Resumo: O presente artigo tem como objeto a análise crítica da constitucionalidade da Proposta de Emenda Constitucional nº 33/2011, tanto no que diz respeito à mudança que esta propõe para as regras relativas à aprovação de súmulas vinculantes quanto ao seu ponto fundamental, ou seja, a submissão ao Poder Legislativo – e à consulta popular – das decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, quando for declarada a inconstitucionalidade material de emendas à Constituição Federal. A crítica aqui apresentada tem como linha argumentativa central a questão da separação dos poderes, cláusula pétrea expressa no artigo 60, § 4º, inciso III, da Constituição Federal de 1988.[1]
Palavras-chave: Processo Constitucional. Separação dos Poderes. ADIN. PEC nº 33/2011. Súmula Vinculante.
Abstract: This article intends to do a critical analysis of the constitutionality of the Proposed Constitutional Amendment No. 33/2011, both with respect to the change which it proposes to the rules for approval of binding precedents as to its fundamental point, the submission to the legislature – and to the popular referendum – of the decisions taken by the Supreme Court in place of Direct Action of Unconstitutionality, when declared materially unconstitutional the amendments to the Federal Constitution. The criticism presented here focuses on the issue of separation of powers, entrenchment clause foreseen in Article 60, § 4, section III of the Federal Constitution of 1988.
Keywords: Constitutional Process. Separation of Powers. ADIN. PEC 33/2011. Binding Precedent.
Sumário: Introdução. 1. A supremacia constitucional e o controle prévio realizado pelo Poder Legislativo. 2. A separação dos poderes e o controle judicial de constitucionalidade. 3. A defesa da Constituição pelo STF como defesa da democracia. 4. As súmulas vinculantes e a função típica do Poder Legislativo. Conclusão.
Introdução
O presente artigo tem por finalidade trazer uma reflexão (crítica) sobre a Proposta de Emenda Constitucional nº 33/2011, de autoria do Deputado Nazareno Fonteles, a qual pretende alterar a quantidade mínima de votos de membros de tribunais para declaração de inconstitucionalidade de leis e condicionar o efeito vinculante de súmulas aprovadas pelo Supremo Tribunal Federal à aprovação pelo Poder Legislativo, nos seguintes termos:
“Artigo 1º. O art. 97 da Constituição Federal de 1988 passará a vigorar com a seguinte redação
‘Art. 97 Somente pelo voto de quatro quintos de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou do ato normativo do poder público. …(NR)’.
Artigo 2º. O art. 103-A da Constituição Federal de 1988 passará a vigorar com a seguinte redação
‘Art. 103-A O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de quatro quintos de seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, propor súmula que, após aprovação pelo Congresso Nacional, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
§ 1º A súmula deverá guardar estrita identidade com as decisões precedentes, não podendo exceder às situações que deram ensejo à sua criação.
§2º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
§ 3º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.
§4º O Congresso Nacional terá prazo de noventa dias, para deliberar, em sessão conjunta, por maioria absoluta, sobre o efeito vinculante da súmula, contados a partir do recebimento do processo, formado pelo enunciado e pelas decisões precedentes.
§5º A não deliberação do Congresso Nacional sobre o efeito vinculante da súmula no prazo estabelecido no §4º implicará sua aprovação tácita.
§6º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar súmula com efeito vinculante aprovada pelo Congresso Nacional caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso. ……(NR)’
Artigo 3º. O art. 102 da Constituição Federal de 1988 passará a vigorar acrescido dos seguintes parágrafos:
‘Art. 102. … … § 2º-A As decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações diretas de inconstitucionalidade que declarem a inconstitucionalidade material de emendas à Constituição Federal não produzem imediato efeito vinculante e eficácia contra todos, e serão encaminhadas à apreciação do Congresso Nacional que, manifestando-se contrariamente à decisão judicial, deverá submeter a controvérsia à consulta popular.
§ 2º-B A manifestação do Congresso Nacional sobre a decisão judicial a que se refere o §2º-A deverá ocorrer em sessão conjunta, por três quintos de seus membros, no prazo de noventa dias, ao fim do qual, se não concluída a votação, prevalecerá a decisão do Supremo Tribunal Federal, com efeito vinculante e eficácia contra todos. §2º-C É vedada, em qualquer hipótese, a suspensão da eficácia de Emenda à Constituição por medida cautelar pelo Supremo Tribunal Federal. ….(NR)”
Vaticina, portanto, a referida proposta, a submissão ao Congresso Nacional, bem como à consulta popular, da decisão sobre a inconstitucionalidade de emenda à Constituição tomada em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal.
