Resumo: O presente artigo científico, tem como foco central, trazer para o debate acadêmico um instituto que ao desenrolar das décadas vem ganhando adeptos, discussões e inúmeras críticas pela forma como é delimitado, qual seja transformar, ou classificar pessoas e não-pessoas dentro de um cenário que possua lógica, o que nos parece um tanto temerário. Procuramos trazer renomados doutrinadores para elucidar ao leitor esta matéria, sem máscaras, sem maquiagem, sem enfeites, analisando a teoria em um possível conflito com o Estado Democrático, tão arduamente conquistado.
Palavras-chave: direito penal do inimigo; estado democrático; democracia; estado de polícia; inimigo.
Abstract: This scientific article has as its central focus, bring to the academic debate an institute that the course of the decades is gaining adherents, discussions and numerous criticism for how it is defined, which is transforming, or classify people and non-people inside a scenario that has logic, which seems a bit foolhardy. We seek to bring renowned scholars to elucidate the reader this matter, without masks, without makeup, unadorned, analyzing theory in a possible conflict with the democratic state, so hard won.
Key-Words: feindstrafrecht; democratic state; democracy; State police; enemy criminal.
Sumário: 1. Introdução; 2. Breve contextualização histórica do Direito Penal do Inimigo; 3. Conceito de Inimigo; 3.1 O que é Direito Penal do Inimigo; 3.2 Direito penal do inimigo como terceira velocidade do direito penal; 4. O Estado Democrático de Direito e o Direito Penal do Inimigo; 4.1 Possibilidade de coexistência; 4.2 Impossibilidade de coexistência; 5. Conclusão; 6. Bibliografia.
1. Introdução
Parece uma teoria recente, um tema atual, e se olharmos para a história, é sim recente, pois trata-se de uma teoria que já existia desde os períodos mais remotos de nossa sociedade, mas que devido aos recentes atentados contra vidas humanas em larga escala, tem se mostrado cada vez mais próxima de nós, esta teoria que surgiu como uma crítica de Jakobs em 1985, está invadindo nossas legislações aos poucos, limitando direitos e garantias, e o nosso objetivo como estudante do tema, é buscar entender o que é e do que se trata esta teoria do Direito Penal do Inimigo, e se é possível a sua compatibilização com um Estado Democrático de Direito como o nosso, ou se esta teoria pode tornar-se a longo prazo, mais uma ideia fracassada de combate e contenção da criminalidade que infelizmente existe desde que o mundo é mundo.
2. Breve contextualização histórica do Direito Penal do Inimigo
No início da civilização, os seres humanos que habitavam as pequenas aldeias e aos poucos formaram as pequenas cidades, tinham em sua pequena organização, criado e desenvolvido as suas crenças, seu idioma, suas paixões e medos, em síntese, cada pequena cidade desenvolveu sua cultura, longe umas das outras, o que devido a escassez de produtos, levou a estes seres humanos a migrarem de um lugar para outro, a fim de encontrarem um novo local para subsistir. Contudo estes novos locais, por muitas vezes já encontravam-se habitados por outros povos, surgindo nestes encontros os primeiros conflitos de interesses entre aldeias e povos antigos, teria sido tão mais fácil se estes povos tivessem resolvido de forma amistosa toda essa problemática, mas não foi o que ocorreu, e isto a história nos conta, com todos os conflitos que existem narrados, das mais diversas formas. (FERREIRA, 1997)
Em todas as sociedades existem regras, que visam primordialmente a proteção da vida, do patrimônio, da natureza, dentre inúmeras outras, basta olharmos a infinidade de regras e normas que existem em nosso ordenamento atualmente, essas regras expressam valores de proteção de bens individuais e coletivos, desta maneira as regras estão ligadas aos valores culturais do povo que a forma, sendo portanto variadas conforme os membros da sociedade que à compõe, pois cada sociedade possui a sua própria cultura repassada através de comportamentos e ensinamentos de geração para geração. Segundo Ferreira, 1997, p. 15, “Não pode haver sociedade sem regras. Se cada um fizesse o que bem entendesse, a vida social seria impossível”. Portanto,
“Os valores culturais de uma sociedade indicam os objetivos a serem alcançados pelos seus membros. Se queremos que os homens sejam honestos, livres e iguais, devemos criar e desenvolver valores de liberdade, igualdade e honestidade na nossa cultura, que por sua vez orientam as regras de nossa sociedade”. (FERREIRA, 1997, p.15)
O grande problema, ou não; depende da análise que se faz, sobre as situações de que por vezes, essas regras e valores são muitas vezes “criticados, rejeitados e substituídos por outros”, por isso deve haver sempre um debate amplo, e que se especifique, esmiuçadamente no que tange à análise de temas controvertidos na sociedade e que afetam direitamente ou indiretamente à todos os que compõe o seio social. (Ferreira, 1997, p.15)
Verificaremos que o início do termo “inimigo” que hoje está sendo vinculado a matéria latu sensu Direito penal, transforma-se pelo posicionamento de inúmeros juristas em teoria, e que apesar da denominação doutrinária e da roupagem de “nova”, notamos, ao analisar, que este “inimigo”, não possui uma origem na pós modernidade, ou seja, nos dias atuais, mas apenas esteve por certo tempo escondida na história, e hoje se faz novamente presente, o termo inimigo, ou a noção de inimigo no Direito, remonta da terminologia “hostis” do antigo Direito Público Romano. O Direito Romano é perene e continua a refletir seus efeitos ao longo da história humana, a base jurídica romana serviu e serve, de certa forma como princípio de estudo para muitos dos elementos sociais presentes na atualidade, e o enxergamos porque certas situações ocorrerem nos dias de hoje, e a explicação por vezes encontra-se no nosso passado, para não dizem quase sempre, pois quando viemos a este mundo, damos continuidade a história que recebemos, mas precisamos conhecê-la. (RIBEIRO, 2011, p.1)
Veremos a seguir que o conceito histórico do inimigo provem em síntese do direito romano, o inimigo tratado como “hostil”, “estranho”, “estrangeiro”, conforme descreve Cretella Júnior, 1997, p.59, alguém que não era do mesmo local, que não compactuava da mesma cultura e não perpetuava os mesmos ensinamentos que eram passados de geração para geração, lembrando que naquela época era muito mais difícil do que hoje, de ocorrer essa multiculturalidade, que vemos principalmente no Brasil, tendo em vista esse “medo” que um povo tinha ou tem em relação ao outro povo, que provém de outra localidade e cultua tradições diversas. Ribeiro, traz duas categorias de “hostis”, do mesmo modo que Zaffaroni subclassificou em dois eixos centrais, o hostis alienigena, que era o ser estrangeiro proveniente de outra cultura e por ser diferente da cultura posta era considerado como um ser perigoso, um possível inimigo dos cidadãos locais e também o hostis judicatus, que era o cidadão romano que era declarado como inimigo público pelo Senado, quando em casos excepcionais, como em conspirações ou traição, era considerado uma ameaça à segurança da República e por isso perdia a sua condição de cidadão, era o “indivíduo perigoso”. (RIBEIRO, 2011, p.70)
Ribeiro apud Schimitt, escreve que no Direito Público das antigas Repúblicas Gregas existia algo semelhante, quando aquele que pretendesse dissolver a democracia ateniense seria “um inimigo dos atenienses”, o que mais uma vez demonstra que era muitíssimo comum na época, considerar um estranho como inimigo, por causar um perigo, ou ser a possível causa de uma ação que pudesse por em risco a organização local, vemos que esse medo do estanho perpetua até hoje, de certo que devemos buscar conviver da melhor maneira possível com o nosso semelhante, somos todos humanos, e não importa de qual cultura viemos ou qual cultura desejamos manter ou cultivar, tudo passa pelo entendimento, se eu preciso entender e aceitar o outro, da mesma maneira o outro precisa me entender e me aceitar. Segundo definição doutrinária trazida por Zaffaroni, 2007, p. 22-23,
“O estrangeiro (hostis alienigena) é o núcleo troncal que abarcará todos os que incomodam o poder, os insubordinados, indisciplinados ou simples estrangeiros, que, como estranhos, são desconhecidos e, como todo desconhecido, inspiram desconfiança e, por conseguinte, tornam-se suspeitos por serem potencialmente perigosos. […] não há comunicação possível com o hostis. Para os romanos, todos os estrangeiros eram barbari, palavra grega que indicava o não-grego, de língua incompreensível”. (ZAFFARONI, 2007, p.22-23.)
