O direito da mulher ao parto natural no Brasil: responsabilidade civil do médico

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Resumo: O presente artigo aborda o direito feminino em realizar parto natural e sua relação com a responsabilidade civil do médico. Existe uma dificuldade na efetivação do direito citado por conta da resistência do sistema, que prioriza a cesariana, havendo demanda para disponibilizar um meio jurídico de indenização a certos casos e inibição dos mesmos. Observou-se o contexto brasileiro quanto à epidemia de cesáreas, seu impacto na mulher e recém-nascido causando dano jurídico; elencaram-se casos de falsas evidências das quais médicos se utilizam para influenciar ao parto cesárea, sendo tais dados colhidos através de pesquisa feita por profissionais da saúde; e analisou-se a responsabilidade civil do médico, seus elementos e a possibilidade de dano moral, material e estético. O presente artigo não prega o fim dos partos cesáreos, como será explicado à frente, e sim a necessidade do Direito proteger a mulher na escolha do parto natural e proporcioná-la indenização pelos danos sofridos, além de desestimular os médicos de considerarem ganhos financeiros e não a dignidade da pessoa humana. Foi feita análise bibliográfica com livros, notícias e artigos científicos jurídicos e área de saúde, por ser um tema interdisciplinar. A pesquisa é quantitativa e qualitativa, além de ser exploratória e bibliográfica.[1]

Palavras-chave: Dignidade da Pessoa Humana. Parto natural. Cesárea. Dano jurídico. Responsabilidade Civil do Médico.

Abstract: This article deals with the female right to perform natural childbirth and its relation to the civil responsibility of the physician. There is a difficulty in the effectiveness of the law cited because of the resistance of the system, which prioritizes the cesarean section, and there is a demand to provide a legal means of compensation to certain cases and inhibition thereof. It was observed the Brazilian context regarding the epidemic of cesarean sections, its impact on the woman and the newborn causing legal damage; Cases of false evidence of which physicians are used to influence cesarean delivery are recorded, and such data are collected through research carried out by health professionals; And analyzed the civil liability of the physician, its elements and the possibility of moral, material and aesthetic damage. This article does not predict the end of cesarean deliveries, as will be explained at the outset, but rather the need for the Law to protect women in the choice of natural childbirth and provide compensation for the damages suffered, as well as discouraging doctors from considering financial gains and Not the dignity of the human person. Bibliographical analysis was done with books, news and scientific articles and health area, being an interdisciplinary topic. The research is quantitative and qualitative, besides being exploratory and bibliographical.

Keywords: Dignity of the Human Person. Natural childbirth. Cesarean section. Legal damages. Medical Liability of the Physician.

Sumário: Introdução. 1 O direito da mulher ao parto natural. 1.1 Epidemia de Cesáreas no Brasil. 1.2 Impactos da Cesariana Desnecessária à Mulher e ao Recém-Nascido. 1.3 Evidências sem Respaldo Científico para Realização de Parto Cesárea. 1.4 A Dificuldade das Mulheres em Efetivar o Direito ao Parto Natural. 2 A Responsabilidade Civil Do Médico E Sua Relação Com A Má Indicação Do Tipo De Parto. 2.1 Possibilidade De Danos Morais, Materiais E Estéticos.

INTRODUÇÃO

O Direito é ciência que regula relações sociais relevantes ao mundo jurídico e o processo de nascimento do ser humano não deixa margem de dúvida quanto à sua relevância social, psicológica, cultural e, por consequente, jurídica, pois todos estão aqui presentes através do fenômeno do parto. Com a chegada do mundo moderno, o parto deixou de ser um assunto de mulheres para mulheres e um momento de empoderamento feminino, para se transformar na maioria das vezes em ato cirúrgico esterilizado tendo o médico como figura principal e fazendo as mulheres acreditarem que, sem sua ajuda, são incapazes de viver tal momento. O Direito deve levar sua atenção a esse fenômeno social a partir do momento em que cresce o número de mulheres que não conseguem efetivar seu direito ao parto natural por conta da resistência desse sistema capitalista que estimula o parto por cesariana, muitas vezes desnecessário. Esse estímulo se deve às inúmeras vantagens financeiras e comodidade para a equipe médica.

