O direito de liberdade e a possibilidade de reconhecimento da união poliafetiva

Resumo: A liberdade de escolha é primado da Constituição Federal de 1988, objetiva-se assim, viabilizá-la criando-se meios que deixem à discricionariedade de cada um a forma como queira criar seu meio familiar. O presente artigo cientifico tem como objetivo principal analisar a união poliafetiva, com bases nos princípios garantidores da dignidade do homem e tornar incólume a sua liberdade, tendo como referencia o surgimento dessa união no meio social, não como um algo novo, mas algo que só veio a tona agora. Além disso, cumpre analisar tal união dissociando-a de alguns institutos correlatos, como a bigamia e o concubinato. Expor, sucintamente a evolução que vem sofrendo o conceito de família, até chegar nos arranjos de uniões que encontramos hoje em dia na nossa sociedade. E conseqüentemente, perquirir sobre os possíveis efeitos e direitos advindos de tal união. E por fim, relacionar os direitos conseqüentes do reconhecimento da união poliafetiva. Por se tratar de uma questão de cunho subjetivo, é inconcebível o Estado decidir com quantas pessoas devemos criar laços familiares.

Palavras-chave: União poliafetiva. Liberdade. Dignidade. Reconhecimento.

Abstract: Freedom of choice is the primacy of the Constitution of 1988, the objective is thus enables creating it means they leave to the discretion of each one the way you want to create a family environment. This scientific paper has as main objective to analyze the union poliafetive with bases guaranteeing the principles of human dignity and become impervious to their freedom, with reference to the emergence of this union in the social environment, not as something new, but something that only came to the fore now. Furthermore, it should consider such a union dissociating it from some related institutes such as bigamy and concubinage. Exposing briefly the evolution that has suffered the concept of family, until the arrangements that unions find today in our society. And consequently, talk about the possible effects and rights arising from such a union. And finally, relate the consequential rights of union recognition poliafetive. Because it is a matter of subjective nature, it is inconceivable the state decide how many people should create family ties.

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Keywords: Union poliafetiva. Freedom. Dignity. Recognition.

Sumário: 1. Introdução. 2. Evolução do conceito de família. 3. Os princípios enquanto base. 4. Família poliafetiva e institutos correlatos. 5.  Os direitos advindos do contrato de união poliafetiva. 6. Conclusão.

1 INTRODUÇÃO

A sociedade é mutante em sua essência. O direito, dessa forma, deve acompanhar essas mudanças e agregar institutos novos conforme o caminhar da sociedade.

As relações familiares não são relações estanques, isso torna o direito de família notadamente um dos institutos que mais experimenta mutações. É compreensível que se analise as relações familiares a partir de um olhar mais aberto. Dessa forma, tendo como uma constante o ritmo crescente das mudanças  nas relações sociais, o que antes era inaceitável se tornou hoje corriqueiro e praticado como um ato normal nas praças e nos meios sociais. Não se deve, assim, manter os conceitos fundamentado num anacronismo jurídico, pois a sociedade passa por ciclos.

 O ser humano é dotado de várias peculiaridades, não estabelece seus comportamentos unicamente observando as regras que lhes são impostas. Pelo contrario, o Direito deve seguir os comportamentos observados no meio social e torná-los efetivos no seu ordenamento. O movimento correto seria esse, o direito acompanhando a sociedade, e aperfeiçoando-se a partir de sua evolução e mudanças. Sendo assim, é inconcebível criar uma visão imparcial e critica sem antes um profundo estudo.

A família, como se conhece hoje em dia, não conservou a mesma formação de períodos mais remotos. Até chegar à dita monogamia que conhecemos e que nos é imposta nos tempos atuais, as relações humanas passaram por diferentes estágios e formas inaceitáveis hoje em dia, isso acontece porque nem sempre a relação monogâmica foi característica das relações afetivas humanas, pelo contrario, no inicio prescindia-se sobretudo nesse meio, a liberdade de relacionamentos, as varias relações que uma mesma pessoa poderia ter ao mesmo tempo.

Existem, comprovadamente, vários vestígios de que se configurou como existente, preponderantemente entre os gregos e os povos asiáticos um estado social em que o homem se relacionava com várias mulheres, assim como as mulheres se relacionavam com vários homens, e esse comportamento, que até hoje seria visto sob uma ótica moralista como algo inconcebível, era tido como algo normal e de acordo à moral vigente.

O parentesco como conhecemos hoje detinha outra configuração, pois cada filho ao invés de um pai ou mãe, possuía ao mesmo tempo vários. Encontramo-nos frente a uma serie de formas de família que estão em contradição direta com as até agora admitidas como únicas validas. Como assevera Friedrich Engels em seu A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado.

