Resumo: O referido trabalho tem como escopo trazer à lume a aplicabilidade/inaplicabilidade da cláusula de não indenizar, sendo a mesma reflexo do princípio da autonomia da vontade nas relações horizontais, delimitado pela nova axiologia Consitucional, Neoconstitucionalismo, que tem em seu bojo normas-principiológias que condicionam e concomitantemente são condicionadas (pseudo antinomia), como a função social do contrato, solidariedade nos contratos, boa-fé contratual, dentre outras. E que se irradia por todo ordenamento jurídico, in stricto sensu, analisada sob a ótica Civilista e em correlatos a seara Consumerista, conformado pela Teoria do dialógo das Fontes. [1]
Palavras-chave: Cláusula de não indenizar, Autonomia da vontade, Neoconstitucionalista, função social do contrato, boa-fé contratual.
Resumen: Ese trabajo es traer a la luz del ámbito de aplicación / no aplicación de la cláusula de no compensa, y refleja el principio de libertad de elección en las relaciones horizontales, delimitado por la nueva axiología Consitucional (neoconstitucionalismo) que tiene en su centro estándares principiológias que condicionan y son condicionados al mismo tiempo (antinomia pseudo), en función del contrato social, contratos de solidaridad, la buena fe contractual, entre otras. Y que irradia todo el ordenamiento jurídico, en el sentido estricto, desde la perspectiva civilista analizan y correlacionan la cosecha Consumerista, formado por la Teoría del cuadro de diálogo Fuentes.
Palabras-clave: Cláusula de no indemnizar, Libertad de elección, Neoconstitucionalista, función social del contrato, de buena fe contractual.
Sumário: Introdução. 1. Os efeitos do Neoconstitucionalismo nos contratos horizontais. 1.1.A Constitucionalização do Direito Civil. 2.A Função Social do Contrato. 3.Conceito e Natureza da Cláusula de Não Indenizar. 3.1.Da Responsabilidade Contratual e da obrigação sucessiva desta. 4.A dialetização das norma-principiológicas na aplicabilidade/inaplicabilidade da cláusula não indenizatória no liame horizontal (contratos privados). Considerações Finais.
“Não se trata de saber quais e quantos são estes direitos, qual é a natureza e seus fundamentos, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mais sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados.” Norberto Bobbio.
Introdução
É cediço que uma das teleologias do Direito é ser um instrumento-meio apaziguador de realidades conflitantes e litigiosas, portanto, se o mesmo não estiver bem situado cronologicamente e espacialmente (atual), pode ser utilizado como um verdadeiro devaneio, um retrocesso social, visto que a sua efetividade se torna obsoleta, se é que podemos falar em “efetividade”, secundum legem (art.113 do CC/02) . O Direito como um todo deve se coadunar com a “era”[2] em que se está situado, pois, o Direito não conformador dos fatos jurídicos (vontade humana), o qual é a principal manancial indutora (valor) do Direito.
Essa característica da atualidade do Direito, se faz por meio da flexibilização das normas jurídicas, pois é lógico que como os fatos são fatores impulsionadores da atividade legiferante, normagênese jurídica, e essa não é capaz de acompanhar em paridade o evolver complexo das sociedades pós-moderna, surge daí a necessidade de atualização das normas, veiculadas pelo processo interpretativo daqueles que o opera, dessarte isso só fora possível a partir da concepção do pós-positivismo jurídico, consubstanciado no ordenamento jurídico brasileiro por meio dos conceitos indeterminados, conceitos abertos (normas-principiológicas) abarcada pela nossa Constituição, dialogando com todo o arcabouço jurídico vigente no país.