Esse tema do hostis romano, ou inimigo como mencionamos atualmente foi objeto de estudo de alguns teóricos do estado absoluto, tendo em vista a altíssima repulsa ao estrangeiro e a total manutenção do poder, o autor que trabalhou este tema com uma maior coerência na teoria política foi Carl Schmitt, um dos mais destacados teóricos político do nazismo, que ao escrever sobre o assunto, quando o fez, não fez mais do que resgatar e precisar, e de certa forma atualizar, renovar o conceito que tradicionalmente proveio do Direito Romano. Filósofo político e Teórico do Estado Absoluto, Schmitt, reelaborou, deu uma nova roupagem ao hostil romano, conceituando-o como inimigo ou estranho; segundo nos traz o mestre Zaffaroni, a palavra utilizada por Schmitt significa “estranho”. (ZAFFARONI, 2014, p.23)
Por muito tempo essa ideia ficou encubada por assim dizer, e no final do século XIX, no discurso jurídico penal da escola do positivismo criminológico, a ideia de inimigo foi introduzida, dando o início do caráter penal, desvinculando-se da teoria política, pois ate aqui o inimigo ou estrangeiro, tinha mais um caráter político do que criminal. (RIBEIRO, 2011, p.2-4)
O estranho ou inimigo, eram considerados como seres anormais, ainda segundo Zaffaroni, o hostis estrangeiro era explorado, “desde o prisioneiro escravizado da antiguidade até os imigrantes dos dias atuais”, o estrangeiro como mencionado era discriminado pela desconfiança que gerava em ser diferente dos demais e isso era (e é ainda hoje para muitos) motivo para gerar medo ao povo; o ser humano tende a ter medo de tudo aquilo que não conhece; e por esse motivo o estrangeiro “vencido”, por tornar-se “prisioneiro”, tentaria, enquanto pudesse e tivesse oportunidade, escapar, portanto acarretaria em uma necessidade bélica ou econômica de ser vigiado. (ZAFFARONI, 2014, p.23)
Prosseguindo com a fundamentação ao que já foi mencionado, nos dizeres de Zaffaroni o “hostis, inimigo ou estranho nunca desapareceu da realidade operativa do poder punitivo, muito menos da teoria jurídico penal, esta por sua vez poucas vezes reconheceu abertamente e, quase sempre, o encobriu com os mais diversos nomes”. Trata-se de um conceito que, na versão original ou matizada, de cara limpa ou com mil máscaras, a partir de Roma, atravessou toda a história do direito ocidental e penetrou a modernidade, não apenas no pensamento dos juristas como também de alguns de seus mais destacados filósofos e teóricos políticos, recebendo especiais e até festejadas boas-vindas no direito penal. (ZAFFARONI, 2014, p.23-24)
Possivelmente enxergaremos uma contradição, nesta conceituação do elemento “inimigo” dentro do Direito Penal do Estado Democrático de Direito, porque traria consigo intrinsecamente uma semente de destruição, pelas leituras que fiz, e pesquisas que realizei, muitos criticam veementemente a possibilidade de encontrar o “inimigo” dentro do Estado Democrático de Direito, e que se esse conceito fosse aceito, acarretaria no fim deste Estado Democrático de Direito, mas tentaremos no decorrer deste pequeno trabalho analisar de maneira simples, que seria muito prudente admitir que o “inimigo” pode existir, mesmo que no subconsciente das pessoas que compõe a sociedade, afinal todo ser diferente gera a sensação de desconfiança, imaginem que chegasse na terra agora uma nave alienígena, com seres provenientes de outro planeta, tentaríamos um contato amigável, mas que estes seres diferentes gerariam uma sensação de desconfiança gerariam.
Verificados de maneira bem simples e de forma compacta alguns aspectos históricos sobre o conceito originário do Inimigo, passamos para uma breve análise do direito de punir do estado e da noção de delito, para a partir daí adentrarmos de maneira singela em alguns conceitos doutrinários do Direito Penal do Inimigo e sua possível ou impossível relação com o Estado Democrático.
Segundo o professor Capez,
“O Estado, por ser um ente dotado de soberania possui com exclusividade o direito de punir; trata-se do jus puniendi, uma manifestação do poder soberano que consiste em uma prerrogativa em abstractu de se impor a qualquer pessoa que venha a cometer alguma infração penal, desrespeitando a ordem jurídica e colocando em perigo a paz social, sendo direito exclusivo e indelegável do Estado Soberano, impondo-se a todos indistintamente”. (CAPEZ, 2011, p.13)
Até mesmo nas ações penais privadas, estas que só se dão início mediante requisição ou queixa, quem pune é o estado. (CAPEZ, 2011, p13)
Esse poder não é específico contra alguém, é “abstrato e impessoal”, ou seja, significa dizer que o Estado não tem o poder de punir A ou B, mas simplesmente tem o poder de punir qualquer infrator, portanto “no momento em que um crime é praticado, esse direito concretiza-se, voltando-se contra o delinquente”. (CAPEZ, 2011, p.13)
Ainda segundo Capez, 2011, p. 22, ao ocorrer uma infração punível o direito de punir abstrato, transforma-se em pretensão e esta pretensão de punir individualmente denomina-se punibilidade. Vemos portanto que o direito de punir decorre da Soberania Estatal e tão somente atua e corporifica-se após a ocorrência da infração penal; no Estado democrático a pena somente pode ser imposta após passado o processo de verificação das provas e do fato, com o contraditório e a ampla defesa; primeiro o fato ocorre e depois o Direito Penal atua, não há uma repressividade ostensiva do Direito Penal, a pena só pode ser imposta depois de passado o processo. O artigo 3º da Lei 7.210/84 a Lei de Execuções Penais diz que; “ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”, ademais o artigo 38 do Código Penal Brasileiro diz que “o condenado conserva todos os direitos não atingidos pela condenação”. (VADE MECUM, 2014, p.563 e 1462)
Visto uma síntese do direito de punir, passemos para o delito, aonde segundo Cretella Junior; “a noção geral do delito não é peculiar nem ao direito público nem ao direito privado”, porque transcenderia ambos os ramos do direito, devendo portanto ser, em seus traços genéricos estudado, pela teoria geral do direito e posteriormente subdividido entre o direito penal e o direito civil ou ambos. “a figura do delito envolve ao menos duas pessoas: o réu, que infringiu a lei e causou um dano a uma pessoa ou a um bem ou a coletividade; e a vítima, sobre a qual se refletem as consequências do ato comissivo ou omissivo do agente”; o delictum é para Cretella Junior um ato antijurídico do homem, prejudicial a outrem e punível. (CRETELLA JÚNIOR, p.59, 1997)
Para Beccaria, necessitamos das leis, pois os delitos, no convívio humano vão ocorrer, e as leis são o manual regulador que unifica a sociedade, nas suas palavras as leis são:
“As condições sob as quais os homens, naturalmente independentes, unem-se em sociedade. Cansados de viver em um contínuo Estado de Guerra e de gozar de uma liberdade que se tornou de pouco valor, a causa das incertezas quanto à sua duração, eles sacrificam uma parte dela para viver o restante em paz e segurança.” (BECCARIA, p.12, 2012)
Os seres humanos concordam em ceder uma fração de sua liberdade em troca de segurança Estatal, e o administrador legal, sendo detentor dessa responsabilidade, pode ser que venha ao invés de proteger a sociedade, tentar transformar os indivíduos que compõe o corpo social em mera massa de manobra, por vezes cometendo abusos e ilegalidades, sendo assim portanto necessário a existência de algo que impedisse e contivesse o despotismo individual na qual a sociedade se transformava. Assim nasce para Beccaria o direito penal, aonde a aplicação de punições e penas previamente estabelecidas, contra aqueles que infringirem a lei, deturpando á ordem pública. Beccaria continua:
“Eu digo que motivos como esses são necessários, porque a experiência mostra que a multidão não adota os princípios estabelecidos de conduta e porque a sociedade não se afasta da dissolução que se observa nos universos físico e moral senão por motivos que são objeto imediato dos sentidos e que, estando continuamente presentes na mente, são suficientes para contrabalançar os efeitos do interesse do indivíduo que se opõe ao bem geral”. (BECCARIA, p.12-13, 2012)
Beccaria apud Montesquieu, adverte que as penas são necessárias, contudo “toda pena que não advier da absoluta necessidade, é tirânica”. Ademais, “ninguém pode ser condenado como criminoso até que seja provada sua culpa, nem a sociedade pode retirar-lhe a proteção pública até que tenha sido provado que ele violou as regras pactuadas”. (BECCARIA, p.47, 2012)
Verifica-se a necessidade de punir, contudo sem a supressão total de direitos, deve-se respeitar as regras, constitucionais e legais, e suprimir tão somente aqueles direitos que se demonstrem necessários a estancar o mal causado pelo criminoso.
