Resumo: Trata-se de trabalho com objetivo de abordar a necessidade de implementação dos institutos propostos pela teoria do estado de coisa inconstitucional, quais sejam, a ordem de desbloqueio e o ativismo dialógico que trariam maior efetividade na atuação da administração pública além de garantir que a burocracia não será obstáculo para a implementação de garantias que sejam eficazes para a implementação de políticas públicas.
Palavras – chave: Ordem de desbloqueio. Ativismo dialógico. Administração pública. Estado de coisa inconstitucional. Constituição Federal.
Abstract: This is work in order to address the need for implementation of the institutes proposed by state theory unconstitutional thing , namely , the order of release and the dialogic activism that would bring greater effectiveness in the performance of public administration and ensure that bureaucracy It will not be an obstacle to the implementation of guarantees that are effective for the implementation of public policies.
Keywords: Unlock order. Activism dialogical. Public administration. Unconstitutional state of thing. Federal Constitution.
Sumário: 1. A origem e a aplicação da teoria do estado de coisa inconstitucional. 2. Não aplicação da teoria no brasil e o princípio da vedação ao retrocesso social em matéria de direitos e garantias fundamentais. 3. Conclusões. Referências.
1. A ORIGEM E A APLICAÇÃO DA TEORIA DO ESTADO DE COISA INCONSTITUCIONAL
A teoria do Estado de coisa inconstitucional tem origem na jurisprudência da corte constitucional colombiana onde ficavam constatadas violações sistematizadas, continuas e generalizadas de direitos fundamentais previstos no texto constitucional daquele país.
O propósito maior dessa teoria é criar soluções estruturais ao Estado para extirpar situações de inconstitucionalidade que violem, grave e continuamente, os princípios fundamentais garantidos na constituição federal frente às populações mais vulneráveis, em face das falhas ou omissões do poder público em cumprir suas disposições.
A corte Colombiana analisou a matéria pela primeira vez em 1997, ano em que foi proposta demanda na corte (sentencia de unificacion – SU 559/97) com o objetivo de questionar a perda de alguns benefícios sociais garantidos aos professores da educação pública.
O precedente abriu as portas para que fossem aceitas demandas coletivas na corte colombiana, que até então não tratava de ações de interesse coletivo da forma como ocorre hoje no Brasil e em vários Estados pelo mundo.
O precedente foi de tamanha importância que passou a admitir a extensão dos efeitos de decisões que interessassem a um número indeterminado de pessoas a todos aqueles que dela pudessem se beneficiar, ou seja, garantiu o efeito erga omnes as decisões proferidas pelos juízes daquele país.
É sabido que no Brasil isso pouco teria qualquer importância.
Já existem mecanismos em nosso país que objetivam garantir uma tutela jurisdicional de cunho coletivo, com efeitos extensíveis a classes, grupos e qualquer espécie de coletividade de indivíduos que dela necessitem, sem que para isso seja necessário que todos promovam demandas individuais ou que todos figurem no polo ativo de uma demanda.
Assim, temos como exemplo o mandado de injunção, o mandado de segurança coletivo, ação civil pública, ação popular e vários outros mecanismos de tutela coletiva no ordenamento jurídico brasileiro.
O que se propôs com a teoria do estado de coisa de inconstitucional foi o diálogo entre as várias organizações e órgãos incumbidos de tutelar/proteger determinado direito. Agiriam em conjunto para estruturar ideias a fim de criar soluções para a generalizada omissão na prestação de serviços relacionados à implementação de direitos e garantias fundamentais.
Posteriormente a sistemática da adoção dessa teoria em solo Colombiano sofreu algumas mudanças de cunho material.
