O exercício do poder de polícia: ponderações sobre a polícia administrativa

Resumo: O objetivo do artigo científico está assentado em discorrer acerca do poder de polícia, bem como seus aspectos caracterizadores e premissas de atuação.  cuida anotar que o Estado deve atuar à sombra do princípio da supremacia do interesse público. No que tange à atuação do princípio da supremacia do interesse público, como vetor de inspiração na confecção das normas, mister faz-se destacar, com cores fortes e acentuados tracejos, que uma das distinções que bem delineia o direito privado do público, cinge-se ao interesse que busca proteger; o direito privado contém normas de interesse individual e, o direito público, normas de interesse público. Ora, quadra sublinhar, ainda, que a sobreposição da supremacia do interesse público sobre o interesse privado se apresenta como bastião sustentador do Direito em qualquer sociedade. Com efeito, a valoração do interesse público, neste aspecto, se apresenta como conditio sine qua non para a manutenção e preservação da ordem social. Destarte, o corolário da supremacia do interesse público ostenta, como núcleo sensível, a busca pela promoção e alcance dos interesses da coletividade, sobrepujando, por via de extensão, o interesse particular. Assim, quando o Poder Público interfere na órbita do interesse privado para salvaguardar o interesse público, restringindo direitos individuais, atua no exercício do poder de polícia. A partir de tais ideários, a pesquisa desenvolvida está assentada no método de revisão bibliográfica, conjugado, no decorrer do artigo, da legislação nacional pertinente, com vistas a esmiuçar os requisitos enumerados.

Palavras-chaves: Poder de Polícia. Poder Público. Polícia Administrativa.

Sumário: 1 Poder de Polícia: Ponderações Introdutórias; 2 Competência do Poder de Polícia; 3 Poder de Polícia Originário e Delegado; 4 Polícia Administrativa e Polícia Judiciária; 5 Atuação da Administração Pública; 6 Características do Poder de Polícia; 7 Sanções de Polícia

1 Poder de Polícia: Ponderações Introdutórias

Em sede de comentários introdutórios, cuida anotar que o Estado deve atuar à sombra do princípio da supremacia do interesse público. No que tange à atuação do princípio da supremacia do interesse público, como vetor de inspiração na confecção das normas, mister faz-se destacar, com cores fortes e acentuados tracejos, que uma das distinções que bem delineia o direito privado do público, cinge-se ao interesse que busca proteger; “o direito privado contém normas de interesse individual e, o direito público, normas de interesse público”[1]. Ora, quadra sublinhar, ainda, que a sobreposição da supremacia do interesse público sobre o interesse privado se apresenta como bastião sustentador do Direito em qualquer sociedade. Com efeito, a valoração do interesse público, neste aspecto, se apresenta como conditio sine qua non para a manutenção e preservação da ordem social.

Neste sedimento, tal como dito acima, em que pese a inexistência de expressa menção do postulado em comento pelo texto constitucional, é impende destacar, com o realce que o tema carece, que “as atividades administrativas são desenvolvidas pelo Estado para benefício da coletividade. Mesmo quando age em vista de algum interesse estatal imediato, o fim último de sua atuação deve ser voltado para o interesse público”[2]Destarte, o corolário da supremacia do interesse público ostenta, como núcleo sensível, a busca pela promoção e alcance dos interesses da coletividade, sobrepujando, por via de extensão, o interesse particular. Assim, quando o Poder Público interfere na órbita do interesse privado para salvaguardar o interesse público, restringindo direitos individuais, atua no exercício do poder de polícia.

Ao lado do exposto, a locução poder de polícia abarca dois sentidos, um amplo e um estrito. Em uma acepção ampla, poder de polícia assume significação de toda e qualquer ação restritiva do Estado em relação aos direitos individuais. Especial relevância assume a função do Poder Legislativo incumbido do ius novum uma vez que apenas as leis, organicamente consideradas, têm o condão de delinear o perfil dos direitos, elastecendo ou reduzindo o seu conteúdo. Trata-se, pois, de reafirmação do corolário da legalidade, expressamente consagrado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[3]. Em uma fisionomia mais estrita, o poder de polícia se configura como atividade administrativa, que materializa verdadeira prerrogativa conferida aos agentes da Administração, consistente no poder de restringir e condicionar a liberdade e a propriedade. Substancializa, dessa maneira, atividade tipicamente administrativa e, como tal, subjacente à lei, de forma que esta já preexiste quando os administradores cominam a disciplina e as restrições aos direitos. Neste sentido, Celso de Mello explicita que:

“A expressão “poder de polícia” pode ser tomada em sentido mais restrito, relacionando-se unicamente com as intervenções, quer gerais e abstratas, como os regulamentos, quer concretas e específicas (tais as autorizações, as licenças, as injunções), do Poder Executivo destinadas a alcançar o mesmo fim de prevenir e obstar ao desenvolvimento de atividades particulares contrastantes com os interesses sociais. Esta acepção mais limitada responde à noção de polícia administrativa”[4].

À luz das ponderações aventadas, com espeque na concepção de José dos Santos Carvalho Filho[5], o poder de polícia materializa a prerrogativa de direito público que, assentada na lei, autoriza a Administração Pública a restringir o uso e o gozo da liberdade e da propriedade em favor do interesse da coletividade. Segundo Celso de Mello[6], o poder de policia, em uma conotação mais restrita e assentada em função precípua administrativa, materializa atividade da Administração Pública, sendo expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com arrimo em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, por meio de ação ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, cominando coercitivamente aos particulares um dever de abstenção (non facere), com o escopo de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo em vigor.  Trata-se, em linhas conceituais, do modo de atuar da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das atividades individuais suscetíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por escopo evitar que sejam produzidos, ampliados ou generalizados os danos sociais que os diplomas legais procuram prevenir.

No que tange ao benefício resultante do poder de polícia, materializa fundamento dessa prerrogativa do Poder Público o interesse público. Logo, a intervenção do Estado no conteúdo dos direitos individuais somente encontra amparo ante a finalidade que deve sempre orientar a ação dos administradores públicos, qual seja: o interesse da coletividade. Noutro ângulo, a prerrogativa em si está alicerçada na supremacia geral da Administração Pública, ou seja, aquela mantida em relação aos administrados, de modo indistinto, flagrante superioridade, pelo fato de satisfazer, como expressão de um dos poderes do Estado, interesses públicos. No que pertine à finalidade, salta aos olhos que o poder de polícia objetiva promover a proteção dos interesses coletivos, o que explicita umbilical conotação como próprio fundamento do poder, ou seja, se o interesse público é o axioma inspirador da atuação restritiva do Estado, há de constituir alvo dela a proteção do mesmo interesse. Cuida anotar que este deve ser compreendido em sentido amplo, abarcando todo e qualquer aspecto.

Em sede de âmbito de incidência, cuida reconhecer que é bastante amplo o círculo em que se pode fazer presente o poder de polícia. Em tal alamiré, qualquer ramo de atividade que possa contemplar a presença do indivíduo possibilita a intervenção restritiva do Estado. Em outros termos, não há direitos individuais absolutos a esta ou àquela atividade, mas, ao reverso, deverão estar subordinados aos interesses coletivos. Daí é possível dizer que a liberdade e a propriedade são sempre direitos condicionados, eis que se sujeitam às restrições necessárias a sua adequação ao interesse público. “É esse o motivo pelo qual se faz menção à polícia de construções, à polícia sanitária, à polícia de trânsito e de tráfego, à polícia de profissões, à polícia do meio ambiente”[7]. Em todos esses segmentos aparece o Estado, em sua atuação restritiva de polícia, com o escopo de assegurar a preservação do interesse público.

2 Competência do Poder de Polícia

A competência para exercer o poder de polícia é, em um primeiro momento, da pessoa federativa à qual a Constituição Federal conferiu o poder de regular a matéria. Com destaque, os assuntos concernentes ao interesse nacional ficam sujeitas à regulamentação e policiamento da União; as matérias de interesse regional estão condicionadas às normas e à polícia estadual; e os assuntos de interesse local estão subordinados aos regulamentos edilícios e ao policiamento administrativo municipal. Com destaque, o sistema de competências constitucionais é responsável por afixar as linhas básicas do poder de regulamentação das pessoas federativas, não sendo, entretanto, possível esquecer que as hipóteses de poder concorrente ensejarão o exercício conjunto do poder de polícia por pessoas de nível federativo diverso, consoante se extrai dos artigos 22, parágrafo único, 23 e 24 da Constituição Federal[8].