As mulheres são vítimas desse sistema em três viés: pela sua incapacidade em efetivar um direito constitucional de liberdade de escolha e obter o desejado parto natural; por muitas vezes serem enganadas por médicos que se utilizam de mitos para convencê-las ao parto mais vantajoso para eles; e por terem, no fim, tal momento de vínculo com seu ou sua filha roubado, frutificando danos de origem física ou material, psicológica ou moral e até danos estéticos. Cabe ao direito, portanto, disponibilizar o instrumento para indenizar tal mulher na proporção de seu dano e concomitantemente desestimular que médicos continuem realizando cesáreas desnecessárias.

O presente artigo utilizou para sua fundamentação artigos científicos, pesquisas, livros e notícias, além do uso de dados, porcentagens e análise sociológica, para por fim abordar a questão jurídica. Analisa-se, ao final, a teoria adotada pelo Código Civil Brasileiro da responsabilidade subjetiva do médico, além de apontar como causas de indenização a falta do médico no dever de informar, de atualização, de assistir e de abstenção de abuso.

1 O DIREITO DA MULHER AO PARTO NATURAL

1.1 Epidemia de Cesáreas no Brasil

Emanado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, a preferência da gestante pelo tipo de parto que vai realizar está relacionado ao direito constitucional de liberdade de escolha. Diversos aspectos, sejam eles culturais, sociais, regionais e psicológicos permeiam essa decisão. Entretanto, a discussão mais comum está entre o parto cirúrgico (cesárea) e o parto vaginal (normal), porém vale a pena ressaltar que existe uma diferenciação entre parto normal e natural. O natural é aquele sem intervenções, respeitando as necessidades básicas e a integridade da mulher, enquanto o normal significa que o canal vaginal será o canal de nascimento, mas pode haver intervenções cirúrgicas desnecessárias, como a episiotomia, incisão efetuada na região do períneo (área muscular entre a vagina e o ânus) para ampliar o canal de parto. (CALVETTE, 2015)

Como elucida o documentário "O Renascimento do parto", de Eduardo Chauvet, antigamente, o parto era um assunto de mulher para mulher, cujo protagonismo feminino era presente durante todo o processo. Era humanizado, longe da esterilidade e frieza da maioria dos hospitais. Com o avanço da tecnologia, a figura do médico se apropriou do parto, que deixou de ser um assunto feminino e tornou a gravidez um estado patológico, convencendo quase todas as mulheres de que são incapazes de conseguirem por si mesmas parirem.

Ocorre que, com o passar dos anos, criou-se a chamada "cultura da cesárea" no Brasil: ao invés desse procedimento cirúrgico estar sendo utilizado em casos de real necessidade, os médicos vêm cada vez mais realizando cesáreas sem indicação, ou a pretexto de falsas evidências. Além disso, as mulheres suscitaram medos e ansiedades quanto ao parto normal. (BARBA, BARIFOUSE, 2014). A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) elucida que no ano de 2015 a taxa de cesárea em plano de saúde foi 84,6% contra os 10 a 15% recomendados pela OMS (Organização Mundial de Saúde). A intervenção deixou de ser um recurso para salvar vidas e passou, na prática, a ser regra.

"Quando realizadas por motivos médicos, as cesarianas podem reduzir a mortalidade e morbidade materna e perinatal. Porém não existem evidências de que fazer cesáreas em mulheres ou bebês que não necessitem dessa cirurgia traga benefícios. Assim como qualquer cirurgia, uma cesárea acarreta riscos imediatos e a longo prazo. Esses riscos podem se estender muitos anos depois de o parto ter ocorrido e afetar a saúde da mulher e do seu filho, podendo também comprometer futuras gestações. Esses riscos são maiores em mulheres com acesso limitado a cuidados obstétricos adequados." (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, 2015, p 01)

Essa epidemia de cesarianas no Brasil tem como principais causas as falhas na regulamentação do sistema de saúde do país, falta de informação sobre o assunto e o interesse financeiro dos médios obstetras, sendo mais lucrativo para eles o agendamento desse tipo de parto (um profissional recebe valor semelhante para realizar uma cesárea, que dura cerca de 3 horas, e um parto normal, que pode passar das 12 horas; além de ser mais cômodo para o mesmo pois na cesárea é possível agendar, sem precisar desmarcar compromissos) Tal realidade faz com que mulheres que optam pelo parto natural enfrentem uma verdadeira resistência do sistema, e muitas, no final das contas, acabam sendo forçadas a realizar cesáreas contra sua vontade. (BARBA, BARIFOUSE, 2014)

É importante ressaltar que o presente artigo não prega o fim dos partos cesáreos. Como foi explicado acima, tal parto deve ser feito quando necessário e quando for escolha da mulher, respeitando sua autonomia de vontade e liberdade de escolha, já que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Entretanto, cabe observar que a maioria das mulheres prefere o parto normal ou natural e acabam não resistindo ao sistema que impõe a cesariana, como será abordado mais à frente por meio de dados que comprovam essa afirmação. Cabe ao Direito garantir que essas mulheres que optam pelo parto normal ou natural possam concretizar esse direito tão importante nas suas vidas e dignidades.

