O direito do trabalho e o princípio protetivo da dignidade do trabalho


O direito do trabalho como ramo da ciência do direito que é, tem por objeto as normas jurídicas que disciplinam as relações de trabalho subordinado, determinam seu sujeito e as organizações destinadas à proteção desse trabalho em sua estrutura e atividade.


O Direito do Trabalho tem como um dos primeiros fundamentos a proteção do trabalhador. É oriundo da reformulação do quadro social iniciada no capitalismo organizado a partir da ascensão do movimento operário aos mecanismos de regulação social, principalmente o estatal, que visava inserção máxima (busca ao pleno emprego) e digna dos trabalhadores no mercado de trabalho. A partir de então, voltou-se o Estado – e conseqüentemente, o Direito – para o propósito de estabelecer patamares máximos de exploração ou mínimos de dignidade aos trabalhadores. Pois como bem aborda Sussekind (1999, p.35):


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“Explorando e escravizando a massa trabalhadora, a minoria patronal não se preocupava com a condição de vida dos seus empregados: as relações entre patrões e trabalhadores se constituíam dentro dos muros de cada fábrica. Fora desta pressinta estreita, deste pequeno território comum, as duas classes – a rica e a trabalhadora – viviam tão separadas, tão distantes, tão indiferentes, como se habitassem em países distintos ou se achassem divididas por barreiras intransponíveis. Criara-se o contraste flagrante e violento entre o supermundo dos ricos e o inframundo dos pobres.


No seu supermundo, em monopólio absoluto, os ricos avocavam para si todos os favores e todas as benesses da civilização e da cultura: a opulência e as comodidades dos palácios, a fartura transbordante das ucharias, as falas e os encantos da sociabilidade e do mundanismo, as honrarias e os ouropéis das magistraturas do Estado. Em suma: a saúde, o repouso, a tranqüilidade, a paz, o triunfo, a segurança do futuro para si e para os seus.


No seu inframundo repululava a população operária: era toda uma ralé fatigada, sórdida, andrajosa, esgotada pelo trabalho e pela subalimentação; inteiramente afastada das magistraturas do Estado; vivendo em mansardas escuras, carecida dos recursos mais elementares de higiene individual e coletiva; oprimida pela deficiência dos salários; angustiada pela instabilidade do emprego; atormentada pela insegurança do futuro, própria e da prole. Estropiada pelos acidentes sem reparação; abatida pela miséria sem socorro; torturada na desesperança da invalidez e da velhice sem pão, sem abrigo e sem amparo.


O Trabalho que se insere na cadeia produtiva não se separa da pessoa humana do prestador. Esta noção fundamental à lógica do Direito do Trabalho somente pôde ser reconhecida quando os próprios trabalhadores se organizaram e puderam expor suas necessidades e reivindicaram a preservação de sua dignidade perante todo o grupo social, transformando o valor dignidade humana do trabalhador um elemento chave mesmo em uma sociedade tipicamente capitalista (ou seja, que se baseia, entre outros fatores, na exploração do trabalho humano).


Pelo exposto, pode-se afirmar que a relação visada pelo Direito do Trabalho é imediata em relação ao trabalho, porém mediata em relação à pessoa. Em outras palavras: quando um trabalhador se insere no processo produtivo, insere-se imediatamente a sua força de trabalho, mas também, mediatamente, a pessoa humana e sua dignidade, pois ambas nunca podem ser separadas. Como leciona Sarlet (2003, p. 118) a respeito da dignidade:


“[…] é algo que se reconhece, respeita e protege, mas não que possa ser criado ou lhe possa ser retirado, já que existe em cada ser humano como algo que lhe é inerente.”


É a partir desta constatação global da relação de trabalho que o Direito do Trabalho define sua lógica. Lógica esta que se baseia em uma dupla perspectiva de preservação.


O Direito do Trabalho busca um sistema de proteção mínima (nunca máxima) que preserve a dignidade da pessoa humana trabalhadora; nesta perspectiva, estas garantias tentam compensar a diferença sócio-econômica (exploração) existente no seio das relações capitalistas de trabalho. Já em outra perspectiva, estas garantias mínimas preservam a diferença econômica (exploração) existente no seio da sociedade capitalista, embora procure fazer com que a mesma não aumente.


Plá Rodriguez (1979, p. 27) expõe que no direito do trabalho a preocupação central parece ser a de proteger uma das partes com o objetivo de, mediante essa proteção, alcançar-se uma igualdade substancial e verdadeira entre as partes.


Segundo Couture (Apud 1944 Plá Rodriguez 1979, p. 29) “o procedimento lógico de corrigir desigualdades é o de criar outras desigualdades”


Evidentemente que o principio da proteção do trabalhador é o principio fundante do Direito do Trabalho e de todo o seu sistema jurídico porque está enraizado no conceito de Justiça distributiva e eqüidade, enquanto reconhecimento do direito de cada um a partir de suas diferenças. Isto é unánime!


Sérgio Pinto Martins (2006, p. 41) afirma que “princípios são proposições básicas que fundamentam as ciências. Para o Direito, o principio e seu fundamento, a base que irá informar e inspirar normas jurídicas.


