Resumo: O Direito Penal Subterrâneo, como vem sendo difundido amplamente na doutrina, é o exercício despótico da legislação pelos próprios agentes da Administração Pública, por meio da inobservância do dever de conduta atinente ao homem público.
Sumário: 1. Introdução 2. Agências Executivas e o Direito Penal Subterrâneo 3. ABIN e sua ligação com o Direito Penal Subterrâneo 4. Criação da Comissão da Verdade e sua importância para o estudo do Direito Penal Subterrâneo. Referências bibliográficas.
1. Introdução
O Direito Penal Subterrâneo, como vem sendo difundido amplamente na doutrina, é o exercício despótico da legislação pelos próprios agentes da Administração Pública, por meio da inobservância do dever de conduta atinente ao homem público.
Exemplificando, essa submersão trata dos delitos cometidos como execuções ao arrepio do devido processo legal constitucional, torturas físicas e psicológicas realizados por agentes da Agência Brasileira de Inteligência – ABIN.
Essa última conduta criminosa se revela no escondido, ou é construída em baixo da terra sem ninguém ver e perceber, tal como defendido por esse moderno instituto denominado Direito Penal Subterrâneo ou Submerso.
Assim, se uma agência executiva exerce descontroladamente o direito de punir à margem de qualquer legalidade, está ela agindo como se fosse um estado paralelo. Eis a razão de se estudar o direito penal subterrâneo, enfatizando que se trata do estudo das antijuridicidades que ocorrem no profundo e no escondido.
A questão da votação no Congresso da Comissão da Verdade continua a provocar polêmica e a cada dia surgem novas denúncias sobre participação de agentes do Estado brasileiro que torturaram e mesmo assassinaram opositores durante o regime ditatorial que passou a vigorar no Brasil a partir da derrubada do Presidente constitucional João Goulart.
O deputado Brizola Neto, do PDT do Rio de Janeiro, pediu inclusive urgência no sentido dos parlamentares decidirem votar imediatamente a matéria para que os brasileiros possam virar uma página de sua história e consolidar a democracia.
Vejamos então a síntese da ligação fática com direito penal subterrâneo.
2. Agências Executivas e o Direito Penal Subterrâneo
Ainda que as agências executivas estejam intimamente ligadas aos órgãos executivos, é de se defender que não é lícito entendê-las como independentes em relação aos seus atos.
De acordo com a jurista Maria Sylvia Zanella di Pietro, “No direito norteamericano, as agências reguladoras gozam de certa margem de independência em relação aos três Poderes do Estado“.
Veja-se que essa independência em relação ao Estado só ocorre no direito comparado, a exemplo do direito no sistema americano common low, conforme citado por Zanella di Pietro.
É importante assinalar, que as agências executivas dispõem de função normativa, que justifica o nome de órgão regulador ou agência reguladora. Suas decisões não podem ser alteradas ou revistas por autoridades estranhas ao próprio órgão.
Vale lembrar que elas dispõem de função quase-jurisdicional, no sentido de que resolvem, no âmbito das atividades controladas pela agência, litígios entre os vários delegatários que exercem serviço público mediante concessão, permissão ou autorização e entre estes e os usuários dos serviços públicos.
As Agências Executivas são instituídas pelo Poder Público com intuito de otimizar recursos, reduzir custo e melhorar a prestação de serviços. Não se trata de nova entidade estatal, mas de novo atributo ou qualificação da entidade já existente.
Bom seria se ficassem apenas nesses conceitos básicos do que se revelou ser a agência executiva e sua atuação, posto que, segundo o professor Zaffaroni, o sistema penal subterrâneo é exercido pelas agências executivas de controle – portanto, pertencentes ao Estado – à margem da lei e de maneira violenta e arbitrária, contando com a participação ativa ou passiva, em maior ou menor grau, dos demais operadores que compõem o sistema penal.
O sistema penal paralelo, a propósito, é exercido por agências que não fazem parte do discurso manifesto do sistema penal, mas que, como aquelas, exercem o ius puniendi.
Todo sistema penal paralelo pune com a mesma impetuosidade que o Estado, como se estivesse agindo em repressão a uma atividade não fomentada pelo Estado, isto é, não permitida.
Para exemplificar o sistema paralelo de que aqui se fala, temos o banimento de atletas pelas federações esportivas em caso de doping, sanções administrativas que inviabilizam empreendimentos comerciais, multas de trânsito de elevado valor, ações fiscalizatórias do Inmetro que multam estabelecimentos que não utilizam balanças de medição digitais, entre outras.
Isso ocorre em razão da incompetência operacional das agências do sistema penal, tais como Polícia, Ministério Público e Judiciário em suas atividades precípuas.
Essa incompetência é compensada pelo amplo desrespeito às leis. A partir daí, tem-se o lema de não mais se investigar ou fiscalizar, mas torturar e silenciar. Há uma conivência disfarçada entre as autoridades constituídas que absurdamente administra o desrespeito às leis.