“Reconstituindo retrospectivamente a historia da família. Morgan chega, de acordo com a maioria de seus colegas, à conclusão de que existiu uma época primitiva em que imperava, no seio da tribo, o comércio sexual promiscuo, de modo que cada mulher pertencia igualmente a todos os homens e cada homem a todas as mulheres. No século passado, já se havia feito menção a esse estado primitivo, mas apenas de modo geral; Bachofen foi o primeiro – e este é um de seus maiores méritos – que levou a sério e procurou seus vestígios nas tradições históricas e religiosas. Sabemos hoje que os vestígios descobertos por ele não conduzem a nenhum estado social de promiscuidade dos sexos e sim uma forma muito posterior: o matrimonio por grupos. Aquele estado social primitivo, admitindo-se que tenha realmente existido, pertence a uma época tão remota que não podemos esperar encontrar provas diretas de sua existência, nem mesmo entre os fósseis sociais, nos selvagens mais atrasados. É precisamente de Bachofen o mérito de ter posto no primeiro plano o estudo dessa questão”.[1]

Havia uma tolerância que permitia o enlace afetivo plurimo, essa tolerância era mutua, disso se extrai uma total ausência de ciúmes, o que tornou possível a criação de vários grupos que conquistaram uma estabilidade, onde se praticava o matrimonio em grupos, que se caracterizava pela união de grupos uniformes de homens e mulheres pertencendo-se reciprocamente, e esse sim era a forma mais antiga e primitiva de família, e que indubitavelmente ainda pode ser encontrado em muitos outros lugares. Daí presume-se que, não havendo posse de um homem sobre uma mulher, e onde todos podem se relacionar livremente com todos, não vai haver espaço para que haja ciúmes. Toda essa liberdade pode ser considerada uma afronta para quem está habituado com as formas familiares impostas hoje, e podem até se perguntar como se poderia distinguir a paternidade ou maternidade nesse meio. Nas sociedades onde houve o matrimônio por grupos apenas e tão somente poderia se presumir a descendência por maternidade, por motivos óbvios. Não se tem absoluta certeza sobre a paternidade, todos os filhos havidos nesse grupo são da família comum, entretanto isso não exclui a possibilidade de se distinguir entre todos esse filhos os seus de verdade. Assim, apenas se reconhecia, por motivos evidentes, a linhagem feminina.

A partir desses estudos, observa-se a normalidade com que a poligamia(praticada por homens) e a poliandria(praticada por mulheres) aconteciam nas sociedades mais remotas, tal comportamento era difundido de tal forma, que os possíveis filhos de um ou de outro, chegavam a ser considerados comuns de ambos. A partir daí, com o surgimento de diversas transformações, o frouxo circulo da união conjugal foi se estreitando bruscamente até chegar à fadada monogamia.  A qual é imposta social e juridicamente a todos os membros da sociedade indistintamente, passando assim, de forma truculenta sobre os direitos individuais, massacrando a discricionariedade do ser humano, desrespeitando o direito de escolha que todos tem indistintamente.

Segundo o que se abstrai do A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado de Friedrich Engels (1820-1895), se houver considerável enriquecimento nas noções que temos de matrimonio por grupos, devemo-los, sobretudo, ao missionário inglês Lorimes Fison, que, durante anos, estudou essa forma de família em sua terra clássica, a Austrália.

“Entre os negros australianos do monte Gambier, no sul da Austrália, foi onde encontrou o mais baixo grau de desenvolvimento. A tribo inteira divide-se, ali, em duas grandes classes: os rokis e os kumites. São terminantemente proibidas as relações sexuais nos seios de cada uma dessas classes; em compensação, todo homem de uma dessas classes é marido nato de toda mulher da outra, e reciprocamente. Não são os indivíduos, mas os grupos inteiros, que são casados uns casados com os outros, classe com classe. E note-se que ali não há, em parte alguma, restrições por diferenças de idade ou de consangüinidade especial, salvo a determinada pela divisão em duas classes exógamas. Um kroki tem, de direito, por esposa, toda mulher komite; e, como sua própria filha, como filha de uma komite, é também komite, em virtude do direito materno, é, por causa disso, esposa nata de todo kroki, inclusive de seu pai. Em qualquer caso, a organização por classes, tal como se nos apresenta, não opõe a isto nenhum obstáculo. Assim, pois, ou essa organização apareceu em uma época em que, apesar da tendência institiva de se limitar o incesto, não se via ainda qualquer mal nas relações sexuais entre filhos e pais – e, então, do sistema de classes deve ter nascido diretamente das condições do intercurso sexual sem restrições – ou, ao contrario, quando se criaram as classes, estavam já proibidas, pel costume, as relações sexuais entre pais e filhos, e, então, a situação atual assinala a existência anterior da família consangüínea e constitui o primeiro passo dado para dela sair”.[2]

Um exemplo clássico do matrimonio por grupos é o relatado por Lorimes Fison, sendo imprescindível que tal forma de união era uma normalidade no seio social daquela época, que entretanto, com o tempo, foi sendo substituída progressivamente pela monogamia.

Observa-se, assim, na evolução da família uma redução constante e progressiva no circulo em que ela se constitui, havendo uma descaracterização dos círculos, onde havia vínculos formados por grupos, agora há comunidades formadas por duas pessoas, vínculos individuais. Acontece, de forma crescente uma exclusão dos vínculos, onde gradualmente vai-se extinguindo os vínculos mais distantes e os que são formados apenas por alianças ou questões de terra. Entretanto, de inicio, tais vínculos por pares ainda são frágeis, pois advém de uma mudança longa e continua. Isso prova quão pouco tem a ver a origem da monogamia com o amor sexual individual, na atual acepção da palavra.

