Resumo: O presente estudo tem por objetivo fazer uma análise histórica da internacionalização dos Direitos Humanos com o surgimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos ao lado do Direito Humanitário Internacional e o Direito Internacional dos Refugiados e a consequente conversão dos direitos humanos em um assunto de interesse da comunidade internacional. Ainda, tem por objetivo o presente estudo analisar o processo de incorporação dos direitos internacionais dos direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente quanto ao Direito Internacional dos Refugiados.
Palavras-chave: Direitos Humanos; Internacionalização; Refugiados; Constituição; Democracia.
1 INTRODUÇÃO
A temática “direitos humanos dos imigrantes refugiados no Brasil e no mundo” é tema atual e constante nos diversos meios de mídia que cercam a todos diariamente. A relevância desse assunto é tão imensa que para abordá-lo necessário se faz voltarem-se os olhos a tutela dos direitos humanos e, assim, a um dos pontos de maior relevância quando se fala em tutela de direitos, que é o marco inicial da internacionalização dos direitos humanos, a Carta das Nações Unidas, a qual foi criada logo após o final do segundo grande conflito, em 1945, a qual demarca um novo cenário, uma nova ordem internacional e, logo sucedida pela Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Foi a partir desta nova ordem internacional que sobreveio da necessidade de prevenir, a nível internacional, que novas barbáries fossem cometidas com os seres humanos, que houve uma conscientização dos Estados da necessidade de uma ordem além-fronteiras que fosse capaz de tutelar os direitos do homem de forma universal. Foi assim que surgiram as mais importantes cartas de direitos humanos, o que trouxe a universalização dos direitos do homem.
Nesta esfera o Brasil, signatário de vários Tratados Internacionais de Direitos Humanos, deu início à adequação do ordenamento jurídico aos novos direitos, o que foi marcado pela promulgação da Constituição federal de 1988, com a institucionalização dos direitos humanos e adesão a importantes instrumentos internacionais de direitos humanos.
A partir deste histórico o presente estudo busca analisar o histórico da internacionalização dos direitos humanos, bem como criação e a adequação do Direito Internacional dos refugiados, bem como os avanços ocorridos no âmbito nacional no que se refere à efetivação da tutela dos direitos humanos, especialmente no que diz respeito ao Direito Internacional dos Refugiados, abrindo espaço para novos e mais aprofundados estudos sobre esta temática frente à relevância e perfil desafiador e urgente da matéria.
2 O SURGIMENTO DO DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS
O Direito Internacional dos Direitos Humanos surge em um cenário pós-guerra, tendo como objetivo permitir o advento dos direitos humanos como questão de interesse internacional. Como leciona Piovesan[1] “O Direito Internacional dos Direitos Humanos ergue-se no sentido de resguardar o valor da dignidade humana, concebida como fundamento dos direitos humanos”.
Muito embora os direitos humanos já fossem tutelados por leis e tratados em várias Nações, a efetividade e aplicabilidade dos referidos direitos ficavam adstritos à positivação e efetivação destes por meio de cada Estado/País. Foi somente após a efetiva implementação do Direito Internacional dos Direitos Humanos, que ocorreu a universalização destes direitos.
Destarte, a partir de uma análise dos fatos horrendos ocorridos durante a Segunda Guerra Mundial, observa-se que o regime totalitário produziu violações aos direitos humanos numa dimensão nunca antes vivenciada, expondo a fragilidade dos mecanismos de proteção ao indivíduo, até então existente. A vulnerabilidade, aliada a necessidade de recomeço, bem como de união entre as Nações a fim de conceber instrumento forte o bastante para trazer ao mundo a necessidade de proteção internacional dos Direitos Humanos e, via de consequência, a tutela dos mesmos, nesta linha de entendimento disserta Casado Filho:
“Com o final de Segunda Grande Guerra, o mundo precisava, com urgência, se reestruturar. Várias ações foram tomadas, do ponto de vista econômico e político, como a criação de organismos internacionais planejados antes mesmo do fim do conflito, na Conferência de Bretton Woods, em 1944.