1. Os efeitos do Neoconstitucionalismo nos contratos horizontais
Os efeitos do Constitucionalismo neo-positivista surgira em circunstâncias materiais que o reclamavam, pois o sistema jurídico não condicionava em suas comportas o volume de situações, que diante da iliquidez do mesmo, acabariam sucumbindo não o Direito em si, mas aqueles a que o Direito tem prioridade em tutelar, as pessoas humanas, visto que essa transcedência à personalidade individual de cada ser para a universalidade essencial do mesmo (humanidade), tem sido ofuscado diante da dantesca dimensão sócio-jurídico do pós-capitalismo, em prol do mercado global, formando um contigente planetário em detrimento daquele contigente social que existia, por exemplo, na epóca da política do café-com-leite, passos timidos ao capitalismo de XX (modernidade), com a existência de barreiras protecionistas, que hoje dão lugar, paulatinamente, a rede social e consumerista mais unificados e globalizados, podendo ser visualizada de forma bastante clara o que fora explicitado, na seguinte passagem de TARTUCE (2012;5):
“No contexto da presente obra, nota-se que o Código Brasieliro de Defesa do Consumidor constitui uma típica norma pós-moderna, no sentido de rever conceitos antigos do Direito Privado, tais como o contrato, a responsabilidade civil e a prescrição”. (grifo nosso).
“O fenômeno pós-moderno, com enfoque jurídico, pode ser identificado por vários fatores. O primeiro a ser citado é a globalização, a idéia de unidade mundial… Fala-se hoje em linguagem global, em economia globalizada, em mercado uno… em até Direito unificado””.
Foi nesse contexto que se fez mister a irreverência da vertente Constitucional em epílogo, no Direito Privado, linhas a seguir.
1.1. A Constitucionalização do Direito Civil
Com a nova dogmática jurídica inspirada na carta cidadã de 88, relativizou-se o patrimonialismo exacerbado, passou-se a ser sujeito de direito à pessoa em sua perspectiva humana digna, em detrimento do homo economicus. Visto que, ao alvedrio do positivismo jurídico e do Estado Liberal outorgado pelas Consitituições predecessoras a atual, o homem era objeto de direito, a partir do momento em que só era reconhecido como tal, somente quando emergia aos olhos do Direito burguês por reflexo do seu patrimônio. Logo, o patrimônio era o epicentro jurídico de tais Códigos.
Isto posto, fez-se necessário uma releitura do Direito Privado no intuito de albergar tais valores discrepantes com o cárater individualista do obsoleto Código Civil de 16, incluindo , agora, os paradigmas da sociabilidade, operabilidade e concretude, configurando à constitucionalização do direito civil. Faz-se oportuno pontuar de forma simplória os devidos axiomas.
A Sociabilidade nada mais é que, a contraposição do Direito Civil atual (direito civil-constitucional[3] à codificações passadas, que tem o exercício do direito subjetivo condicionado a uma Função Social, estrito caso a Função Social do Contrato, e não meramente uma finalidade patrimonial-individual (relativização jurídica-subjetiva).
É cobrado da pessoa humana sua enraização na coletividade em que se encontra, fazendo com que a mesma seja uma organela funcional, tomando um empréstimo à biologia, dentro de uma organismo jurídico-social, tomando cuidado para que não se entenda como um caso de fagocitose jurídica, que a grosso modo, seria a extinção de uma célula pelo organismo; o direito subjetivo individual não se perderia no coletivo, e consubstanciar-se-ia dentro de um todo, de forma a manter seu cerne, amâgo, de forma uníssona CHAVES (2011;22-23),
“[…] Os homens seriam individualmente considerados como uma realidade em si mesma e a sociedade não passaria de uma ficção. “Não se cogitava da solidariedade, pois, a partir da vontade livre de cada indivíduo, seria possível alcançar a felicidade objetiva”. […]
“Destarte, a plena realização do bem comum requer uma comunhão entre a plenitude da pessoa e da coletividade”. Ora, só se cogita de direito quando houver relação jurídica, pois não há questionamentos jurídicos para o ser isolado”.
Tais elementares é como se fossem, em designação própria, estruturadores de um meta-princípio, “Princípio Social da Tolerância”, contudo, salvo engano, no trilhar acadêmico desconhece-se à existência de tal formulação principiológica, salvo escritos de Bobbio no seu livro A Era dos Direitos, que não chega a ser uma levantamento da tese jurídica.