3. Conceito de inimigo
O conceito de inimigo no direito penal, introduz de certa forma na atualidade, uma ideia que se delimita ao terrorista, ou a qualquer um que atente contra um estado legitimamente estabelecido. O inimigo é alguém que causa terror e pânico.
Para a contenção dos perigos diários, os criminosos; o estado sociedade se utiliza de seu poder de polícia, para manter a ordem de um perante os outros, é impossível viver no caos, por mais desajeitado que seja, para funcionar sempre deve existir uma ordem a ser respeitada, assim o Estado de Polícia está dentro do Estado Democrático de Direito encubado, encasulado, e assim devemos mantê-lo. O inimigo é, ou poderia ser melhor compreendido no Estado de Polícia, que seria um estado anterior ao Estado Absoluto. Pois o inimigo chama um conflito, e nossa sociedade real, possui conflitos diários. Para tal devemos como estudantes despertar para essa temática e reconhecê-la, antes que o casulo do Estado de Polícia se rompa, e nós não tenhamos mais a chance de manter e evoluir o nosso tão dificultosamente conquistado Estado Democrático de Direito. Não se pode negar a existência do Estado de Policia que reside dentro de cada Estado Democrático de Direito, pois do contrário, no Estado Democrático de Direito Ideal ou ilusório, não deveriam haver polícias, exércitos, juízes, tribunais, penitenciárias, pois todo este aparato punitivo serve para que, se vivemos em eterna paz, vemos que o Estado Democrático de Direito real é, pois, mantido muitas vezes pelo Estado de Polícia que reside internamente dentro de cada EDD, mas o que torna o Estado Democrático de Direito possível, sem a intervenção do Estado de Polícia, o que transformaria o EDD em Estado Absoluto, é pois uma linha muito tênue, e por vezes frágil, e reconhecer isto, faz com que tenhamos como estudantes da àrea a sensibilidade de reconhecer as fragilidades do sistema penal e tentar das melhores maneiras a sua evolução para tornar as garantias do EDD, efetivamente superiores ao do Estado de Polícia, pois se o Estado de Polícia que reside no interior do EDD, romper o casulo do Estado Democrático de Direito, irá fazer com que se contamine o EDD, com o Estado de Guerra, ou antes disso, o Estado de Polícia toma conta, levando necessariamente a um Estado Absoluto, pois o único critério objetivo para medir a periculosidade e o dano do infrator só pode ser o da periculosidade e do dano (real e concreto) de seus próprios atos, isto é, de seus delitos, pelos quais deve ser julgado e, se for o caso, condenado conforme o direito. Se este critério objetivo for abandonado, entra-se no campo da subjetividade arbitrária do individualizador do inimigo, que deixaria o conceito de enquadramento sempre aberto e seria uma definição totalmente arbitrária e sem limites. O que se discute em doutrina penal é a admissibilidade do conceito de inimigo no direito penal do Estado Democrático de Direito, considerando como inimigo, segundo definição doutrinária de Zaffaroni “aquele que é punido só em razão de sua condição de ente perigoso ou daninho para a sociedade; privando-o de direitos mais elementares como liberdade, sendo restringida com nome diferente do de pena”. (ZAFFARONI, p.25, 2014)
Como referido no título anterior, este espaço será destinado para uma análise do que seria esta “terceira velocidade” do Direito Penal, como dita por Sanchez, ou Direito Penal do Inimigo como defendido ou intitulado por Jakobs.
Damásio de Jesus, brilhantemente ao analizar O Direito Penal do Inimigo, em seu artigo publicado em 2008 explica que,
“O Direito Penal do Inimigo ao retroceder excessivamente na punição de determinados comportamentos, contraria um dos princípios basilares do Direito Penal: o princípio do direito penal do fato, segundo o qual não podem ser incriminados simples pensamentos (ou a "atitude interna" do autor).” (JESUS, Damásio E. de. 2008, acesso, 2015.)
3.1 O que é Direito Penal do Inimigo
A primeira vez que Günther Jakobs utilizou a expressão “Direito Penal do Inimigo”, foi em uma conferência intitulada “criminalização no estado prévio à lesão do bem jurídico” proferida em 1985 em um congresso reaizado em Frankfurt Alemanha, apontando que seria ilegítimo criminalizar atos anteriores a lesão do bem jurídico, que criminalizar um ato prévio não estaria de acordo com o Direito Penal Legítimo ou o Direito Penal do Cidadão, mas que deveria ser criticado, chamando-o de Direito Penal do Inimigo, uma espécie de direito penal de exceção; portanto a primeira vista Jakobs “criou” ou utilizou esta expressão pela primeira vez em tom de crítica, afirmando na conferência ser considerado ilegítimo tal diferenciação entre o Direito Penal Legal e o Direito Penal do Inimigo. Contudo em um congresso realizado em Berlim, onze anos depois em outubro de 1999, Jakobs discursou no sentido de legitimar e justificar o Direito Penal do Inimigo, apresentando um verdadeiro Direito Penal de exclusão, que trataria os “inimigos” como “não-pessoas” e foi este segundo pronunciamento que causou uma enorme polêmica que se estende até hoje. (JAKOBS, 2015).
Direito Penal do Inimigo, não possui uma definição clara e objetiva, mais tem a ver com a política-criminal que está sendo adotada nos últimos anos em decorrência principalmente de ataques terroristas em países ocidentais, São transformações que ocorrem tanto na percepção social da “relevância do delito e do ordenamento penal”, quanto da “utilização nos processos políticos” que estão se alterando. (Callegari, Giacomolli, 2015)
Ao verificarmos que Damásio citando Silva Sanchez trata o Direito Penal do Inimigo de Jakobs, como uma “terceira velocidade” do Direito Penal, tentaremos demonstrar em sintéticas palavras estas duas primeiras velocidades que antecedem ao objeto deste estudo.
Damásio de Jesus citando Silva Sanchez, explica que para este autor existem “três velocidades” no Direito Penal; o Direito penal de Primeira Velocidade que é trazido nos dizeres de Sanchez como o modelo de Direito Penal liberal-clássico, que se utiliza preferencialmente da pena privativa de liberdade, mas se funda em garantias individuais inarredáveis, sendo este modelo o vigente em nosso País desde o Código Criminal de 1830 até o Código Penal de 1940, antes da reforma de 1984; O Direito Penal de segunda velocidade que se caracterizou pela reparação e utilização de medidas alternativas, e a terceira velocidade do Direito Penal que seria a supressão de algumas garantias em detrimento da segrança do corpo social.