Carvalho Filho[9] explicita que será inválido o ato de polícia praticado por agente de pessoa federativa que não tenha competência constitucional para regular a matéria e, portanto, para impor a restrição. Igualmente, só pode ter-se por legítimo o exercício de atividade administrativa materializadora do poder de polícia se a lei em que estiver calcada a conduta da Administração encontrar guarida no Texto Maior. Caso a lei seja inconstitucional, os atos administrativos, que com fundamento nela sejam praticados, serão considerados ilegítimos, caso sejam voltadas a uma pretensa tutela do interesse público, substancializada no exercício do poder de polícia. Destarte, conclui-se que só há poder de polícia legítimo se legítima for a lei que o sustenta. Ao lado disso, imprescindível faz-se anotar que, como o sistema de partilha de competências constitucionais envolve três patamares federativos – o federal, o estadual e o municipal -, e tendo em vista o contraste de competências privativas e concorrentes, salta aos olhos que, dada a complexidade da matéria, comumente surgem hesitações na doutrina e nos Tribunais quanto à entidade competente para a execução de certo serviço ou para o exercício do poder de polícia. Com o escopo de fortalecer o acimado, cuida transcrever o paradigmático entendimento:

“Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Distrital N. 3.460. Instituição do programa de inspeção e manutenção de veículos em uso no âmbito do Distrito Federal. Alegação de violação do disposto no artigo 22, inciso XI, da Constituição do Brasil. Inocorrência. 1. O ato normativo impugnado não dispõe sobre trânsito ao criar serviços públicos necessários à proteção do meio ambiente por meio do controle de gases poluentes emitidos pela frota de veículos do Distrito Federal. A alegação do requerente de afronta ao disposto no artigo 22, XI, da Constituição do Brasil não procede. 2. A lei distrital apenas regula como o Distrito Federal cumprirá o dever-poder que lhe incumbe — proteção ao meio ambiente. 3. O DF possui competência para implementar medidas de proteção ao meio ambiente, fazendo-o nos termos do disposto no artigo 23, VI, da CB/88. 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente.” (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADI 3.338/ Relator:  Ministro Joaquim Barbosa/ Relator p/ Acórdão:  Ministro Eros Grau/ Julgado em 31.08.2005/ Publicado no DJe em 05.09.2007).

À luz do exposto, incumbe ao intérprete promover detida análise da hipótese concreta, buscando estabelecer uma adequação pertinente ao sistema estabelecido no Texto Constitucional. Oportunamente, convém explicitar que o poder de polícia, sendo atividade que, em algumas hipóteses, acarreta competência concorrente entre pessoas federativas, enseja sua execução em sistema de cooperação calcado no regime de gestão associada, encontrando respaldo no artigo 241 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[10]. Ao lado disso, em tais hipóteses, os entes federativos interessados firmarão convênios administrativos e consórcios públicos destinados ao atendimento dos objetivos do interesse comum.

3 Poder de Polícia Originário e Delegado

Ao se empregar o princípio de que quem pode o mais pode o menos, é viável atribuir às pessoas políticas da federação o exercício do poder de polícia, porquanto se lhes compete editar as próprias leis limitadoras, conferindo a coerência propicia e permitindo, em decorrência, o poder de esmiuçar as restrições. Trata-se, aqui, do poder de polícia originário, que alcança, em sentido amplo, as leis e os atos administrativos provenientes de tais pessoas. Entrementes, o Estado não age somente por seus agentes e órgãos, eis que varias atividades e serviços públicos são executados por pessoas vinculadas àquele. Neste aspecto, repousa o questionamento quando tais pessoas terão idoneidade para o exercício do poder de polícia. Ora, ao se perfilhar ao entendimento apresentado por Carvalho Filho[11], salta aos olhos que tais entidades são o prolongamento do Estado e recebem deste o suporte jurídico para o desempenho, por delegação, de funções públicas a ele cometidas.