A origem da dita monogamia, não se deu unicamente do fruto do amor de um homem por uma mulher, nem tampouco deteve um caráter sentimental como nos faz acreditar os romances. Até porque essas uniões concebidas como monogâmicas se fundavam em interesses diversos que não o coração, tais como econômicos, conveniência etc. Os gregos chegaram a reverberar que o único intuito da monogamia era a submissão da mulher, e a glorificar a figura do homem como o elemento mais importante na instituição familiar e a procriação. Extrai-se, que o que vinha afirmando Friedrich Engels em seus estudos sobre a origem da família ainda hoje encontram-se enraizados no meio social em que vivemos, em pleno século 21. Como os gregos eram um povo muito ligado à sua mitologia, o culto aos seus deuses, eles chegaram a conceber o casamento como uma carga, um dever que eles carregavam e que deveriam cumprir em respeito ao Estado e seus antepassados, surgindo apenas como uma obrigação. Em Atenas a lei não apenas impunha matrimonio como, ainda, obrigava o marido a um mínimo determinado do que se chama de obrigações conjugais.

Como preleciona Friedrich Engels.

“A monogamia não aparece na historia, portanto, absolutamente, como uma reconciliação entre o homem e a mulher e, menos ainda, como a forma mais elevada de matrimônio. Pelo contrario, ela surge sob a forma mais elevada de matrimonio. Pelo contrario, ela surge sob a forma de escravidão de um sexo pelo outro, como proclamação de um conflito de sexo, ignorado, até então, na pré-historia. Num velho manuscrito inédito, redigido em 1864 por Marx e por mim, encontro a seguinte frase: “A primeira divisão do trabalho é a que se fez entre o homem e a mulher para a procriação dos filhos”. Hoje posso acrescentar: o primeiro antagonismo de classes que apareceu na historia coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre o homem e a mulher na monogamia; e a primeira opressão de classes, com a opressão do sexo feminio pelo masculino. A monogamia foi um grande progresso histórico, mas, ao mesmo tempo, iniciou, juntamente com a escravidão e as riquezas privadas, aquele período, que dura até nossos dias, no qual cada progresso é simultaneamente um retrocesso relativo, e o bem-estar e o desenvolvimento de uns se verificam às custas da dor e da repressão de outros. É a forma celular da sociedade civilizada, na qual já podemos estudar a natureza das contradições e dos antagonismos que atingem seu pleno desenvolvimento nessa sociedade”.[3]

É crucial que se entenda que tais relacionamentos plurimos, como os vistos nas sociedades mais primitivas, não seja considerado uma promiscuidade sexual como salienta Engels ou até mesmo visto sob uma ótica de falso moralismo. Tais relacionamentos não feriam a moral da época, tampouco eram vistos como um relacionamento além-lei ou marginal, eram, antes de tudo, a cultura que eles viviam, que entretanto, sofreu mutações com o tempo.

2 EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE FAMILIA

As unidades familiares sofrem influencia de diversos fatores, sendo necessário compreendê-la a partir do contexto dos movimentos sociais pelos quais ela tem passado. Ou seja, é necessário observar a sociedade para instituir um modelo de família adequado ao momento. As primeiras formas de família noticiadas são as patriarcais, as sobretudo hierarquizadas.

“Etimologicamente, a expressão família vem da língua dos oscos, povo do norte da península italiana, famel(da raiz latina famul), com o significado de servo ou conjunto de escravos pertencentes ao mesmo patrão. Em sua origem, pois, a família não tinha significado idealístico, assumindo uma conotação patrimonial, dizendo respeito à propriedade, designando os escravos pertencentes a alguém, a sua casa, a sua propriedade. Não é despiciendo lembrar que a prórpia Bíblia, no Genesis(Capitulo 8, Versículo 19) narra a afirmação do Eterno a Noé “ vem tu com toda tua casa(família) à arca””.[4]

Era naturalmente influencia da Revolução Francesa sobre o Código Civil Brasileiro de 1916, se criava naquela época uma formação familiar totalmente matrimonializada. Ou seja, o único intuito das uniões eram basicamente patrimonial, os laços não se formavam por afeto. Como preleciona Cristiano Chaves Farias.

“O outono daquela compreensão familiar era evidente: a sociedade avançou, passaram a viger novos valores e o desenvolvimento cientifico atingiu limites nunca antes imaginados, admitindo-se, exempli gratia, a concepção artificial do ser humano, sem a presença do elemento sexual. Nessa perspectiva, ganhou evidencia a preocupação necessária com a proteção da pessoa humana. Assim ruiu o império do ter, sobressaindo a tutela do ser.”[5]

A família atual rege-se a partir de um modelo descentralizado, onde deve se criar uma convergência entre a vontade de todos, e não sobrepor a vontade do patriarca em detrimento dos demais. Cria-se assim, uma nova forma de poder que antes era de posse única do pai, para ser compartilhada entre todos os membros do seio familiar, o qual passa a ter o seu fundamento no afeto como principal base da entidade familiar e onde há uma preservação da dignidade dos membros e uma feição solidaria recíproca.

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Sendo a família uma entidade formada por seres humanos, e relevando-se que o ser humano enquanto dotado de escolhas passa por diversas evoluções, é compreensível que haja inúmeras formas de famílias existentes e vindouras, pois o ser humano sempre estará em eterna mudança.