Para tanto, faz-se necessário seguir um passo-a-passo para construir a linha de raciocínio proposta por esse artigo. Deve-se, primeiramente verificar o impacto dessa cirurgia, quando desnecessária, na saúde da mulher e do recém-nascido, para se compreender os danos no aspecto cível. Depois, analisar os casos de falsas evidências que os médicos se utilizam para influenciar ao parto cesárea, enquadrando-se, aqui, a conduta médica passível de responsabilização. E, em seguida, discorrer sobre a responsabilidade civil propriamente dita, seus elementos e a possibilidade de dano moral, material e estético.

1.2 Impactos da Cesariana Desnecessária à Mulher e ao Recém-Nascido

Dentre os aspectos negativos da cesariana estão: maior risco de morte e de infecção hospitalar tanto ao bebê como à mãe; risco do bebê nascer prematuro, pois há possibilidade de erro de até uma semana na marcação da idade gestacional; aumento da incidência de doenças respiratórias ao bebê; maior dificuldade no aleitamento e probabilidade de desmame precoce; dificuldades de vínculo com a mãe; maior risco de infertilidade da mãe posteriormente; risco de endometriose; sensibilidade na cicatriz em longo prazo (coceira, dor e sensação de estiramento); maior risco de trombose e doenças correlatas (incluindo embolia); maior índice de depressão pós-parto; entre outros. (Portal Brasil, 2015)

A melhor forma de entender a necessidade de se priorizar o parto natural é compreendendo a fisiologia do processo de nascimento. Além da necessidade de se esperar o momento que o bebê está pronto para nascer, o parto natural e humanizado favorece, de acordo com o documentário "O Renascimento do Parto", o coquetel de hormônios que é liberado durante o parto, chamados hormônios do amor (ocitocina, endorfina, prolactina e adrenalina) que gera uma vinculação entre mãe e filho. Esses hormônios entram em ação durante o parto por um motivo, que é fazer a conexão e ligação da mãe com o seu bebê. No parto cesáreo esses hormônios ficam comprometidos, pois se utiliza grande parte de maneira sintética, o que está relacionado desde a dificuldade de vinculo entre os dois até a depressão pós-parto.

Após esse tópico, alcançou-se o momento de analisar os casos de falsas evidências já alertadas pela comunidade científica que os médicos se utilizam para influenciar ao parto cesárea.

1.3 Evidências sem Respaldo Científico para Realização de Parto Cesárea

As indicações de cesariana são divididas em absolutas e relativas. Ressalta-se que, atualmente, a maioria das indicações é relativa. As mais utilizadas estão demonstradas no quadro que a seguir, porém cabe ressalvar que nenhuma dessas condições representa indicação absoluta de cesariana, e o parto vaginal deveria ser preferido em vários casos, exceto em algumas situações especiais. (AMORIM, PORTO, SOUZA, 2010, a)

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Os médicos costumam perpetuar o mito de que quando a mulher já realizou um parto cesárea, não pode mais ter um parto normal. Porém o parto vaginal pode ser tentado com sucesso em torno de 70% das vezes. (AMORIM, PORTO, SOUZA, 2010, b)

Somado a isso, existe no âmbito da saúde obstetrícia algumas práticas que também não são comprovadas cientificamente como benéficas, mas que já viraram rotineiras no mundo dos partos. Uma delas é o uso da ocitocina sintética para acelerar o parto, comumente ministrado na paciente sem mesmo obter seu consentimento. Entretanto o Ministério da Saúde já informou que não recomenda essa prática e lembrou que o governo vem tentando combater o número crescente de cesáreas, com iniciativas como a criação da Rede Cegonha e das chamadas Casas de Parto, que têm como metas incentivar o parto normal humanizado. (BARBA, BARIFOUSE, 2014)

A decisão para a realização de uma cesariana deve ser criteriosa e discutida com a paciente. É necessário prover informações com base em evidências para as gestantes durante o período pré-natal de forma acessível.