Um dos grandes problemas levantados por Ribeiro, p.55-57, 2011, ao tratar dos fundamentos utilizados por Jakobs para dar sustentação aos argumentos até então por ele levantados, principalmente no que diz respeito ao embasamento filosófico utilizado por Jakobs, pois nos dizeres de Ribeiro, “Jakobs reavivou o debate sobre a doutrina da defesa social, propondo as bases de um controvertido Direito Penal do Inimigo”, aonde Jakobs teria se fundamentado em “teóricos do contrato social, como por exemplo: Rosseau, Fitchte, Hobbes e Kant”, ocorre que,
“As obras de Rosseau, Fichte ou Kant, são filósofos políticos iluministas, o que em linhas gerais estiveram nas bases do Direito Penal Liberal, que teria tendência a limitar o poder estatal, não sendo portanto possível, em princípio serem utilizados como fundamentos de uma concepção de um Direito Penal do Inimigo de Jakobs, de conteúdo autoritário. Restando dos aurores citados apenas Hobbes, teórico do Estado Absoluto, não podendo deixar de mencionar é claro que Jakobs, teria se utilizado de trechos soltos das obras dos outros contratualistas referidos, para embasar tal fundamentação.” (RIBEIRO, p.56-57, 2011)
Se, na concepção de Ribeiro, a teoria do direito penal do inimigo de Jakobs, estaria sendo absolutista demais, ou altamente apocalíptica para a democracia de um estado, já para o mestre Zaffaroni, apesar de o “inimigo”, ter as mesmas garantias, ou ser merecedor dos mesmos direitos que qualquer cidadão teria, indica que o direito penal do inimigo existe, e que nos cabe admití-lo, senão vejamos:
“Não se propõe introduzir e ampliar o uso do conceito de inimigo no direito penal, mas sim admiti-lo em um compartimento estanque perfeitamente delimitado, para que não se estenda e contamine todo o direito penal, caberia pensar que esse preço não é tão caro assim, tendo em conta que, na prática, opera numa medida mais extensa, o que importaria, em muitos casos, até numa redução do seu âmbito. O princípio do Estado de Direito, permanentemente invocado para rechaçar o tratamento diferenciado, se encontraria, de fato e de direito, rompido em função do que se faz e se legitima até o presente”. (ZAFFARONI, p.165, 2014)
Zaffaroni, tenta demonstrar que, caso não admitirmos a existência do inimigo dentro do estado democrático, não podemos considerar os “nossos estados democráticos” como tais, pois, principalmente em nossa democracia brasileira, existem normas que, restringem os direitos de uma forma tal, que se tomarmos por base, as próprias prisões, por si só, seriam desumanas, e ao ser assim, infringem a Constituição e a democracia, pois se o estado que é a sociedade, é ineficiente, não se pode simplesmente com base neste argumento, soltar todos os apenados, sob pena de se criar o caos social, e se destruir de vez o que se restaria de uma democracia; dada a condição dos crimes praticados pelos agressores não seria, nos dizeres de Zaffaroni, um “preço tão caro”, tratar esses apenados perigosos como inimigos, pois já o são. Admitir o inimigo, não necessariamente significaria desrespeitar os direitos fundamentais dos “perigosos”, mas sim, saber e identificá-los como perigosos. Alguns doutrinadores, resistem a admitir a existência do inimigo, e outros doutrinadores dizem que devemos admitir, poderíamos encontrar um meio termo, pois o inimigo sempre existiu e ao que parece, olhando para a sociedade, continuará a existir. Para André Luis Callegari e Nereu José Giacomolli, 2015, o direito penal não poderia admitir tal conceituação pois abriria espaço para os abusos e violações de direitos, ocorre que segundo Zaffaroni,
“Referi-se a um direito penal garantista em um Estado de Direito é uma redundância grosseira, porque nele não pode haver outro direito penal senão o de garantias, de modo que se supõe que todo penalista, nesse marco, e partidário das garantias, isto é, garantista; garantindo direitos os fundamentais para todos. O direito penal de garantias é inerente ao Estado de Direito, porque as garantias processuais penais e as garantias penais, não são mais do que o resultado da experiência de contenção acumulada secularmente e constituem a essência da cápsula que encerra o Estado de Polícia, ou seja, são o próprio Estado de Direito”. (ZAFFARONI, p.173, 2014)
Para Zaffaroni, se o estado for realmente de direito, o direito penal será naturalmente de garantias, pois o estado de direito defende os direitos individuais e coletivos, diferentemente do estado absoluto, que em suma defende os interesses do governante, mas não seria pelo fato de ser estado democrático, que estaria livre de tratar seres perigosos como inimigos, pois como muito bem explicou o Mestre Alexandre Rocha Almeida de Morais, “a sociedade muda, e o direito, precisa se moldar à sociedade, por vezes progredindo, por vezes regredindo”, cabendo ao legislador ter a sensibilidade de bem enxergar e acompanhar as mudanças e os anseios sociais, por óbvio, que não se pode fazer todas as vontades da população, caso assim fosse, certamente teríamos regredido até as cavernas, e ao direito natural de sobrevivência.
Compulsando a obra de Zaffaroni, p.145, 2014, este explica que o Direito Penal do Inimigo, ou o inimigo só existe em caso de Guerra, como em alguns momentos doutrinadores como Ribeiro, p.49-53, 2011, demonstrariam ser, pois só haveriam limitações das garantias constitucionais em nosso ordenamento em caso de guerra declarada, o que atualmente não vem ao caso, pois as normas são permanentes e a guerra apesar de que na história termos exemplos de guerras muito demoradas, o estado de guerra em si, seria temporário, e as limitações de garantias produzidas pelo estado de guerra seriam temporárias e não com o caráter permanente como algumas normas que possuem vigência em nosso ordenamento atualmente, conforme veremos em seguida em capítulo oportuno; voltando à Zaffaroni, este descreve em resumo que “o direito de guerra existe como exceção e em caso de guerra declarada”, ou seja o Direito Penal do Inimigo é uma coisa, e o Direito de Guerra é outra coisa; para o professor Zaffaroni o Direito Penal do Inimigo é proveniente do Estado de Polícia, que viveria mantido encasulado, dentro de qualquer Estado Democrático de Direito real, sendo imprescindível para a manutenção da ordem do Estado Democrático; aonde este Estado real, não existiria sem a guarida do Estado de Polícia, e este Estado de Polícia, nada mais seria que um dos pilares de sustentação do Estado Democrático, parafraseando Rudolf Von Ihering, no consagrado pensamento, a máxima jurídica, “A justiça sustenta numa das mãos a balança que pesa o direito, e na outra a espada de que se serve para o defender. A espada sem a balança é a força brutal; a balança sem a espada é a impotência do direito”, Fuller, p.88, o Estado de Polícia seria a espada, e as instituições a balança, que por intermédio das leis manteriam em harmonia e em funcionamento o Estado Democrático de Direito, um seria o garantidor do outro.
Ribeiro apud Schmitt, traz uma separação, ou melhor, uma distinção entre o inimigo social e o inimigo político, pois para Carl Schmitt, o inimigo social seria o criminoso, e o inimigo político seria o inimigo por ideologia, por ideias contrárias, conflitantes, logo podemos perceber que segundo o raciocínio de Schmitt, o inimigo não necessariamente seria mau ou criminoso, pois poderia,o inimigo, ser inimigo político por exemplo, que para Schmitt, seria simplesmente o diferente, o estranho, quem ou aquele que pensa de maneira diferente, ou segue cultura e costumes diversos do que se exige de uma maneira geral. (RIBEIRO, 2011, p.59-65).
Para Ribeiro, 2011, p.55, o Direito Penal do Inimigo seria uma nova versão da Doutrina da Defesa Social, aonde a punição é legitimada, tendo em vista os desvios de comportamentos negativos de alguns membros da sociedade.
