O direito de arrependimento nos contratos eletrônicos

Resumo: O presente trabalho tem como desígnio investigar alguns aspectos do contrato de consumo eletrônico, realizados por meio da Internet, principalmente no que se refere à tutela dos direitos do consumidor. Tem como escopo demonstrar que se aplicam às relações de consumo virtuais as regras do Código de Defesa do Consumidor, denotando-se desnecessária a criação de normas específicas sobre a matéria. O foco específico do trabalho é a possibilidade de o consumidor exercer o direito de arrependimento, previsto no artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor, no comércio eletrônico. Nesta circunstância, será comprovado que o Código de Defesa do Consumidor está apto a solucionar a questão do prazo de reflexão advinda de relações de consumo celebradas à distância, inclusive via Internet, uma vez que a interpretação de seu artigo 49 está amparada nos princípios da proteção contratual do consumidor, como também nos princípios da informação e da confiança.


Palavras-chave: Internet, Direito do Consumidor; Contratos de Consumo Eletrônicos; Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor; direito de arrependimento.


Abstract: The present work has as objective to investigate some aspects of the electronic consumption contracts, accomplished through the Internet, especially in regards to the protection of the consumer’s rights. It has as purpose to demonstrate that the rules of the Consumer Defense Code are applied to the virtual relations of consumption, being unnecessary the creation of specific norms on the matter. The specific focus of the study is the possibility for the consumer to exercise the repentance right, foreseen in article 49 of the Consumer Defense Code, in the electronic commerce. In this picture, it will be proven that the Consumer Defense Code is apt to solve the subject of the reflection period of the celebrated at distance consumption relations, as also  by the Internet, since the interpretation of its article 49 must be supported by the principles of the consumer protection contractual, as also by the principles of the information and the confidence.


Keywords: Internet, Consumer’s Rights; Electronic Consumption Contracts; Applicability of Consumer Defense Code; Repentance right;


Sumário: 1. Introdução. 2.Conceito de Direito de Arrependimento. 3.Natureza Jurídica do Direito de Arrependimento. 4.Previsão Legal e Exercício do Direito de Arrependimento. 5.Pré-requisitos do Direito do Arrependimento. 6. Devolução da Quantia Paga. 7. O prazo de reflexão. 8. A vulnerabilidade e o direito de informação no direito de arrependimento on-line. 9. Aplicabilidade do Direito de Arrependimento On-line. 10. Considerações Finais. Referências


1. Introdução


Cada vez mais é maior a quantidade de pessoas naturais e jurídicas, que realizam compras, e os mais variados negócios, pelo meio eletrônico. Esse novo meio de negociação, que utiliza a Internet, recebeu no mercado a denominação de comércio eletrônico, o qual engloba a oferta, a demanda e a contratação de bens, serviços e informações.


 Nesse contexto, têm levantado maior atenção, aos operadores do direito, algumas questões relacionadas à aplicabilidade da legislação consumerista brasileira nas relações jurídicas de consumo constituídas pelo resultado evolutivo e tecnológico presente na sociedade moderna.


O direito que o consumidor tem de refletir sobre a necessidade e conveniência do negócio é direito que complementa o direito de informação e tem por justificativa aquele pressuposto de todos os negócios de massa onde se verifica que a vontade é declarada mais por impulsos externos do que por uma deliberação consciente.


De nada valeria a informação se o consumidor não tivesse tempo para entendê-la e decidir de forma refletida e segura.


Neste artigo, serão discutidos, especificamente, o exercício do direito de arrependimento, o prazo de reflexão, os requisitos para o consumidor exercer o mencionado direito, seus efeitos nas questões contratuais decorrentes da relação de consumo via Internet e a possibilidade do uso da analogia. Serão destacadas ainda as questões da vulnerabilidade do consumidor e da importância da informação nas relações de consumo à distância via Internet.


2. Conceito de Direito de Arrependimento


O direito de arrependimento ou prazo de reflexão é um direito reconhecido ao consumidor, ou a quem for a ele legalmente equiparado, de poder se arrepender e voltar atrás da vontade que haja exprimido ao celebrar relação jurídica de consumo.


Segundo Cláudia Lima Marques, o direito de arrependimento foi instituído para proteger a declaração de vontade do consumidor, para que essa possa ser decidida e refletida com calma, de forma a resguardá-la das técnicas agressivas de vendas a domicílio.[1]


O fundamento deste direito jaz no fato de que quando o consumidor adquire o produto ou o serviço fora do estabelecimento comercial, fica mais vulnerável na relação instituída com o fornecedor.


3. Natureza Jurídica do Direito de Arrependimento


Quando o Código de Defesa do Consumidor entrou em vigor, questionou-se se haveria semelhança entre o direito de arrependimento com o instituto da venda a contento, disciplinado nos arts. 509 a 512 do Código Civil de 2002[2], o qual a previa com uma convenção acrescentada à compra e venda.


A venda a contento, segundo Cavalieri Filho, consiste em uma venda sob condição suspensiva, a qual apenas se aperfeiçoa quando o comprador disser que está satisfeito com a aquisição.[3]


Assim, enquanto não houver a manifestação do adquirente, neste contexto, a natureza jurídica do contrato é de comodato, conforme diz o Código Civil em seu art. 511.[4]


Todavia, tal assertiva não se aplica ao direito de arrependimento porque nele o contrato de compra e venda é perfeito e acabado, sendo que todos os seus efeitos se produzem, ou seja, o contrato está consumado até o momento em que o consumidor decida exercer o direito de arrependimento.


Cavalieri Filho entende que o direito de arrependimento se trata, portanto, de “um direito potestativo do consumidor, que pode ser manifestado sem qualquer justificativa, ao qual o fornecedor está submisso” [5].