Em nova análise de sua aplicabilidade (T 25/2004) foram estabelecidos alguns requisitos que deveriam ser constatados para que fosse possível sua aplicação diante de um caso concreto, a saber:
– Violação massiva e generalizada de direitos constitucionais;
– Prolongada omissão das autoridades em solucionar o problema;
– Adoção de práticas inconstitucionais que geram a necessidade de se buscar a tutela jurisdicional e assim criar uma superlotação de demandas no judiciário;
– Inércia legislativa, administrativa e orçamentária no sentido de adotar medidas para coibir a omissão generalizada;
– Existência de um problema social complexo que necessite da colaboração de vários órgãos/entidades para que seja possível sua solução;
– possibilidade de superlotação do sistema judiciário em caso de necessidade de proteção jurídica.
O marco que ensejou uma evolução na aplicação da teoria foi uma demanda ajuizada em 1998 (T 153/98) em que um detento do sistema carcerário daquele país pleiteava melhores condições de vida/existência enquanto cumpria pena em um presídio.
A corte verificou a grave violação de direitos individuais em que se encontrava o detento, bem como todos os outros que ali cumpriam penas.
Foi constatada a necessidade de se buscar uma solução junto às entidades envolvidas na administração carcerária, e em outros órgãos do país que deveriam participar da discussão acerca do tema, não só para aquela situação especifica como também para todos os presídios do país que se encontravam na mesma situação de violação sistematizada dos direitos e garantias fundamentais dos detentos.
Com tudo isso, foi criado o que hoje se denomina de ativismo dialógico, consiste em estabelecer diálogo entre as instituições responsáveis por aplicar os direitos e garantias estabelecidos na constituição, foi estabelecido que a corte constitucional colombiana fosse a responsável por estabelecer e coordenar um processo de mudança institucional com o fim de movimentar o aparato estatal através do que ficou conhecido como “ordem de desbloqueio” que consistia em desburocratizar a máquina estatal a fim de garantir a efetivação da tutela e dos direitos fundamentais dos que se encontravam em maior situação de vulnerabilidade.
Com tudo isso, ficou evidenciado a necessidade de se buscar uma solução para os problemas que o país enfrentava a época, através de um diálogo entre todos os interessados em uma solução para os problemas sociais que o Estado Colombiano enfrentava. Surge com isso poderoso precedente para a efetivação das garantias constitucionais que eram previstas à época.
O presente trabalho analisará, especificamente, a decisão T 153/98 e suas similaridades com o que foi proposto na ADPF 347/DF proposta pelo PSOL e que culminou em uma maior atenção ao sistema carcerário do país além de maior observância as leis e tratados internacionais adotados pelo Brasil em matéria de direitos humanos, será demonstrada que o ativismo dialógico e a ordem de desbloqueio, resultados da teoria do Estado de coisa inconstitucional são o ponto chave que deveria ter sido declarado na presente ADPF 347 e que trariam uma nova postura da administração pública frente as necessidade administrativas estatais.
2. A NÃO APLICAÇÃO DA TEORIA NO BRASIL E O PRINCIPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO SOCIAL EM MATERIA DE DIREITOS E GARANTIAS FUNFAMENTAIS
A matéria veio a ser analisada no Brasil através da ADPF 347/DF que propôs uma mudança estrutural na administração dos presídios brasileiros, os mesmos passam por diversos problemas de ordem administrativa, financeira e estrutural, tais como alguns elencados pelo Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ação, quais sejam: superlotação dos presídios, torturas, homicídios, violência sexual, celas imundas e insalubres, proliferação de doenças infectocontagiosas, comida imprestável, falta de água potável, de produtos higiênicos básicos, de acesso à assistência judiciária, à educação, à saúde e ao trabalho, bem como amplo domínio dos cárceres por organizações criminosas, insuficiência do controle quanto ao cumprimento das penas, discriminação social, racial, de gênero e de orientação sexual.
Situações similares as apontadas na decisão da Corte constitucional colombiana (T 153/98) e que ensejaram um maior cuidado do Estado para com seus detentos em virtude de não haver qualquer condição de permanência de um individuo em condições subumanas como as apresentadas na ação constitucional ora objeto do estudo.
Em medida cautelar na ação os ministros do STF, pelo voto da maioria, deram parcial provimento a ação e instituíram certas medidas para que de imediato fossem sanadas algumas irregularidades, quais sejam:
– A realização de audiências de custodia, que deveriam viabilizar o comparecimento do preso em no máximo de 24 horas, contados do momento da prisão. Com base nos artigos 9.3 do pacto dos direitos civis e políticos e 7.5 da convenção interamericana de direitos humanos.
