O Direito Penal simbólico, o Direito Penal mínimo e a concretização do garantismo penal

Resumo: Modernamente o Direito Penal tem se preocupado em combater através da mínima intervenção estatal e da garantia legal uma modalidade de direito concretizada pelos efeitos maléficos produzidos por um direito penal simbólico


Sumário: 1. O Direito Penal Simbólico – conceito e efeitos; 2. O Direito Penal Mínimo e o Intervencionismo Penal; 3. O Garantismo como arma contra a intervenção estatal exarcerbada; 4. Considerações Finais; 5. Referências Bibliográficas.


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1. O Direito Penal Simbólico – conceito e efeitos


O Direito Penal Simbólico é aquele que tem uma “fama” de ser rigoroso demais e por esse motivo acaba sendo ineficaz na prática, por trazer meros símbolos de rigor excessivo que, efetivamente, caem no vazio, diante de sua não aplicação efetiva, justamente pelo fato de ser tão rigoroso.Hoje em dia, o Brasil passa por uma fase onde leis penais de cunho simbólico são cada vez mais elaboradas pelo legislador infraconstitucional. Essas leis de cunho simbólico, de acordo com a jurista Ada Pellegrini Grinovver,  trazem uma forte carga moral e emocional, revelando uma manifesta intenção pelo Governo de manipulação da opinião pública, ou seja, tem o legislador infundindo perante a sociedade uma falsa idéia de segurança.


Não se pode deixar de falar aqui sobre a teoria do Abolicionismo Penal que desenvolveu-se principalmente na Europa, tendo como marca o seu posicionamento extremo. O abolicionismo Penal revelou-se como o meio mais radical de enfrentar a realidade do Direito Penal, tendo sua doutrina pregado a substituição do Direito Penal por outras formas não punitivas de solução dos delitos praticados. A doutrina do Abolicionismo penal preconiza que o Direito Penal, não é o único meio de repressão a violência, pois que apenas impõe punição, conforme ensinamentos do Professor Tourinho Filho.


Não se pode deixar passar que apesar do abolicionismo ter fracassado nos países onde surgiu (Escandinavos e Holanda), sua grande contribuição é a humanização defendida em face da falência do direito de punir do Estado, que se mostrou incompetente em ressocializar o infrator e de lhe possibilitar um cumprimento de pena digno à sua qualidade de ser humano.


Na realidade, o processo penal tem uma função garantista dada ao cidadão de que todos os direitos previstos na Constituição lhe serão assegurados, pois de nada adianta, v.g., assegurar-lhe o direito de ampla defesa como todos os meios e recursos a ela inerentes (cf. art. 5º, LV) se a sanção penal lhe foi aplicada sem que pudesse se defender dos fatos que lhe foram imputados; se sequer foi citado para responder a acusação; ou, por último, se foi condenado por fato diverso do que constava na denúncia ( ensinamentos de Claus ROXIN).


O que é importante entender na verdade é que os termos “simbólico”, “símbolo”, “simbolismo” etc. são, inegavelmente, utilizados nas mais diversas áreas da produção cultural do homem, freqüentemente sem que houvesse qualquer necessidade de uma definição prévia, uma vez que se trata de expressões de significado bastante evidente, ou seja, unívoco, partilhado de forma universal, em que pese algumas opiniões divergentes.


Sobre o assunto ROXIN diz:


“Assim, portanto, haverá de ser entendida a expressão “direito penal simbólico”, como sendo o conjunto de normas penais elaboradas no clamor da opinião pública, suscitadas geralmente na ocorrência de crimes violentos ou não, envolvendo pessoas famosas no Brasil, com grande repercussão na mídia, dada a atenção para casos determinados, específicos e escolhidos sob o critério exclusivo dos operadores da comunicação, objetivando escamotear as causas históricas, sociais e políticas da criminalidade, apresentando como única resposta para a segurança da sociedade a criação de novos e mais rigorosos comandos normativos penais.”