“Nesse passo, desse avanço tecnológico, cientifico e cultural, decorre, inexoravelmente, a eliminação de fronteiras arquitetadas pelo sistema jurídico social clássico, abrindo espaço para uma família contemporânea, plural, aberta, multifacetária, susceptível às influencias da nova sociedade, que traz consigo, necessidades universais, independentemente de línguas ou territórios. Impõe-se, pois, necessariamente traçar o novo eixo fundamental da família, não apenas consentâneo com a pós-modernidade, mas, igualmente, afinado com os ideais de coerência filosófica da vida humana. Abandona-se, assim, uma visão institucionalizada, pela qual a família era, apenas uma célula social fundamental, para que seja compreendida como núcleo privilegiado para o desenvolvimento da personalidade humana.”[6]

Há nesse momento um importante passo dado no conceito de direito de família moderno, em que a família enquanto o núcleo da sociedade passa a ser o núcleo responsável pelo desenvolvimento de seus membros. O foco passa, assim, da família como um todo, para seus componentes, onde se extingue do contexto familiar a hierarquia e todos tem sua liberdade e dignidade respeitados.

Assim, o ordenamento jurídico, mesmo sendo uma ciência passível de mutações, definitivamente não consegue acompanhar as mudanças sofridas pela sociedade. Há assim um romper pelos membros dessas sociedade das barreiras impostas pela lei, isso porque a mesma não consegue prever, como deveria, as formas de entidades familiares que vão surgindo com o avançar do meio social. Se antes a família era tida apenas como um núcleo principal do meio social, hoje ela é o meio que proporciona o desenvolvimento da dignidade de seus membros. Dessa forma, abandona-se de vez a característica patrimonial/reprodutiva da família por anos, para lhe atribuir um caráter afetivo, onde os laços que se cria são tão importantes quanto qualquer outro laço. Deixa-se de lado, compreensivelmente, o casamento para dar maior enfoque à proteção necessária do homem enquanto ser único, levando assim à conseqüente proteção da dignidade humana.

Desse pensamento, extraí-se o quão importante foi a mudança do foco da família enquanto algo meramente patrimonial, para os indivíduos que formam essa família. O querer desses indivíduos deve se sobressair. Desse momento surgem outros arranjos familiares até então não previstos pelo nosso ordenamento, que dessa forma surgiram à revelia do que pensou o legislador. Isso não deve ser encarado como algo ruim ou além-lei, e sim, visto de forma salutar ao desenvolvimento da sociedade, pois tais formas novas de família advém da vontade dos integrantes dessa sociedade enquanto seres com vontade própria, e que podem escolher como querem formar sua unidade familiar, disso extrai-se a importante da liberdade apregoada pela Constituição Federal, e fundamentalmente a preservação da dignidade.

A partir de novas interpretações hermenêuticas, das novas propostas doutrinárias e de estudiosos do direito, diz que a proteção à entidade familiar tem como únicos destinatários os membros dessa família, que são conseqüentemente, cidadãos, seres humanos que necessariamente precisam que sejam respeitados o seu querer, e seja resguardado a sua dignidade e o seu direito à liberdade e igualdade.

Assim, observa-se a crescente importância conferida aos membros da família, tornando-se evidente a interdependência dos membros entre si, onde um existe em função do outro, onde a família depende de seus membros para realizar plenamente sua função no meio social.

3 OS PRINCIPIOS ENQUANTO BASE

Não existem verdades absolutos, existem verdades discutíveis. Muitos conceitos antes absolutos, hoje caíram por terra. Não é aconselhável que se veja as situações postas pela sociedade com um olhar dogmático, é necessário que seja de forma flexível e disposta à discussão.

Convém destacar que a Constituição Federal, em seu Art. 1º, inciso III, prevê o principio da dignidade da pessoa humana, principio esse fundamental e basilar das relações. Da mesma forma, assevera a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo I, in verbis: "Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade". Sendo tão relevante em nosso ordenamento, é de se esperar que se respeite. Assim como também dispõe a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo III "Todo homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal", torna-se claro que a liberdade é algo inerente ao homem, não podendo dele se dissociar, pois encontra-se em sua essência, pois é condição de sua existência não estar submetido a vontade de outrem, isso é o que o leva ao caminho da felicidade.  

Tais princípios são de suprema importância para o homem enquanto cidadão de direitos e deveres, assim como será também para embasar a possibilidade de união poliafetiva. Pois o reconhecimento desse direito nada mais é do que concretizar a efetividade a dois princípios fundamentais.

Deve-se, forçosamente, respeitar o principio da liberdade de constituição familiar, o qual da relevância à liberdade que cada um tem, e que vem assegurada na Constituição Federal, de constituir sua união familiar ao seu modo e ao seu querer, sem para isso, sofrer limitações do Estado ou entes morais da sociedade.

Como assevera Maria Helena Diniz.

“O princípio da liberdade refere-se ao livre poder de formar comunhão de vida, a livre decisão do casal no planejamento familiar, a livre escolha do regime matrimonial de bens, a livre aquisição e administração do poder familiar, bem como a livre opção pelo modelo de formação educacional, cultural e religiosa da prole.”[7]

O Estado em seu dever legiferante, determina leis de comportamento, as quais devem ser adotadas fielmente pelos indivíduos em sociedade. Mas o que acontece quando essas leis não conseguem acompanhar o caminhar da sociedade? Quando não prevêem situações que se tornaram corriqueiras no meio social? Não seria coerente da parte do Estado impor ao cidadão o seu querer, o caminho deveria ser o inverso. Não é plausível que seja imposto até o numero de pessoas que tem-se para relacionar. O subjetivo de cada um é algo incontrolável, é individual e não respeita o querer de outros, inclusive do Estado.