– Dever dos juízes de, quando possível, estabelecer penas alternativas à prisão pelo fato de ser desarrazoado o cumprimento de prisão nas condições atuais do sistema carcerário.
– Liberação imediata do saldo acumulado no fundo penitenciário nacional para restauração, reforma e adequação dos presídios brasileiros ao necessário para manter o detento em condições de se cumprir a pena com dignidade.
Importante apontar que o PSOL fez o pedido pela declaração do estado de coisa inconstitucional, determinando ao Governo Federal a elaboração e o encaminhamento ao Supremo, no prazo máximo de três meses de um plano nacional visando à superação, dentro de três anos, do quadro dramático do sistema penitenciário brasileiro, monitoração pelo STF desse plano de superação, dentre vários outros que visavam à instituição do ora mencionado ativismo dialógico e que não foram atendidos pela suprema corte brasileira.
Sequer foi atendido o pedido para declarar o estado de coisa inconstitucional, o que na pratica resultaria na aceitação e implementação das medidas antes adotadas pela corte constitucional colombiana.
O que houve foi nada mais que a continuação do que já estava havendo, nenhuma mudança significativa foi realmente adotada, não houve abertura de precedente que viabilize um dialogo institucional como foi previsto na corte colombiana, sequer instituiu-se uma fiscalização mais apurada das várias violações dos direitos humanos experimentados dia após dia nas penitenciarias brasileiras.
Vários já foram os relatórios apresentados aos poderes constituídos que demonstram a precariedade do cárcere brasileiro. Um bom exemplo que corrobora com a ideia de necessidade de se declarar o estado de coisa inconstitucional é o relatório realizado pela Comissão de direitos humanos e minorias em parceria com a pastoral carcerária – CNBB realizado em 2006, onde são apontadas que em 17 Estados da federação foram constatados problemas estruturais existentes nos presídios.
Esses relatórios se repetem ano a ano e nada é efetivamente realizado para por termo a crise institucional que vem sendo vivida pela Administração pública em todas as suas esferas de governo, qualquer medida para controlar a situação se perde pela burocracia e morosidade estatal.
O que foi demonstrado na decisão do STF em não acatar o pedido de declaração de estado de coisa inconstitucional é clara afronta ao principio do não retrocesso social em matéria de direitos e garantias fundamentais.
A suprema corte se furtou em declarar a medida para não atender aos preceitos que a mesma impõe ao Estado infrator das medidas para abrandar a situação de inconstitucionalidade institucional, ao que se pode verificar, foi mais singelo declarar o possível, mas nunca feito do que buscar efetivamente uma solução e admitir a crise institucional na administração carcerária.
O principio do não retrocesso social em matéria de direitos e garantias fundamentais dispõe que uma vez adquiridos determinados direitos pela sociedade, os mesmos se constituiriam em garantias subjetivas de cada individuo e por isso não poderiam ser revertidos em favor do Estado para que se perdure determinada omissão.
Portanto ao Estado não seria possível deixar de aplicar direitos assegurados pela constituição federal sob pena de violação ao principio do não retrocesso.
A ADPF 347/DF, entre outros direitos, busca garantir que seja aplicada dentro dos presídios brasileiros todos os meios necessários para se garantir o principio da dignidade da pessoa humana, principio constitucional de primeira dimensão construído paulatinamente durante os vários processos de formação que o país já enfrentou.
Fato é que, foi proposta uma nova maneira de se estabelecer uma administração inteligente, visto que o ativismo dialógico busca criar uma maior interação entre os órgãos públicos que efetivamente estão afetos a criar condições de acesso aos direitos fundamentais que devem ser garantidos pela Administração pública.