Cabe ressaltar que tais diretrizes, digamos assim, serão aplicadas ao longo do trabalho, em tópicos oportunos, diante da concepção trazida pela temática, mormente no que tange ao novel Código Civil e Código de Defesa do Consumidor (CDC). Não tendo como dissertar sobre a socialbilidade, dissociado de sua nova ordem axiológia fundante, como a boa-fé contratual, função social do contrato, confiança, lealdade e solidariedade etc.
A Eticidade de forma singela é o respeito aos valores insculpidos na hermenêutica neoconstitucionilista, caracterizando o direito como meio e não como fim em si mesmo, como o era na concepção kelseniana fundamentadora do código napoleônico, conforme insigne magistério de CHAVES (2011;26),
“(…) O ordenamento jurídico é um elemento de luta e afirmação de justiça. Entre o direito-técnico e o direito-ético, deverá prevalecer à força do Direito sobre o Direito força. Enfim, o Direito é uma técnia a serviço de uma ética.”
Portanto, com a inclusão das normas indeterminadas ou conceitos brancos (abertos), dotando o direito de certa liquidez, a eticidade se mostra como um princípio de procedência dante outros. A conduta humana aceita na sistemática jurídica hodierna, para a consecução dos fins almejados (contratos, composição de lítigios, elaboração de leis etc.).
É por força da eticidade, imbricada ao novel Código Civil (art.187), que tutela-se tanto o mínimo ético quanto o existencial do ser humano, sendo expressões codignas, visto que a primeira é causa da segunda; diante de uma sociedade que vive em respeito aos valores, sejam eles de 1ª, 2ª, 3ª, 4ª “era”[4], tem-se como consectário a mínima garantia da preservação da humanidade do ser, vivendo esse dignamente. Pois, diante de tantas mazelas, o ser continua como ser, porém perde-se sua humanidade, se tornando uma patologia social e não individual, a exemplia gratia, aumento do potencial deliquente do indivíduo colaborando para a violência nas ruas, dentre outros.
Por fim, a Concretude é materialização, efetividade das garantias mínimas formalmente reconhecidas, para que as mesmas não se encontrem no surreal, como dizia Platão “no mundo das idéias” (utopia platônica), pois estamos na era da efetividade dos direitos[5].
Pois o Direito, seja no momento de sua emanação, seja ele corporificado em Lei, em sentença ou em uma exordial (direito de ação), deve conter em seu cerne a feição social, efetivando as garantias mínimas constitucionais, mutatis mutantis, sapientemente o magistério de Aury Lopes Júnior (2012),
“[…] O processo penal passe por uma constitucionalização, sofra uma filtragem constitucional, estabelecendo-se um (inafastável) sistema de garantias mínimas”. (p.171)
“[…] O fundamento da legitimidade da jurisdição e da independência do poder judiciário está no reconhecimento da sua função de garantidor dos direitos fundamentais.” (p.172).
É profícuo trazer a lume, por força da organicidade jurídica, o posicionamento do renomado autor, visto ser fértil para a elucidação, pois a atividade jurisidicional conformada com a plenitude das garantias tem o condão de equilibrar distorções materiais, a que os outros Poderes não conseguiram ou não poderiam efetivá-los por motivos que descabe nesse momento discutir; Sistema dos freios e contrapesos de Montesquieu.
2. A Função Social do Contrato
O referido princípio foi uma reação ao antropocentrismo e patrimonialismo exacerbado, juridicamente albergado pelo princípio da igualdade formal entre as partes, Pacta Sun Servanda, entre os contratantes, conforme visto alhures. Contudo essa igualdade formal, baluarte máxime, da autonomia da vontade que fundamenta teoria clássica do contrato, paulatinamente vem se tornando uma alquimia jurídica, diante de tantos avanços proporcionado pelo capitalismo industrial, aparecendo nesse momento os ditos contratos de massa (adesão), em que as partes já não tem a liberdade negocial para contratar, em vista do número estrimamente alto de contratos a serem realizado, esse direito subjetivo de negociar fazendo lei interpartes, da lugar um contrato pré-elaborado, ocasionando uma desigualdade material interpartes.