“A doutrina da defesa social foi produzida pelo Positivismo Criminológico, foi produzida em uma época que refletia as tendências científicas e filosóficas de um determinado período histórico, que relevou substancialmente a questão da causalidade dos fenômenos naturais e humanos e o método positivo ou experimental. O Direito Penal do Inimigo de Jakobs, considera o indivíduo como pessoa, e o inimigo como não pessoa, o que equivale dizer, à distinção feita entre “anormais” e “normais” feita pelo Positivismo Criminológico”. (RIBEIRO, 2011, p. 94).
Percebemos, que o direito, tem a missão de se adaptar a sociedade, contudo, garantindo distinções igualitárias para seus membros, punindo os transgressores da boa convivência, sem contudo cometer abusos.
Segundo Ribeiro, 2011, p. 63,
“Um Estado Democrático de Direito, aceitar o Direito Penal do Inimigo, ou introduzi-lo como um conceito central no ordenamento jurídico, abriria espaço para uma guerra sem limites jurídicos ou morais, pois em uma situação extrema de inimizade poder-se-ia gerar uma guerra interna ou externa, podendo inclusive ocorrer a desumanização extrema do inimigo, poderíamos inferir que não seriam essas as intenções dos líderes governamentais, contudo as guerras e conflitos que até hoje ocorreram inevitavelmente levaram a isso, a uma desumanização extrema do inimigo”.
Inegavelmente que “o direito penal cultivou as sementes do estado absoluto”. (ZAFFARONI, 2007, p.191). E Zaffaroni vai além, pois
“quase sempre os que quiseram conter o poder punitivo parcialmente também o habilitavam como direito penal do inimigo. No debate atual não é possível escapar da contradição que isso coloca: ou se legitima o hostis no direito ordinário do Estado de direito e, assim, renuncia-se ao modelo que o orienta e se abandona o Estado de Direito, ou então rechaça-se o hostis e se mantém o Estado de Direito ideal como princípio orientador, otimizando os esforços do poder jurídico na programação da doutrina para eliminar a presença do hostis, em qualquer de suas manifestações”. (ZAFFARONI, 2007, p.191-192).
Significa dizer que, na visão de Zaffaroni, não é possível aceitar o direito penal do inimigo no estado democrático de direito, pois uma limitação imposta a um cidadão, equivale a limitação dos direitos de todos os cidadãos e que do ponto de vista da política-criminal, admitir um tratamento penal diferenciado contra um grupo de autores ou criminosos graves, não é o melhor caminho ou o meio mais eficaz para se conter o avanço da criminalidade pelo mundo, justamente por não ser possível reduzir as garantias de uns cidadãos, sem atingir as garantias de todos os componentes da sociedade, afinal como preceitua nossa Magna Constituição no seu Artigo 5º Caput primeira parte, aonde diz “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza […]”Vade Mecum, 2014, p.66. Resta saber se a sociedade estará disposta a perder as garantias duramente conquistadas, e entregá-las para um poder seletivo muitas vezes falho que é o Estado empregador da legislação, responsável por executar as leis, em troca de obter uma maior sensação de segurança.
3.2 Direito penal do inimigo como terceira velocidade do direito penal
Para o professor Alexandre Rocha Almeida de Moraes, autor da dissertação de mestrado que se tornou livro, intitulado “O Direito Penal do Inimigo A terceira Velocidade do Direito Penal”, traz algumas inquietantes constatações, dentre elas uma que diria ser uma máxima no direito, não somente no Penal, ao qual o célebre professor do curso Damásio diz: “A sociedade pós-moderna possui, pelas modificações sofridas, novos sujeitos passivos e novos gestores da moral, o que acaba gerando novas demandas”, o direito se adapta a sociedade. A sociedade muda e o direito muda, para amoldar-se à sociedade, que altera suas aspirações ao longo da história. Outro fator que está contribuindo para acelerar este processo, e está tornando-se determinante é o processo de globalização, de comunicação global, aonde se formata e se massifica a ideia da sociedade de riscos, institucionalizando-se a insegurança, e neste aspecto a mídia tem o seu papel de “martelar” nos noticiários, assuntos de violência, e que por vezes acabam gerando mais medo e mais revoltas sociais; estes fatores inclinam-se para a tendência de um direito penal excepcional. (MORAES, 2015)
Trago abaixo relacionadas algumas das características do Direito Penal do Inimigo, das quais o professor Alexandre Rocha elenca em seu material de aula, que são pertinentes e valem a leitura e observação, para que se melhor ilustre, o Direito Penal do Inimigo, de certa forma simplificando-o para uma melhor compreenção, são elas:
– O inimigo não pode ser punido com pena, mas com “medida de segurança”;
– O inimigo não seria punido pela sua culpabilidade, mas pela sua periculosidade;
– O Direito Penal do Inimigo não puniria os fatos ocorridos, mas os fatos que representariam riscos futuros;
– O inimigo não é sujeito de direito, mas objeto de coação;
– um cidadão mesmo após delinquir, continua com o status de pessoa, já o inimigo perde esse status; (aqui faço um parênteses, aonde oportunamente trataremos do Projeto de Lei 629/15, que cria um cadastro nacional de pedófilos);
– O Direito Penal Democrático segue a norma, já o Direito Penal do Inimigo combate perigos;
– O Direito Penal do Inimigo antecipa a tutela penal para alcançar os atos preparatórios;
– cria-se uma hipertrofia legislativa irracional, um verdadeiro caos normativo, aonde surgem normas desproporcionais e que por vezes se contradizem;
– Instrumentaliza e torna o Direito Penal simbólico;
– Flexibiliza garantias penais, processuais e execucionais;
– Causando, ou aumentando o fenômeno da prisionização, (explosão cercerária).
Essas características do Direito Penal do Inimigo, esses elementos ou possíveis consequências do mesmo, decorrem basicamente da atual sociedade de riscos, a sociedade de um modo geral sempre sofreu com riscos, seja de epidemias, de doenças, de guerras, contudo, esses riscos nunca foram tão difundidos como agora, no modelo de sociedade atual, que dispõe de múltiplos elementos tecnológicos para se informarem do que está acontecendo no mundo, faz com que as pessoas sintam-se sempre atrás das outras, o que cada vez mais se reforça a ideia de competição, o que eleva, e desloca para a marginalidade um grande número de indivíduos, existe nos dias correntes, competições para tudo, para todos os setores, sejam em concursos públicos, seja para obtenção de Graus acadêmicos, seja para a aprovação em vestibulares, seja para a conquista de um emprego e isso tudo repercute diretamente no bem estar individual, e se os indivíduos estão mal, a sociedade vai ficar mal, pois a a sociedade será constituída por estes seres humanos “doentes”, e é aí que chegamos no ponto principal, que é o limite; e quando se chega no limite é que os conflitos e os confrontos tendem a ocorrer, quando se atinge o limite da racionalidade é que ocorrem segundo Alexandre Moraes, ocorre uma reação irracional e irrefletida por parte daqueles que foram atingidos direta ou indiretamente pelo fato.
No mesmo sentido de reações imediatas e por vezes sem a devida análise, muito se buscando tão somente o ibope, a mídia, ou os meios de comunicação em geral possuem um certo grau de responsabilidade no que tange a esta institucionalização da insegurança que paira sobre as cabeças da população, os crimes não deveriam ocorrer, mas ocorrem e por vezes os meios de comunicação dão uma tal relevância ao tema, um tamanho envolvimento, que faz transparecer para os telespectadores que o crime que ocorreu parece ser muito maior do que realmente foi, ou que ocorreram muito outros crimes e em maiores quantidades do que realmente ocorreram e que por alguma razão poucas pessoas ficam sabendo; de certo que pode ser assim em determinadas localidades, o Brasil é um país de dimensões territoriais continentais e uma população diversificada e multicultural, infelizmente os crimes vão acontecer, cedo ou tarde.