O autor aponta as conseqüências desse entendimento:


“[…] Todas as responsabilidade pré-contratuais podem ocorrer nesse prazo de reflexão. Se nesses sete dias o produto apresentar algum vício ou ocorrer um dano pelo fato do produto, o fornecedor terá que indenizar normalmente, pelas regras do CDC. Ele não vai poder dizer que se tratava de um mero comodato e que o comprador ainda não havia assumido a posição de consumidor. Haverá contrato de compra e venda perfeito e acabado, pelo que o fornecedor terá de responder integralmente pelo contrato nesse período de reflexão. Se por acaso, a coisa adquirida perecer, o comprador deverá responder pela sua perda, de acordo com o princípio res perit domino. Durante o prazo de reflexão, repita-se, a compra está perfeita e acabada, o comprador é o proprietário da coisa, e esta perece para o dono. Assim, por exemplo, se comprei um microcomputador (notebook) pela internet e enquanto o experimento, no prazo de reflexão, ele vem a ser furtado ou destruído em um acidente, aí já não mais posso me arrepender. Sofro os riscos normais do proprietário, os riscos da força maior e do caso fortuito, porquanto, repita-se, res perit domino”.[6]


Uma vez que, no direito de arrependimento, há uma compra e venda perfeita e acabada, e uma vez afastada a hipótese da venda a contento, existe um direito unilateral do consumidor de desfazer o contrato, no prazo de sete dias[7], tal como uma cláusula resolutiva prevista na lei consumerista.


Cavalieri Filho conclui que a natureza jurídica daquele se trata de um direito formativo extintivo, o qual se traduz num direito potestativo, correspondente não a um dever, mas um estado de sujeição da outra parte.[8]


4. Previsão Legal e Exercício do Direito de Arrependimento


Segundo Denise César, no direito francês, o direito de reflexão se manifesta de modos distintos. Em certos casos o prazo para a reflexão precede a aceitação da oferta.[9]


César exemplifica:


“É o exemplo dos créditos imobiliários, em que, a partir do recebimento da oferta escrita, o contratante tem dez dias para refletir, antes dos quais a aceitação não se considera válida, estando, porém, o fornecedor obrigado a manter a oferta por até trinta dias, do que resulta um prazo para a válida contratação de no mínimo vinte dias para o contratante comprador. Evita-se, assim, que, após uma visita a um apartamento decorado em exposição de vendas de prédios residenciais, o consumidor, muitas vezes premido pela necessidade de adquirir um imóvel e encantado com as vantagens oferecidas, acabe por adquirir bem incompatível com suas condições econômicas ou reais necessidades.”[10]


A autora salienta que, em outros casos, o direito de reflexão é exercido após a aceitação, como, exemplo, no das tratativas a domicílio, onde o consumidor dispõe de sete dias dentro dos quais pode desistir do negócio sem que se lhe obrigue motivar a desistência e sem que esta gere qualquer direito de indenização para o outro contratante[11].


Marques lembra que o Novo Código Civil Alemão assegura, nos § 485 c/c § 355 – BGB Reformado, o direito de arrependimento sem causa de 2 semanas e, caso a língua do contrato seja estrangeira, o prazo de reflexão é de 30 dias ou de 180 dias (ou seis meses) depois de concluído o contrato se os deveres de informação tenham sido descumpridos.[12]


Na Teoria Geral dos Contratos, o Código Civil Brasileiro assim regula o direito de arrependimento:


Art. 420. Se no contrato for estipulado o direito de arrependimento para qualquer das partes, as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória. Neste caso, quem as deu perdê-las-á em benefício da outra parte; e quem as recebeu devolvê-las-á, mais o equivalente. Em ambos os casos não haverá direito a indenização suplementar.[13]


Resta configurado o direito de arrepender-se, no âmbito civil, destarte, quando expressamente previsto no contrato, no qual se autoriza qualquer das partes a rescindir o pacto, através de declaração unilateral de vontade, com a conseqüência da perda do sinal, ou a devolução deste em dobro, sem, todavia, pagar indenização suplementar.


Segundo Carlos Roberto Gonçalves, o direito de arrependimento deve ser exercido no prazo estipulado no contrato ou antes da execução deste, no caso de nenhuma convenção a este respeito, uma vez que o adimplemento do mesmo importa renúncia tácita ao mencionado direito.[14]


O direito de desistir do contrato também está previsto na legislação consumerista brasileira. Trata-se, em verdade, segundo Gonçalves, de um “caso especial de arrependimento, com desfazimento do contrato por ato unilateral do consumidor.[15]


 A adequação dos contratos eletrônicos ao Código de Defesa do Consumidor, especialmente, em se tratando de uma das diversas normas de proteção do consumidor, qual seja a prevista no artigo 49, é o cerne deste trabalho.


A Lei 8.078/90 preceitua em seu art. 49 e parágrafo único, sobre a questão e o prazo de reflexão: 


“Art.49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de sete dias, a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicilio.


Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer titulo, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.”[16]


O artigo supra consiste num prazo de reflexão obrigatório instituído pela lei, de modo a assegurar que o consumidor possa realizar uma compra consciente, equilibrando as relações de consumo.


O consumidor, ao adquirir o produto através da Internet, telefone, correio ou catálogo, não tem oportunidade de analisar adequadamente o produto, fincando impossibilitado de averiguar se o que está adquirindo corresponde ao que necessita e deseja. Eis a opinião balizada de Leal:


Nos contratos eletrônicos realizados via Internet, com oferta permanente em um site ou loja virtual, o consumidor não mantém contato físico direto com o ofertante, nem com o serviço ou produto objeto da contratação, que não pode ser tocado ou examinado, pessoalmente, o que aumenta os riscos de insatisfação com o negócio.


A contratação pela Internet é fruto da contratação em massa e se impõe ostensivamente ao consumidor, influenciando a sua manifestação de vontade. Os sites são organizados de forma à indução ao consumo, com preços e facilidade cada vez mais atraentes”.[17]


Assim, o legislador pretende resguardar o consumidor, com o prazo de reflexão para se arrepender da compra, posto que aquele pode ser seduzido pelo fornecedor a adquirir produto que, na tela do seu computador, pareça ser melhor e mais atrativo do que é na realidade.


Frustradas as expectativas quanto ao produto, o consumidor, então, terá o prazo de sete dias para se arrepender, toda vez que a contratação ocorrer fora do estabelecimento comercial.


Como se depreende, o direito de arrependimento acima delineado não se estende, todavia, a todo o tipo de contrato, mas resta limitada a sua aplicação à determinadas hipóteses, cujo exame permite perceber que a sua finalidade é a proteção do consumidor naquelas contratos onde o livre arbítrio, por motivos vários, é considerado enfraquecido.