É indispensável, entretanto, para a validade dessa atuação é que a delegação seja feita por meio de lei formal, originaria da função regular do legislativo. Ao lado disso, é denotável, ainda, que a existência da lei é o pressuposto de validade da polícia administrativa exercida pela própria Administração Direta e, dessa forma, nada impediria que servisse também como respaldo da atuação de entidades paraestatais, ainda que elas sejam dotadas de personalidade jurídica de direito privado. Neste quadrante, o importante é que haja expressa delegação a lei pertinente e que o delegatário seja entidade integrante da Administração Pública. Ao lado disso, é possível, ainda, colacionar o entendimento jurisprudencial no sentido que:

“Ementa: Administrativo e Processual Civil. Conselho Regional de Enfermagem. Ação civil pública. Pretensão de obrigar hospital a contratar e manter profissional de enfermagem. Exercício das funções de polícia administrativa. Princípio da inafastabilidade da jurisdição. Artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal. Interesse processual. Utilidade e necessidade. Caracterização. 1. O fato de os estabelecimentos hospitalares cuja atividade básica seja a prática da medicina não estarem sujeitos a registro perante o Conselho de Enfermagem não constitui impeditivo a que sejam submetidos à fiscalização pelo referido órgão quanto à regularidade da situação dos profissionais de enfermagem que ali atuam. Porém, mesmo reconhecendo o poder de polícia administrativa ao Conselho de Enfermagem, este não afasta a utilidade-adequação da presente ação civil pública. 2. Revestido ou não de prerrogativa executória aos atos administrativos das autarquias de fiscalização, estas e qualquer das partes é dado recorrer à tutela jurisdicional, porque assim dispõe o princípio da inafastabilidade da jurisdição, que  pode ser extraído do artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". 3. Na espécie, nota-se que as condições da ação estão presentes. O interesse processual, única condição em destaque, é composto pelo binômio utilidade-necessidade do provimento. A utilidade pode ser facilmente demonstrada pela necessidade de ordem judicial para a obrigar o hospital recorrido a contratar e manter durante todo o período de seu funcionamento profissionais de enfermagem. Por outro lado, a caracterização da necessidade pode ser extraída dos princípios da jurisdição, especialmente, a imparcialidade e a definitividade. 4. Na esfera administrativa dos conselhos profissionais a relação processual não possui a característica da imparcialidade bem definida, até porque o Conselho de fiscalização ocupa, também, a função de "julgador". Ademais, as decisões proferidas nesta seara não ostentam caráter definitivo, imutabilidade, presente apenas nos provimentos jurisdicionais. Dessa forma, pode a administração buscar no Poder Judiciário que o Estado-Juiz, dentro da relação processual, promova a solução definitiva da controvérsia, atento às alegações de cada parte. […]”. (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 1.398.334/SE/ Relator: Ministro Mauro Campbell Marques/ Julgado em 17.10.2013/ Publicado no DJe em 24.10.2013)

“Ementa: Processual Civil. Execução Fiscal. Conselho de fiscalização profissional. Autarquia. Fazenda Pública. Representante Judicial. Intimação Pessoal. Prerrogativa prevista no art. 25 da Lei 6.830/1980. […] 5. O STF já decidiu que os conselhos de fiscalização profissionais possuem natureza jurídica autárquica, a qual é compatível com o poder de polícia e com a capacidade ativa tributária, funções atribuídas, por lei, a essas entidades (ADI 1.717 MC, Relator: Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, DJ 25.2.2000). 6. A Lei 6.530/1978, que regulamenta a profissão de corretor de imóveis e disciplina seus órgãos de fiscalização, dispõe, em seu art. 5°, que o Conselho Federal e os Conselhos Regionais são autarquias, dotadas de personalidade jurídica de direito público, vinculadas ao Ministério do Trabalho, com autonomia administrativa, operacional e financeira. 7. Em razão de os conselhos de fiscalização profissional terem a natureza jurídica de autarquia, seus representantes judiciais possuem a prerrogativa de, em Execução Fiscal, serem intimados pessoalmente, conforme impõe o art. 25 da Lei 6.830/1980. […]” (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 1.330.190/SP/ Relator? Ministro Herman Benjamin/ Julgado em 11.12.2012/ Publicado no DJe em 19.12.2012).