1.4 A Dificuldade das Mulheres em Efetivar o Direito ao Parto Natural

No sistema da “indústria da cesárea” que prioriza o parto cesárea e ignora seus malefícios à mãe e ao bebê, percebe-se que frequentemente os médicos atribuem a escolha do tipo de parto à gestante. Entretanto, não é isso que comprovam diversos materiais de pesquisa. Um estudo feito pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) que ouviu 437 grávidas constatou que 70% delas não tinham a cesárea como preferência, mas 90% acabaram realizando-a, e em 92% dos casos, a cirurgia foi realizada antes de a mulher entrar em trabalho de parto, ou seja, antes mesmo do bebê estar preparado a nascer. Além disso, não se pode esquecer o peso da opinião médica e a falta de interesse desse profissional pelo parto normal. (BARBA, BARIFOUSE, 2014)

Pesquisadores da Fiocruz esclarecem que o processo para decidir qual o tipo de parto vai ser realizado é permeado por uma relação de poder estabelecida na interação entre o médico e a mulher, e que o médico muitas vezes inibe qualquer questionamento de sua decisão. Tal conduta intervencionista desse profissional molda, ou influencia a mudança de decisão da mulher no tipo de parto.

É nesse momento no qual o médico molda a decisão da gestante utilizando as falsas evidências demonstradas acima para convencê-la ao parto por cesariana que interessa ao direito, pois priva as mulheres de diversos benefícios inerentes ao parto natural já explicitados mais acima, além de provocar os malefícios do parto cesáreo.

2. A RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO E SUA RELAÇÃO COM A MÁ INDICAÇÃO DO TIPO DE PARTO

Dentro do assunto responsabilidade civil, sabe-se que existem três elementos constitutivos para que haja interesse em pleitear indenização. São eles a conduta de ação/omissão, nexo causal, dano e, nos casos de responsabilidade subjetiva, um quarto elemento que é dolo ou culpa (imperícia, imprudência e negligência). No caso dos médicos, a teoria adotada pelo Código Civil Brasileiro é a subjetiva, ou seja, é necessária a comprovação dos quatro elementos citados. Portanto, a culpa médica se classifica pela conduta omissiva ou comissiva do profissional imprudente, negligente ou imperita que causa dano ao paciente. (FUNES, PETROUCIC, 2008)

Como objeto de estudo desse artigo, a conduta médica em questão foi a abordada nos pontos acima, referente ao uso de falsas evidências na recomendação do parto cesárea e aproveitando a relação de poder com a paciente para influenciá-la. Os danos dessa atitude também foram demonstrados ao tratar dos impactos da cesárea na mulher e no recém-nascido, e, mais à frente, serão aprofundados no âmbito moral, material e estético. O nexo causal, que é a ligação entre a conduta médica e o dano (consequência) deve ser devidamente comprovado pelo autor da ação de responsabilidade civil. O elemento da teoria da responsabilidade subjetiva, ou seja, a culpa médica, será melhor destrinchado nos próximos tópicos.

A responsabilidade civil médica se refere à obrigação destes profissionais de suportarem as consequências decorrentes de seus atos no exercício de sua profissão quando preenchidos os requisitos legais. (FUNES, PETROUCIC, 2008)

Segundo a CREMESP (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo), o argumento do procurador geral da Corte de Apelação de Milão coloca a responsabilidade médica sobre a ótica da ponderação. Tal argumento afirma que o imperito não é quem não sabe, mas aquele que não sabe aquilo que um médico ordinariamente deveria saber, não é negligente quem descura alguma norma técnica, mas quem descura aquela norma que todos os outros observam; não é imprudente quem usa experimentos terapêuticos perigosos, mas aquele que os utiliza sem necessidade.

