três a doze meses do valor do último aluguel atualizado. Esse valor pago será revertido em favor do locatário.
Atualmente, a fiança destaca-se no meio imobiliário por oferecer maior facilidade de acesso, diferente do seguro fiança que apresenta rigorosa seleção dos pretendentes à locação; por ser gratuita, ao contrário da caução que exige três meses de aluguel adiantado. Cumpre ressaltar que a maioria dos cidadãos, que necessitam da locação, não possuem bens para garantir um seguro e tampouco três meses de aluguel para caucionar. Desse modo, a fiança ganha pela sua simplicidade, eficácia e rapidez.
5.2 Direitos e deveres do fiador
O fiador, como qualquer contratante, não só possui obrigações, mas direitos que devem ser respeitados. Nesse contexto, a obrigação do fiador é pagar ao credor pela obrigação assumida pelo devedor, caso ele não a cumpra no tempo e forma devidos. Sendo que, a obrigação do fiador “se estende aos juros da mora, a partir de sua interpelação e às despesas judiciais, a partir do momento em que foi citado”.[102]
Os direitos conferidos ao fiador são denominados por alguns autores como meios de atenuar os efeitos da fiança são eles:
5.2.1 Ação de regresso
Ao pagar a dívida, do qual se viu obrigado, ao fiador, cabe intentar ação de regresso em face do afiançado inadimplente, para reaver o valor da dívida, juntamente com as perdas e danos que houver pago, além dos prejuízos que sofrer em razão da fiança (CC, art. 832).
O fiador beneficia-se da sub-rogação legal, nos termos do artigo 346, inciso III do Código Civil, ao adimplir a obrigação principal.
É o que determina a jurisprudência:
FIANÇA – LOCAÇÃO – ALUGUÉIS E ENCARGOS – COBRANÇA – SUB-ROGAÇÃO E DIREITO DE REGRESSO – DÍVIDA SOLVIDA – ADMISSIBILIDADE – EXCLUSÃO DA VERBA HONORÁRIA RELATIVA À AÇÃO DE COBRANÇA MOVIDA PELO LOCADOR CONTRA O GARANTE – INADMISSIBILIDADE – EXEGESE DO ARTIGO 1496 DO CÓDIGO CIVIL
O fiador é obrigado integralmente pelo débito decorrente da fiança. No entanto, satisfeita a obrigação, sub-roga-se no direito do locador, podendo recobrar do devedor tudo quanto despendeu em razão da dívida afiançada. ( Ap. c/ Rev. 558.085-00/3
5.2.2 Benefício de ordem
O fiador compelido a pagar a dívida poderá alegar, até a contestação da lide, o benefício de ordem, que consiste em exigir que os bens do afiançado sejam executados antes dos seus (CC, 827).
Silvio Rodrigues explica a razão de ser do benefício, a saber:
Tal benefício se funda na idéia de que a obrigação do fiador é subsidiária, pois que não passa de uma garantia da dívida principal. Assim, cumpre ao devedor pagar a dívida e só quando, através da execução de seus bens, verificar-se a insuficiência de seu patrimônio para resgatá-la, é que o fiador será chamado a fazê-lo. [103]
No entanto, caso o fiador se disponha a responder solidariamente pela dívida, esta poderá ser cobrada tanto do devedor principal como do fiador, deixando de existir o benefício de ordem. Este, também, deixará de existir se o fiador assumir a dívida como principal pagador, renunciar expressamente ao benefício, ou caso ocorra a insolvência ou falência do devedor principal (CC, art. 828).
5.2.3 Exoneração do fiador
O fiador poderá exonerar-se da fiança que assinou, se assim lhe convier, caso ela não possua limitação de tempo. No entanto, permanece a sua responsabilidade pelos efeitos decorrentes da fiança, nos sessenta dias subsequentes à notificação do credor (CC, art. 835). O lapso temporal é necessário para que o devedor possa constituir novo fiador.
Nos contratos, cuja fiança seja de prazo determinado, somente com o advento do termo é que ela será extinta.
Importante ressaltar que, se um contrato foi assinado por tempo determinado e vindo a se transmudar para tempo indeterminado, o fiador deve ser comunicado para que manifeste a sua concordância em continuar ou não a prestar fiança. Caso não haja a expressa manifestação de vontade do fiador, ainda que conste no contrato a cláusula escrita de não renunciar, esta cláusula não deve prevalecer.[104]
5.2.4 Demora na execução
Ao fiador cabe a prerrogativa de dar andamento à ação de execução contra o devedor principal, se o credor, após iniciada a execução, a protelar sem justa causa (CC, art. 834). Essa medida pode ser explicada pelo interesse que o fiador possui para que essa questão se resolva de forma célebre. Uma vez que, à medida que o tempo passa a dívida tende a crescer, o que, de certa forma, eqüivale a um maior dispêndio patrimonial do fiador.