O mundo havia vivenciado a ascensão dos nacionalismos, e, conforme leciona Hobsbawm, em sua clássica obra Nações e nacionalismo, esse fenômeno foi um dos principais motores dos conflitos e das perseguições aos indivíduos.
E, entre tais perseguições, a empreendida pelos alemães nazistas aos povos de origem judaica foi a que mais se notabilizou, ficando conhecida como Holocausto. Entretanto, não apenas judeus foram perseguidos e assassinados no período. As perseguições também atingiram militantes comunistas, homossexuais, ciganos, eslavos, deficientes motores, deficientes mentais e pacientes psiquiátricos. Enfim, todos os que não se encaixassem no ideal de perfeição nazista poderiam ser vítimas. E esse receio de que, amanhã, qualquer um poderia ser a próxima vítima fez com que os líderes dos principais países pensassem em soluções institucionais para evitar novas perseguições.”[2]
Neste ideário surge a premência de garantia dos direitos essenciais do homem, não somente no âmbito interno de cada país, mas em âmbito internacional, onde houvesse a responsabilização e comprometimento dos Estados como forma de não mais permitir que as atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial se repetissem.
Segundo Bobbio[3] diante deste quadro evidenciou-se a necessidade de tutelar os direitos essenciais do ser humano, com o diferencial de que, nesta etapa deveria ocorrer a tutela dos direitos a nível internacional, com o compromisso e responsabilização dos Estados em âmbito internacional e não mais apenas no recinto interno, por meio da positivação das Constituições nacionais. Entende que, desta forma, seria possível “uma proteção universal dos direitos humanos, no sentido de que os destinatários não são mais apenas os cidadãos de um determinado Estado, mas todos os homens”.[4]
Nesta órbita relevante buscar a evolução histórica do surgimento desta internacionalização dos direitos humanos, bem como os desafios superados a fim de que o indivíduo fosse reconhecido como verdadeiro sujeito de direito internacional. A veia inicial para a referida internacionalização destes direitos teve como marco histórico o Direito Humanitário, que para Celso Lafer[5], é um direito que trata de tema clássico de Direito Internacional Público – a paz e a guerra. Ainda, como marco histórico vem a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho, ambas criadas no período pós Primeira Guerra Mundial.
Com o surgimento do Direito Humanitário pode-se relativizar o alcance e o âmbito do poder estatal. Para Piovesan[6] “o Direito Humanitário foi a primeira expressão de que, no plano internacional, há limites à liberdade e à autonomia dos Estados, ainda que na hipótese de conflito armado”.
Quanto a Liga das Nações acrescenta a mesma autora que “veio para reforçar essa mesma concepção, apontando para a necessidade de relativizar a soberania dos Estados”. Na sequência aduz que “… tinha como finalidade promover a cooperação, paz e segurança internacional e a independência política de seus membros”. Organismo concebido ao final da Primeira Guerra Mundial, com objetivo de manter a paz e a segurança no planeta e estimular a cooperação internacional. Ocorre que, a Segunda Guerra Mundial mostrou o fracasso da Liga das Nações, o que ensejou a busca por alternativas mais eficazes.[7]
Por sua vez a Organização Internacional do Trabalho trouxe como premissa a preocupação com as condições de trabalho, promovendo parâmetros básicos de trabalho e bem estar social, ou seja, seu objetivo era regular a condições dos trabalhadores no âmbito mundial.
Considerando as premissas individuais de cada um dos três institutos acima citados, pode-se dizer que estes foram a base para o processo de internacionalização dos direitos humanos. A partir desta nova concepção, o direito internacional deixa de ser entendido como aquele que regula as relações governamentais entre Estados, para passar a ter como premissa básica a salvaguarda dos direitos do ser humano.[8]
Com supedâneo em tais ideários, mister trazer a lume as ponderações de Bedin[9] quando refere que o idealismo político, embasado em seus pressupostos estabelecem novas possibilidades e viabilizam um novo olhar sobre as relações internacionais, o que possibilita a “afirmação de que é possível delinear um sistema internacional articulado, não a partir da noção de poder, mas do predomínio do Estado de Direito”.