"As ações de indenização decorrentes de responsabilidade médica e hospitalar na Justiça Brasileira crescem de forma alarmante a cada ano, de forma que em uma década, segundo dados do Conselho Federal de Medicina (CFM), o número de processos por imperícia ou negligência aumentou sete vezes. As causas desse aumento são inúmeras: qualidade insuficiente de ensino, serviços insatisfatoriamente prestados, maior procura pelo serviço e, até mesmo, maior consciência por parte da população sobre seus direitos e facilidade de acesso à Justiça." (FUNES, PETROUCIC, 2008, p 01)

É importante frisar a existência das excludentes da responsabilidade civil médica, que são descritas no Código Civil Brasileiro, artigo 393, sendo elas o caso fortuito e a força maior, culpa exclusiva do paciente, fato de terceiro e a cláusula de não indenizar. (OLIVEIRA, 2008)

"Cumpre-se ressaltar que a responsabilidade é do Estado (Administração Pública), nos termos do artigo 37, §6º da Constituição Federal, se a falha ou erro médico ocorrer em hospital ou qualquer outro estabelecimento público. É o princípio da responsabilidade objetiva do Estado pelos danos que seus agentes causem a terceiros, que estabelece que demonstrado o dano, independentemente de culpa ou não deste ente, cabe a indenização por este, a menos que seja hipótese de culpa exclusiva da vítima (paciente), caso fortuito ou força maior. Há, consequentemente, direito de regresso do ente público contra o médico (empregado), desde que haja dolo ou culpa por parte deste." (FUNES, PETROUCIC, 2008, p 03)

Também é causa de indenização a falta do médico no dever de informar, dever de atualização, dever de assistir e dever de abstenção de abuso. No primeiro, que está relacionado à obtenção de consentimento do paciente, deve o médico prestar todas as informações necessárias àquele, como por exemplo possibilidade de intervenções, riscos, consequências do tratamento, entre outras. O artigo 59 do Código de Ética Médica reforça tal dever afirmando que é vedado ao médico deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta ao mesmo possa provocar-lhe dano, devendo, nesse caso, a comunicação ser feita ao seu responsável legal. Caso desrespeite esse dever, pode o paciente buscar a devida reparação dos prejuízos. (OLIVEIRA, 2008)

Percebe-se que a falta do médico no dever de informar engloba, nos termos do assunto do artigo, o fato de muitas vezes o médico não prestar as devidas informações à gestante ou mulher no pós-parto sobre os procedimentos que serão feitos e suas consequências. Muitas mulheres não têm consciência do que está sendo feito no corpo dela, atingindo, dessa forma, o princípio da dignidade humana e um dano à integridade física. Pode citar como exemplo desse caso tanto a episiostomia quanto o uso de ocitocina sintética, como foi citado anteriormente no artigo.

O dever de Atualização significa que o médico deve se manter em aprimoramento constante e atualizado das técnicas para aplicá-las. Já o dever de assistência ou assistir significa que o médico deve estar disponível aos chamados do paciente, esclarecendo dúvidas, poder ser encontrado quando necessitado, não devendo agir com descaso, caso contrário, estará praticando negligência. Percebe-se que muitas das vezes esses dois deveres não são colocados em prática. (ARGENTIN, SILVA, 2016)

O dever de abstenção de abuso consiste no fato de que o médico deve priorizar princípios éticos e não visar apenas lucros ou vantagens financeiras, ocorrendo tal abuso quando há oportunismos. Um exemplo disso é quando o médico desrespeita a vontade do paciente, com exceção de alguns casos. (OLIVEIRA, 2008)

O erro médico é uma falha na prestação do serviço pelo médico. Ocorre uma falha na prestação de serviços, devido a ato lesivo do médico ocasionado por sua conduta culposa. É um agir ou um não-agir contrariando uma conduta recomendada pela Ciência Médica. (DROPA, 2004)

Tal erro pode ser proveniente de despreparo técnico e intelectual, por grosseiro descaso ou por motivos ocasionais que se referem às condições físicas ou emocionais do profissional. A prova dessa falha pode se dar por fichas médicas, prontuários, perícia, entre outras, e deve-se comprovar o dano e o nexo causal com o erro médico, além de sua culpa ou dolo. (OLIVEIRA, 2008)

2.1 Possibilidade de Danos Morais, Materiais e Estéticos

Uma das possibilidades de se pleitear indenização na justiça para as mulheres que são o foco desse artigo é o dano moral. Maria Helena Diniz estabelece o dano moral como “a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica, provocada pelo ato lesivo”. (DINIZ, 2003, p. 84). Já Carlos Roberto Gonçalves esclarece que o dano moral atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio, estando relacionado aos direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, entre outros. A lesão proveniente do dano moral atinge psicologicamente o indivíduo, causando frustração, angústia e sofrimento.

A mulher que foi iludida pelo médico por motivos sem respaldo científico, como já foi visto anteriormente, para fazer o parto cesariano, e teve seu momento de protagonismo feminino e empoderamento roubado por ele, possui todo o fundamento para buscar indenização por danos morais.