5.3 Extinção do contrato de fiança
Cabe, portanto, observarmos que a fiança por ser contrato acessório se extingue juntamente com o principal[105]. Daí o interesse do fiador para que o locatário desocupe o imóvel com urgência. Nesse passo, a legislação apresenta, ainda, quatro situações que podem ser argüidas para extinguir o contrato de fiança, quais sejam:
5.3.1 O credor conceder moratória ao devedor sem o consentimento do fiador
Silvio Rodrigues observa que a moratória, que significa concessão expressa de prazo ao devedor, não deve ser confundida com a mera tolerância do credor.[106]
Nesse sentido, o STJ por entender que os contratos de fiança devem ser interpretados restritivamente, editou a Súmula 214, que preceitua: “O fiador da locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu”.
A jurisprudência entende que a concessão de moratória pelo credor ao devedor consiste em aditamento do contrato, fato suficiente para exonerar o fiador da obrigação:
LOCAÇÃO PREDIAL URBANA. MORATÓRIA. FIANÇA. EXONERAÇÃO. LIMITES. 1- Nos termos do art. 1.483 do código civil, a fiança deve ser interpretada de maneira restritiva, razão pela qual os recorrentes, sem sua anuência, não respondem por obrigações resultantes de pacto adicional firmado entre locador e locatário, mormente em casos tais, onde se concedeu moratória. precedentes do stj. 2- recurso conhecido e provido. (RESP 90552/SP, DJ 23/06/1997, Relator Min. FERNANDO GONÇALVES).
5.3.2 Impossibilidade de sub-rogação por fato do credor
O cidadão, ao comprometer-se como garante, tem consciência que, eventualmente, poderá vir a ser acionado a responder pela obrigação do devedor principal. No entanto, isso é apenas uma possibilidade, que embora deva ser levada em conta, não pode ser considerada corriqueira, senão estaríamos a crer que todo cidadão que contrata não está respeitando o princípio da “boa-fé”, ou seja, antes mesmo de contratar, ele já sabe que não poderá cumprir com o acordado.
Destarte, a possibilidade de sub-rogação nos direitos do credor é uma garantia do fiador prevista em lei.[107] Essa certeza de que poderá sub-rogar-se nos direitos do credor, o impulsiona a ajudar os que necessitam desse instituto. Entretanto, a sub-rogação, por ser um direito do fiador, ao tornar-se impossível, por ato do credor, permite ao fiador exonerar-se da obrigação, extinguindo a fiança (CC, art. 838, II).
5.3.3 Dação em pagamento consentida pelo credor
O fiador ficará desobrigado, se o credor aceitar do devedor, como pagamento da dívida, coisa diversa do que foi pactuado.
Caso o credor venha a ser evicto da coisa que recebeu em pagamento, será restabelecida a obrigação principal, não tendo qualquer efeito a quitação dada. No entanto, extinta estará a obrigação do fiador, vez que este assegurou apenas o pagamento da dívida, e como este ocorreu, liberado estará da sua obrigação.[108]
A fiança não assegura a evicção, por tratar-se de outra relação de direito, mas se o fiador assumir a responsabilidade pela evicção de forma expressa, a sua responsabilidade decorrerá do pactuado e não da fiança.
5.3.4 Retardamento do credor na execução
O fiador ao ser acionado para responder pela obrigação, ao alegar o benefício de ordem, deverá nomear bens do devedor situados no município, livres e desembaraçados, suficientes para pagar a obrigação. Após essa providência, cabe ao credor proceder a penhora dos bens. Entretanto, se o credor retardar esse procedimento, vindo o devedor a cair em insolvência, tornando impossível a execução contra ele, o fiador poderá se desobrigar se provar que ao tempo da indicação, os bens eram suficientes para solver o débito.
5.4 A polêmica da desoneração do fiador ante a inércia do credor
Ao falar-se em fiança nos contratos locatícios, algumas considerações devem ser tecidas à respeito da demora do locador na cobrança dos aluguéis atrasados pelo locatário.