Motivo pelo qual, a exemplo, o CDC um arquético de norma veementemente garantidora da Função Social nas relações horizontais, traz em suas diretrizes a presunção de vulnerabilidade do consumidor (art.25), pois aqui esse é, além de economicamente inferior ao prestador de serviços, tecnicamente (leigo).
Pois bem, aí é que reside a presente problemática, o contrato a partir do séc. XX, com dirigismo estatal, se torna um instrumento socialmente necessário e multifacetário; Qual o meio mas seguro diante da velocidade da economia, no momento de prestar ou contratar um serviço? Nesse aspecto o contrato se faz necessário, para assegurar os direitos sociais e individuais do cidadão no momento em que ele usufrui de um serviço seja ele particular ou concessionário (público), dessarte, desde que ele respeite a diginidade da pessoa humana. O que é incocebível, insofismavél, é a utilização desse contrato massificado como o fito de legitimar a desigualdade formal que se reflete no material, em proveito da necessidade do serviço prestado, geralmente exclusivo ou essencial. Logo, a utilidade deve ser social e não individual com efeitos socialmente negativos; O lucro não pode sucumbir o patrimônio social do cidadão, consoante escólio de Mário Lúcio Quintão Soares e Lucas Abreu Barroso apud STOLZE (2010;41),
“Umas das projeções da livre iniciativa de participação na economia, corroborando o capitalismo enquanto modelo econômico adotado, que traz consigo todas as mazelas e formas de exclusão que lhe são inerentes, mas que deverá, antes de tudo, respeitar os valores sociais do trabalho, juntamente com a livre iniciativa na posição de fundamento do Estado e preceito da ordem econômica, visando compatibilizar o regime de produção escolhido (capital, lucro), a dignidade da pessoa humana e a dimensão econômico-produtivo da cidadania.” (destaque nosso)
É nessa conjuntura sócio-econômico-jurídica que o direito subjetivo de contratar ganha limitações por força do meta princípio Função Social, stritu sensu, do contrato, vedação essa expressamente prevista em lei, consoante oração teleológica do art.421 do CC/02, “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.
Logo, quando direitos se colocam em situação de disparate, desequilíbrio, no caso material, em que a balança da justiça pende para uma posição de constrição de garantias mínimas, como o mínimo existencial e ético nas relações horizontais, dar-se força ao Direito para que erga a sua espada no intuito de restaurar o equilíbrio real entre as partes (Princípio da equivalência material), em acordo ao escólio de Paulo Luís Netto Lôbo apud STOLZE (2010; 95) ,
“O princípio da equivalência material busca realizar e preservar o equilíbrio real de direitos e deveres no contrato, antes, dureante e após sua execução, para harmonização dos interesses. Esse princípio preserva a equação e o justo equilíbrio contratual, seja para manter a proporcionalidade inicial dos direitos e obrigações, seja para corrigir os desequilíbrios superviniente, pouco importando que as mudanças de circunstância pudessem ser previsíveis.”.
“O que interessa não é mais a exigência cega de cumprimento do contrato, da forma como foi assinado ou celebrado, mas se sua execução não acarreta vantagem excessiva, para outra, aferível objetivamente, segundo as regras da experiência ordinária. O princípio. Clássico pacta sunt servanda passou a ser entendido no sentido de que o contrato obriga as partes contratantes nos limites do equilíbrio dos direitos e deveres entre elas.”
Apesar da extensa citação, não se deixou de abordar, mesmo que implicitamente, à boa-fé contratual e as garantias mínimas (existencial e ético) que desdobram do Princípio da Função Social dos Contratos, visto que são corolários da Função Social, veementes tutelados no direito pós-moderno (art.133 do CC/02).
3. Conceito e natureza da Cláusula de Não Indenizar
A priori, no que diz respeito à aplicabilidade/inaplicabilidade da Cláusula em destaque, é salutar que seja delineado os conceitos e naturezas pertinentes, sendo mister e curial para melhor entendimento da temática em vitrine.