Há ainda, o principio do pluralismo das entidades familiares, onde se passa a considerar não somente o modelo clássico de união. Mas rompe-se com esse paradigma para aceitar novos arranjos familiares, como a união estável e a família monoparental, a partir daí surge a possibilidade de se estabelecer outras diversas formas de famílias.

“Atualmente, com o expresso reconhecimento da união estável e da família monoparental, rompeu a CF de 1988, definitivamente, com o aprisionamento da família nos moldes restritos do casamento. Ao invés da segurança imposta, o pluralismo reconhecido como fato e valor social, hoje incorporado ao ordenamento como princípio. No entanto, o legislador foi ainda muito tímido, pois deixou de reconhecer expressamente outras formas de relações afetivas, com caráter de estabilidade [7], como entidade familiar, a exemplo do concubinato adulterino, vez que o dogma da monogamia ainda supostamente prevalece, bem assim as uniões afetivas entre pessoas do mesmo sexo, onde imperam os preconceitos de uma falsa moral social e religiosa ditados não se sabe por quem. Reconhece-se, porém, que uma interpretação à vista dos valores e princípios constitucionais certamente superará os óbices de uma hermenêutica fechada e estéril.”[8]

É importante, que se faça efetivo também o principio da afetividade, o qual encontra importante correlação com o principio da dignidade da pessoa. A afetividade cria um vinculo não necessariamente sanguíneos ou incontestável, mas sim um vinculo afetivo, onde se sobrepõe um relacionamento onde o fundamento da vida conjugal ou não necessariamente conjugal, seria o afeto entre as pessoas relacionadas.

“A liberdade de afeiçoar-se a um outro é muito semelhante à liberdade de contratar um com outro. Daí, não raro, confundir-se afeição com contrato, ensejando a patrimonialização contratual do afeto. Não se deve reduzir o afeto ao contrato, para o fim imediato e ora ate exclusivo de retirar dessa redução e impor às “partes contratantes” efeitos patrimoniais, às vezes nem sequer desejados por ambas. Mas a analogia entre afeição e contrato serve para um fim justo: mostrar que, como a liberdade de contratar, também a liberdade de afeto é um direito individual implícito na Constituição Brasileira de 1988, cujo parágrafo 2º do art. 5º, não exclui direitos que, mesmo não declarados, decorram do regime e dos princípios por ela adotados. É o que ocorre com a liberdade de contrato e a liberdade de afeto.”[9]

Hoje, discute-se a possibilidade da existência de amor entre não só duas pessoas, existe estudos que apontam o poliamorismo ou poliamor, isto é, uma teoria psicológica que admite a possibilidade de co-existirem duas ou mais relações afetivas paralelas, em que seus partícipes conhecem e aceitam uns aos outros, em uma relação múltipla e aberta. Mais ainda: a etologia (estudo do comportamento animal), a biologia e a genética não confirmam a monogamia como padrão dominante das espécies, incluindo a humana. É dizer: as pessoas podem amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo, ainda que tal idéia não seja bem recebida no ocidente. Esse amor existente entre mais de uma pessoa existe, e não cabe ao Estado, como que numa caça às bruxas promover a sua vontade em detrimento do querer intimo de cada um. Deve-se respeitar acima de tudo.

4 FAMILIA POLIAFETIVA E INSTITUTOS CORRELATOS

Não há como estabelecer uma ligação entre a monogamia e a liberdade de escolha. Isso porque, a liberdade de escolha pressupõe uma discricionariedade para que se possa escolher com quem queira ter um relacionamento afetivo, não necessariamente sendo apenas com uma pessoa. Isso porque as questões sentimentais envolvem o subjetivo do individuo, não podendo o Estado com seu poder coercitivo impor com quem e com quantas pessoas podemos nos relacionar e escolher para manter uma união familiar. Um país democrático pode permitir que seus cidadãos se enlacem em quantos matrimônios quiserem e ainda assim preservar sua essência democrática, bastando apenas que dê o direito a ambos os sexos, sem distinção. Isso porque, é normal que se atrele a questão aos países mulçumanos onde apenas o homem tem o direito de contrair matrimonio com várias mulheres ao mesmo tempo, não obstante sendo uma questão cultural, é inconcebível, entretanto, que esse direito seja apenas de um e não de todos.

As bases da sociedade foram criadas sob um moralismo frágil. Prega-se comportamentos moralmente aceitos, que entretanto, na realidade não são praticados por quem propriamente os impõe. Não se aceita a possibilidade de união poliafetiva, baseados em discursos carregados de moralismo, alardeando como algo imoral ou indigno, porque é mais confortável vender uma imagem politicamente correta, mas ao mesmo tempo esconder relacionamentos extraconjugais. É mais poético pintarmos a monogamia como um estandarte do amor, um comportamento de virtude, onde se prevalece a fidelidade entre os cônjuges. Contudo, pelo anteriormente exposto, a monogamia não surgiu com esses ideários, e sim para sobrepor a figura masculina sobre a feminina, para difundir a submissão. Reflexo desse pensamento é que a monogamia vem sendo a regra desde a Roma antiga, isso no mundo ocidental. Desde então a mulher vem cumprindo o seu papel de submissão, e nada poderia fazer para combater isso, se submetendo religiosamente e sem nenhum alarde ao poder do marido, que controla e gere a família. No Código Civil de 1916 a direção da família era tarefa do homem, sendo a mulher casada pessoa relativamente incapaz, ou seja, ela permanecia inerte, até 1977, quando entrou em vigor o Estatuto da Mulher Casada.