É natural, desta forma que entre as principais necessidades e aspirações da sociedade humana, erija-se a segurança jurídica como uma das mais importantes, pois sabe-se que o convívio dos homens entre si gera sempre conflitos.Tais conflitos, como a própria história já demonstrou, necessitam ser equacionados e solucionados, tendo o direito como principal finalidade a dirimência dos conflitos existentes na sociedade, visando dar garantia e segurança aos indivíduos, restabelecendo a ordem e mantendo o equilíbrio social.


Daí porque não há pessoa, grupo social, entidade pública ou privada, que não tenha necessidade de segurança, para atingir seus objetivos e até mesmo de sobreviver, pois é certo que uma sociedade sem direito, sem normas, sem leis, não possui segurança e corre grande risco. Alguns, contudo, pelo fato de ser quase unânime o reconhecimento dessa necessidade, passaram a considerar a segurança como um dos objetivos fundamentais da ordem social, relegando outros valores tão ou mais importantes para segundo plano.


2. O Direito Penal Mínimo e o Intervencionismo Penal


O penalista e doutrinador Paulo Queiroz diz:


“Dizer que a intervenção do Direito Penal é mínima significa dizer que o Direito Penal deve ser a ‘ultima ratio, limitando e orientando o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta somente se justifica se constituir um meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. O Direito Penal somente deve atuar quando os demais ramos do Direito forem insuficientes para proteger os bens jurídicos em conflito.”


Pelo Direito Penal Mínimo se outras formas de sanção ou controle social forem eficazes e suficientes para a tutela dos bens jurídicos, a sua criminalização não é recomendável conflitando com um Direito Penal simbólico que atualmente se insere no ordenamento jurídico pátrio.


No atual contexto brasileiro, de um Estado Democrático de Direito, é difícil negar que o Direito Penal mais coerente seja o chamado Direito Penal Mínimo. Ou seja, um Direito Penal assentado nas máximas garantias constitucionais; sobretudo, nos princípios basilares advindos, expressa ou implicitamente, da Carta Magna, tais como: o princípio da dignidade da pessoa humana (base de todos os outros), o princípio da intervenção mínima, princípio da ofensividade, princípio da insignificância, princípio da legalidade, dentre tantos outros.


Assim, de acordo com Callegari, se faz necessária uma efetiva descriminalização de certos tipos penais que realmente não afrontam bens jurídicos importantes. A manutenção desses tipos incriminadores, de pouca relevância, só atrapalha a atividade policial, que ao invés de estar atuando nos casos de real importância, perde seu tempo com verdadeiras bagatelas; também, o exercício da Justiça Criminal, que se mantém emperrada devido ao grande número de processos versando sobre questões irrelevantes.


O renomado professor Callegari diz:


“Haja vista que o Direito Penal lida com o bem jurídico liberdade, um dos mais importantes dentre todos, nada mais lógico do que esse ramo do Direito obrigar-se a dispor das máximas garantias individuais. E mais, conhecendo o nosso sistema carcerário, fica claro que só formalmente a atuação do Direito Penal restringe-se à privação da liberdade. Na prática, a sua ação vai mais além, afetando, muitíssimas vezes, outros bens jurídicos de extrema importância, como a vida, a integridade física e a liberdade sexual, verbi gratia; uma vez que no atual sistema prisional são freqüentes as ocorrências de homicídios, atentados violentos ao pudor, agressões e diversos outros crimes entre os que ali convivem.”


Também, por esses mesmos motivos que já foram citados não podem indubitavelmente fazer parte da tutela do Direito Penal as pequenas ofensas, devendo ser observado ao máximo o seu caráter subsidiário . Estas pequenas infrações devem passar a ser protegidas por outros ramos do Direito, menos gravosos, como o Direito Administrativo, Direito Civil, dentre outros. No entanto, ao passo que haja a implementação de um Direito Penal mínimo, não se pode descuidar de suas principais missões. Entre estas, por exemplo, está uma das mais importantes, que é a de se conter a vingança privada. Uma vez que o Estado passa a assumir o monopólio do castigo, o que se espera é evitar-se a imposição desse castigo pelos particulares.