Quanto aos danos materiais, que são aqueles que atingem o patrimônio do sujeito, necessitando de prova efetiva e podendo ser classificados em danos emergentes (o que efetivamente se perdeu) ou lucros cessantes (o que razoavelmente se deixou de lucrar), a mulher que passou pelo parto cesariano desnecessário e influenciado pelo médico pode alegar gastos pecuniários em decorrência desse fato, como remédios, materiais pós-cirúrgicos, necessidade de tratamentos médicos por conta de complicações pós-parto cesariano, entre outras despesas.

Referente ao dano estético pode-se enquadrar aqui as cicatrizes deixadas pela cirurgia da cesariana e outros resultados da mesma natureza, como marcas, alterações morfológicas e deformações. O dano estético nada mais é que a lesão à harmonia corporal do agente e está relacionado à integridade física da pessoa. (OLIVA, 2009)

Quando a ocorrência de um dano causado pelo erro, negligência, imprudência ou imperícia do médico é confirmada, fica evidenciada sua responsabilidade civil, surgindo, portanto o dever de reparação. Nos casos em que ficar evidenciado o nexo causal entre o dano e o prejuízo experimentado pelo paciente este tem o direito ao ressarcimento de seu prejuízo, seja este material ou moral. (OLIVEIRA, 2008)

CONCLUSÃO

Antigamente, o parto era um assunto de mulheres para mulheres, cujo protagonismo feminino era presente durante todo o processo. Era também humanizado, longe da esterilidade e frieza da maiorias dos hospitais. Com o avanço da tecnologia, a figura do médico se apropriou do parto, que deixou de ser um assunto entre mulheres e tornou a gravidez um estado patológico, convencendo quase todas as mulheres de que são incapazes de conseguirem por si mesmas parirem. Hoje, existe no Brasil um sistema que prioriza o parto cesárea, mesmo que esse procedimento cirúrgico seja indicado apenas em casos de real necessidade. As mulheres que buscam o parto natural, legitimadas pela garantia constitucional de liberdade de escolha, encontram forte resistência para efetivar essa escolha. Muitas vezes são influenciadas pelos médicos, que obtêm mais vantagens de diversas naturezas com o parto cesárea e utilizam de indícios não-científicos e não-comprovados para amedrontá-las. Prezando pela comodidade, muitos médicos colocam em risco o bem estar da mulher e do bebê, aumentando o risco de morte e de infecção hospitalar deles, risco de prematuridade, incidência de doenças respiratórias ao bebê; dificuldade no aleitamento e probabilidade de desmame precoce; dificuldades de vínculo com a mãe; maior risco de infertilidade da mãe posteriormente e depressão pós-parto, entre outros. Um dos mitos mais famosos utilizados pelos médicos é aquele que afirma da impossibilidade da mulher ter parto normal depois que já realizou uma cesariana. Porém o parto vaginal pode ser tentado com sucesso em torno de 70% das vezes. Um estudo feito pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) que ouviu 437 grávidas constatou que 70% delas não tinham a cesárea como preferência, mas 90% acabaram realizando-a, e em 92% dos casos, a cirurgia foi realizada antes de a mulher entrar em trabalho de parto, ou seja, antes mesmo do bebê estar preparado a nascer.

A teoria adotada para responsabilidade civil dos médicos é a subjetiva, ou seja, é necessária a comprovação de culpa na conduta omissiva ou comissiva do profissional imprudente, negligente ou imperita que causa dano ao paciente. Ressalta-se as excludentes da responsabilidade civil médica presentes no art. 393 do Código Civil.

Cabe ao médico ressarcir a mulher pelo seu momento de protagonismo da qual foi roubada quando a cesariana era desnecessária, além de indenizar os danos materiais, morais e/ou estéticos decorrentes disso. Também é causa de indenização a falta do médico no dever de informar, dever de atualização, dever de assistir e dever de abstenção de abuso.

 

Referências
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Notas
[1] Trabalho orientado pela Profa. Ana Cristina Almeida Santana, Doutora em Educação pela PUC-RS, Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela UFS, Especialização em Direito Processual pela UFSC e Graduada em Direito pela Universidade Tiradentes.


Informações Sobre o Autor

Jéssica Souto de Figueiredo

Acadêmica de direito na Universidade Tiradentes