Ainda segundo Alexandre, a supervalorização e a massificação de temas relacionados a violência pelos meios de comunicação, tendencionam a opinião pública para um direito penal excepcional, pois com a elevação da divulgação destas notícias há um aumento subjetivo na sensação de insegurança na população, fazendo com que surjam clamores pelo endurecimento da política criminal por parte do Estado, disseminando-se a ideia de que as garantias constitucionais dos criminalizados, constituem um estorvo à efetividade do poder punitivo estatal.
Todas essas ações e posicionamentos estão se formando devido ao transnacionalismo, por óbvio de que este não é a única causa do problema, mas a sociedade está se tornando uma só, o mundo é um só, e ao que parece, os métodos antigos de busca da igualdade, liberdade e fraternidade, não mais estão sendo possíveis de se sustentar pelas vias antigas do direito, como diria o Mestre Alexandre “a sociedade muda e o direito necessita se moldar a sociedade, a democracia é isto, é a vontade popular, que ora progride e ora regride”. (MORAES, 2015)
A pobreza mundial, e destruição ambiental, e até a religião, estão à tempos gerando conflitos transculturais, com a morte de pessoas inocentes, a morte de idiomas e de identidades culturais; esses fatores negativos vão aos poucos, como a água que vai lentamente batendo na pedra, enfraquecendo a democracia, aonde o sistema político perde a capacidade de regular o trabalho, de promover o bem estar social e de garantir a segurança pública, além de não mais controlar a violência, o que no decorrer do tempo ocasiona uma adoção indiscriminada do princípio da Precaução. Segundo Alexandre, “uma sociedade marcada pelo risco, adota tipos de perigo abstrato e omissivos impróprios como respostas aparentemente adequadas para evitar tais riscos”.
4. O Estado Democrático de Direito Brasileiro e o Direito Penal do Inimigo
A ideia de Estado já foi discutida incontáveis vezes e abordada de inúmeras maneiras. Iniciamos esta capítulo com Platão, ao que traz em sua célebre obra, uma aspiração de Estado Ideal, isso em meados de 400 a.C., aonde os “guardiões”, saídos dos “guerreiros”, preparados pela educação, formariam a base para a vivência comunitária, aonde ambos os sexos, seriam submetidos a uma educação científica e política, ministrada por filósofos, que, possuídos pelo amor à verdade e pelo desprendimento dos bens materiais, seriam os mais aptos a ensinar. Segundo Platão os Estados falham porque vão sucedendo-se continuamente por um processo de corrupção que é implicitamente trazida em cada governo que se sucede, e que ao vaguearem pela história como formas imperfeitas de Estado, nunca atingem a perfeição. (PLATÃO, 2014, p.5)
O Estado como conhecemos hoje, surgiu ao longo dos séculos XV e XVI, na qual possui três elementos fundamentais que o constituem, qual sejam; poder ou soberania; população e território. (PACHECO apud JELINEK, 2013, p.18); segundo Pacheco,
“A essa definição meramente formal, foram acrecidas muitas outras, como a legitimidade da criação do mais forte (Teoria de Poder de Hobbes); os laços jurídicos-sociológicos (Rousseau – Kant); a vontade divina (Santo Agostinho); a necessidade moral (Platão – Aristóteles e Hegel). […] o Estado de Direito tem destaque na medida em que representou aquelas transformações político-econômico-sociais que se desenrolaram ao longo dos séculos XIX e meados do século XX”. (PACHECO, 2013, p.18)
Esse Estado, foi fundamentando-se basicamente no Império da Lei, contudo isso poder-se-ia transformar em nome de um ato juridicamente perfeito, ou seja de acordo com a lei, em um sistema legal, legitimamente totalitário, seria um regime autoritário, embasado na legislação, portanto legal. Por tal motivo, exsurge além do conceito de Estado, o conceito de Estado de Direito, aonde não mais seria tão somente o embasamento legal que legitimaria as ações dos governantes, neste sentido Pacheco diz que,
“Inegável que esse Estado de Direito é o resultado do processo histórico francês em sua busca pela superação dos limites absolutistas. […] Também ele é resultante, na Alemanha, de todo um movimento que buscou superar o Antigo Estado de Polícia do III Reich, aonde tudo estava regulamentado e controlado por um Estado Centralizador, pela ideia de um Estado onde se desejava uma proteção de ordem e da segurança pública sem que isso viesse a significar limitações à liberdade do particular ou do espaço civil das relações sociais. Dessa maneira, o Estado Democrático de Direito, significa que o Estado (soberania, povo e território), rege-se por normas democráticas, a partir de eleições livres, regulares e pela participação do cidadão, bem assim apresenta uma obrigação dos agentes públicos de se submeterem ao respeito aos direitos e garantias fundamentais”. (PLATÃO, 2014, p.5)
Assim, vemos que a definição de Estado, foi ao longo da evolução humana se modificando, sendo incluídas novas garantias ao cidadão; claro que sempre após muitas lutas e revoltas populares, que impulsionaram o decorrer da história, desde a definição acima mencionada de Estado em sentido formal, passando pelo Estado de Direito, com algumas garantias, contudo sem efetivá-las quando em confronto com poderosos, até chegarmos ao Estado Democrático de Direito, com uma maior participação popular, e todos sendo tratados como iguais, ao menos tentando. Ainda segundo Pacheco, podemos ter a seguinte definição de Estado Democrático de Direito,
“O Estado Democrático de Direito é, assim, uma formatação político-jurídica que realiza uma superação do anterior Estado de Direito, que mantinha o espaço social á mercê da vontade de líderes que, fundamentando seu autoritarismo na existência de uma norma dedutivo-formalista, justificavam variados ferimentos aos direitos e expectativas dos sujeitos sociais. O Estado Democrático de Direito formata uma ponderação entre a lei e aquela função do Estado responsável pela sua realização, o Poder Legislativo, reconhecendo no mandatário do voto um agente capaz de atender às modificações dos valores sociais, bem como alterar a cada mandato a existência, a validade e a legitimidade da norma, desde que esse mesmo mandatário possa sofrer com o benefício da alteração a cada quatro anos.” (PLATÃO, 2014, p.5)
Se tomarmos por base um Estado Democrático de Direito utópico ou fictício, ideal, bem, teríamos que sermos sonhadores demais, quem sabe um dia o mundo seja um grandioso paraíso compartilhável aonde todos vestem branco e correm pelos campos com flores e pétalas de rosas voando e o ar puro vagando em suaves brisas, hoje e por muito tempo demasiadamente utópico. No planeta Terra real, temos furacões, tufões, terremotos, deslizamentos, irresponsabilidades, desrespeito as garantias e princípios básicos de convivência, o que torna o Estado Democrático de Direito perfeito, muito distante, afinal pensar em um Estado democrático de Direito utópico, inatingível, significaria pensar, filosoficamente falando, que em um Estado Ideal, as portas dos bancos não necessitariam ter detectores de metal, nos fóruns não seriam necessários detectores de metal, nos estádios de futebol, não deveríamos ser revistados, um exemplo é este, ora, aonde já se viu ser revistado para entrar em um estádio de futebol, típico de um Estado de Polícia, resquícios de uma Ditadura, ou não, simplesmente a necessidade de se manter a ordem, eu autorizo o Estado Democrático em me revistar, em troca de que ele, Estado reviste todos os outros, afim de que eu e todos os outros temos a garantia de que ninguém, não autorizado pela lei, possa estado portanto algum objeto que em uma situação que eventualmente fuja do controle, possa ser utilizado para causar algum dano ou prejuízo, a terceiros. Significa dizer em termos de inimigo que nós sociedade, somos todos suspeitos, até que ao sermos revistados provemos o contrário.