Para tanto, concretamente, é necessário verificar o preenchimento de três condições: (i) a pessoa jurídica deve integrar a estrutura da Administração Indireta, isso porque sempre poderá ter a seu cargo a prestação de serviço; (ii) a competência delegada deve ter sido estabelecida por lei; e (iii) o poder de polícia há de restringir-se à prática de atos de natureza fiscalizatória, partindo-se do primado que as restrições preexistem e de que se cuida de função executória e não inovadora. No exercício da função delegada, os atos praticados são caracterizados como administrativos, não materializando nenhuma novidade em sede de direito administrativo.

4 Polícia Administrativa e Polícia Judiciária

Ao examinar o tema central do presente, o poder de polícia, doutrinariamente, costuma ser dividido em dois segmentos distintos, quais sejam: a polícia administrativa e a polícia judiciária. Antes de traçar a linha diferencial entre cada um desses setores, impende anotar que ambos se enquadram na órbita da função administrativa, materializando atividades de gestão de interesses públicos. Em tal aspecto, a polícia administrativa consiste em atividade da Administração que se exaure em si mesma, isto é, inicia e se completa no âmbito da função administrativa. Contudo, o mesmo não é verificado com a polícia judiciária, que, conquanto seja atividade administrativa, prepara a atuação da função jurisdicional, o que a faz norteada pela Legislação Processual Penal e executada por órgãos de segurança, compreendendo a polícia civil e a polícia militar, ao passo que a polícia administrativa é exercida por órgãos administrativos de caráter mais fiscalizador. Em mesmo sentido, oportunamente, Celso de Mello, em seu escólio, explicita ainda que:

“Costuma-se, mesmo, afirmar que se distingue a polícia administrativa da polícia judiciária com base no caráter preventivo do primeiro e repressivo da segunda. Esta última seria a atividade desenvolvida por organismo – o da polícia de segurança – que cumularia funções próprias da polícia administrativa com a função de reprimir a atividade dos delinquentes através da instrução policial criminal e captura dos infratores da lei penal, atividades que qualificariam a polícia judiciária. Seu traço característico seria o cunho repressivo, em oposição ao preventivo, tipificador da polícia administrativa”[12].

Outra diferença repousa na circunstância de que a polícia administrativa incide essencialmente sobre atividades dos indivíduos, ao passo que a polícia judiciária preordena-se ao indivíduo em si, ou seja, aquele a quem se atribui o cometimento de ilícito penal. Dessa maneira, pretendo evitar a ocorrência de comportamentos nocivos à coletividade, reveste-se a polícia administrativa de caráter eminentemente preventivo: pretende a Administração que o dano social sequer logre êxito em ser consumado. Já a polícia judiciária tem natureza predominantemente repressiva, porquanto é destinada à responsabilidade penal do indivíduo[13]. Celso de Mello[14], em magistério, explicita que o que efetivamente diferencia a polícia administrativa de polícia judiciária é que a primeira se predispõe unicamente a impedir ou paralisar atividades antissociais, ao passo que a segunda preordena à responsabilização dos violadores da ordem jurídica. Tal distinção, porém, não pode ser considerada como absoluta, eis que os agentes da polícia administrativa também agem repressivamente, quando, a título de exemplificação, interditam um estabelecimento comercial ou apreendem bens obtidos por meios ilícitos. Doutro vértice, os agentes de segurança têm a incumbência, comumente, de atuar de forma preventiva, para o fim de ser evitado o cometimento de delitos.

5 Atuação da Administração Pública

5.1 Atos Normativos e Concretos

No exercício da atividade de polícia, a Administração pode atuar de duas formas. Primeiramente, pode editar atos normativos, os quais têm como característica o seu conteúdo genérico, abstrato e impessoal, qualificando-se, por consequência, como atos dotados de amplo círculo de abrangência. Em tais situações, as restrições são materializadas por meio de decretos, regulamentos, portarias, resoluções, instruções e outros de conteúdo igual. Além desse, pode criar, ainda, atos concretos, estes preordenados a determinados indivíduos plenamente identificados, como são, exemplificativamente, os estabelecidos por atos sancionatorios, como a multa, e por atos de consentimentos, como as licenças ou autorizações. Caso o Poder Público pretende regular determinada matéria, tal como o desempenho de profissão ou edificações, deverá editar atos normativos. Contudo, quando interdita um estabelecimento ou concede autorização para porte de arma, pratica atos concretos.