A importância do estudo dos princípios na ordem jurídica é bem definida por Celso Antonio Bandeira de Mello (Apud PEDREIRA 1999, p 12)


“[…] Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É do conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.”


Entretanto, modernamente a doutrina apresenta um novo papel para os princípios: trata-se da efetiva função normativa própria, resultante de sua dimensão fundamental a toda a ordem jurídica.


Sobre esta classificação comenta Mauricio Godinho Delgado (2001, p.17):


A função fundamentadora dos princípios (ou função normativa própria) passa, necessariamente, pelo reconhecimento doutrinário de sua natureza norma jurídica efetiva e não simples enunciado programático não vinculante. Isso significa que o caráter normativo contido nas regras jurídicas integrantes dos clássicos diplomas jurídicos (constituições, leis e diplomas correlatos) estaria também presente nos princípios gerais de direito. Ambos seriam, pois, norma jurídica, dotados da mesma natureza normativa.


Esta é a função normativa do Direito do Trabalho: por um lado, não deixar que a diferença sócio-econômica entre trabalhador e empregador aumente, preservando àquelas garantias mínimas; por outro lado, legitimar juridicamente um determinado regime de exploração do trabalhador, preservando o sistema capitalista. Este é o princípio da proteção: ao mesmo tempo que, em uma perspectiva intra-sistêmica, busca preservar a dignidade do trabalhador (valor social dignidade da pessoa humana), acaba indiretamente, em uma perspectiva global ou inter-sistêmica, preservando a lógica da exploração capitalista (valor social capitalismo como modo de produção hegemônico).


O Direito do Trabalho é ramo autônomo do direito, composto por um complexo de regras, princípios e institutos jurídicos que regulam as relações de trabalho, desde meados do século XIX.


Luiz de Pinho Pedreira da Silva (1999, p. 13) analisa a distinção entre princípios e regras jurídicas, afirmando que a primeira diferença é relativa ao fato de que as regras jurídicas estão sempre insertas explicitamente no ordenamento interno enquanto que com os princípios isso não acontece.


O mestre Paulo Bonavides leciona sobre a normatividade dos princípios com a seguinte afirmação:


“[…] ponto central da grande transformação sobre por que passam os princípios reside, em rigor, no caráter e no lugar de sua normatividade, depois que esta inconcussamente proclamada e reconhecida pela doutrina mais moderna, salta dos Códigos, onde os princípios eram fontes de mero teor supletório, para as Constituições, onde em nossos dias se convertem em fundamento de toda a ordem jurídica, na qualidade de princípios constitucionais.”


Os princípios do Direito do Trabalho na visão de Américo Plá Rodriguez não são fontes do direito, porque integram um plano jurídico diferente daqueles, até porque a doutrina não cria os princípios, mas sim os descobre, identificando tendências em julgados e normas, devendo ficar adstrita, também, a um necessário reconhecimento da jurisprudência.


É inegável que no Direito do Trabalho há um valor finalistico que ele se propõe, pois sem dúvida a proteção ao trabalhador é valor que norteia o Direito do Trabalho que tem como objetivo final a melhoria das condições de pactuação da força de trabalho na ordem socioeconômica.


Perez Botija foi um pioneiro a individuar os Princípios Especiais do Direito do Trabalho, classificando-os em princípio da proteção, da irrenunciabilidade dos direitos, norma mais favorável e rendimento. Desde então o leque de princípios se ampliou e vários princípios foram elencados pelos doutrinadores.


O jurista Américo Plá Rodrigues apresenta a melhor classificação, pois fundamenta a técnica da proteção com muita propriedade.


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A principal diferença de Américo Plá Rodrigues para a classificação apresentada pelos demais autores está contida no fato de que o autor entende que o Princípio da Proteção se expressa em três regras: in dubio pro operário, da norma mais favorável e da condição mais benéfica,


Princípio da proteção


O princípio de proteção se refere ao critério fundamental que orienta o Direito do Trabalho, pois este, ao invés de inspirar-se num propósito de igualdade, responde ao objetivo de estabelecer um amparo preferencial a uma das partes: o trabalhador.


PEDREIRA qualifica as regras como princípios e DELGADO utiliza a mesma regra com a exceção da regra in dubio pro operário que o autor também entende como desdobramento do princípio da proteção.


Com relação à aplicação do Princípio Protetivo, Américo Plá Rodrigues estabelece algumas regras :


a) A regra do Indúbio pró – operário;


Este critério consiste na interpretação da norma á favor do trabalhador, desde que a mesma seja suscetível de entender-se de vários modos.


No direito laboral a função objetiva do princípio é similar à que no direito penal, cumpre o princípio in dúbio pro réu.


Tal regra pode ser aplicada para tanto estender um benefício, como para diminuir um prejuízo.