3.1. Da Responsabilidade Contratual e da obrigação sucessiva desta.
A responsabilidade é uma obrigação compulsória e necessária, visto que, ao passo que as partes volitivamente contratam (autonomia da vontade), o respeito à obrigação pactuada passa para a esfera ex lege (função social, Código Civl, Código do Consumidor,etc), sendo nascituro da obrigação matriz, um novo dever que é a responsabilidade (art. 389 c/c 475 do CC/02), obrigação derivada compulsória necessária suficientemente para a restauração do equilíbrio sócio-economico das partes signátarias, em assertiva o entendimento de Aguiar Dias apud CAVALIERI (2012;3),
“Se o contrato é uma fonte de obrigações, a sua inexecução também o é. Quando ocorre a inexecução, não é a obrigação contratual que movimenta o mundo da responsabilidade. O que se estabelece é uma obrigação nova, que se substitui à obrigação preexistente no todo ou em parte: a obrigaçao de reparar o prejuízo consequente à inexecução da obrigação assumida […]”.
Pode-se ainda, equivocadamente, afirmar que a responsabilidade civil seja uma obrigação adjetiva da originária, e essa substantiva. Contudo o termo adjetivo supõe dependência à substantiva, pela característica da acessoriedade, caso seja eliminada essa desaparece com aquela, o que não ocorre na responsabilidade civil, visto, que a mesma é suficiente, ou seja, uma vez engendrada pela originária torna-se autosubisistente no mundo jurídico, a exemplia gratia, na ação de regresso se disculte o reembolso de terceiro de uma indenização (por fato de outrem), não se discutindo a obrigação originária que anteveio a essa nova, pois a partir do inadimplimento corta-se o condão umbilical entre a obrigação primária e o dever-compensatório (obrigação secundária).
Mutatis mutantis, o inadiplimento é o fato gerador do dever jurídico-sancionatório[6]-compensatório[7], pois o fato gerador das obrigações contratuais é o lícito e das responsabilidades, os ilícitos[8].
A cláusula de não indenizar é o afastamento da reparação do dano decorrente, diante de condições possíveis de execução obrigacional contida no contrato, discrepando das circunstâncias que tornam impossível à execução da obrigação primária, como nos casos de força maior, caso fortuito, ditas fato do princípe, afastando o nexo causal, e também o estado de necessidade, legítima defesa e exercício regular do direito, que age no campo da ilicitude do ato (culpa/dolo).
Partindo de uma interpretação analítica do conceito por ora exposto, passamos a entender que a referida cláusula tem como condão afastar a reparabilidade do dano e não a responsabilidade, visto que a reparabilidade do dano é derivação da responsabilidade, sendo também denominada de cláusula exonerativa e não de cláusula de irresponsabilidade[9].
Como visto existe limitação por parte da exonerativa da reparabilidade, asseverado pelo novel Código Civil brasileiro que somente é passível de reparação o dano grave na medida e proporção do mesmo, consoante insigne magistério de CAVALIERI (2012;566),
“[…] Seria imoral, por exemplo, pudesse o médico liberar-se do erro grosseiro junto ao seu paciente com base na cláusula de não indenizar. Além do mais, já estaria, nesse caso, no terreno da responsabilidade delitual. (destaque nosso).”
Para o mesmo, a obrigação elementar (essencial do contrato), quando não adimplida seria um caso de responsabilidade delitual. Posicionamento mais abrangente se tomou nesse trabalho, pois, até mesmo uma obrigação periférica, digamos assim, no campo da reparabilidade soa como abusiva, àquele que sofre o dano, não devendo haver aplicabilidade da cláusula, exemplia gratia, uma obrigação de dano, leve, mais para aquele que deve sustentar o prejuízo, por conta da exonerativa da reparação, seria insuportável, tenderia a se tonar na expressão do referido autor uma responsabilidade delitual patrimonial.