O objetivo, portanto, é debater se se a referida PEC sobrevive a uma filtragem constitucional (e democrática), considerando o caráter intangível da separação dos poderes e o compromisso da República com defesa e afirmação da democracia.
1. A supremacia constitucional e o controle prévio realizado pelo Poder Legislativo
Toda discussão em torno da constitucionalidade material de uma proposta de emenda constitucional deve partir da análise do § 4º do artigo 60 da Constituição Federal. Assim, faz-se necessário ressaltar, primeiramente, que não pretende a PEC nº 33/2011 alterar a forma federativa de Estado, os direitos e garantias individuais e o voto direto, secreto, universal e periódico. Entretanto, no que concerne à separação entre os poderes, cláusula pétrea insculpida no artigo 60, § 4º, inciso III, da Constituição Federal, a situação é bastante diferente.
Antes de abordar, todavia, especificamente os artigos da Constituição Federal que são objeto da PEC nº 33/2011, é necessário ressaltar a posição da Constituição dentro de nosso ordenamento jurídico. Na lição de José Afonso da Silva:
“A Constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legitimados na medida em eu ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos. É, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estruturação deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais de Estado, e só nisso se notará sua superioridade em relação às demais normas jurídicas.” (2006, p.45)
No entanto, nenhum sentido haveria em afirmar a supremacia da Constituição se essa pudesse ser livremente modificada por uma só pessoa ou um só órgão, enfim, pela conveniência de maiorias eventuais. É daí, inclusive, a necessidade do controle de constitucionalidade, não somente das leis (ordinárias, complementares, etc.), mas também – e principalmente, dentro da ótica aqui abordada – das próprias emendas constitucionais.
Esse controle, todavia, pode ser exercido de diversas formas – antes ou depois da promulgação da referida emenda constitucional, por órgãos de natureza política ou jurídica. Necessário ressaltar, neste ponto, uma questão que é frequentemente relegada ao segundo plano quando se discute o controle de constitucionalidade: o próprio Poder Legislativo já o realiza, de forma prévia, através da comissão permanente de constituição e justiça, podendo, ainda, ser este controle realizado pelo plenário de qualquer das casas legislativas, quando houver rejeição de qualquer projeto em votação por inconstitucionalidade.
Portanto, ao menos em tese, nenhuma emenda constitucional (ou qualquer lei ou ato normativo) é aprovada pelo Poder Legislativo – assumindo, no caso das emendas constitucionais, sua função de Poder Constituinte Derivado – sem que seja emitido um parecer prévio sobre a sua constitucionalidade. Ademais, vale lembrar que os parlamentares têm o direito de participar de um processo legislativo hígido e, consequentemente, a não ver deliberada uma emenda que seja tendente a abolir os bens assegurados por cláusula pétrea. Assim, qualquer deputado federal ou senador possui legitimidade para impetrar mandado de segurança junto ao Supremo Tribunal Federal para impedir a referida votação.
Desse modo, é necessário frisar – por mais trivial que isso possa parecer – que nenhum projeto (de lei, emenda constitucional, etc.) é aprovado pelo poder Legislativo se este considerá-lo inconstitucional. Assim sendo, a primeira ressalva a ser feita ao PEC nº 33/2011 é de ordem lógica. Por que uma emenda constitucional declarada inconstitucional pelo STF deveria ser novamente apreciada pelo Congresso Nacional, se este já se posicionou pela sua conformidade com a Constituição?
Pode-se afirmar, sem dúvida, que a fragilidade desse controle prévio, realizado pelo próprio legislativo, justificaria essa nova apreciação, prevista na PEC em comento. No entanto, é esta mesma fragilidade que confirma a necessidade do controle de constitucionalidade que é realizado pelo Poder Judiciário. Esta não é uma questão de ordem apenas conjuntural – que levaria em conta apenas as condições específicas do Poder Legislativo em nosso país –, mas sim um aspecto que envolve as bases da Teoria do Estado moderno.