Muito embora o marco inicial e primeiros delineamentos tenham ocorrido no período pós Primeira Guerra Mundial, com a Liga das Nações, foi depois da Segunda Guerra Mundial e, provavelmente pelas horrendas violações dos direitos humanos que a internacionalização dos direitos humanos veio a se consolidar. Referidas constatações reclamam concluir que a internacionalização dos direitos humanos é, na verdade, um movimento novo a nível histórico.
Segundo se depreende dos ensinamentos de Piovesan[10] a internacionalização dos direitos humanos trata-se de um fenômeno historicamente novo, eis que surgiu após o período de violências atrozes e violações sem precedentes dos direitos humanos pelo nazismo. Destaca que a Era Hitler marcou a atuação do estado como sendo o transgressor dos direitos humanos, na qual o extermínio de vários milhões de seres humanos marcou a redução da pessoa humana a “algo” descartável e destrutível. “O legado do nazismo foi condicionar a titularidade de direitos, ou seja, a condição de sujeito de direitos, à pertinência a determinada raça – a raça pura ariana”.[11]
Ao lado disso, há que se citar a análise das barbáries cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, pelo nazismo, ao que é chamado de “máquina de matar nazista”: “O principal alvo eram os judeus e seus descendentes, mas a máquina de matar nazista também perseguiu ciganos, homossexuais e deficientes mentais”.[12]
Casado Filho[13] refere que os fatos ocorridos durante o nazismo eram até aquele período inimaginável, pois o Estado simplesmente determinou o extermínio das pessoas que para Hitler, eram indesejadas.
Frente às atrocidades imensuráveis ocorridas durante o período da Segunda Guerra Mundial em nome de um idealismo atroz impactaram de tal forma o mundo, que necessário foi repensar o sistema a fim de evitar que tamanhos desrespeitos aos direitos fundamentais voltassem a ocorrer.
Neste viés, insta trazer à colação o robusto entendimento explicitado por Casado Filho[14], quando refere que após o fim da Segunda Guerra Mundial quando o “mundo” teve o real conhecimento das atrocidades cometidas pelo Estado, houve muita pressão para a criação de institutos, ou mecanismos que pudessem evitar que novas barbáries ocorressem. Destaca que após a destruição causada pelas bombas atômicas que devassaram Hiroshima e Nagazaki, o mundo teve ciência de que o homem poderia acabar com o Planeta. Para Casado Filho[15], tais fatos mudaram o pensamento das pessoas, o que, de certa forma, facilitou a aceitação de acordos e tratados internacionais sobre direitos humanos.
Tal ideário foi simbolizado e colocado em prática pela Carta das Nações Unidas, criada logo após o final do segundo grande conflito, em 1945, a qual demarca um novo cenário, uma nova ordem internacional. Surge em um contexto em que as Nações clamam por paz. Seu objetivo principal, segundo Casado Filho[16] “é o de ‘preservar as gerações futuras do flagelo da guerra’. E sua forma de atuar foi, sobretudo, declarar os direitos que considerava fundamentais e que precisavam ser respeitados por todos os Estados”.
Além da preocupação com a paz, ainda a Carta das Nações Unidas tutela:
a “segurança internacional, o desenvolvimento de relações amistosas entre os Estados, a adoção da cooperação internacional no plano econômico, social e cultural, a adoção de um padrão internacional de saúde, a proteção ao meio ambiente, a criação de uma nova ordem econômica internacional e a proteção internacional dos direitos humanos”[17].