A bigamia é muito mais comum que a monogamia, acontece que venda-se os olhos para não ver a realidade.

Um dos requisitos do casamento civil é a liberdade na escolha do nubente, ou seja a vontade individual como um pré-requisito para a constituição de um enlace matrimonial. Infere-se, a partir desse ponto, a importância que a liberdade de escolher assume mediante as relações familiares. Não só o matrimonio se assenta no mutuo consenso entre os interessados, como vários outros vínculos que se fundamentam na vontade como até contratos, necessitam de uma livre expressão de vontade para se concretizar. A liberdade de escolha é primado da Constituição Federal de 1988.

Muito se questiona se o Estado ao tentar defender os valores “moralistas” da família, estaria na verdade violando direitos constitucionalmente previstos sobre as liberdades publicas e o principio geral do direito à autonomia da instituição familiar, quando traz pra si o direito de dizer para as pessoas com quem elas devem ou não manter relações afetuosas, relações essas tão subjetivas e que dizem respeito tão somente a quem as mantém e cultivam. Como prevê o art. 5º “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes” Não estaria assim, progressivamente, a vontade do homem limitada pelo Estado? Não tem sentido, então, proibir três pessoas livres(que não possuem vinculo matrimonial com ninguém) de escolherem, a partir de seu livre arbítrio, com quem desejam contrair uma família.

Configura-se a monogamia, como estatui o Código Civil em seu art. 1.548, II “Não podem casar as pessoas casadas”. Esse é um dos requisitos de ordem social para que se celebre o casamento, e se auto-explica, como uma proibição de um segundo casamento, conseqüentemente presume-se um primeiro que ainda não se dissolveu. É necessário observar que no caso em tela, não existem pessoas casadas com o intuito de contrair uma segunda núpcia, mas sim, de pessoas desimpedidas que se encontram em poder das condições naturais para uma união, como a puberdade a sanidade física e mental etc.

O concubinato divide-se em puro e impuro, onde o primeiro ocorre quando se constitui uma união de fato entre duas pessoas sem que haja por alguma destas nenhum vinculo matrimonial ou de fato anterior com terceiro, já o segundo, também chamado de adulterino, configura-se quando um possui vinculo matrimonial e mantém, paralelamente, outro relacionamento de fato.

“A união de fato ou o concubinato, didaticamente, pode ser: puro ou impuro. Será puro se apresentar como uma união duradoura, sem casamento civil, entre homem e mulher livres e desimpedidos, isto é, não comprometidos por deveres matrimoniais ou por outra ligação concubinária. Assim, vivem em união estável ou concubinato puro: solteiros, viúvos, separados extrajudicial ou judicialmente ou de fato( em contrário, RJ, 725:322, 745:336 e 198:136) e divorciados (RT, 409:352). (…) Ter-se-á concubinato impuro ou simplesmente concubinato, nas relações não eventuais em que um dos amantes ou ambos estão comprometidos ou impedidos legalmente de se casar. No concubinato há um panorama de clandestinidade que lhe retira o caráter de entidade familiar(CC, art. 1.727), visto não poder ser convertido em casamento. Apresenta-se como: a) adulterino(RTJ, 38:201; JTJ, 243:186; RT, 458:224, 649:52, 743:350, 728:342, 843:250; Sumula do STF, n.447), se se fundar no estado do cônjuge de um ou ambos os concubinos, p. ex, se homem casado, não separado de fato, mantém, ao lado da família tradicional, uma outra(RTJ, 75:965, 117:1264 e 1269; BAASP, 2.650:1750-08); e b) incestuoso, se houver parentesco próximo entre os amantes.”[10]

De certo, não se avista na união poliafetiva, nenhum contorno de concubinato impuro, isto porque, assim como explicado anteriormente mormente à bigamia, não há entre um dos membros da união poliafetiva qualquer vinculo matrimonial ou de fato anterior, que o impeça de constituir novo enlace familiar. O caso em tela mais se assemelharia ao concubinato puro.

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Entretanto, a união poliafetiva ganha contornos próprios, se diferenciando e não se atrelando aos institutos correlatos, que por outros olhos podem parecer juridicamente semelhantes. Trata, por fim, da liberdade individual de pessoas desimpedidas, leia-se sem vinculo matrimonial ou de fato anterior, e que tão somente buscam o reconhecimento de sua união. O Estado, enquanto ente que tem o dever de efetivar os direitos e garantias individuais, deve forçosamente torná-los possíveis, pois essa proteção tem como destinatários os cidadãos, que são unicamente os merecedores dessa tutela que vem assegurar a sua dignidade e igualdade, e não a sociedade moralista que tem o único intuito de privá-los desses direitos.

5 OS DIREITOS ADVINDOS DO CONTRATO DA UNIÃO POLIAFETIVA

Na cidade de Tupã, interior de São Paulo, foi assinado em cartório, de acordo com a tabeliã de notas e protestos, Cláudia do Nascimento Domingues, uma escritura publica de união poliafetiva, podendo assim, ser considerada a primeira que trata de uniões poliafetivas no Brasil. Trata-se da união de duas mulheres e um homem, que viviam estavelmente e que se viram na necessidade de declarar essa situação de forma publica. Até chegar à conclusão da lavratura da escritura publica, os três passaram por diversos não. Segundo a tabeliã, a mesma se sentiu confortável parar tornar publica tal união, tendo em vista que conforme a mesma observou, havia uma vontade comum que abrangia os três, eram pessoas inteiramente capazes e sem nenhum litígio de matéria matrimonial anterior. Assim, a união estabelecida mediante a escritura publica possibilitou aos três o reconhecimento dos direitos patrimoniais dessa união.