Ademais, utilizaremos no que couber estritamente à cláusula de não indenizar, a concepção de natureza, como sendo de causa exonerativa de responsabilidade, em detrimento de linhas antecedentes, pois, se a mesma afasta a reparabilidade do dano, logo, acaba por incidir sob o juízo de valor da culpa e o dolo, não existindo a responsabilidade mesmo diante da constatação desses elementos, consoante escólio de Caio Mário da Silva Pereira apud STOLZE (2012; 168), “… Dentro de sua aplicação e nos limites de sua eficácia é uma excludente de responsabilidade”; justificando-se, em momentos outros, a idéia trazida de irresponsabilidade que embaza todo o trabalho.
4. A dialetização[10] das norma-principiológicas na aplicabilidade/inaplicabilidade da Cláusula Não Indenizatória no liame horizontal (contratos privados)
Antes de encertarmos no tópico em epígrafe, é curial conceituarmos o termo negócio jurídico. Portanto, o mesmo é a prolação volitiva humana que racionaliza-se pelas vias e efeitos desejados, em uníssono Caio Mário da Silva Pereira apud CAVALIERI(2012;8),
“… os negócios jurídicos são declarações de vontade destinadas à produção de efeitos jurídicos queridos pelo agente; os atos jurídicos em sentido estrito são manifestações de vontade obedientes à lei, porém geradores de efeitos que nascem da própria lei.”
Inobstante, sendo o contrato uma espécie do gênero negócio jurídico, pelo fato de ser uma vontade que tende a direcionar os efeitos de acordo os fins colimados, ganha cunho sociais e democráticos, sendo por demais, desrrazoável a conceçpção ideológica da vontade (cláusula de não indenizar) sobrepujar normas cogentes que norteiam os efeitos de tal instrumento, as norma-princípios: a função social do contrato e seus corolários.
Os princípios constitucionais são intrísecos aos atos jurídicos e/ou negócios jurídicos tutelado pela legislação vigente à luz da Carta Maior, logo, além de obrigação derivada[11] à responsabilidade é sucedânea[12] da prestação contratual, existe um dever implícito que obriga que o negócio jurídico, no caso, seja mitigado; não coadonando-se com a sistemática neoconstitucionalista (item 1) às cláusulas de amâgo leoninas e desequilibrantes da relação incipientemente horizontalmente paritária, conforme insigne magistério de CAVALIERI (2012;4):
“A vontade das partes só intervem como condicionadora, e não como modeladora dos efeitos jurídicos estatuídos na lei. Pois bem, a obrigação de indenizar é legal, vale dizer, é a própria lei que determina quando a obrigação surge e a precisa conformação que ela reveste.”
Feita as devidas venias, prosseguiremos com a postura até então adotada, crítica, tomando como referencial a corrente a que tanto fazemos apologia até então. Os parágrafos a seguir tem o escopo de explanar as inquirições que se fazem relevante, tais como: Diante da “dicotomia” das normas-princípios ocorrerá a aplicabilidade ou inaplicabilidade da supra citada cláusula? Será que tal cláusula sob determinadas circunstâncias (intenção desonhonrosa no contrato, má fé) não seria uma “legalização” da vedação contratual do venire contra factum proprium? Pois bem.
Como visto (item 2) , O pactum sun servanda faz o contrato lei entre as partes, a vestuta é válida, contudo, hodiernamente a partir do momento em que se afeiçoa como “lei” um pacto, efeito concreto, deve ser compatível, com a “Lei” abstrata (CDC e Civil/02) e a essa deve ser interpretada conforme os valores Constituicionais, sob pena de padecer de vício formal, incorrendo em flagrante de Inconstitucionalidade. Portanto, apesar da cláusula de não-indenização ser aceita legalmente, na seara civil, logo não sendo ilícita, pode ser em certas situações antijurídicas (art.422 do CC/02), contra os valores normativos vigentes, assertiva fundamentação de Anderson Schreiber apud CAVALIERI (2012;10), “Então, quem viola um dever jurídico ou o direito de outrem, pratica um ato antijurídico – contrário ao direito- mas nem por isso, comete ato ilícito”. Data venia, interpreta-se o “Direito”, de Schreiber, em sua aceçpção valorativa ao contrário da concepção Kelseniana.