Na explicação de José Augusto Lindgren Alves (apud Piovesan)[18] após a assinatura da Carta das Nações Unidas houve o comprometimento da comunidade internacional de promover e fortalecer o respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais de todo ser humano indistintamente. Com este objetivo, o órgão das Nações Unidas responsável pelos direitos humanos, – CDH Comissão de Direitos Humanos, foi responsável pela elaboração de um documento internacional de direitos humanos, o que teve início pela criação da Declaração.
Desta forma, embasada no teor de todos os artigos da Carta das Nações Unidas, com ênfase especial ao seu primeiro artigo fica consolidado o movimento de internacionalização dos direitos humanos.
“Artigo 1. Os propósitos das Nações unidas são:
1. Manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim: tomar, coletivamente, medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução das controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da paz;
2. Desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal;
3. Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; e
4. Ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução desses objetivos comuns.” (BRASIL, 1945)[19]
Em que pese os direitos humanos estarem repetidamente tutelados na Carta das Nações Unidas, a qual determina sejam aqueles defendidos e promovidos entre os povos em caráter internacional e universal, lacunas ficaram presentes eis que não havia a definição do que significava a expressão “direitos humanos e liberdades fundamentais” a qual vem positivada no artigo 1.3. da referida Carta[20]: “Conseguir uma cooperação internacional […] para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião”.
Assim, imperioso se faz lançar mão dos estudos apresentados por Piovesan[21], em sua tese de Doutorado intitulada Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional quando aduz que, embora a Carta das Nações Unidas traga a necessidade e o dever de promover e respeitar os direitos humanos e as liberdades fundamentais , ela não define o conteúdo destas expressões, deixando-as em aberto. Daí o desafio de desvendar o alcance e significado da expressão “direitos humanos e liberdades fundamentais”, não definida pela Carta.
A lacuna existente na Carta das Nações Unidas quanto à significação da expressão “Direitos humanos e liberdades fundamentais” trouxe muita discussão para o meio jurídico e político mundial, eis que nesta expressão está o ponto nodal dos direitos humanos. Foi com o advento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, que foi definido, com precisão o elenco dos “direitos humanos e liberdades fundamentais”. Logo em seu artigo primeiro, a Declaração Universal dos Direitos Humanos aduz que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”[22].
Neste diapasão, trazendo a lume as palavras de Ramos, as quais sinteticamente traduzem a significação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, descrevendo os direitos políticos e civis e os direitos econômicos, sociais e culturais:
“No preâmbulo da Declaração é mencionada a necessidade de respeito aos “direitos do homem” e logo após a “fé nos direitos fundamentais do homem” e ainda o respeito “aos direitos e liberdades fundamentais do homem”. Nos seus trinta artigos, são enumerados os chamados direitos políticos e liberdades civis (arts. I-XXI), assim como direitos econômicos, sociais e culturais (arts. XXII-XXVII). Entre os direitos civis e políticos constam o direito à vida e à integridade física, o direito à igualdade, o direito de propriedade, o direito à liberdade de pensamento, consciência e religião, o direito à liberdade de opinião e de expressão e à liberdade de reunião.
Entre os direitos sociais em sentido amplo constam o direito à segurança social, ao trabalho, o direito à livre escolha da profissão e o direito à educação, bem como o “direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis” (direito ao mínimo existencial – art. XXV).[23]
Embasado nas ponderações estruturadas até o momento, importante destacar que, apesar de todo o lento processo de internacionalização dos direitos humanos, o qual perpassou por diversos Tratados e Organismos Internacionais, a efetiva Universalização, internacionalização e inerência dos Direitos Humanos, ocorreu com a edição da Declaração Universal de Direitos Humanos. A partir deste marco, basta a condição humana para ser titular dos direitos essenciais. Nas palavras de Casado Filho[24] “A partir da Declaração, pode-se dizer que o ser humano começou a ter voz no plano internacional…”.