Pertinente a colocação de Alessandro Schirrmeister Segalla:
Essa demora – na realidade negligência – na maior parte das vezes leva à ruína os fiadores, pois os locadores não se preocupam em ingressar com ação despejo contra o locatário inadimplente já que os contratos encontram-se garantidos por fiança. No final, o único prejudicado é o fiador, pois o locatário se utiliza do imóvel sem pagar, no aguardo de vir um dia a ser demandado, enquanto o locador não se preocupa em cobrá-lo pois sabe que o fiador – pessoa solvente – é quem irá responder pelos débitos em última instância.[109]
Nesse passo, a omissão do locador na cobrança dos aluguéis deve ser entendido como abuso de direito ou demora desleal na cobrança, o que não deve ser admitido no nosso ordenamento jurídico. Esse abuso de direito é conhecido pelas empresas seguradoras que, ao substituirem as fianças pelas apólices de seguro, obrigam o locador a promover a ação de despejo logo no primeiro mês de inadimplência do locatário.[110]
Assim, se ao que serviu de garante de uma locação, após ter assinado o contrato abrindo mão do benefício de ordem, não é dado à ele o direito de alegar a ignorância da lei[111]. Existe o princípio da “boa-fé” objetiva, que deve ser seguido pelas partes contratantes, a começar pelo dever de informar e culminando na manutenção do equilíbrio das partes, ou seja, que essa omissão, por “má-fé”, não traga desequilíbrio na relação contratual.
Genacéia Alberton entende que é direito do fiador tomar conhecimento da inadimplência do afiançado no máximo em 90 dias, para que possa adimplir a obrigação de maneira menos dispendiosa. Salienta, no entanto, que o art. 206, § 3º, inc. I do Código Civil, estabelece o prazo de três anos para a pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos, o que, no seu ver, é excessivo em relação ao fiador[112].
Há muito tolera-se a demora do locador por se afirmar que é direito seu cobrar ou não os aluguéis atrasados. No entanto, esse direito não pode ser tido como absoluto, relegando a outra parte – o fiador – ao seu arbítrio. “O absolutismo do direito choca-se com a realidade dos fatos, e, por isso, sua aceitação seria força propulsora do desequilíbrio social.”[113]
A direção que o Direito brasileiro vem tomando, a partir do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, chegando ao Código Civil de 2002, de defesa do hipossuficiente, buscando a igualdade real nas relações contratuais leva-se a crer que, para situações como a apresentada, cabe adotar as doutrinas alemãs descritas por Alessandro Schirrmeister Segalla, com o intuito de buscar outra via para a solução dessa demora injustificada.
Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior[114], citado por Segalla, define as referidas teorias, demonstrando a importância que possuem nas relações contratuais:
A teoria dos atos próprios, ou a proibição de venire contra factum proprium protege uma parte contra aquela que pretenda exercer uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente. Depois de criar uma certa expectativa, em razão de conduta seguramente indicativa de determinado comportamento futuro, há quebra dos princípios de lealdade e de confiança se vier a ser praticado ato contrário ao previsto, com surpresa e prejuízo à contraparte.
Destarte, a atitude que se espera do locador que não recebeu o pagamento do aluguel no dia estipulado, é que ele acione judicialmente o locatário, de forma a despejá-lo do imóvel e receber o que lhe é de direito. Essa, também é a expectativa que o fiador vislumbra, pois assim ele paga logo o aluguel atrasado extinguindo assim a fiança juntamente com a obrigação principal. No entanto, o locador, ao agir de forma diferente protelando a cobrança, ao fazê-la, ocasionará em maior prejuízo para o garante, que por não ser titular do direito de cobrar, fica inerte a ver seu patrimônio se esvair.
E segue o mesmo autor
Na supressio, um direito não exercido durante um determinado lapso de tempo não poderá mais sê-lo, por contrariar a boa-fé. […] Enquanto a prescrição encobre a pretensão pela só fluência do tempo, a supressio exige, para ser reconhecida, a demonstração de que o comportamento da parte era inadmissível, segundo o princípio da boa fé. (AGUIAR[115] , apud SEGALLA, 2000).
Desse modo, se o locador deixa de cobrar os aluguéis em atraso e pedir o despejo do locatário, concorrendo para que este permaneça no imóvel por um período sem pagar aluguel, não parece correto que essa omissão reverta-se em benefício.