Segue-se que a teoria do Estado de coisa inconstitucional busca ainda efetivar as disposições que surgiriam do diálogo entre os órgãos da administração pública com o que foi chamado de ordem de desbloqueio que seria a impossibilidade de não se impedir, através da burocracia, que se efetivem os meios buscados pelo ativismo dialógico para satisfazer as necessidades sociais.
3. CONCLUSÕES
Pelo que foi brevemente demonstrado, não houve, pela suprema corte brasileira qualquer técnica que possibilitasse fazer-se valer os preceitos previstos na constituição federal, o que se verifica foi somente um receio em se estabelecer um novo precedente que viabilize a aplicação efetiva dos preceitos sociais insculpidos na Constituição Federal.
A Constituição de 1988, com um viés extremamente humanista preza para que suas previsões sejam utilizáveis em situações como essa em que se faz necessário garantir proteção a uma minoria vulnerável frente as omissões do Estado.
O necessário seria garantir maior efetividade as normas constitucionais para que fosse possível buscar de imediato uma solução para a problemática do sistema carcerário do país.
O Estado Brasileiro, como foi demonstrado, realiza pesquisas e relatórios com o objetivo de criar alguma medida para coibir o problema, porém, pouco se vê na pratica.
Não há efetividade na solução dos problemas sociais.
A teoria do estado de coisa inconstitucional, como afirmado anteriormente, propõe uma medida eficaz para essa situação, é proposto o que se denominou de “ordem de desbloqueio” o que na pratica impediria que o processo para se chegar a uma solução para os problemas sociais não fosse obstruído por questões burocráticas, o que muito atrasa a efetivação das medidas necessárias a solucionar os problemas estruturais do país.
Importante notar que o STF buscou solucionar esse entrave ordenando a liberação imediata do saldo acumulado no fundo penitenciário nacional para restauração, reforma e adequação dos presídios brasileiros ao necessário para manter o detento em condições de se cumprir a pena com dignidade.
Essa medida não necessitaria de ordem judicial caso fosse ordenado que esse fundo fosse liberado sempre que necessário ao atendimento de necessidades básicas para se manter um estabelecimento prisional, o que na teoria deveria ocorrer, sem entraves burocráticos, ou seja estamos diante da necessidade de se criar a ideia de maximização das atribuições administrativas e uma minimização judicial no que se trata de haver sempre uma necessidade de busca constante do judiciário para sanar a inércia administrativa em efetivar as políticas sociais a ela incumbidas.
Isso mostra a necessidade de se buscar exacerbadamente o poder judiciário para se garantir a efetividades dos direitos e garantias fundamentais, o que se busca evitar com a aplicação do estado de coisa inconstitucional.
Com isso fica clara que não se corrobora com a decisão da suprema corte em não declarar o estado de coisa inconstitucional, pelo contrário, era a oportunidade que o Estado brasileiro tinha em experimentar uma proposta mais efetiva de solução a crise institucional que existe a décadas relacionada a administração do sistema penitenciário nacional.
Ficou demonstrada a falta de interesse em se buscar uma solução ao caos institucional que o país vive quando se trata de promover medidas humanistas para solucionar os problemas vivenciados pelas minorias do país, criando meios para que fosse possível a existência de um dialogo entre toda a sociedade com o objetivo de se buscar uma solução efetiva para os problemas sociais.
Conclui-se, portanto que a decisão afronta claramente o principio a proibição de retrocesso em matéria de direitos e garantias fundamentais na medida em que ao julgar a matéria não houve uma decisão que declara-se qualquer medida que busca-se solucionar os problemas penitenciários, o que houve foi clara perpetuação das ofensas aos direitos básicos do individuo enquanto recluso, sem qualquer acatamento de uma das medidas propostas que realmente trariam soluções ao caso, além de barrar o efetivo surgimento do ativismo dialógico e da ordem de desbloqueio que tanto solucionariam os problemas vividos pela administração pública.
Informações Sobre o Autor
Samuel de Jesus Vieira
Graduado em direito Centro Universitário de Goiás – Uni-anhanguera 2011-2015, especializando em Direito constitucional e Direito Administrativo na pontifícia universidade católica de Goiás 2016-2017