Roberta Densa aduz que o consumidor deve, ao exercer o direito de arrependimento, fazê-lo de maneira inequívoca, podendo ser através de carta com aviso de recebimento (AR) ou de manifestação oral presenciada por testemunhas.[18]


Como explicitado no tópico da natureza jurídica do direito de arrependimento, este se trata de um direito potestativo do consumidor, razão pela qual não se faz necessária qualquer explicação a respeito da devolução do bem.


5. Pré-requisitos do Direito do Arrependimento


Reiterando, para o ordenamento jurídico nacional, conforme artigo 49 supra, são dois os pré-requisitos para que o direito de arrependimento possa ser exercido, quais sejam, que a contratação de fornecimento de produtos e/ou serviços tenha ocorrido fora do estabelecimento comercial; e que o arrependimento seja realizado dentro do prazo legal de 7 (sete) dias.


Ronaldo Alves de Andrade assim analisa a previsão do Código Consumerista quanto aos contratos realizados fora do estabelecimento comercial:


“O Código de Defesa do Consumidor brasileiro não regulou minuciosamente os tipos de contratos que poderiam ser celebrados fora do estabelecimento, não tendo igualmente estabelecido os requisitos necessários para tal modalidade de contratação nem fixado seus respectivos objetos. Em realidade, limitou-se a instituir no art. 49 o direito de arrependimento, permitindo ao consumidor, em contrato à distância ou contrato celebrado no domicílio do consumidor, dele desistir no prazo de sete dias, recebendo de volta, corrigida monetariamente, a importância despendida para a aquisição do produto ou serviço”.[19]


No tocante ao primeiro requisito, cumpre indagar se os contratos via Internet são realizados dentro ou fora do estabelecimento comercial, já que, em se tratando de direito de arrependimento, o mesmo apenas se aplica em toda relação de consumo que seja celebrada fora do estabelecimento comercial.


A resposta óbvia é que o contrato de consumo eletrônico deve ser considerado realizado fora do estabelecimento comercial por ser celebrado à distância, pois o consumidor, que efetua a sua compra via Internet, no sítio eletrônico do fornecedor, não se encontra na mesma situação daquele que se dirige ao estabelecimento físico.


Importante salientar que a mesma observação é válida para os contratos celebrados em chats de conversação ou via mensagens instantâneas, uma vez que a utilização do meio eletrônico para concretização do negócio implica sua realização à distância.


Ademais, não se olvide que a ausência física do consumidor no estabelecimento comercial do fornecedor justamente no momento do processo decisório de aquisição de produto e/ou serviço, é, naturalmente, pretexto relevante para o reconhecimento do direito de se arrepender.


Destarte, resta clara a falta de proximidade pelo consumidor do objeto de sua aquisição, o que proporciona o direito de arrepender-se sem que seja necessária qualquer justificativa do porquê de tal atitude, em conformidade com o estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor.


Garcia aponta, ainda, que a jurisprudência tem aplicado o direito de arrependimento até mesmo no caso de a contratação ocorrer no estabelecimento do fornecedor se o consumidor estiver sobre forte pressão psicológica que o coloca em desvantajosa situação, de maneira a impedi-lo de refletir e manifestar livremente sua vontade.  Eis o julgado colacionado pelo autor:


“O direito de arrependimento previsto no art. 49 do CDC tem por escopo proteger o consumidor da prática comercial agressiva que o impede de refletir e manifestar livremente sua vontade. Conquanto celebrado na sede do fornecedor, é de se assegurar ao consumidor o direito de arrependimento também aos contratos cuja formulação foi antecedida de prática comercial agressiva que o coloca em situação de desequilíbrio que não lhe permite refletir. Hipótese em que a oferta é feita em ambiente que mais aparenta uma reunião social, durante a qual o consumidor é submetido a forte pressão psicológica que enfraquece seu poder de avaliação das condições e conveniência do negócio.” (TAGRS, Apel. Cível 196233506, Rel. Juíza Maria Isabel de Azevedo, Data de Julgamento:17/12/1996).[20]


Logo, quando houver por parte do fornecedor marketing agressivo, que atraia o consumidor a um local preparado para a divulgação de determinado produto ou serviço, oferecendo-lhe um ambiente sedutor, com bebidas alcoólicas e sorteios de brindes, resta obstada a capacidade de o consumidor refletir sobre o contrato que pretende realizar.


6. Devolução da Quantia Paga


No exercício do direito de arrependimento, é assegurada ao consumidor a devolução da quantia eventualmente paga, corrigida monetariamente pelos índices oficiais, o mesmo não ocorrendo em benefício do fornecedor, quando das despesas com frete, postagem e outros encargos, em virtude da teoria do risco do negócio. Neste sentido a jurisprudência tem se posicionado da seguinte forma:


“Direito do consumidor e processual civil – ação monitória – embargos – contrato de venda de produto por telefone e fax – pagamento parcial – arrependimento – cobrança do valor total – devolução – alegação de produto especial – recurso improviso – sentença mantida – Na compra e venda por telefone e fax, tem o consumidor o direito de arrependimento assegurado pelo art. 49 do CDC, bem como de ver devolvidas as importâncias antecipadas, a qualquer título, notadamente se ainda não recebeu o produto negociado. A alegação de produto especial ou feito sob encomenda não serve para desnaturar a relação de consumo e suplantar o direito de arrependimento, até porque tais circunstâncias não descaracterizam a relação de consumo que marcou a transação, não passando de risco próprio e natural da atividade mercantil do ramo de negócio abraçado livremente pela apelante.” (TJMT – AC 24.068 – CLASSE II – 23 – POCONÉ – 3ª C.CÍV. – REL. DES. JOSÉ FERREIRA LEITE – Data do Julgamento: 28.06.2000).


Consoante Garcia, uma vez exercido o direito de arrependimento, deverá o consumidor, portanto, receber a quantia paga, monetariamente atualizada, voltando ao status quo ante. Para o autor, todo e qualquer custo despendido pelo consumidor deverá ser ressarcido.[21]


Ademais, o art. 49 do CDC[22], em seu parágrafo único, autoriza que a restituição seja feita de forma imediata, ou seja, o fornecedor não poderá impor prazo ao consumidor para que restitua os valores.