Por ser um contrato simples e de fácil acesso, a maioria das pessoas buscam formalizar sua união por meios de contratos de união, por ser um meio eficaz que torne publico o desejo de constituir um laço entre eles. Dessa forma, qualquer pessoa que esteja sob as condições mínimas exigíveis para firmar um contrato de união e que necessariamente não possua nenhum laço matrimonial anterior poderá se unir a outro e constituir união a partir de um contrato registrado em cartório. Como preleciona a Resolução N. 40 de 14/08/07 do CNJ, em seu artigo Art. 4º “A união estável será consignada nos assentamentos funcionais do(a) servidor(a) somente se comprovada a inexistência, entre os companheiros, de qualquer impedimento decorrente de outra união, mediante a apresentação de: I – certidão de casamento contendo a averbação da sentença do divórcio ou da sentença anulatória, se for o caso; II – certidão de óbito do cônjuge, na hipótese de viuvez. Não havendo impedimento, torna-se possível a união.” Não havendo assim nenhum óbice ao enlace, o contrato será formalizado e publicizado.

Os contratos, não exigem tantas formalidades como o de casamento, por exemplo, entretanto, devem ser registrados em Cartório. A Escritura Pública é o instrumento jurídico de declaração de vontades celebrado entre uma ou mais pessoas perante um Cartório de Tabelionato de Notas, que tem a responsabilidade legal e formal para a sua lavratura. A Escritura Pública é necessária para dar validade formal ao ato jurídico exigido por Lei, que pode ser uma compra/venda; uma doação ou até mesmo uma simples declaração. No caso em tela, trata-se de uma declaração de vontades, que precisou de uma escritura para sua manifestação se tornar publica e criar efeitos. Ela vem a tratar sobre direitos e deveres dos que a assinam, precipuamente sobre as relações patrimoniais e os efeitos jurídicos que essa união poliafetiva ira produzir posteriormente. Irá assim, estabelecer um regime acordado por todos os envolvidos, da comunhão que lhes aprouver, total ou parcial etc.

Segundo o Colégio Notarial do Brasil, a escritura pode ser utilizada para fixar a data do inicio da união estável, o regime dos bens entre os conviventes, bem como para garantir direitos junto ao INSS, convênios médicos, odontológicos, clubes, etc. Para se proceder a uma escritura, a lei exige prazo mínimo de duração de convivência para que se constitua a união estável e também não exige que o casal viva na mesma casa ou tenha o mesmo domicilio, bastando o intuito de constituir família. A tabeliã da cidade de Tupã, de certo, ao oficializar a união das três pessoas, observou todos os requisitos necessários, e estando em conformidade com os parâmetros exigidos pela lei, autorizou a publicação de escritura publica de união poliafetiva.

O Contrato de União Estável, por sua natureza e por princípio constitucional, pode acampar com toda liberdade as mais diversas declarações dos contratantes. Assim, podem versar sobre os deveres e obrigações conjugais, a comunicação ou não dos bens adquiridos por eles, a situação do patrimônio que cada um trouxe antes da união. Uma gama infinita de ajustes pode ser configurada nesse modo de contrato.

Sendo assim, feita por escritura publica a união, da mesma forma por escritura poderá ser feita sua extinção. Podendo também, caber a intervenção judicial. A escritura declaratória de extinção de união estável não é reservada apenas a partilha de bens, uma vez que sua constituição não tratou apenas do patrimônio. Nesse momento surge o questionamento de como procederá a Justiça ao se deparar com o primeiro caso de contrato de união poliafetiva, podendo escolher dois caminhos: declarar sua existência e tornar efetivo todos os efeitos decorrentes do contrato ou declarar sua inexistência. Declarar sua inexistência seria ir contra todo uma realidade que vem surgindo. Declarando sua existência, seria coerente que tal união tivesse à vista do judiciário os mesmo efeitos da união estável prevista no artigo 1.723 do Código Civil.

No caso das uniões poliafetivas, o mesmo poderá ser feito, entretanto, o questionamento que surge diz respeito aos efeitos futuros desse contrato. Ou seja, quando um desses contratos chegar ao poder judiciário, seja pelo falecimento de algum dos contraentes ou dissolução natural do contrato, como o mesmo irá proceder. De certo, não haverá como negar a existência da união, pois se consumou mediante contrato e se mostra como uma realidade palpável da sociedade atual. Note-se que para fins patrimoniais e constituição de prova para caracterização de união estável, deve o contrato ser celebrado por escritura pública. Quando os envolvidos não formalizam a união, no caso de uma separação ou de morte, os cônjuges podem ter dificuldade de reunir provas para comprovar o relacionamento e reivindicar seus direitos. O aconselhável é que os companheiros façam um contrato com dados concretos e seguros, a fim de preservar o patrimônio das partes, ou até mesmo a justa e equilibrada partilha patrimonial. Dessa forma, é razoável que o judiciário, tendo em vista não haver ainda regramento especifico, adote leis análogas que possam se adapatar às situações envolvendo uniões poliafetivas.