Aprovada a Declaração Universal dos Direitos do Homem e, via de consequência, a internacionalização, a universalização dos direitos humanos na sua concepção contemporânea, necessário se faz analisar o valor jurídico desta Declaração. Nos ensinamentos de Piovesan[25] encontramos como resposta acerca desta indagação que, partindo da premissa de que a Declaração Universal dos Direitos do Homem possui força vinculante, ficam os Estados membros das Nações Unidas obrigados a promover o respeito e a observância universal dos Direitos positivados na Declaração.
O DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS E O DIR – DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS
Em época de eclosão de migrações de pessoas vindas de vários lugares do mundo, as quais vem buscar refúgio no Brasil, necessário se faz analisar se os Direitos Humanos dos refugiados que buscam refúgio no Brasil estão sendo respeitados; se a legislação brasileira está em consonância com os Tratados Internacionais dos quais é signatário. Neste diapasão calha referir que refugiado é todo indivíduo que, ameaçado e perseguido por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, precisam deixar seu local de origem ou residência habitual para encontrarem abrigo e morada em outros países do Globo.[26]
A análise da situação dos refugiados no Brasil reclama uma interpretação alicerçada em múltiplas divisões que passaram a tutelar a proteção da pessoa humana em qualquer circunstância. As tutelas internacionais dos Direitos Humanos são divididas em duas grandes esferas, uma em âmbito universal e outra em âmbito regional. Em âmbito universal compreende o DIDH – Direito Internacional dos Direitos Humanos, o DIH – Direito Internacional Humanitário e o DIR – Direito Internacional dos Refugiados, os quais, apesar de se constituírem como ramos distintos e autônomos, são considerados, na verdade vertentes complementares e convergentes do DIP – Direito Internacional Público.[27]
Cumpre aqui destacar as diferenças existentes entre os institutos do asilo e do refúgio, pois o asilo remonta ao final do Século XIX, ao passo que o refúgio foi tutelado somente após o final da I Guerra Mundial, ou seja, no Século XX. Ainda, o asilo, tanto o territorial quanto o diplomático, encontra-se ligado apenas ao fato de existir, em si, perseguição política que enseje o direito de proteção a algum indivíduo e é praticado, sobretudo, em perspectiva regional, no âmbito latino-americano. O direito de refúgio, por sua vez, é assegurado universalmente e aplicado, então, em âmbito universal, a partir de cinco motivos geradores do bem fundado temor de perseguição, seu elemento essencial, quais sejam: raça, religião, opinião política, pertencimento a um determinado grupo social e nacionalidade precípua de proteção da pessoa humana em toda e qualquer circunstância, tendo-a, consequentemente, como destinatário final de suas normas processuais e substantivas, são considerados vertentes complementares e convergentes do DIP.[28]
No âmbito regional a tutela dos direitos humanos é dividida em três sistemas: Sistema Europeu de Proteção dos direitos Humanos, Sistema Americano de Proteção dos Direitos Humanos e Sistema Africano de proteção dos Direitos Humanos.[29] No âmbito da proteção internacional dos Direitos Humanos acima mencionados será efetuado estudo sistemático de cada um dos três eixos individualmente, com maior ênfase no DIDH – Direito Internacional dos Direitos Humanos e no DIR – Direito Internacional dos Refugiados, que é aquele que, muito embora seja parte integrante dos demais, a saber:
“DIR – Direito Internacional dos Refugiados é o eixo que detém a finalidade precípua de, no cenário internacional, proteger os indivíduos que por motivos de raça, nacionalidade, opinião política, religião ou pertencimento a determinado grupo social, foram forçados a abandonar seus lares para irem viver em uma região do globo que não a sua de costume ou origem”.[30]
Observa-se pelo teor do artigo acima mencionado que o DIR – Direito Internacional dos Refugiados é responsável pela proteção dos refugiados, devendo salvaguardar a pessoa humana de qualquer tipo de violação de direitos, sejam eles civis, políticos, sociais, econômicos etc, estando alicerçado no princípio internacional de proteção a pessoa humana. Nas palavras de Almeida[31] temos que o Direito Internacional dos Refugiados (DRI) é um dos pilares máximos do Direito Internacional dos Direitos Humanos (lato sensu) e seu objetivo principal é proteger pessoas que, por perseguição em função da raça, da opinião política, da nacionalidade, da religião ou da pertença a determinado grupo social, foram forçadas a abandonar seus lares e a viver em áreas territoriais que não as suas de origem.