Importante mencionar o art. 51, II do CDC:


Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (…)


II – subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;”[23]


Assim, no caso de o contrato prever cláusula em que se afaste a aplicação do direito de arrependimento, esta deve ser considerada como não escrita.


Garcia também entende ser nula a cláusula que impõe multa para a hipótese de não conclusão do negócio. Para o autor, é garantido ao consumidor o direito de se ver livre da avença contratual sem qualquer ônus para si.[24]


Neste diapasão, em se tratando de regular exercício de direito do consumidor, não há como responsabilizar o mesmo por eventuais prejuízos sofridos pelo fornecedor.


Cabe lembrar, todavia, que, decorrido o prazo de reflexão sem o exercício do direito, perderá o consumidor o valor adiantado, sem prejuízo da ação de indenização ou de perdas e danos por vício do produto ou do serviço.


7. O prazo de reflexão


O prazo para o exercício desse direito, denominado de “prazo para reflexão”, consoante CDC, é de sete dias, considerado pelo legislador o suficiente para não se incorrer em eventuais abusos que possam ser praticados pelo próprio consumidor, no exercício do seu direito, em prol da boa-fé, harmonia e eqüidade, como princípios norteadores da própria relação de consumo previstos nos arts. 4º, III, e 7º, ambos do Código de Defesa do Consumidor. 


O artigo 4º, inciso III, assim dispõe:


Art. 4º – A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo atendidos os seguintes princípios:


III – Harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170 da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.”[25]


Por sua vez, o art. 7º do CDC, ainda em relação aos princípios que devem nortear a relação de consumo assim prescreve:


“Art. 7º – Os direitos previstos neste Código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade.”[26]


Importante ressaltar o projeto de lei nº. 371/99 em tramitação no Congresso Nacional, já aprovado pela Comissão de Defesa do Consumidor, o qual altera o artigo 49 do CDC, dilatando o “prazo de reflexão” e dispondo expressamente sobre internet e correspondência como hipóteses legais de contrato celebrado fora do estabelecimento comercial para que o consumidor possa exercer o direito de arrependimento.


O início da contagem do prazo de reflexão para o desfazimento do contrato também merece discussão, uma vez que se questiona se aquele deve ser aplicado no momento em que a aceitação é expedida (teoria da expedição), no momento em que a aceitação chega ao terminal de computador do ofertante (teoria da recepção), ou no momento em que o consumidor recebe o produto ou o serviço.


Numa primeira análise do art. 49 do CDC[27], conclui-se que o prazo de sete dias inicia-se da assinatura do contrato ou do recebimento do produto ou serviço, fazendo transparecer que a norma elegeu um momento (a assinatura do contrato) ou outro (recebimento do produto ou serviço) como início da contagem. Dessa forma, o prazo começaria a contar a partir do que ocorrer primeiro.


Para Leal, a aplicação da teoria da expedição não se adapta aos contratos eletrônicos, pois, como já apontado, as mensagens eletrônicas percorrem vários caminhos até serem descarregadas, no computador, podendo ocorrer atrasos ou extravios.[28]


Já a teoria da recepção só surtiria efeitos se o computador do fornecedor enviasse ao computador do consumidor uma mensagem automática de confirmação de recebimento da aceitação, possibilitando, assim, que o prazo de arrependimento começasse a fluir.


Resta mais favorável ao consumidor, consoante Leal, além de corresponder a previsão legal para contratos que não costumam ser assinados, como é o caso dos contratos eletrônicos, a contagem do prazo do arrependimento a partir da data do recebimento do produto ou serviço.[29]


Garcia coaduna com tal teoria:


“No entanto, a melhor interpretação é no sentido de que a contagem do prazo de sete dias se inicie quando a assinatura do contrato coincidir com o recebimento do produto ou serviço. Com efeito, quando o recebimento do produto ou do serviço for posterior à conclusão do contrato, a contagem do prazo deverá se iniciar na data do efetivo recebimento da mercadoria ou do serviço, pois somente nesse momento é que o consumidor terá condições de verificar se o produto ou serviço atende as suas expectativas.”[30]


Garcia adverte, todavia, que, para alguns serviços específicos, o prazo somente se iniciará quando da assinatura do contrato, como a adesão ao plano de saúde ou ao seguro de automóvel, uma vez que não há como o prazo se iniciar quando do recebimento do serviço, pois o consumidor receberá efetivamente o serviço contratado apenas quando for acometido de doença ou quando ocorrer o sinistro com o veículo.


Assim, em alguns casos pontuais, o prazo será da assinatura do contrato, oportunidade em que o consumidor poderá realmente analisar as condições pactuadas.


Deve-se ressaltar que as partes podem convencionar prazo superior ao oferecido pela lei, mas nunca inferior, sendo nula a cláusula que diminua o prazo estabelecido pela lei, uma vez que se trata de norma de ordem pública, não comportando renúncia ao mesmo.


8. A vulnerabilidade e o direito de informação no direito de arrependimento on-line.


Saliente-se que o fundamento do direito de arrependimento atribuído ao consumidor é atender a sua vulnerabilidade quando sujeito a práticas comerciais mais agressivas capazes de limitar o seu discernimento para contratar ou deixar de contratar, pois fora do estabelecimento comercial a noção de qualidade e defeito do produto é menor, proporcionando um maior desconhecimento em relação ao objeto contratado (produtos ou serviços).


A impulsividade do consumidor internauta torna-se elemento relevante no estudo do direito do arrependimento, uma vez que dela pode decorrer a manifestação de vontade sem reflexão do consumidor. Como já aludido, a massificação da sociedade trouxe o uso excessivo de técnicas agressivas para convencimento do consumidor a adquirir produto e/ou serviço.


O fato é que o ambiente virtual de consumo, apesar de disseminado, não apresenta condições idênticas às lojas físicas no tocante ao aspecto do tangível da compra.


Neste contexto, o intuito do artigo 49 jaz em defender o direito básico de proteção contra métodos comerciais coercitivos, os quais tendem a dificultar o percepção do consumidor, ou contra métodos desleais no fornecimento de produtos ou serviços.