Callegari ainda diz:


“Acontece que quando o Estado, através do Direito Penal, único ramo do ordenamento jurídico competente para cuidar da cominação de penas, passa a descuidar-se desse aspecto, dá lugar às crescentes investidas violentas por parte dos indivíduos na suposta realização de justiça. Na atualidade, os inúmeros casos de linchamentos que vêm acontecendo constantemente, assim como as incontáveis ações dos chamados grupos de extermínio, demonstram que o Direito Penal atual não está, ao menos de forma eficiente, cumprindo sua missão de contenção da violência privada.”


O sistema de execução penal brasileiro, e o mesmo ocorre a nível mundial, conserva desde sua origem, a privação da liberdade como seu maior elemento estruturador. Ou seja, na grande maioria dos casos não há pena sem que se leve em conta a privação da liberdade De longa data pensadores, juristas, pessoas e instituições defensoras dos direitos humanos alertam para o que hoje vemos acontecer, a falência da estrutura de execução penal. A sociedade acaba pr ficar insegura e vítima constante da violência urbana, assiste estarrecida às horríveis cenas protagonizadas pelos seus “algozes” que, em cumprimento de pena, devem retornar, no final, ao seu convívio.


Quanto à alternatividade de penas, Callegari afirma:


“Desde muito assistimos sua aplicação e, nosso estado, mantendo a tradição de vanguarda no panorama jurídico nacional, já as tem utilizado em larga escala, proporcionando que muitos apenados, ao invés de superlotarem os presídios cumpram suas penas em regime de liberdade, exercendo atividades laborais junto a empresas e instituições integrantes ou não do governo.”


Quanto ao fato da descriminação, esta já tem merecido certa atenção e maior destaque receberá, pelo ineditismo e pela incógnita que é. Excluir a criminalidade de condutas implica em revisar o conceito de crime, de tal maneira que o que hoje é considerado crime, amanhã, não o será. Que critérios devem ser utilizados para isso é o grande questionamento do momento.


3. O Garantismo como arma contra a intervenção estatal exarcerbada


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Como resposta ao exarcerbado poder punitivo conferido ao Estado, surge no mundo jurídico uma doutrina criminológica de aplicação processual penal, difundida pelo douto jurisconsulto Luigi Ferrajoli: o Garantismo Penal, ou conforme alguns doutrinadores preferem denominar, o Neoclassicismo.


Em seu livro Derecho y Razón, Ferrajoli apresenta um modelo de aplicação da lei penal adjetiva, visando a ampliação da liberdade do homem em detrimento da restrição do poder estatal, minimizando o jus penales puniendi. É uma solução para a histórica antítese entre liberdade do homem e poder estatal.


As palavras direito, privilégio, isenção, responsabilidade e segurança são expressas em nossa língua como sinônimas do vocábulo garantia, utilizado em nosso ordenamento jurídico pelo direito constitucional como prerrogativa da cidadania.


Tornou-se comum os operadores do direito confundirem o garantismo com o abolicionismo penal, sendo este a defesa da liberdade selvagem do homem enquanto que aquele rechaça tal doutrina afirmando que o Estado tem o dever de regrar tal independência. O garantismo também repele o Estado Liberal que age com excesso no direito de punir.


Conceitua-se Garantismo Penal como o modelo de direito consistente em uma liberdade regrada, sendo o meio-termo entre o Abolicionismo Penal e o Estado Liberal.


No nosso conjunto de leis já vemos algumas inovações que primam pela aplicação desse ideal criminológico-processual, como a Lei n.º 11.006/2006 que revogou o crime de adultério, afirmando, assim, o princípio da intervenção mínima ao deixar tal fato à análise do direito civil.


Ferrajoli prega nesse ensinamento que algumas técnicas deverão ser utilizadas no processo de minimalização do poder institucional: o aplicador do direito deve valer-se da consagração de dez axiomas, princípios norteadores do direito penal, que trazem em suas normas garantias relativas à pena, ao delito e ao processo.