Pode se também efetuar a aplicação desta regra por graus. A regra também aplica-se em progressão decrescente, em função da maior remuneração percebida pelo trabalhador. Ou seja, que a intensidade e o rigor de sua aplicação seria inversamente proporcional ao montante da retribuição. Como bem acrescenta Martins Catharino (1972 apud Plá Rodrigues 1979 p 50):


“Seria absurdo, a aplicação da regra, com igual peso e intensidade, a casos, mesmo iguais, estando envolvidos empregados ganhando salário mínimo e altos-empregados, quase empregadores. Sem dosagem condizente e objetiva a regra seria imprestável e até odiosa.”


Outra consideração apontada por Plá Rodrigues (1979, p. 51) é que pode haver diversidade de aplicação conforme a norma trabalhista que se deva interpretar.


“A legislação social e o sistema das normas coletivas estão inspirados pelo princípio de amparo aos trabalhadores, mas amparo não significa que a qualquer custo, se tenha de favorecer os interesses destes últimos em detrimento dos empregadores. Por conseguinte onde a própria lei de amparo se cala ou deixa lugar de dúvidas, a questão deve ser solucionada, não segundo uma cega tendência unilateral, em um único sentido, mas de acordo com uma valoração equitativa e considerando justamente os interesses opostos das partes.”


Por fim, no caso de dúvida sobre qual interpretação mais favorável ao trabalhador, a equidade aconselha adotar-se a opção do próprio trabalhador.


b) A regra da Norma mais favorável


Determina que, no caso de haver mais de uma norma aplicável, deve-se optar por aquela que seja mais favorável, ainda que não seja a que corresponda aos critérios clássicos de hierarquia das normas (este é o sentido próprio).


c) A regra da condição mais benéfica


Critério pelo qual a aplicação de uma nova norma trabalhista nunca deve servir para diminuir as condições favoráveis em que se encontrava um trabalhador.


Essa regra pressupõe a existência de uma situação concreta anteriormente reconhecida, e determina que ela deva ser respeitada na medida em que seja mais favorável ao trabalhador que a nova norma aplicável.


A aplicação pratica dessa regra implica em duas conseqüências: uma quando se estabelecer uma regulamentação ou disposição de caráter geral, aplicável a todo conjunto de situações trabalhistas, estas ficarão alteras em suas condições anteriores, desde que não sejam mais benéficas ao trabalhador do que as recentemente estabelecidas.


A outra, salvo disposição expressa em contrario, à nova regulamentação deverá respeitar como situações concretas reconhecidas em favor do trabalhador ou dos trabalhadores interessados, as condições que lhe resultem mais benéficas dos que estabelecida para matéria ou matérias tratadas pela nova regulamentação.


O sentido de preferência em que essa regra implica, em suma, opera em duas direções: uma restritiva e outra extensiva.


Opera restritivamente, desde que pela aplicação do referido princípio as partes se vêm obrigadas a manter aquelas condições que dão lugar a situações mais vantajosas ao trabalhador do que as que ele desfrutará se lhe for aplicada a nova regulamentação.


Opera extensivamente na medida em que, embora indiretamente, pela aplicação do mesmo principio, seja possível as partes estabelecerem condições superiores mais benéficas do que as mínimas legalmente fixadas.


Por isso acredita-se que existam duas espécies de condições favoráveis: As que produzem efeitos legais, sendo, juridicamente exigível o seu cumprimento por serem fontes de direitos subjetivos. E as de cumprimento inexigível por estarem baseadas unicamente na liberalidade do empresário, sem criar direito subjetivo algum, por não ser essa a vontade do mesmo, ou seja, costumam também estar ligadas a fatos ou atos determinados. São anuláveis a qualquer momento.


Há divergências quanto às espécies de condições, pois não se trata de um problema de vontade unilateral, mas de ajuste aos fatos, que se deverá resolver com o critério de razoabilidade, imprescindível na aplicação de todo o direito do trabalho. Se na prática os fatos demonstram que se tratava de um beneficio transitório, finda a situação que o originou, pode ser tornado sem efeito. Porém, se é um beneficio que se prolongou além da circunstância que lhe deu origem, devemos concluir que constitui condição mais benéfica, que deve ser respeitada.


“A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada(art. 5º, XXXVI CF/88 ). Assim, o trabalhador que já conquistou um direito não poderá ter seu direito atingido mesmo que sobrevenha uma norma nova que não lhe seja favorável.”


“Súmula 51- Norma Regulamentar. Vantagens e opção pelo novo regulamento. Art. 468 da CLT. (RA 41/1973, DJ 14.06.1973. Nova redação em decorrência da incorporação da Orientação Jurisprudencial nº 163 da SDI-1 – Res. 129/2005, DJ 20.04.2005).”


“I – As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento. Por exemplo, a Súmula nº 51 – RA 41/1973, DJ 14.06.1973.”


“II – Havendo a coexistência de dois regulamentos da empresa, a opção do empregado por um deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do sistema do outro. a exemplo disto, a OJ nº 163 – Inserida em 26.03.1999.”


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Na aplicação deste princípio o que deve prevalecer é a interpretação racional das realidades.



Informações Sobre o Autor

Luciana Francisco Pereira

Acadêmica de Direito na FURG


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