A mencionada norma também visa reforçar ao consumidor o direito à informação como um bem jurídico tutelado pelo CDC. Logo, a informação acerca do produto ou serviço disponibilizado ao consumidor deve ser adequada e clara, para que este não quede descontente acerca da aquisição.  


Eis o ensinamento de Nery Júnior:


“[…] quando o espírito do consumidor não está preparado para uma abordagem mais agressiva, derivada de práticas e técnicas de vendas mais incisivas, não terá discernimento suficiente para contratar ou deixar de contratar, dependendo do poder de convencimento empregado nessas práticas mais agressivas. Para essa situação é que o Código prevê o direito de arrependimento.”[31]


Leonardo de Medeiros Garcia corrobora tal entendimento:


“A ratio da norma é que quando o consumidor adquire o produto ou o serviço fora do estabelecimento comercial, fica mais vulnerável na relação instituída com o fornecedor. Com efeito, quando o consumidor está dentro do estabelecimento, ele pode verificar o produto ou o serviço (tamanho, largura, cores, condições de prestação de serviço etc.); comparar com outros de marcas ou modelos diferentes; tirar as dúvidas pessoalmente com o vendedor; conversar com outros consumidores que porventura estejam no estabelecimento e que já adquiriram o produto e/ou serviço anteriormente. Cumpre destacar, ainda, os produtos em que o consumidor pode testar pessoalmente a qualidade e a eficiência, verificando se atende as suas expectativas, como o test drive em veículo. Concluindo, o consumidor atua de maneira mais consciente e protegida quando está dentro do estabelecimento. Assim, as vendas por telefone, reembolso postal, fax, os executados porta a porta, telemarketing ou até mesmo a internet se enquadram nesse contexto”.[32]


Destaque-se, ainda, que o direito de arrependimento é uma presunção juris et de jure, ou seja, se presume que o consumidor possa não ter ficado satisfeito e ter sido pego de surpresa quanto às peculiaridades necessárias do produto ou serviço, não admitindo prova em contrário.


Todavia, se for da essência do negócio a sua realização fora do estabelecimento comercial, não há do que se falar em aplicação da referida norma. Neste diapasão, Nelson Nery Júnior leciona:


“a compra e venda de imóvel é celebrada, de regra, no recinto do cartório de notas, na presença do oficial. Não se pode considerar essa venda como tendo sido efetivada fora do estabelecimento comercial. O que importa é que as tratativas preliminares (sinal, compromisso de compra e venda etc.) tenham sido concluídas no estabelecimento comercial (nos escritórios da construtora, da imobiliária etc.”[33]


Portanto, o direito de arrependimento tem como desígnio principal proteger os consumidores que celebram contratos de compra e venda de produtos e serviços fora do estabelecimento comercial.


A abrangência deste direito está conexa à presunção de que o consumidor sofre de alguma forma de pressão por parte do fornecedor para adquirir seus produtos ou serviços. Logo, a norma em comento aspira proteger aquele consumidor que se encontra desprevenido e despreparado para comprar.


Trata-se, destarte, de uma garantia para o consumidor de que as relações sejam bem-sucedidas, protegendo-o de compras por impulso, ou efetuadas sob forte apelo publicitário.


Acrescente-se que o fornecedor não deve se negar a prestar as informações necessárias aos consumidores, até porque no sistema do Código de Defesa do Consumidor há o dever geral de informação, inclusive a embalagem do produto deve informar a sua origem, consoante art. 33 do CDC, in verbis:


“Art. 33 – Em caso de oferta ou venda por telefone ou reembolso postal deve constar o nome do fabricante e endereço na embalagem, publicidade e em todos os impressos utilizados na transação comercial”.[34]


Em caso de desobediência ao disposto neste artigo haverá uma falha de informação do produto ou serviço, surgindo aí, para o consumidor, o direito de se valer além do direito de arrependimento, do direito de responsabilizar o fornecedor pelo vício do produto ou serviço, conforme os artigos 18, 19 e 20 do CDC.


Com efeito, são considerados vícios as características de qualidade ou quantidade que tornem os produtos ou serviços impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam e também que lhes diminuam o valor. Também se têm como vício as disparidades havidas em relação às indicações constantes no rótulo, embalagem, recipiente, oferta ou mensagem publicitária.


9. Aplicabilidade do Direito de Arrependimento On-line


Marques aduz que, na contratação à distância em geral e no comércio eletrônico, a atividade negocial de oferta de produtos e serviços é exponencial, globalizada e virtual, e que tal fenômeno é de uma importância que não pode passar despercebida[35].


É sabido que o consumidor que se conecta à Internet tem à sua disposição uma variedade de produtos e, via de regra, não tem a possibilidade recebê-los antes de efetuar a compra, nem sequer discutir os termos do contrato.


No tocante à aplicabilidade do direito de arrependimento nas relações de consumo celebradas via Internet, não resta dúvida sobre sua possibilidade, pois, faz-se necessário relembrar que a abertura comercial da rede mundial se deu apenas a partir de 1995 e o Código de Defesa do Consumidor foi promulgado em 1990, cinco anos antes.


Destarte, não havia como os legisladores daquele Código se adiantarem em sua previsão legal. Entretanto, este fato não justifica o afastamento da aplicabilidade do mesmo, tendo em vista que é perfeitamente possível o uso da analogia, consoante Lei de Introdução do Código Civil, para solucionar estes casos advindos do avanço tecnológico.


Inicialmente, é necessário destacar o caráter exemplificativo do artigo 49 do CDC quando, ao dispor sobre as hipóteses de negócios realizados fora do estabelecimento comercial, utiliza a expressão “especialmente”, permitindo assim uma interpretação extensiva dos aplicadores do direito ao caso concreto, como por exemplo as vendas pelo sistema de marketing direto dos contratos de seguro e cartão de crédito e outras possibilidades, não previstas expressamente.