Como garantias em relação à pena: 1) nulla poena sine crimine – emprego do princípio da retributividade – o Estado somente pode punir se houver prática da infração penal; 2) nullum crimen sine legeé o princípio da legalidade, que preconiza quatro preceitos: a) o princípio da anterioridade penal; b) a lei penal deve ser escrita, vedando desta forma o costume incriminador; c) a lei penal deve também ser estrita, evitando a analogia incriminadora; d) a lei penal deve ser certa, ou seja, de fácil entendimento; decorre daí o princípio da taxatividade ou da certeza ou da determinação; 3) nulla lex penales sine necessitate ou princípio da necessidade, ou como modernamente é denominado, princípio da intervenção mínima – não há lei penal sem necessidade. O direito penal deve ser tratado como a derradeira opção sancionatória no combate aos comportamentos humanos indesejados.


Vê-se como garantias relativas ao delito: 1) nulla necessitas sine injuria ou princípio da lesividade ou ofensividade – não há necessidade se não há também uma relevante e concreta lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico tutelado; 2) nulla injuria sine actione ou princípio da exterioridade da ação, que proíbe a criação de tipos penais que punam o modo de pensar, o estilo de vida. Há somente a punição pela ação ou omissão do homem, pois o direito penal é do fato e não do autor; 3) nulla actio sine culpa ou princípio da culpabilidade – deve-se apurar o grau de culpa (dolo ou culpa stricto senso) para então dosimetrar a punição pela prática humana.


E finalmente determinanam-se como garantias relacionadas ao processo: 1) nulla culpa   sine judicio ou princípio da jurisdicionariedade – não há reconhecimento de culpa sem que o órgão jurisdicional a reconheça; 2) nullum judicium sine acusationes ou princípio acusatório – o poder judiciário não afirma o direito de ofício, devendo ser provocado; referido poder é inerte (princípio da inércia). Frederico Marques dizia que “o juiz é um expectador de pedra”, ou seja, por ser inerte não pode agir; 3) nulla acusation sine probatione ou princípio do ônus da prova – não há acusação sem a existência de prova ou suficiente indício de autoria; 4) nulla probation sine defensione ou princípio da ampla defesa e do contraditório.


4. Considerações Finais


O garantismo penal não se configura como uma doutrina distante de ser efetivamente concretizada no mundo jurídico atual, pois existem modernamente movimentos penais e criminológicos que ostentam a essência desse tirocínio, sendo a escola do direito penal mínimo seu maior representante entre seus defensores.


O alcance dessa teoria seria a eficácia do direito penal no mundo contemporâneo, enfrentando, sobremaneira, a atuação do Direito Penal Simbólico, atenuando os efeitos do chamado Direito Penal do Inimigo.


 


Referências bibliográficas

BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal, 12.a ed., São Paulo, Saraiva, 2008.

BOBBIO, Norberto.  A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 2004.

CALLEGARI, André Luiz. O Princípio da Intervenção Mínima no Direito Penal. IBCcrim, nº 70, 1998, P 478.

FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón – teoria do garantismo penal. 2.a ed., trad. de Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantanero Bandrés, Madrid, Editorial Trotta, S.A., 1997.

FERRI, Enrico. Princípios de Direito Criminal. Trad. de Paolo Capitanio, Campinas, Editora Bookseller, 2002.

GRINOVVER, Ada Pellegrini. Eficácia e Autoridade da Sentença Penal. 1 edição, São Paulo, RT, 1978. p 58.  

KELSEN. Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

QUEIROZ, Paulo. Sobre a Função do Juiz Criminal na Vigência de um Direito Penal Simbólico. IBCcrim, nº 74, 1999.

ROXIN, Claus. Derecho Procesal Penal. 25 edição, Buenos Aires, Del Puerto, ano 2000.

SILVA SÁNCHEZ, Jesús María. Aproximación al derecho penal contemporáneo. Barcelona, Bosch Editor S.A., 1992.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 23. edição, São Paulo, Saraiva, 2008, p 91.


Informações Sobre o Autor

Júlio Gomes Duarte Neto

Coordenador e Docente do Curso de Direito na Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL; Coordenador do Núcleo de Pós-Graduação e Docente do Centro de Ensino Superior Arcanjo Mikael de Arapiraca – CESAMA; Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino; Pós-Graduado em Ciências Criminais, Direito Educacional e Fundamentos Científicos e Epistemológicos da Pesquisa.


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