2. A separação dos poderes e o controle judicial de constitucionalidade
Já Montesquieu – apesar de atribuir uma função secundária ao Poder Judiciário – previu em sua célebre obra O Espírito das Leis mecanismos de controle mútuo entre os poderes, como as chamadas “faculdade de estatuir” e “faculdade de impedir”. A aplicação de tais faculdades daria ao Executivo o poder de frear as iniciativas do Legislativo, evitando a sua transformação em um poder despótico. O Legislativo, por sua vez, poderia examinar o modo como foram executadas as leis que elaborou. A interdependência entre os poderes é sintetizada por Montesquieu na seguinte passagem:
“Eis então a constituição fundamental do governo de que falamos. Sendo o corpo legislativo composto de duas partes, uma prende a outra com a sua mútua faculdade de impedir. Ambas estarão presas ao poder executivo, que estará ele mesmo preso ao legislativo”. (1996, p. 176)
O objetivo destes mecanismos, na obra do citado pensador, se expressa no mesmo sentido que a própria separação dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), ou seja, evitar a concentração de poder e, em última análise, o absolutismo.
Com a evolução do conceito de Estado constitucional, o Judiciário passou a assumir uma importância cada vez maior nos sistemas de controle entre os poderes. Esse conceito – Estado constitucional – se consolida após a Segunda Guerra Mundial, conforme explica Luis Roberto Barroso:
“O Estado constitucional de direito se consolida, na Europa continental, a partir do final da II Guerra Mundial. Até então, vigorava um modelo identificado, por vezes, como Estado legislativo de direito. Nele, a Constituição era compreendida, essencialmente, como um documento político, cujas normas não eram aplicáveis diretamente, ficando na dependência de desenvolvimento pelo legislador ou pelo administrador. Tampouco existia o controle de constitucionalidade das leis pelo Judiciário – ou, onde existia, era tímido e pouco relevante. Nesse ambiente, vigorava a centralidade da lei e a supremacia do parlamento. No Estado constitucional de direito, a Constituição passa a valer como norma jurídica. A partir daí, ela não apenas disciplina o modo de produção das leis e atos normativos, como estabelece determinados limites para o seu conteúdo, além de impor deveres de atuação ao Estado. Nesse novo modelo, vigora a centralidade da Constituição e a supremacia judicial, como tal entendida a primazia de um tribunal constitucional ou suprema corte na interpretação final e vinculante das normas constitucionais.” (2012, p. 4-5, grifo nosso)
É, portanto, característica do Estado Constitucional de Direito a existência de um tribunal constitucional – herança da proposta kelseniana – que tenha a palavra final sobre a interpretação da Constituição. Do mesmo modo, é também fundamental que suas decisões – ao menos aquelas tomadas no âmbito do controle concentrado de constitucionalidade assumam um caráter paradigmático em relação a todos os poderes. Neste caso, a unidade da Constituição deveria orientar a harmonização da separação das funções estatais – tensionadas, porém, jamais isoladas. Engana-se, portanto, quem ainda pensa que vivemos a democracia, ela ainda está em risco.
3. A defesa da Constituição pelo STF como defesa da democracia
Na justificação do PEC nº 33/2011 é afirmado que “É bastante comum ouvirmos a afirmação de que à Suprema Corte cabe a última palavra sobre a Constituição, ou ainda, a Constituição é o que o Supremo diz que ela é. Na verdade, deve caber ao povo dizer o que é a Constituição”.
Apesar do inegável apelo da mencionada assertiva, devemos lembrar que em uma democracia representativa os canais de participação direta da população nas decisões políticas são, por uma questão de ordem prática, limitados. De fato, mesmo entendendo que em uma democracia as decisões devam ser tomadas pelo povo, não se pode esquecer que a participação direta dos cidadãos em todos os processos de tomada de decisão é impraticável, seja pela complexidade dos temas tratados, pela inviabilidade técnica de oportunizar a participação de dezenas ou centenas de milhões de pessoas em cada processo decisório ou até mesmo pela questão da apatia política.
Essa dificuldade fica evidenciada no projeto em análise, já que na PEC nº 33/2011 não há qualquer previsão concreta sobre quando ou como se daria a manifestação popular a respeito da emenda declarada inconstitucional pelo STF, havendo apenas a vaga referência ao dever, por parte do Legislativo, de “submeter a controvérsia à consulta popular”. Ressalte-se que essa consulta popular poderia demorar vários anos, não existindo, enquanto isso, efeito vinculante na decisão proferida pela suprema corte.