Neste sentido Winston Neil Bezerra de Alencar:


“[…] Necessário esclarecer, que os tipos de venda citados no art.49, quais sejam, por telefone e em domicílio, não são numerus clausus, apenas exemplificativos, conforme amplamente entende a doutrina e a jurisprudência.”[36]


Corrobora tal entendimento Leal:


“Os contratos eletrônicos realizados via Internet equiparam-se aos contratos a distância, sendo que a aplicação do prazo de reflexão e a possibilidade do exercício do direito de arrependimento servem para minimizar os efeitos da impessoalidade e satisfação incerta da contratação eletrônica.”[37]


Cláudia Lima Marques também afirma:


“A doutrina é unânime que aos contratos à distância do comércio eletrônico se aplica o art. 49 do CDC e o prazo de reflexão de sete dias.”[38]


Prega-se, portanto, que sendo o contrato celebrado à distância, como no caso do contrato de consumo via Internet, ao não se permitir que o consumidor tenha acesso físico ao serviço ou produto, aquele deve ser classificado como contrato realizado fora do estabelecimento comercial, aplicando-se o direito de arrependimento previsto no Código de Defesa do Consumidor.


Ademais, na prática jurídica, observa-se que o exercício do direito de arrependimento on-line tem sido aceito pacificamente todas as vezes que o Poder Judiciário é chamado a apreciar alguma alegação de violação de direito nessa seara. Eis alguns exemplos nesse sentido:


“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE CONSUMO. AGÊNCIA DE VIAGENS. PACOTE DE TURISMO. NEGOCIAÇÃO PELA INTERNET. CONTRATO À DISTÂNCIA. DIREITO DE ARREPENDIMENTO. APLICABILIDADE. FORMAÇÃO DO CONTRATO. APERFEIÇOAMENTO COM A ACEITAÇÃO. Aplica-se à contratação feita por via de telefone e por meios eletrônicos o art. 49 do CODECON, concedendo-se ao consumidor um período de reflexão e a possibilidade de se arrepender, sem ônus, obtendo a devolução integral de eventuais quantias pagas. O prazo de arrependimento tem início com a formação do contrato ou com a entrega do produto ou serviço. Quando a formação se desdobra em diversas fases, tendo início com tratativas preliminares que resultam em proposta do prestador de serviços, somente com a manifestação de vontade do consumidor, no sentido de aderir à oferta, pode-se iniciar a contagem do prazo. Ausente declaração de aceitação dos termos propostos, considera-se que a aquiescência do consumidor e, conseqüentemente, o aperfeiçoamento do vínculo, ocorreram com o depósito do sinal.” (TJMG – Apelação Cível n° 1.0024.05.704783-9/002 – Comarca de Belo Horizonte – Rela. Exmª. Srª. Desª. Heloísa Combat. Data de Julgamento: 06/09/2006).


“Ementa: CIVIL E CONSUMIDOR. COMPRA E VENDA DE AR CONDICIONADO ATRAVÉS DA INTERNET. ENTREGA DE PRODUTO DIVERSO. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DO SITE E DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO REJEITADAS. RESOLUÇÃO DO CONTRATO COM A RESTITUIÇÃO DA QUANTIA DESEMBOLSADA E DEVOLUÇÃO DO PRODUTO. DANO MORAL. INOCORRÊNCIA. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1 – Conforme já decidiu o TJ/DF(ACJ 2003.03.1.014088-5) e o TJ/RS(Apelação Cível nº. 70016093080), o serviço prestado pela Recorrente de apresentar o produto ao consumidor, intermediando a realização de negócio jurídico, por meio de seu site, e recebendo comissão quando o negócio se aperfeiçoa, enquadra-se nas normas do Código de Defesa do Consumidor(art. 3º, §2º., da Lei nº. 8.078/90), aplicando-se, na espécie, o art. 7º., parágrafo único, do CDC, vez que não figura como mera fonte de classificados, e sim participa da compra e venda como intermediadora, havendo, assim, solidariedade com o anunciante. 1.1 – Portanto, na qualidade de mantenedor do meio eletrônico em que se consumou o contrato de compra e venda, é parte legítima para responder pelos termos da avença, razão pela qual se rejeita a preliminar de ilegitimidade passiva. 2 – A prefacial de impossibilidade jurídica do pedido também não merece acolhida, porquanto não há nenhuma vedação no ordenamento jurídico brasileiro às pretensões ostentadas pela Recorrida. 3 – Considerando que a Recorrida recebeu produto diverso do adquirido no site, merece acolhida o pedido de resolução da avença e de restituição da quantia paga, formulados em face do vendedor e da Recorrente, responsáveis solidários. 3.1 – A Recorrida, por seu turno, em face da rescisão contratual, deverá devolver o produto recebido. 4 – Quanto ao dano moral, inocorre na espécie, vez que existiu apenas inadimplemento contratual, o que, por si só, não gera dano moral, sendo a sentença reformada nesta parte. 5 – Recurso conhecido e parcialmente provido”. (Processo nº. 2006800908. Julgamento em: 12/12/2006. Órgão Julgador: Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis da Comarca de Aracaju/SE. Rel. (a): Enilde Amaral Santos.)


“Ementa: Aquisição de equipamentos para instalação de estabelecimento comercial especializado em venda de refrigerantes e outros produtos similares. Franquia não concretizada. Risco assumido pelo promovente que não pode ser debitado a terceiros. Venda fora de Estabelecimento comercial – Cláusula de Recesso faculta ao consumidor o direito de se arrepender da compra a distância, por telefone, por fax, proposta, via internet e outros. Entretanto, o direito de arrependimento, estabelecido como período de reflexão, ou em se tratando de venda a domicílio, deve ser exercitado em prazo exíguo como determina o artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor a evitar abusos que possam ser cometidos pelo próprio consumidor Proposta aceita pelo recorrente contendo cláusula de perda da quantia dada à fornecedora dos equipamentos que não se apresenta excessiva. Perda da quantia dada como sinal e princípio de pagamento. Admissibilidade. Recurso desprovido.” (TJSP, Comarca de São Paulo – Apelação Com Revisão nº. 971850008, Órgão julgador: 28ª Câmara de Direito Privado – Rel. Júlio Vidal. Data de Julgamento: 29/07/2008).


Se antes as vendas de contratação à distância eram realizadas por catálogos ou correspondências, hodiernamente, com o avanço tecnológico, aquelas ganharam apenas novos meios, como, por exemplo, a televisão, o telefone, a internet, o e-mail, etc.


