Resumo: O presente artigo tem como finalidade a análise da teoria geral das obrigações à luz da teoria da obrigação como processo. Realiza um estudo sobre os princípios e sobre a relação obrigacional em si estabelecendo conexões entre a teoria e a prática. Faz-se necessário em vista de uma sociedade repleta de relações jurídicas que estabelecem direitos e deveres.[1]
Palavras-chave: Teoria geral das obrigações. Obrigação como processo. Princípios. Relação obrigacional.
Abstract: This article aims to analyze the general theory of obligation under the theory of obligation as a process. Perform a study on the principles and the obligation itself establishing relations between theory and practice. It is necessary in view of a society replete of legal situations that establishes rights and duties.
Keywords: General theory of obligations. Obligation as process. Principles. Obligation relation.
Sumário: Introdução. 1. A obrigação como processo. 2. Os princípios gerais. 3. A relação obrigacional. Conclusão. Referências bibliográficas
Introdução:
A sociedade hodierna tem como característica o grande número de relações jurídicas que geram obrigações. Desde o despertar até o repouso, adquirem-se deveres e direitos, na maior parte das vezes, através dos contratos.
Destarte, faz-se necessário uma análise cuidadosa da teoria geral das obrigações para que tais direitos e deveres possam ser entendidos de forma clara e precisa. Não obstante, esta análise deve-se dar de maneira atual, observando as características da obrigação como processo.
No direito romano, o direito obrigacional se baseava na responsabilidade física no inadimplemento. Havia uma subordinação do devedor ao credor, onde aquele poderia perder sua independência física ou até mesmo sujeitar-se à servidão. Ainda neste período, a obrigação era entendida como um direito estático, onde credor e devedor assumiam posições antagônicas, numa espécie de combate pra o cumprimento da obrigação[2].
No direito atual, entende-se a obrigação como processo, como algo que se desenvolve, em várias fases, em direção ao adimplemento[3]. É um processo dinâmico onde as partes atuam em conjunto, cooperativamente para o cumprimento da obrigação. Castro Neves ensina que o “enfoque atual pende para relação obrigacional como processo, no qual enfatiza o interesse social de que o objetivo da relação seja atingido, sem a preponderância de qualquer das partes da relação.” [4]
Deste modo, o estudo do direito das obrigações faz-se mister para compreensão das relações jurídicas da modernidade. Tendo em vista a complexidade e a importância de tais relações, a análise deve ser feita sempre à luz da teoria da obrigação como processo, para que possa chegar a um resultado coerente com a realidade.
1. A obrigação como processo
A teoria denominada de obrigação como processo foi trazida ao Brasil por Clóvis Veríssimo do Couto e Silva, em sua tese ao candidatar-se à cátedra de direito civil da Universidade Federal do Rio Grande do Sul[5]. Ainda na vigência do código civil de 1916, representou grande inovação, trazendo idéias que depois vieram a ser positivadas no código civil atual, como por exemplo, a função social do contrato, a boa-fé objetiva, o caráter dinâmico do processo, a polarização pelo adimplemento, dentre outros. Apesar de não ter tido grande expressão em sua época, representa hoje um texto fundamental à compreensão da teoria geral das obrigações.
Passa-se a examinar, com base nesta teoria, alguns fundamentos do direito obrigacional.
2. Os Princípios Gerais
A obrigação como processo apresenta três princípios gerais e fundamentais, sendo eles a autonomia da vontade, a boa-fé e a separação de fases[6].
O princípio da autonomia da vontade consiste no fato de pessoas capazes, poderem se obrigar quando quiserem, com quem quiserem e sobre o que quiserem, liberdade esta, que se encontra presente desde o direito romano, acentuado, todavia, pela revolução francesa[7].
Não obstante, essa liberdade não é total, suprema. Ela sofre limitações do Estado, principalmente após a entrada em vigor do Código Civil de 2002, onde possui cláusula expressa, em seu artigo 421, dizendo que a liberdade de contratar será exercida nos limites da função social. Essa limitação ocorre, pois deve haver uma supremacia do interesse público sobre o privado, pois a autonomia privada não pode ferir princípios trazidos na constituição federal que protegem a solidariedade, a dignidade, a igualdade entre as partes, dentre outros princípios invioláveis.
Seguindo o mesmo caminho, o princípio da boa-fé é fonte geradora de obrigações, pelos motivos expostos acima. Com o artigo 422 do C/C brasileiro, a boa-fé passa a ser objetiva. Cria deveres tanto para o credor quanto para o devedor. É uma regra de conduta que tem a finalidade de estabelecer um padrão honesto e leal entre as partes, em conformidade com a constituição.