A jurisprudência brasileira já entende a demora do credor em acionar o locatário judicialmente como abuso de direito:
FIANÇA – EXTINÇÃO DA GARANTIA – LOCAÇÃO – ABUSO DE DIREITO POR PARTE DO CREDOR – PRIVILÉGIO DO DEVEDOR EM DETRIMENTO DO FIADOR – CARACTERIZAÇÃO – ADMISSIBILIDADE – EXEGESE DO ARTIGO 1502 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. O contrato de fiança pode ser extinto pelas razões que autorizariam a rescisão dos contratos em geral (artigo 1502 do Código Civil). Abuso de direito por parte do credor que privilegia o devedor em detrimento de fiador. (Ap. c/ Rev. 615.425-00/8 – 10ª Câm. – Rel. Juiz NESTOR DUARTE – J. 6.2.2002)
Nesse contexto, a extinção da obrigação do fiador se daria, não pela configuração de moratória, mas pela força do artigo 837 do Código Civil de 2002[116] (artigo 1502 do Código Civil de 1916), que possibilita ao fiador opor ao credor as mesmas exceções extintivas da obrigação utilizadas pelo devedor principal.
A saída que Segalla propõem para essa situação, com base nas teorias alemãs já descritas, é a utilização, pelo fiador, “[…] da ação de despejo por falta de pagamento com vistas à acionar diretamente o locatário-afiançado, se acaso o locador tiver incorrido em demora desleal na cobrança de aluguéis do inquilino.”[117]
Do exposto, conclui-se que todo o exercício arbitrário de direitos deve ser coibido, pois se esse se desvia da sua finalidade, afasta-se do princípio da “boa-fé”, de modo que, o direito moderno não comporta mais os direitos absolutos, “[…] não faltando mesmo quem sustente, quanto ao seu exercício, que todo o direito é relativo, verificando-se o abuso sempre que se verificar a ruptura do equilíbrio dos interesses sociais em jogo.”[118]
6. CONCLUSÃO
Toda lei, ao ser elaborada no País, deverá estar em consonância com os princípios constitucionais, bem como não contrariá-los, sob pena de inconstitucionalidade. Destaque-se, também, a importância do momento da aplicação da norma, onde se faz necessária a observância da Carta Magna como um norte para a solução dos conflitos.
Vale lembrar que o princípio da dignidade da pessoa humana é considerado como o princípio base da Constituição. Portanto, toda vez que a dignidade de um cidadão for afrontada estará ferindo-se a Constituição. Assim, ao tratar-se a questão da perda da moradia do fiador para adimplir dívidas de terceiro, pelas quais obrigou-se, pode-se considerar que esse princípio foi agredido.
Quanto ao princípio da igualdade, é imperativo que o legislador o verifique no ato da elaboração da norma, de modo a evitar a introdução de leis no ordenamento jurídico que venham a beneficiar uns em detrimento de outros. Ainda, é de se atentar para que fatores externos não venham a ser considerados como critério determinante do discrímen legal para criação de uma lei, sob pena de torná-la inconstitucional. Tal é o caso da norma que permite a penhora do bem do fiador, criada para frear a decadência do mercado imobiliário.
O direito à moradia a partir da emenda constitucional nº 26 de 2000, alçou à direito fundamental. Ocorre que, na prática, isso não significa muito, eis que se um cidadão em defesa processual argüir o direito social à moradia, o magistrado ao proferir sentença negará provimento, argumentando que por ser norma de conteúdo programático carece de regulamentação. Assim, o judiciário justifica-se na morosidade do legislativo que não regulamenta esse direito. Todavia, o fato é que o judiciário ao valer-se dessa desculpa “lava suas mãos”, pois tem – na realidade – que respeitar a separação dos três poderes, estando impedido de legislar.
No entanto, no caso em estudo, essa desculpa não pode servir para que o juiz decida-se por uma lei infraconstitucional, ou seja, se o fiador argumentar que sua moradia consta no rol dos direitos fundamentais, não pode o juiz decidir pela penhora de seu bem, por ser a lei 8.009/90 de conteúdo inconstitucional. Assim, se o juiz não pôde deixar de aceitar o argumento de que a moradia do fiador é direito fundamental, também não pode penhorar o seu bem, pois até mesmo uma norma programática tem força para declarar a inconstitucionalidade de uma lei.
Outrossim, não parece correto que uma lei hierarquicamente inferior contrarie um direito constitucional fundamental. Desse modo, o juiz ao constatar que uma lei afronta princípio constitucional, não está obrigado a aplicá-la somente por ser uma norma vigente.