Ressalte-se que a única diferença de celebrar contratos com uso da tecnologia é basicamente a forma de se contratar, notadamente em relação à proposta do contratado e à aceitação do sujeito contratante.


Assim, as normas e os princípios aplicáveis à contratação tradicional devem ser os mesmos empregados aos contratos do comércio tradicional, pois basta que reste configurada relação de consumo para que se aplique plenamente o artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor.


De fato, como aduz Ronaldo Alves de Andrade, a norma prevista no mencionado art. 49 é extremamente abrangente. Segundo o autor:


“[…] por certo constitui mais uma norma de tipo aberto ou conceito jurídico indeterminado, quando caberá ao juiz o preenchimento para estabelecer em que casos e quais modalidade de contratação a venda deve ser considerada fora do estabelecimento.


[…] Em nosso sentir, o art. 49 do Código de Defesa do Consumidor regula de forma amplamente genérica o contrato à distância, devendo ser inseridos nesta categoria: o contrato realizado por catálogo; o contrato realizado em atendimento a oferta feita pela televisão; o celebrado eletronicamente (contratos eletrônicos), como ocorre nos contratos de consumo firmados pela internet; a compra realizada em máquinas automáticas. A inserção de um tipo aberto no aludido dispositivo foi extremamente feliz, pois as técnicas de negociação mudam freqüente e rapidamente e, da mesma forma, surgem novas técnicas de negociação à distância que, por certo, não poderiam estar previstas em uma lei que especificasse de forma taxativa todas as formas possíveis de contratação à distância.”[39]


O direito de arrependimento previsto no CDC consiste, portanto, numa cláusula geral, de tipo aberto, tornando possível o preenchimento da lacuna deixada pelo legislador, sendo que, no momento da contratação, é que se averiguará a adequação da norma ao caso concreto.


Evidencia-se, diante deste raciocínio, que a norma do art. 49 foi, em verdade, instituída como um princípio a ser adaptado em conformidade com a evolução tecnológica da sociedade.


Diante do exposto, percebe-se que as relações de consumos realizadas pela Internet não se afastam do direito de arrependimento estabelecido pelo Código do Consumidor, uma vez que o contrato, por ter a característica da livre forma de contratar, é perfeitamente adaptável à aplicação analógica das normas ora existentes às peculiaridades apresentadas pelos contratos eletrônicos.


10. Considerações Finais


O comércio eletrônico cresceu de forma constante e exponencial nos últimos anos, mesmo com desconfiança de boa parte dos consumidores com relação à segurança do processo de compra via Internet, dos meios de pagamento online e com as dificuldades operacionais e de atendimento das lojas.


Não se pode negar que a Internet trouxe benefícios ao consumidor ao aumentar sua liberdade de escolha, ampliando seu acesso a um grande número de fornecedores em um curto espaço de tempo.


O cerne da discussão é que, por outro lado, o consumidor quedou-se ainda mais vulnerável, pois é evidente que a maior parte dos contratos de consumo via Internet são essencialmente contratos de adesão, não havendo como a parte hipossuficiente discutir suas cláusulas ou mudar seu conteúdo no comércio eletrônico.


O trabalho procurou demonstrar que a diferença entre os contratos realizados com uso da tecnologia e os contratos tradicionais jaz na forma de se contratar, sendo que, desta maneira, as normas e princípios aplicáveis àqueles são os mesmos utilizados nos contratos do comércio tradicional.


Não se afasta a hipótese, todavia, de que a interpretação dos contratos do comércio eletrônico deve ser diferenciada, sensível à proteção do contratante mais fraco e leigo – o consumidor, uma vez que a sua vulnerabilidade é mais agravada pela falta de conhecimento tecnológico deste em contraposição ao do fornecedor.


Entretanto, de fato, os contratos eletrônicos são instrumentos obrigacionais que se diferenciam dos contratos tradicionais apenas em razão de sua veiculação digital.


Uma vez estabelecido, como defendido neste trabalho, que a compra e venda via Internet é uma modalidade de contratação à distancia, aos contratos eletrônicos aproveitam-se as regras já existentes em nosso ordenamento jurídico como as que tradicionalmente são utilizadas para os contratos em geral (Código Civil) e no Direito do consumidor em particular (Lei nº. 8.078/90).


Destarte, restando configurada a relação de consumo, é plenamente aplicável o Código de Defesa do Consumidor, especialmente o direito de arrependimento, exceto nos casos em que não se evidenciar a presença do consumidor, de um lado, e fornecedor do outro.


Neste contexto, o Código de Defesa do Consumidor demonstra-se apto a solucionar inúmeras questões, como o caso do prazo de reflexão, advindas de relações de consumo celebradas via Internet, sendo que a aplicação e interpretação de seus artigos ao comércio eletrônico devem estar amparadas nos princípios da proteção contratual do consumidor, em especial o da informação e da confiança.


Ademais, quanto ao exercício do direito de arrependimento pelos consumidores, percebe-se que não se trata de um empecilho ao fornecedor que disponibiliza seus serviços ou produtos na Internet. Trata-se, em verdade, de mero risco da atividade.


É cediço que há entre os consumidores muitas dúvidas quanto à possibilidade de consumir um determinado produto e/ou serviço e arrepender-se posteriormente. Os consumidores internautas presumem erroneamente que o direito de arrependimento possa ser aplicado em toda e qualquer relação de consumo, mas, conforme explicado, o art. 49 do Código de Defesa do Consumidor estabeleceu dois requisitos para que aqueles possam exercer este direito.


O primeiro requisito corresponde ao prazo de reflexão, ou seja, o prazo de 7 (sete) dias.


O segundo requisito estabelece que o contrato de consumo deve ser efetuado fora do estabelecimento comercial.


Uma vez preenchidas estas duas condições, o consumidor poderá arrepender-se do produto ou serviço que adquiriu e realizar a devolução deste, sendo reembolsado da quantia que eventualmente pagou. Enfim, quando se tratar de um contrato de consumo virtual, que consiste, como comprovado, numa relação de consumo ocorrida fora do estabelecimento comercial, aplica-se o direito de arrependimento, pois quando se compra pela Internet, não há meios de o adquirente avaliar o produto a fim de ter certeza daquilo que quer consumir, visto que o comprador internauta não se encontra na mesma situação daquele que se dirige ao estabelecimento físico.