Para se entender a essência da teoria da obrigação como processo, é fundamental a compreensão do principio da separação de fases, pois é nele que se mostra o caráter dinâmico da relação obrigacional. É importante também para saber-se qual regra aplicar em cada fase.
A separação se dá entre as fases de nascimento e desenvolvimento dos deveres e a do adimplemento. Na maior parte das vezes a separação de fases não é perceptível devido à instantaneidade do negócio. Quando se analisa a compra e venda superficialmente, por exemplo, não se percebe a separação de fases, contudo ela existe em um exame minucioso.
É impossível negar que a vontade de criar obrigações (nascimento e desenvolvimento) nem sempre é a mesma de extingui-las (adimplemento). Obrigar é ligar, adimplir é afastar. Desta maneira, existe uma grande distância entre o primeiro e o último ato do processo[8]. O Brasil adota a separação relativa, onde quando a vontade de se obrigar é manifestada, é ao mesmo tempo manifestada a vontade de adimplir, em um só ato. Diferente pois, é o direito alemão, onde a vontade não é co-declarada. Para cada vontade é necessária uma manifestação, deixando mais explícita a separação de fases.
Tal separação mostra-se ainda mais notável e importante quando a obrigação tratar de transmissão de propriedade, pois na primeira fase a natureza é obrigacional, já na segunda, real, uma diferença, portanto, de direito material.
Entender a separação de fases da obrigação é entender seu caráter dinâmico. Tal distinção tem grandes conseqüências práticas, como as demonstradas, e trata-se de uma analise necessária, uma vez que o tratamento das obrigações de forma unitária não é possível, já que existem dois direitos (real e obrigacional) e duas vontades (obrigar-se e adimplir).
3. A relação obrigacional
Caio Mário da Silva Pereira ensina que “obrigação é o vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa pode exigir de outra prestação economicamente apreciável[9]”. Neste vínculo jurídico, quem pode exigir é denominado credor, já quem deve a prestação é denominado devedor.
Todavia, o liame entre devedor e credor que dá forma à obrigação não esgota a relação. A obrigação é mais do que um vínculo puro e simples entre partes. Para que se possa entender a obrigação como processo é preciso entendê-la como uma relação dinâmica, formada por fases, ligadas com interdependência, que juntas vão dar a obrigação seu caráter de totalidade, de organismo[10].
Essa totalidade em que se apresenta a obrigação deve ser polarizada pelo adimplemento, ou seja, toda a relação deve ter com seu fim máximo seu cumprimento. Como forma de atingir esse fim máximo, que é o adimplemento, as partes devem atuar em conjunto, em cooperação. É neste ponto que a função-social e a boa-fé objetiva residem, como forma positivada de garantir essa cooperação, criando deveres anexos. Destarte, a relação obrigacional assume um caráter teleológico, não assumindo mais a idéia das partes como sendo antagônicas, inimigas.
Quando escrevera sua tese, Clóvis V. do Couto Silva argüiu que a função-social e a boa-fé objetiva, estudados anteriormente, são princípios da relação obrigacional, devido à polarização ao adimplemento e à cooperação entre as partes. Prova de que a teoria da obrigação como processo é de grande importância e contribuiu para o direito atual é o fato do código civil de 2002 ter positivado tais princípios em cláusulas gerais.
A fim de ilustrar, darei um exemplo prático: um contrato de compra e venda. Neste contrato existem duas partes, comprador e vendedor, ligados por um vínculo, que é o de pagar o preço e de dar a coisa respectivamente. Existe a clara separação de fases, visto que a celebração do contrato é de caráter obrigacional e a entrega da coisa, de caráter real. Mesmo tendo essa separação de fases a relação continua sendo vista como um todo. Toda essa relação é polarizada pelo adimplemento, onde as partes devem atuar cooperativamente, com a aplicação das cláusulas gerais de boa-fé objetiva, probidade e função social do contrato. Por fim, toda essa relação obrigacional, onde seus detalhes passam, muitas vezes, despercebidos por nossos olhos, demonstra o caráter dinâmico e processual da obrigação.
Conclusão
A importância da hermenêutica obrigacional à luz da obrigação como processo é clara: sem essa ligação a relação obrigacional fica deficiente, não atinge sua máxima eficiência.
Como exposto no início deste artigo, o crescente número de relações obrigacionais, cada vez mais complexas, exige um entendimento atual e em eficaz com relação ao direito obrigacional.
Ainda, com a constitucionalização do Direito e principalmente do Direito Civil, precisa-se de uma teoria em compasso com esses acontecimentos. A obrigação como processo mostra-se uma teoria moderna, completa, coerente, eficaz e principalmente, de acordo com a Constituição Federal do Brasil.
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Lucas Costa de Oliveira