Dessa forma, acaba resultando em uma troca de papéis. Amordaça o judiciário e o órgão do parquet e tais agências realizam o direito de punir.
Observa-se, por óbvio, que o sistema penal subterrâneo tem um caráter de instituição, ante aos fatos envolvendo a pena de morte, desaparecimentos, torturas, seqüestros, exploração do jogo, da prostituição, entre outros delitos ligados a atos investigativos das agências.
3. ABIN e sua ligação com o Direito Penal Subterrâneo
É sabido que a Agência Brasileira de Inteligência é uma agência executiva ligada diretamente à Presidência da República e, coerentemente é citada neste artigo como uma entidade que pode ser exemplificada como órgão que evidencia o direito penal subterrâneo, embora não atue, certamente, ao arrepio da lei, como aqui é abordado.
A citação da Agência Brasileira de Investigação no início deste artigo se faz com intuito exemplificativo, conquanto saibamos da responsabilidade de vincular este órgão do governo ao direito penal subterrâneo.
Conforme entendimento do argentino Eugenio Raúl Zaffaroni in (Direito Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 52-53; 69-70), o sistema penal subterrâneo é praticado pelas agências pertencentes ao Estado à margem da lei e de maneira violenta e arbitrária, contando com a participação ativa ou passiva, em maior ou menor grau, dos demais operadores que compõem o sistema penal.
4. Criação da Comissão da Verdade e sua importância para o estudo do Direito Penal Subterrâneo
Veja um fato difundido na mídia eletrônica recente no blog do jornalista Paulo Fonteles Filho que demonstra a ligação da ABIN com o direito penal subterrâneo:
“[…] Rádio Brasil Atual entrevistou na quarta-feira, 11 de maio, o pesquisador Paulo Fonteles Filho. Em debate, a Guerrilha do Araguaia. Ele revelou na conversa que o ex-senador e delegado da Polícia Federal Romeu Tuma chefiou a repressão aos guerrilheiros do Araguaia. Paulo denuncia também o envolvimento de agentes da repressão que atuam hoje na Abin (Agência Brasileira de Inteligência) do Pará na ocultação de cadáveres de desaparecidos políticos e na destruição de documentos da ditadura militar. Paulo está sendo ameaçado de morte em função dessas denúncias. O pesquisador também destaca o envolvimento de empresários no financiamento da tortura durante os anos de chumbo. A empreiteira Camargo Correa é uma das empresas que financiaram a repressão aos ativistas de esquerda.”
E completando a matéria jornalística afirma Mario Augusto Jakobskind:
“[…] A denúncia foi feita por Paulo Fonteles Filho em longa entrevista na rádio Brasil Atual e incrimina dois atuais agentes da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) no Estado do Pará, o vice-superintendente do órgão, Magno José Borges e Armando Souza Dias. Segundo Fonteles Filho, os dois agentes participaram diretamente de torturas e assassinatos de militantes da guerrilha do Araguaia nos anos 70. Na ocasião, centenas de integrantes do foco guerrilheiro na região que atualmente integra o Estado de Tocantins foram presos e mortos em circunstâncias até hoje oficialmente mantidas ocultas pelos militares responsáveis pela repressão. Há denúncias inclusive de fuzilamentos sumários e até mesmo de esquartejamentos de guerrilheiros por oficiais do Exército brasileiro. Um dos poucos que conseguiram sobreviver nesse período foi o ex-deputado José Genuíno, do Partido dos Trabalhadores, atualmente assessor do Ministro da Defesa, Nelson Jobim. Fonteles Filho não se resume em acusar os dois agentes hoje servindo a ABIN. Ele garante que o recentemente falecido Senador Romeu Tuma, do PTB de São Paulo, participou diretamente das atrocidades no Araguaia e na época se apresentava na região como Doutor Silva.”
Por iguais razões, temos visto amplamente na mídia as inúmeras denúncias que chegam, o que faz aumentar a expectativa de criar a Comissão da Verdade, que não terá punirá os envolvidos, mas esclarecerá os fatos relacionados aos direitos humanos na ditadura militar.
É de se dizer, conclusivamente, que a demonstração dos atos traz à tona o direito penal subterrâneo aqui debatido, contudo face às implicações que podem resultar das investigações, a Comissão da Verdade a ser criada terá limites.
O que se observa é uma prudência em instituir essa comissão da verdade que poderá abrir os arquivos e revelar o profundo e o escondido.
Enfim, caso seja revelado o vasto arquivo da ditadura militar e atividades da Agência Brasileira de Investigação quem ganhará será a sociedade, posto que será difundido a democracia e conhecimento quanto ao direito penal subterrâneo.
Informações Sobre o Autor
Hebert Mendes de Araújo Schütz
Mestre em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás analista judiciário do Tribunal de Justiça de Goiás e professor da FAR – Faculdade Almeida Rodrigues em Rio Verde-GO