 


Referências

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CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2008.

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DENSA, Roberta. Direito do Consumidor. 2. ed.. São Paulo: Atlas, 2006. (Série leituras jurídicas: provas e concursos; v.21).

GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor. 4. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2008.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume III: contratos e atos unilaterais. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.

LEAL, Sheila do Rocio Cercal Santos. Contratos Eletrônicos:
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MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4º ed. rev.., atual. e ampl, incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

NERY JÚNIOR. O direito de arrependimento nas ofertas divulgadas pelo fornecedor de produtos e serviços fora do estabelecimento comercial. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 647, 16 abr. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol-.com.br/doutrina/texto.asp?id=6478>. Acesso em: 07 nov. 2008.

_______________. O direito de arrependimento nos contratos eletrônicos. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 5, nº 208. Disponível em: <http://www.boletim-juridico.com.br/ doutrina/texto.asp?id=1663> Acesso em: 7  nov. 2008.

 

Notas:

[1] MARQUES, 2002, p. 703.

[2] Art. 509. A venda feita a contento do comprador entende-se realizada sob condição suspensiva, ainda que a coisa lhe tenha sido entregue; e não se reputará perfeita, enquanto o adquirente não manifestar seu agrado. Brasil. Novo Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS-2002/L10406.htm> Acesso em: 9 nov. 2006

Art. 510. Também a venda sujeita a prova presume-se feita sob a condição suspensiva de que a coisa tenha as qualidades asseguradas pelo vendedor e seja idônea para o fim a que se destina. Brasil. Novo Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS-2002/L10406.htm> Acesso em: 9 nov. 2008.

Art. 511. Em ambos os casos, as obrigações do comprador, que recebeu, sob condição suspensiva, a coisa comprada, são as de mero comodatário, enquanto não manifeste aceitá-la. Brasil. Novo Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS-2002/L10406.htm> Acesso em: 9 nov. 2006

Art. 512. Não havendo prazo estipulado para a declaração do comprador, o vendedor terá direito de intimá-lo, judicial ou extrajudicialmente, para que o faça em prazo improrrogável. Brasil. Novo Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS-2002/L10406.htm> Acesso em: 9 nov. 2008.

[3] CAVALIERI FILHO, p. 135.

[4] Art. 511. Em ambos os casos, as obrigações do comprador, que recebeu, sob condição suspensiva, a coisa comprada, são as de mero comodatário, enquanto não manifeste aceitá-la. Brasil. Novo Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS-2002/L10406.htm> Acesso em: 9 nov. 2008.

[5] CAVALIERI FILHO, p. 135.

[6] Ibidem, p. 135.

[7] Conforme estipulado no art. 49 do CDC.

[8] Ibidem, p. 135.

[9] César, Denise. A proteção ao consumidor no direito francês e alemão. Disponível em: <www.artnet.com.br/~lgm/down2.doc>. Acesso em: 30 out. 2008, p. 5.

[10] Ibidem, p. 5.

[11] Ibidem, p. 6.

[12] MARQUES, 2002, p. 707.

[13]Brasil. Novo Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS-2002/L10406.htm> Acesso em: 9 nov. 2008.

[14] GONÇALVES, 2006, p. 160.

[15]Ibidem, p. 160.

[16] BRASIL. Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispões sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8078.htm>.  Acesso em: 03 jun. 2008.

[17] LEAL, 2007, p. 107.

[18] DENSA, 2006, p. 123.

[19] ANDRADE, 2006, p. 336-337.

[20] GARCIA, 2008, p. 260.

[21] GARCIA, 2008, p. 260.

[22] Art.49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de sete dias, a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicilio. Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer titulo, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados. BRASIL. Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8078.htm>.  Acesso em: 03 jun. 2008.

[23] BRASIL. Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispões sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8078.htm>.  Acesso em: 03 jun. 2008.

[24] GARCIA, 2008, p. 260.

[25] BRASIL. Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispões sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8078.htm>.  Acesso em: 03 jun. 2008.

[26] BRASIL. Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8078.htm>.  Acesso em: 03 jun. 2008.

[27] Art.49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de sete dias, a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicilio. Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer titulo, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados. BRASIL. Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispões sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8078.htm>.  Acesso em: 03 jun. 2008.

[28] LEAL, 2007, p. 109.

[29] LEAL, 2007, p. 109.

[30] GARCIA, 2008, p. 258.

[31] NERY JÚNIOR apud ALENCAR, Winston Neil Bezerra de. O direito de arrependimento nas ofertas divulgadas pelo fornecedor de produtos e serviços fora do estabelecimento comercial. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 647, 16 abr. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol-.com.br/doutrina/texto.asp?id=6478>. Acesso em: 07 nov. 2008.

[32] GARCIA, 2008, p. 258.

[33] NERY JÚNIOR apud BRANDÃO, Caio Rogério da Costa. O direito de arrependimento nos contratos eletrônicos. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 5, nº 208. Disponível em: <http://www.boletim-juridico.com.br/ doutrina/texto.asp?id=1663> Acesso em: 7  nov. 2008.

[34] BRASIL. Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispões sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8078.htm>.  Acesso em: 03 jun. 2008.

[35] MARQUES, 2002, p. 724, (c).

[36] ALENCAR, Winston Neil Bezerra de. O direito de arrependimento nas ofertas divulgadas pelo fornecedor de produtos e serviços fora do estabelecimento comercial . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 647, 16 abr. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/text-o.asp?id=6478>. Acesso em: 02 nov. 2008.

[37] LEAL, 2007, p. 107.

[38] MARQUES, 2002, p. 118.

[39] ANDRADE, 2006, p. 338-341.


Informações Sobre o Autor

Déborah Barreto De Souza

Advogada, formada em direito pela Universidade Federal de Sergipe (2008) e pós-graduanda em Direito do Consumidor pela Universidade Anhanguera – UNIDERP /REDE LFG. Atua na área de Direito, com ênfase em Direito Empresarial e do Consumidor.


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