Pertinente a colocação de Sérgio Cademartori[119] citado por Genacéia Alberton:
‘O postulado positivista da obrigação de o juiz aplicar o Direito vigente vê-se abalada nos Estados de Direito caracterizados por Constituições rígidas, já que quando as leis forem vigentes, porém, inválidas, não existe para o juiz a obrigação jurídica de aplicá-las. As decisões judiciais prolatadas com base numa lei meramente vigente podem ser válidas com respeito a ela, mas isso não impede que essa mesma lei seja inválida. O caso de que uma lei tenha sido sempre aplicada apenas quer dizer que ela é eficaz, e não nos diz nada a respeito de sua validade’.
O direito de propriedade, na atualidade, deve ser interpretado com observância ao princípio da função social da propriedade. No entanto, a lei não define parâmetros para se saber se uma propriedade cumpre ou não a sua função social, o que dá ao magistrado a possibilidade de julgar conforme o caso concreto. Assim, o juiz não poderá proferir uma decisão que envolva a propriedade sem primeiramente avaliar a sua função social, tendo em vista que todo princípio constitucional possui aplicabilidade imediata.
E mais, a perda da propriedade só poderá dar-se pelos casos descritos na Constituição, visto que para leis infraconstitucionais somente é permitido estabelecer os procedimentos para os casos de desapropriação. Entretanto, a desapropriação dar-se-á por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, o que não é o caso da moradia do fiador, pois se ela é utilizada justamente para residir com sua família, presume-se que esteja cumprindo com sua função social.
Tendo em vista que, a propriedade privada possui proteção constitucional em face das oscilações da economia (CF, art. 170, II), e ainda, que a Constituição assegura a proteção à família (CF, art. 226), conclui-se que a Lei 8.009/90 só vem a reforçar o que já foi dito, visto que assegura ao cidadão que sua residência não será atingida por dívidas que a família contrair. Essa lei não tem por intuito alimentar a inadimplência, mas garantir o mínimo de dignidade para todos.
O contrato, instrumento essencial para o desenvolvimento do Estado, a partir das leis sociais, a começar pela Constituição federal, o CDC e culminando no Código Civil de 2002, passou a ser reavaliado. E, com isso, novos princípios foram abarcados visando a manutenção da confiabilidade que os contratos conservam ao longo da história.
Nesse passo, o princípio da equivalência contratual trouxe para o plano material o equilíbrio contratual, o da função social do contrato impediu que os excessos cometidos pelas partes contratantes viessem a prejudicar terceiros, e o da “boa-fé” veio para dirigir todos os contratos.
Quanto ao contrato de fiança, peça capital deste estudo, embora tão eficiente como as outras garantias locatícias, é simples quanto ao momento da sua formação, mas complexo para o fiador quando disposto a pagar pelo inadimplente. Assim, o fiador vê-se atado as normas jurídicas que deveriam auxiliá-lo, por ser garante em um contrato benéfico. Mas, o que realmente acontece é o desrespeito dos seus direitos por conta da proteção judicial que por vezes determina que a moratória tácita do locador não enseja extinção do contrato de fiança. Compelindo-o a permanecer em um negócio que trará a sua ruína. Nesse contexto, é necessário que se reavalie as normas de proteção ao fiador para evitar que o direito venha a ser usado de maneira arbitrária e, que situações como essa, ocorram em nome da lei.
Conclui-se, portanto, com base nos argumentos expostos, pela inconstitucionalidade do art. 3º, inciso VII, da Lei 8.009/90.
No entanto, a abordagem deste tema nos faz constatar que o Estado vem enfrentando uma crise, não econômica, mas de identidade. Assim, o paradigma da Separação dos Três Poderes que tinha o intuito de dar um equilíbrio para o Estado, pois impedia que um só detivesse o poder, hoje em dia, nas palavras de Fernando Machado da Silva Lima, está ultrapassado[120].
É de notar-se que o legislador tem sido omisso e agido não com base na Constituição, mas sob a pressão política do executivo, que, na atual conjuntura, sofre influência direta do mercado globalizado, necessitando responder aos estímulos na velocidade da bolsa de valores.
Assim, leis inconstitucionais surgem a todo o momento, com vista a solucionar problemas pontuais, como acalmar o mercado. Sem a preocupação dos reflexos que esta lei trará em longo prazo.
Conclui-se que é necessária uma revisão não só no pensar, mas no agir do legislativo e judiciário, sob pena de enfraquecimento da nossa Constituição e por conseqüência do próprio Estado Social de Direito.
ALBERTON, Genacéia da Silva. Impenhorabilidade de bem imóvel residencial do fiador. Disponível em: <>. Acesso em: 10 abr. 2004.
Bel. em Direito pela FURG/RS
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