Ademais, sem o mencionado efeito vinculante das decisões proferidas no âmbito do controle concentrado de constitucionalidade, transformar-se-ia o Supremo Tribunal Federal em um tribunal eminentemente consultivo, cujas principais decisões – justamente aquelas proferidas em sede de controle concentrado – não seriam mais do que “pareceres de luxo”, com efeito prático bastante limitado.
Frise-se, portanto, que sob a justificativa de um controle popular – ao invés de um controle meramente jurídico – sobre o conteúdo das emendas constitucionais aprovadas pelo legislativo, as alterações propostas (declaração de inconstitucionalidade por, no mínimo, 4/5 dos ministros e consulta popular) dificultariam sobremaneira qualquer espécie de controle sobre a atuação do poder constituinte derivado e equivaleriam o Judiciário a um poder em busca de majoritariedade. Por certo, quebrar com a lógica da dificuldade contramajoritária que modaliza a atividade por parte dos tribunais em relação aos demais poderes é conspirar contra a democracia.
Já no que tange ao argumento apresentado na justificação do projeto, de que não havia previsão no texto original da Constituição Federal de 1988 sobre o efeito vinculante das decisões proferidas em sede de ADIN – sendo este introduzido apenas pela Emenda Constitucional nº 3, que previa o referido efeito para as decisões proferidas em ADC, sendo que a jurisprudência do STF passou a conferi-lo também às ADIN’s – é necessário referir que a Emenda Constitucional nº 3 já foi objeto do controle concentrado de constitucionalidade, sendo considerada constitucional pelo STF. Ou seja, não há dúvida de que suas disposições estão em harmonia com os princípios expressos pelo Poder Constituinte Originário.
É preciso compreender que o processo de redemocratização é algo bastante recente em nosso país – iniciado propriamente com a Constituição de 1988. Contudo, não se pode esquecer que o passado ainda é ‘presente’, em pleno século XX, o Brasil conheceu dois regimes autoritários que, somados, perduraram por cerca de trinta anos. Lembre-se, também, que nossas primeiras instituições de caráter democrático remontam apenas ao século XIX. É fácil perceber, portanto, que vivemos em um país cujas instituições ainda não estão plenamente consolidadas.
Por isso é que decidir – contrariamente à vontade da maioria (representada) – é uma afirmação da democracia:
“Pois este é o grande papel de um tribunal constitucional, do Supremo Tribunal Federal, no caso brasileiro: proteger e promover os direitos fundamentais, bem como resguardar as regras do jogo democrático. Eventual atuação contramajoritária do Judiciário em defesa dos elementos essenciais da Constituição se dará a favor e não contra a democracia.” (BARROSO, 2012 ,p. 15)
Portanto, os argumentos apresentados pelo Deputado Federal Nazareno Fonteles, no que se refere ao crescente ativismo judicial em nosso país e o risco de uma hipertrofia do Poder Judiciário embora articulados de forma coerente, no fundo, buscam dar uma volta – uma blague – na democracia, engessando, o Judiciário nos mesmos moldes da proposta de Montesquieu num notado retorno as ideias iluministas em pleno Estado Democrático de Direito.
4. As súmulas vinculantes e a função típica do Poder Legislativo
Por derradeiro, faz-se necessário um breve comentário relativo às alterações propostas para as súmulas vinculantes. Frise-se, primeiramente, que estas possuem um efeito prático de manutenção da segurança jurídica, como destaca Alexandre de Moraes:
“As súmulas vinculantes surgem a partir da necessidade de reforço à ideia de uma única interpretação jurídica para o mesmo texto constitucional ou legal, de maneira a assegurar-se a segurança jurídica e o princípio da igualdade, pois os órgãos do Poder Judiciário não devem aplicar as leis e atos normativos aos casos concretos de forma a criar ou aumentar desigualdades arbitrárias, devendo, pois, utilizar-se de todos os mecanismos constitucionais no sentido de conceder às normas uma interpretação única e igualitária.” (2006, p. 515)
Sobre o ponto, um aspecto merece destaque. Apesar de ser muito comum, até mesmo na doutrina, a referência à “força de lei” das súmulas vinculantes, o texto constitucional assim descreve o referido instituto, seu artigo 103-A: “O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei”.