O contrato é um instrumento que deve proporcionar uma pretensão satisfativa, na óptica carnelutiana, igualitária (justa), art. 186 do cc/02. À cláusula de não idenizar, às vezes, é a legalização da má-fé, pois tende a remediar um ato em regra ilícito (inadimplemento contratual), suis generis lícito, mas do ponto de vista por ora abordado, eventualmente inadimissível, pois a parte privilegiada com a eficácia de tal cláusula venha a utilizá-la com interesses que diferem daqueles aceitos em lei, atentando contra a boa-fé (422 c/c 424 do CC/02), com o intuito de ludibriar aquele, o qual se fez honroso e o próprio legislador, logo sendo passível de nulidade tal cláusula, dicção art.166, caput do CC/02: “É nulo o negócio jurídico quando: VI- tiver por obejtivo fraudar lei imperativa”. Caracterizando, por fim, em um manifesto abuso de direito daquele que se fez ganancioso dante a lealdade do próximo.
Os princípios informadores-reguladores (arts. 421, 422, e 424 do CC/02) em uma resolução contratual, visa a tutelar direitos postos sob sua óptica, no entanto, o bem maior vai além da eficácia das cláusulas, garatem a utilidade social[13].
Isto posto, podemos peremptoriamente afirmar que existe uma “antinomia[14]” diante da contraposição de algumas normas do Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor, mais garantidor que aquele, haja vista a aceitação do primeiro, não com bons olhos, a referida Cláusula? Como visto, o art. 421 do CC/02, no que diz respeito a toda matéria contratual, prevê a consecução deste mediante suas diretrizes valorativas, conforme demasiadamente explanado alindres (item 2.).
No entanto, no mesmo capítulo, o art. 425 CC/02 prevê a utilização de tais Cláusulas, e aí se encontra a “antinomia”, valores x normas? Prevalecendo as primeiras, pois a partir do momento em que os princípios são dotados de força normativas de hierarquia superior a tais normas conforme a doutrina Brasileira da Efetividade[15], visto que trazem em sua ossatura direitos fundamentais da pessoa humana, afastando aquelas que discrepam de sua dogmática político-jurídica, conforme magistério de BARROSO[16],
“Tal movimento procurou não apenas elaborar as categorias dogmaticas da normatividade constitucional, como tambem superar algumas crônicas disfunções da formação nacional, que se materializavam na insinceridade normativa, no uso da Constituição como uma mistificação ideológica e na falta de determinação política em dar-lhe cumprimento. “A essência da doutrina da efetividade é tornar as normas constitucionais aplicáveis direta e imediatamente, na extensão máxima de sua densidade normativa.(…)
de base pós-positivista, que levam em conta fenômenos apreendidos mais recentemente, como a colisão entre normas – especialmente as que abrigam princípios e direitos fundamentais –, a necessidade da ponderação para resolver tais situações, bem como conceitos como mínimo existencial e fundamentalidade material dos direitos.”
Portanto, diante de situações em que existe uma relação contratual horizontal, que se aplica tanto o Código Civil como o CDC, qual a norma a ser aplicada? Logo, a interpretação a ser levada em conta é a que está mais em consonância com a carga valorativa da CF/88, que é a do CDC no que couber, pois o mesmo, em termos singelos, está a um passo a frente do novel Código Civil, em vista que esse apenas regula a relação horizontal, atendendo a uma das funções do Direito que é propiciar a adequação social, já aquele tem como aspecto não somente regular a relação horizontal mais também garantir a transformação social, pois dotado de caráter extremamente protecionista, o fornecedor de serviços e produtos só tem seus direitos garantidos como tal a partir do momento em que ele se torna solidário e responsável em suas relações com a vulnerabilidade social.