Um exemplo seria questões pertinentes à partilh, a qual depende da regra de divisão dos bens prevista no contrato. Na separação total de bens, não há partilha do patrimônio. Na comunhão parcial de bens, todo o patrimônio acumulado durante a convivência será dividido e cada um terá direito a 50%. Na comunhão total de bens, os bens adquiridos antes ou depois da união são universalizados. No artigo 1.725 do supracitado código, diz que  “Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”. É o regime de bens usual, conforme a lei. Neste regime, todos os bens adquiridos após a data do casamento serão comuns ao casal.  Todos os bens previamente adquiridos por cada um individualmente anteriormente a data do casamento permanecem de propriedade do mesmo, inclusive bens cuja aquisição tiver por título uma causa anterior, como por exemplo uma herança. Os artigos 1.660 e 1.659 do Código Civil versam sobre os bens que participarão da meação segundo o regime de comunhão parcial de bens.

Tal regime seria apenas utilizado caso o contrato não dispusesse o contrário, ou seja, tendo as partes envolvidas disposto regime diverso, deveria ser o mesmo respeitado perante o judiciário conforme a vontade de ambos.

  Outro ponto importante é a natureza dos institutos que dizem respeito à constituição familiar. Parte-se do principio que tanto a união estável como o casamento tem natureza jurídica de contrato, não é um contrato simples, pois tem caracteres especiais, sendo considerado sui generis. Tal contrato cria efeitos e obrigações de naturezas diversas, como pessoais e patrimoniais, analogicamente, a união poliafetiva também se origina de um contrato, a priori, dispondo sobre os mesmo aspectos.

O contrato de convivência vai dispor sobre o regime dos bens, como anteriormente explicitado, estabelecendo a forma de aquisição patrimonial e também a divisão desses bens. A partir daí fixa-se normas atinentes à participação de cada um na utilização, nos frutos e na administração dos bens, etc. Daí extraí-se a importância de tal documento para comprovar a existência da união que se estabeleceu, e nada mais seguro que demonstrar isso a partir de um documento escrito.

Abstraí-se desse pensamento que, da mesma forma que o casamento e a união estável criam vinculação e efeitos a partir de um contrato, da mesma forma ocorre com o contrato de união poliafetiva. Mesmo o objeto dos contratos sendo diferente, ou seja, o casamento tendo o seu regramento previsto em lei assim como a união estável, não obsta o fato de acontecer casos de contratos que formalizem a união de na apenas duas, mas três, quatro pessoas. O fato de não haver previsão não se torna um impedimento, e isso deve ser analisado a partir de princípios, quando alguma decisão relativa às uniões poliafetivas se tornarem uma realidade nos julgamentos diários forenses.

6 CONCLUSÃO

Conclui-se, do exposto no trabalho, a necessidade eminente do direito em acompanhar os movimentos cíclicos que sofre a sociedade. As uniões poliafetivas é uma realidade que se mostra como tantas outras, não deve ser visto como uma afronta ou um assombro pela sociedade, e sim como um caminhar evolutivo da mesma.

O direito tem o papel de proteger o ser humano, enquanto suas particularidades e vulnerabilidades, não de privá-lo de sua liberdade e seu direito à dignidade, á qual é conquista mediante sua discricionariedade de fazer o que bem entender. Deve-se analisar a situação sem um olhar moralista tampouco preso ao preconceito, antes de tudo são relações humanas, relações subjetivas, que conseqüentemente atinam tão somente aos interessados.

De certo, não há proibição expressa no ordenamento, tendo em vista ser uma relação que até pouco tempo se configurava como algo não imaginável. Isso não obsta o fato de sua possibilidade. As famílias, como anteriormente explicitado já passaram por inúmeros arranjos, ou seja, não é um instituto estanque, pois sofre mudanças constantes. Essas mudanças não aconteceram de forma rápida e fácil, pelo contrário, toda mudança leva um tempo até ser aceita, mastigada pelo meio social, assimilada e aceita. Esse é o caminhar normal das coisas. Com as uniões poliafetivas não será o contrário.

 

Referências
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SILVA, Keith Diana. Família no direito civil brasileiro. Rev. Npi/Fmr. set. 2010. Disponível em
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Notas:
 
[1] ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. São Paulo: Centauro, 2002. 

[2] ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. São Paulo: Centauro, 2002. 

[3] ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. São Paulo: Centauro, 2002.

[4] FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Lúmen Júris. Rio de Janeiro, 2009.

[5] FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Lúmen Júris. Rio de Janeiro, 2009.

[6] FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Lúmen Júris. Rio de Janeiro, 2009.

[7] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 5: direito de família – 26. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

[8] ALBUQUERQUE FILHO, Carlos Cavalcanti de. Famílias simultâneas e concubinato adulterino. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/2839>. Acesso em: 6 nov. 2012.

[9] BARROS, Sérgio Resende de. O direito ao afeto. 2002, On-line. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=50. Acesso em: 06 de novembro de 2012.

[10] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 5: direito de família – 26. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.


Informações Sobre os Autores

Rafael Gomes da Silva Carneiro

Acadêmico de Direito na UNINOVAFAPI

Vanessa de Padua Rios Magalhães

Formada em direito pela UFPI. Especialista em Direitos humanos pela UFPI. Mestra em Direito Internacional Econômico pela Universidade Católica de Brasília. Analista Judiciário do TJPI desde 2004. Professora na UNINOVAFAPI e UNESC


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