Nota-se, desse modo, que as súmulas vinculantes referem-se apenas à interpretação do ordenamento constitucional, sendo a diferença fundamental destas em relação às demais súmulas justamente a sua força vinculante, atribuída diretamente pela Constituição. Falta-lhes, portanto, uma característica fundamental das leis, que é a inovação no mundo jurídico. Não merece trânsito, portanto, o argumento de que as alterações propostas pela PEC nº 33/2011, em relação às súmulas vinculantes, apenas devolvem ao Legislativo uma competência que já era dele, considerando ser este o poder cuja função típica é a elaboração da leis.
Do mesmo modo, carecem de fundamento os motivos apresentados pelo Deputado Federal Esperidião Amin – em parecer elaborado na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC) –, no sentido de que não há ofensa à separação dos poderes na mencionada alteração, “pois esse instituto não tem natureza jurisdicional, vale dizer, não é ato judicial típico”. Sublinhe-se que as súmulas são elaboradas com base em reiteradas decisões judiciais, em nada se afastando, portanto, da função típica do Poder Judiciário.
Lembre-se, ainda, que não há qualquer ofensa aos princípios constitucionais na atribuição de efeito vinculante a uma decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal. Pelo contrário, a vinculação é da própria essência do instituto e da natureza das decisões proferidas pelas Cortes Constitucionais amplo senso. Outrossim, não podemos perder de vista o contexto histórico da tradição brasileira (ditadura, repressão e déficit democrático) e da necessária rotina de tensão entre legislativo e judiciário (check and balances, do direito norte-americano) especialmente na busca de uma evolução democrática e que, no mais das vezes, em países de modernidade tardia e de baixo constitucionalismo, indiretamente redunda no fenômeno de judicialização da política.
A presença do judiciário em questões de grande repercussão sociopolítica nos últimos anos, como por exemplo, no julgamento da lei da ficha limpa, das uniões homoafetivas e do aborto anencefálico, é produto até mesmo estratégico dos poderes políticos contra o desgaste com grandes grupos sociais (católicos, evangélicos, grupos LGBT’s) e que, por isso, se escondem nas decisões do judiciário e se limitam a criticar as decisões de acordo com a conveniência eleitoral. Por isso é que não podemos perder de vista o passado autoritário e estamental (poder) – na linha que desenvolve Raymundo Faoro (1995) – que ainda nos assombra e permanece encruado dentro das estruturas estatais. Talvez essa seja um dos maiores compromissos que legitimam o judiciário (ativista) nesta quadra da história, um poder vinculado com a força normativa da Constituição, inclusive, contra as maiorias eventuais e de conveniência que se formam nas raias do poder e que subvertem a vontade da representação democraticamente auferida – a vontade do mandatário (político) nem sempre traduz a vontade do povo-cidadão.
É preciso estar atento a estas questões e observar que a legitimidade formal-procedimental, nem sempre se revela numa legitimidade material e, no caso em comento, há um nítido espírito na PEC – dar uma ‘volta’ na Constituição e amarrar o judiciário. Nisso reside a inconstitucionalidade deste projeto.
Conclusão
É, pois, simples sumarizar o que aqui foi abordado: é uma questão de validade e não de vigência! Os juristas precisam olhar o novo com os olhos do novo; não olhar o novo com os olhos do velho. Com efeito, não basta dizer que temos uma Constituição – compromissória e dirigente (Canotilho, 2001) – se a comunidade jurídica não sabe distinguir vigência e validade (plano da inconstitucionalidade material) e ainda continua operando com conceitos de antinomias jurídicas – típico das premissas liberais-individualistas – que inspiraram os códigos da virada do século passado. ‘Ontem os códigos, hoje a Constituição! (Bonavides[2])
Fica clara, portanto, a inconstitucionalidade do Projeto de Emenda Constitucional nº 33/2011, tanto pela dissonância com a previsão contida no artigo 60, § 4º, inciso III, da Constituição Federal, já que atenta contra a divisão das funções e harmonia dos poderes constituídos, cláusula pétrea de nossa Constituição, como fundamentalmente, representa um atentado contra a democracia material – princípio fundamental de nossa República – e um regresso à história estamental-política que se propôs superar a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988.
Acadêmico de Direito na FURG/RS
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