Pugnamos pela concomitância das normas, no que couber, e em caso contrário o afastamento por meio da interpretação mais benigna a aplicação do Código Civil, não passando de uma antinomia aparente, expressamente prevista tal possibilidade a partir da interpretação do art. 7º do próprio CDC. Como nas palavras de Claúdia Lima Marques[17]:
“[…] A solução atual ou pós-moderna é sistemática e tópica ao mesmo tempo, pois deve ser mais fluida, mais flexível, a permitir maior mobilidade e fineza de distinções. Hoje, a superação de paradigmas foi substituída pela convivência ou coexistência dos paradigmas”. (destaque nosso).
“Efetivamente, raramente encontramos hoje a revogação expressa, substituída pela incerteza da revogação tácita indireta, através da idéia de incorporação, como bem expressa o Art. 2.043 do novo Código Civil. (destaque nosso)“.
Não se aplicando a regra da norma especial exclui a geral, pois o CDC não é norma especial; Do ponto de vista fenomenológico transcende à classificação jurídica, sendo um verdaderio Código-princípio, pois seu microssistema emerge como um verdadeiro princípio fundante e orientador, quando cotejado com outras normas, como a Civil e Comercial. Nessa esteira, não existe afronta ao direito da livre iniciativa (Código Civil 2002), quando comparado a proteção da vulnerabilidade do consumidor, visto que ambos são princípios constitucionais (CF, arts.170 e 5º, XXXII), que devem ser proporcionalizado e razoabilizado na medida do possível, trazendo a baila a lição de VELASCO (2012;55-60),
“A unidade contraditória é a contradição no fundamento; neste momento do movimento dialético, identidade e diferença estão em unidade. É através da mediação das dimensões autônomas que se tem a dissolução das autonomias fixas ou a resolução das contradições. A unidade contraditória, em relação à efetivação das normas constitucionais, encontra sua mediação naquilo que Dallari chama de “mudanças que vêm sendo objeto de inovações teóricas […] dentro da rubrica de sentido muito amplo que é o neoconstitucionalismo”…”.
Considerações Finais
Ao que fora perscrutado e abordado, é insofismável que a aplicabilidade da cláusula de não indenizar não seja condicionada pela seara jurídica em que fundamenta sua utilização, andando melhor, independentemente da ontologia jurídica da cláusula, seja ela civilista seja consumerista, o que é relevante não é apenas a natureza da norma jurídica, mas também as condições materiais em que foi concebido o negócio jurídico strictu sensu adesivo, massificado, repercuntindo na valoração jurídica daquela conduta.
A pedra de toque do referido trabalho é se na tutela efetiva dos interesses horinzontais, a norma-princípio reguladora será incidida em uma relação material horinzontal (igualdade de condições na confecção do contrato, paridade técnica (cognitiva) e econômica na relação intersubjetiva) ou apenas uma relação formal horizontal? Deve-se inquirir qual a melhor interpretação diante da desigualdade e/ou igualdade que faça com que aquele negócio jurídico se amolde aos paradigmas axiológicos, teleológicos do sistema jurídico vigente, o Neoconstitucionalismo basilado pelo pós-positivismo jurídico, reequilibrador da situação jurídica de alteridade, o contrato.
A dignidade humana e o minímo ético nas relações mercadológicas não devem ser sucumbidas pela vertente formal aplicada na ação resolutiva de um contrato jurídico exercido pelo consumidor. É esse o aspecto geral trazido pelo CDC, é um princípio fundamental que é inexorável diante de uma prática mercadológica que muitas vezes se traduz de forma abusiva. Logo, toda vez que o mínimo existência de um ser em uma relação contratual, seja consumerista ou não, for colocado potencialmente em risco, deve-se afastar a aplicabilidade da cláusula que fora demasiadamente aludida no referido trabalho, restrurturando dentro daquele liame a pessoa humana e sua complexidade (personalidade, patrimônio moral, econômico…) enquanto ser.
Acadêmico de Direito da Universidade do Estado da Bahia, Campus VIII – Paulo Afonso-Bahia
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