Na mesma linha do Direito Internacional dos Direitos Humanos, o Direito Internacional dos Refugiados tem como objetivo principal a proteção do ser humano. Neste, a proteção ocorre em casos específicos, ou seja, “… o DIR age na proteção do refugiado, desde a saída do seu local de residência, trânsito de um país a outro, concessão do refúgio no país de acolhimento e seu eventual término”.[32]
O Direito Internacional dos refugiados, bem como o Direito Internacional Humanitário não excluem o Direito Internacional dos Direitos Humanos, eis que este é mais abrangente que aqueles, pois se trata de leis especiais e aquele lei genérica, que é aplicada subsidiariamente a todas as situações quando da ausência de previsão específica. Entre os eixos há uma relação de complementaridade, eis que nas lacunas dos específicos, aplica-se o genérico, no caso, o Direito Internacional dos Direitos Humanos. (RAMOS, p. 22) [33]
Insta referir que o Direito Internacional dos Refugiados é anterior a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do próprio Direito Internacional dos Direitos Humanos, eis que remonta ao de 1921 com a criação do Alto Comissariado para os refugiados Russos, o qual foi seguido de outros organismos e comitês com objetivo de proteção aos refugiados. Mas foi no período pós Segunda Guerra Mundial que o mesmo se fortaleceu, juntamente com a Declaração dos Direitos do Homem e da internacionalização dos Direitos Humanos.[34]
Cabe assinalar que foi em meados do mês de julho de 1951 que foi aprovado, pela Conferência das Nações Unidas, o Estatuto dos Refugiados e Apátridas, ao qual o Brasil aderiu. A Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, nos moldes do entendimento de Saadeh; Eguchi[35] “… é considerada a Carta Magna do instituto ao estabelecer, em caráter universal, o conceito de refugiado bem como seus direitos e deveres; entretanto, definiu o termo "refugiado" de forma limitada temporal e geograficamente.
Frente à limitação temporal e geográfica da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados – CRER, de 1951; em 1967 foi aprovado o Protocolo Relativo ao Estatuto dos Refugiados – PRER o qual suprimiu a limitação antes referida quanto a questão temporal, ficando facultativo a cada Estado-Parte regulamentar as limitações ou não.[36] (ONU, 1967).
O DIR – DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS NO ORDENAMENTO BRASILEIRO
Com o objetivo de regulamentar sua adesão ao Estatuto dos Refugiados, na data de 28 de janeiro de 1961, o Brasil promulgou o Decreto 50.215, por meio do qual foi dado ciência aos brasileiros de todos os termos do Tratado que o Brasil era signatário. A adesão do Brasil foi efetuada, mas com reservas geográfica e temporal, além de limitações dos direitos de associação e de labor remunerado. Foi em 1972 que, de fato, o Brasil aderiu ao Estatuto dos Refugiados, quando foi derrubada a reserva temporal. Na sequencia, em 1989 e 1990, por meio de Decretos Presidenciais, forma derrubadas as restrições da reserva geográfica e de limitações dos direitos de associação e de labor remunerado.[37]
Posteriormente foi promulgada a Lei n. 9.474, de 22.7.1997, a qual constitui em verdadeiro Estatuto pessoal do refugiado no Brasil.[38]
Consoante entendimento de Ramos [39] em sua obra intitulada Curso de Direitos Humanos, pode-se definir “refugiado” com a combinação do artigo 1º do Protocolo com o artigo primeiro da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, a saber:
“Combinando-se o que determina o art. 1º do Protocolo com o art. 1º da Convenção, pode-se definir “refugiado” como:
• pessoa que é perseguida ou tem fundado temor de perseguição;
• por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas e
encontra-se fora do país de sua nacionalidade ou residência;
• e que não pode ou não quer voltar a tal país em virtude da perseguição ou fundado
temor de perseguição”.
A Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados traz em seu bojo os direitos e deveres dos refugiados, sendo que dentre estes o dever em respeitar as leis do país de acolhida. Quanto aos direitos, os signatários assumem o compromisso, conforme teor do art. 3º, de aplicar as disposições da Convenção aos refugiados “sem discriminação quanto à raça, à religião ou ao país de origem”.[40]
Importante trazer a baila, ainda, os direitos tutelados no Capítulo III da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, o qual cuida do exercício de empregos remunerados pelos refugiados (art.17) determinando a aplicação do mesmo tratamento dispensado ao estrangeiro, ou ao nacional quanto às regras trabalhistas e previdenciárias.[41]
Necessário evidenciar que, com o advento da Constituição Federal de 1988, vários dispositivos reproduzem fielmente enunciados constantes dos tratados internacionais de direitos humanos[42]. E, ainda, cabe destacar a força hierárquica dos Tratados Internacionais no ordenamento brasileiro que, por força das alterações trazidas pela emenda 45/2004, da Emenda Constitucional n. 45, que introduziu na Constituição de 1988 o § 3º do art. 5º, dispõe: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.[43]
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste cenário de tutela e respeito universal aos direitos do homem, ou seja, a internacionalização dos direitos humanos, onde os indivíduos passaram a ser sujeitos de direito internacional, o Brasil passou a implementar políticas públicas baseadas na tutela destes direitos. Evidencia-se que esta mudança de paradigma político teve por base a democratização que teve seu ponto inicial em 1985 e culminou com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Foi com estas alterações no âmbito da política interna que o Brasil voltou a ter respeito em âmbito internacional quanto a questão da proteção dos direitos humanos, o que era e ainda é de interesse da comunidade internacional.
A partir da Emenda Constitucional 45 de 2004, os Tratados Internacionais sobre direitos humanos dos quais o Brasil é signatário passam a ter hierarquia de norma constitucional, passando assim, a fazer parte integrante do Texto da Constituição.
Quanto a importante questão sobre o Direito Internacional dos Refugiados e sua adequação e incorporação ao ordenamento Jurídico Brasileiro, tratada na Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados pode-se destacar que muitos avanços houve, mas muitos ainda estão por vir a fim de efetivar os direitos dos refugiados, os quais são garantidos por Tratados Internacionais dos quais o Brasil é signatário. Dentre as lacunas evidenciadas quanto aos direitos dos refugiados, tanto no Brasil quanto no âmbito internacional, mister se faz destacar a necessária evolução jurídica quanto aos direitos do refugiado ambiental, eis que novos conceitos surgiram e outros tantos vão surgir. Assim premente que novos institutos sejam criados, ou que os atuais sejam devidamente adequados à nova realidade, novos conceitos de refugiados fazem parte da realidade atual. Portanto, este viés dos “Direitos Humanos é assunto instigante, desafiador e emergencial, na medida em que busca romper com conceitos clássicos e vigentes, e necessário para a eliminação ou amenização das inseguranças e dos riscos hodiernos a que a sociedade está exposta”.[44](ALMEIDA, 2015).
Neste diapasão ficou evidente a constante alteração das necessidades dos seres humanos, as quais deve o Direito Internacional dos Direitos Humanos, bem como seus Estados Signatários, estar em consonância, o que exige constante adequação e evolução jurídica, bem como o pleno e total comprometimento do Estado Brasileiro à causa dos direitos humanos.
Advogada, Pós-graduanda em Direito Civil e Processual Civil pela UNICRUZ – Universidade de Cruz Alta. Possui curso de formação com carga horária de 530h pela Fundação Escola Superior do Ministério Público
Acadêmica de Direito pela UFPEL – Universidade Federal de Pelotas
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