Vivemos em um Estado Democrático de Direito falacioso, nosso Estado Democrático de Direito, ainda é um subterfúgio de um Estado de Polícia, aonde cada cidadão está se sujeitando, por medo da insegurança, à estar sempre exposto a provar a sua inocência, ao entrar no fórum, ao entrar no banco, ao entrar em um estádio, somos todos suspeitos, e é normal que seja assim, perdemos parte da liberdade e troca de segurança. (BECCARIA, 2012, p.12)
Somos recém saídos de uma ditadura para uma Democracia, possuímos, e as instituições também possuem resquícios culturais, algumas vezes fortíssimos de um Estado de Polícia, pautado pela vigilância e desconfiança constantes, presentes em um panoptismo digital, difícil em nossa atual sociedade quem não tenha um gravador, um celular com câmera,[1] ainda estamos no meio do caminho, estamos em transição e cabe a nós enquanto sociedade organizada, chegar o mais perto possível do Estado Democrático de Direito fictício, sempre voltado para a realidade da vida e não para um sonho poético, defender as leis e as garantias constitucionais, constantes nos princípios básicos da legalidade e dignidade da pessoa humana. Fomos ao adestrados como sociedade para acreditar que, sem um processo educacional de longo prazo, lento e trabalhoso, fôssemos capazes de “criar” uma Democracia perfeita, aonde todos os cidadãos viveriam em paz e harmonia.
Cada legislação, cada norma necessita de um estudo técnico, do contrário estará fadada ao completo fracasso, segundo magna aula dada pelo professor Alexandre, no Brasil criam-se leis, sem um estudo técnico aprofundado, vejam, descrevo aprofundado, e não demorado, pois a sociedade caminha a passos gigantescos, e o direito, as normas jurídicas, principalmente as normas penais, caminham sempre atrás dos fatos que surgem na sociedade, como muito bem escreveu Miguel Reale, a Teoria tridimencional do direito, qual seja, fato, valor e norma, aonde o fenômeno jurídico pressupõe esses três elementos, como forma de expressão, a sociedade muda, os fatos mudam, as normas mudam. (MORAES, 2015)
Portanto verificamos uma imensa importância em debater e discutir as razões pelas quais este Direito Penal do Inimigo vem ganhando adeptos ao redor do mundo, baseados em uma luta contra o terror, sabemos que teorias alarmistas iniciam-se aos poucos, e a cada dia que se passa aos noticiários, são cada vez mais estampadas notícias em tom de degradação social, massificação do medo, crises na segurança pública, diminuição de pessoal, desconfianças institucionais, midiatização das matérias jurídicas principalmente com um tom de simplificação das normas e que por muitas vezes faz transpassar para os leigos telespectadores, um direito penal que não condiz com o que é estudado, as normas jurídicas não são reality show, o que por este motivo cria no iter da sociedade a necessidade da criação de algo que possa “combater” este “inimigo”, inimigo este criado e mantido pelo pânico social, caso não seja devidamente analisado e debatido corremos o risco de ser criado e instaurado um estado de exceção, aonde alguns cidadãos seriam punidos por uma lei com as garantias, e outros cidadãos punidos por outra legislação que não lhes garantisse ou que não lhes assegurasse estas mesmas garantias no decorrer da investigação ou do processo e julgamento, se analisarmos profundamente chegaremos a conclusão de que este Direito Penal do Inimigo não é um Direito, mas sim a supressão deles em casos de “inimigos” da vida em sociedade.
Felizmente no Brasil ainda não ocorreram atentados cometidos por terroristas, contudo vários brasileiros já foram vítimas destes atentados, vítimas diretas ou indiretas, os últimos brasileiros feridos por um atentado causado por um grupo terrorista foram Gabriel Sepe Camargo e Camila Issa, que se encontravam no interior de um restaurante em paris, fato público e notório aonde os brasileiros serviram como espécie de escudo, conforme descrito na matéria de FERNANDES, 2015.
Temos, pois que o Estado Democrático de Direito Brasileiro é recente, possui a nossa democracia 27 anos de existência, tendo sido promulgada em 05 de outubro de 1988 após um período de ditadura militar, aonde eram reduzidos os direitos e garantias; contudo uma democracia não se constrói da noite para o dia, não bastando simplesmente estar no papel que todos possuem direitos, é necessário efetivá-los, portanto esta constituição representou a retomada da trajetória democrática no Brasil, de certo, com inúmeras inovações, como as cláusulas pétreas, os remédios constitucionais, a ideia de cidadania latu sensu, a definição de Estado como Estado Democrático de Direito dentre outros, foi sem dúvida um longo caminho percorrido. (PACHECO, 2013, p.29-30).
4.1 Possibilidade de coexistência
A tendência mundial em olhar de uma forma um pouco mais espantada para a questão de tratar “alguns” cidadãos como não-cidadãos, ou como Jakobs mesmo diz, não pessoa, principalmente no que concerne as ações criminosas que a algum tempo vem sendo promovidas por grupos terroristas, basicamente após a Segunda Guerra Mundial, tenho por dizer que ao que parece e muito bem lembrado por Jakobs, a humanidade sempre necessita encontrar um inimigo para combater, seja quem estiver no poder de gerência estatal, parece uma necessidade doentia, “a sociedade precisar rotular outros como inimigos”, e não simplesmente como criminosos, como defensores desta teoria, mas muito mais que teoria, um movimento ou uma crítica que acabou por se transformar em uma ideia, para tornar um inimigo ou um criminoso assíduo da sociedade, um não cidadão, tem como principal fomentador o próprio Jakobs, que já referido criticou no início aquilo que descreveu, quer seja um estado de guerra inserido em um estado de paz. (JAKOBS, 2015, p.40)
Na Roma antiga, os estrangeiros eram considerados como inimigos, não nestes termos, lá eram os hostis, ou seja, como explica Zaffaroni, os que eram desconhecidos, indisciplinados, estranhos, seja por virem de outro lugar, ou por possuir uma cultura diferente, um idioma diferente. (ZAFFARONI, 2007, p. 22-25)
Dentro da pesquisa realizada é, em termos doutrinários, difícil de encontrar doutrinadores que defendam o Direito Penal do Inimigo como proposto por Jakobs, isto porque é de certa forma seria um retrocesso, a manutenção, o estancamento da evolução de um direito penal, suspendendo garantias básicas do ser humano, em prol de uma defesa social maior, vejamos, que o direito penal não é falho sozinho, como muitos leigos principalmente, discursam por aí, o direito penal é sim, por fundamento no princípio da intervenção mínima a última ratio, a última medida, a ser imposta a alguém, se, em nosso momento social, parece que reina a impunidade, é porque todos os outros meios de correção e organização social falharam, nos dizeres proferidos em aula pelo ilustre mestre Alexandre Moraes da Rosa, “o modelo de família mudou, o modelo de sociedade mudou, as pessoas mudaram”, o que significa que não temos mais segurança societária básica, pois os alicerces milenares da sociedade humana estão balançando, e o direito penal sozinho não consegue segurar as pontas.
4.2 Impossibilidade de coexistência
Atentando-se para a impossibilidade de coexistir em um estado democrático de direito um direito penal de exceção, ou direito penal do inimigo, pois um estado democrático é pautado principalmente pela manutenção das garantias fundamentais, nem mesmo a constituição traz distinção desfavorável pela prática de delitos, apenas diz que determinados crimes merecem um tratamento penal diferenciado pois provocam um perigo maior ao bem jurídico social, mas reafirma que todos são iguais perante a lei, ou seja todos tem direito e acesso as mesmas garantias legais, independentemente do crime praticado.
Um ser humano que doutrinariamente é contrário as ideias de um estado democrático social, que comete crimes graves, por óbvio não terá o mesmo tratamento que um cidadão comum, primeiro porque dada a gravidade dos fatos, o terrorista por exemplo incidira em um crime com definição especial, poderíamos, considerar que os termos utilizados por Jakobs refiram-se as leis especiais que punem delitos graves ou hediondos de maneira diversa, mas jamais suprimindo garantias fundamentais, não pode o estado ser tão poderoso a ponto de escolher quem será considerado inimigo do estado, sob pena de o representante do poder estatal ordenar a prisão de seus inimigos particulares, ou inimigos e adversários políticos, imaginem em um estado democrático de direito pautado pela livre iniciativa, pela livre expressão vedando-se o anonimato, punir ou tratar como inimigo não os que praticam atos terroristas, mas movimentos sociais, ora seria um primeiro passo para fazer ruir o sistema democrático, é de certo que crimes graves recebam do legislador tratamento mais gravoso, mas jamais suprimindo garantias constitucionais. (RIBEIRO, 2011).
Por estes motivos é de suma importância o debate em relação ao Direito Penal do Inimigo, pois analisando os aspectos da primeira constatação por parte de Jakobs em 1985 verifica-se que os criminosos por assim dizer são tratados como inimigos pelo estado, mas possuem suas garantias constitucionais como qualquer outro cidadão, ou seja são cidadãos e sujeitos de direito independentemente do crime ao qual praticaram, consta no prólogo III, da obra de Jaboks, nos dizeres de André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli que
“Independentemente da gravidade da conduta do agente, este há de ser punido criminalmente como transgressor da norma penal, como indivíduo, como pessoa que praticou um crime, e não como um combatente, como um guerreiro, como um inimigo do Estado e da sociedade. A conduta por mais desumana que pareça, não autoriza o Estado a tratar o ser humano como se um irracional fosse. O infrator continua sendo um ser humano”. (JAKOBS, 2015, p.15)
Segundo Ribeiro, 2011, p.90, ao sustentar que Jakobs de maneira astuciosa justifica e defenda a existência do Direito Penal do Inimigo, como uma espécie de garantia do Direito Penal do Cidadão, representando uma espécie de mal menor ao Estado de Direito, o que sabemos não seria verdade, pois conforme Ribeiro, 2011, p.90. segue dizendo o autor que Jakobs,
“[…] não deveria se surpreender com o entrelaçamento do Direito Penal do Inimigo com o Direito Penal do Cidadão, pois em cada Estado Soberano só há, evidentemente, um Direito Penal, e quando se abre brechas para que ele se transforme em um Direito Penal do Inimigo, é evidente que todos os cidadãos, mais cedo ou mais tarde, acabam sendo atingidos, ou ao menos potencialmente. “
Logo vemos que a preocupação reside, sob dois aspetos, qual sejam, o primeiro ao tratar um criminoso, como uma “não-pessoa” suprimindo lhe direitos garantidos pela legislação, uma espécie de exceção, ou nos dizeres de Damásio seria “eliminar um perigo”, e sob o segundo aspecto, verificar esta exceção sob a ótica do cidadão, que mesmo o criminoso não sendo inimigo em um primeiro momento poderia vir a se tornar, por qualquer motivo, mas que o cidadão também seria atingido pela norma como referido acima por Ribeiro, pois em algum momento o enquadramento penal dado a um cidadão poderia ser o do inimigo, punindo de forma drástica um cidadão ou criminoso comum, é de certo que estes movimentos evolucionistas do direito penal em prol da sociedade são válidos desde que não representem um perigo para a sociedade, pois sim, suprimir direitos e garantias do inimigo sem poder identificá-lo, tornaríamos reféns por assim dizer do arrepio do entendimento do aplicador da lei, ora imaginem uma autoridade policial prendendo algum criminoso qualquer, e dadas as investigações apura-se que o criminoso possui certa ligação ou contato estrangeiro com rebeldes, ora o fato de um cidadão criminoso conhecer rebeldes poderia ser enquadrado como ato hostil preparatório de um futuro ataque terrorista, é demais, tratar um criminoso como inimigo é e será muito mais prejudicial para a sociedade que benéfico, tendo em vista que “[…] nem todo delinquente é um adversário do ordenamento jurídico”. Jakobs, 2015, p.41
Segundo Damásio de Jesus, o direito penal pune fatos, e não pensamentos, se utilizarmos o Direito Penal do Inimigo, da forma como proposto por Jakobs, suprimindo garantias sociais, não é possível coexistir com o Estado de Direito, pois assim o Estado de Polícia tomaria conta da Democracia, tornando-se um verdadeiro Estado Totalitário. O Estado Democrático de Direito, no que toca ao Direito Penal, rege-se pelo Princípio da Intervenção Mínima, como assevera Nucci.
“O princípio da intervenção mínima ou da subsidiariedade significa que o Direito Penal, no âmbito de um Estado Democrático de Direito, deve intervir minimamente na vida privada do cidadão, vale dizer, os conflitos sociais existentes, na sua grande maioria, precisam ser solucionados por outros ramos do ordenamento jurídico (civil, trabalhista, tributário, administrativo etc.). A norma penal incriminadora, impositiva de sanção, deve ser aultima ratio, ou seja, a última hipótese que o Estado utiliza para punir o infrator da lei. Logo, o caminho ideal é a busca da descriminalização, deixando de considerar infração penal uma série de situações ainda hoje tipificadas como tal. Exemplo maior do que ora defendemos é a Lei das Contravenções Penais. Seus tipos penais são, na maioria absoluta, ultrapassados, vetustos e antidemocráticos. Promovem formas veladas de discriminação social e incentivam a cizânia dentre pessoas, que buscam resolver seus problemas cotidianos e superficiais, no campo penal. Pensamos que não haveria nenhum prejuízo caso houvesse a simples revogação da Lei das Contravenções Penais, transferindo para o âmbito administrativo determinados ilícitos e sua punição, sem que se utilize da Justiça Criminal para compor eventuais conflitos de interesses, como, por exemplo, uma ínfima contrariedade entre vizinhos porque um deles está com um aparelho sonoro ligado acima do permitido (art. 42, III, LCP). Ao longo dos comentários, pretendemos demonstrar a inadequação desta lei, bem como os tipos penais que se tornaram, em face da nova Constituição Federal de 1988, inaplicáveis, pois inconstitucionais”. (NUCCI, 2016)
No exemplo citado acima por Nucci, notamos que as relações sociais, merecem atuação de todos os ramos do Direito, sendo o Direito Penal o último a ser requisitado, afinal as pessoas são livres, e a sua liberdade é limitada até o limite de liberdade do outro.
5. Conclusão
Considera-se ao final deste artigo, que existem algumas mudanças significativas ocorrendo nas legislações de diversos países, principalmente no que concerne a um maior rigor legislativo por determinadas condutas, tendo como influência principalmente dois fatores: o primeiro diz respeito a pressões populares, que de certa forma são verídicas, pois aonde haviam policiais nas ruas, hoje não mais os vemos, e outra em decorrência da reiteração e massificação de notícias policiais, em programas televisivos, que perpassam a imagem de que a nossa sociedade está em um eminente armagedom, o que é temerário, pois isto abre caminho para a implantação de normas limitadores de garantias constitucionais, trazendo o Direito Peal do Inimigo cada vez mais para perto de nossa legislação pátria. E o segundo fator que influencia o legislador é justamente dar maior especificidade a punição dos agentes de determinadas condutas, eis que uma simples reunião de pessoas com a finalidade de cometer um único crime é muito menos danoso do ponto de vista social do que verdadeiras organizações que lucram milhões com a prática de crimes e para isso necessitam intimidar autoridades, sejam elas Judiciárias, do Ministério Púbico, Autoridades Policiais, agentes ou mesmo a população que sempre é o elo mais fraco da situação que envolve a prática criminosa, pois sob a ideia de proteção foi retirado da sociedade o direito de portar armas, sendo que somente a polícia deveria ter armas, e se levarmos em conta um estado falacioso e utópico, nem os policiais deveriam possuir armas, mas a pergunta que fica é porque os criminosos possuem armas se elas são proibidas, essas e outras questões o estado ainda não foi capaz de solucionar, e quem fica a mercê da criminalidade é a sociedade. Evidentemente que fora apresentado uma síntese, que sirva de ponto base para uma maior pesquisa e aprofundamento desta questão, que está muito longe de possuir um desfecho.
Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Regional Integrada URI Campus de Erechim/RS. Pós-graduando em Direito Penal pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus
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