5.2 Determinações e Consentimentos Estatais

Os nomeados atos de polícia possuem, no que toca ao objeto que visam, dupla qualificação, a saber: ou materializam determinações de ordem pública ou substancializam consentimentos dispensados aos indivíduos. “O Poder Público estabelece determinações quando a vontade administrativa se apresenta impositiva, de modo a gerar deveres e obrigações aos indivíduos, não podendo estes se eximir de cumpri-los”[15]. Neste jaez, os consentimentos personificam a resposta positiva da Administração Pública aos pedidos formulados por indivíduos interessados em exercer determinada atividade, que careça do mencionado consentimento para ser considerada legítima. Em tal quadrante, a polícia administrativa resulta de verificação que fazem os órgãos competentes sobre a existência ou inexistência de normas restritivas e condicionadas, relativas à atividade pretendida pelo administrado.

Aludidos atos de consentimento são as licenças e as autorizações. A primeira espécie são atos vinculados e, como regra, definitivos, ao passo que a segunda espécie reflete atos discricionários e precários. Instrumentos formais de tais atos são os alvarás, porém documentos distintos podem formalizá-los, a exemplo de carteiras, declarações, certificados e outros congêneres que tenham idêntica finalidade. Concretamente, cuida explicitar que o importante é o consentimento exprimido pela Administração. Sem embargos, insta pontuar que a Administração, de maneira equivocada, tenta, ocasionalmente, cobrar taxas de renovação de licença por suposto exercício de poder de polícia em atividade de fiscalização. Ademais, cuida anotar que tal conduta é revestida de ilegalidade, porquanto somente em que a Administração atua efetivamente do poder de polícia é que encontra respaldo a cobrança de taxa.

Nesta esteira, ainda, órgãos e entidades que prestam serviços públicos por delegação sujeitam-se ao poder de ordenamento municipal quanto à localização de seus estabelecimentos. É carecido, portanto, que se sujeitem ao poder de polícia municipal e que obtenham a necessária licença para instalação. Isso ocorre com os cartórios notariais ou de registro, que, conquanto estejam sujeitos à fiscalização do Poder Judiciário, só podem instalar-se legitimamente mediante a expedição de alvará de licença.

5.3 Atos de Fiscalização

Não adiantaria deter o Estado o poder de impor restrições aos indivíduos se não dispusesse dos instrumentos necessários à fiscalização da conduta destes. Assim, o poder de polícia vindica do Poder Público uma atuação de agentes fiscalizadores da conduta dos indivíduos. A fiscalização apresenta duplo aspecto, qual seja: um preventivo, por meio do qual os agentes da Administração procuram obstar um dano social, e um repressivo, que, em face da transgressão da norma de polícia, redunda no emprego de uma sanção. Neste último caso, é inevitável que a Administração, deparando a conduta ilegal do administrado, comina-lhe alguma obrigação de fazer ou não fazer.

6 Características do Poder de Polícia

6.1 Discricionariedade e Vinculação

No que concerne à caracterização do poder de polícia, cuida reconhecer que subsiste alguma discussão se é discricionário ou vinculado. Quando tem a legislação em vigência, a Administração pode estabelecer a área de atividade em que vai aplicar a restrição em favor do interesse público e, depois de escolhê-la, o conteúdo e a dimensão das limitações. Em tal situação, é forçoso o reconhecimento de que a Administração age no exercício do seu poder discricionário. Ademais, cuida salientar que é nessa valoração do órgão administrativo sobre a conveniência e a oportunidade da transferência que está a discricionariedade do poder de polícia. Assim, evidentemente, o que é vedado à Administração é o abuso do poder de polícia, algumas vezes processado por excesso de poder ou por desvio de finalidade. Celso Mello, em seus ensinamentos, preleciona ainda que:

“Em rigor, no Estado de Direito inexiste um poder, propriamente dito, que seja discricionário fruível pela Administração Pública. Há, isto sim, atos em que a Administração Pública pode manifestar competência discricionária e atos a respeito dos quais a atuação administrativa é totalmente vinculada. Poder discricionário abrangendo toda uma classe ou ramo de atuação administrativa é coisa que não existe”[16].

O reverso ocorre quando já está fixada a dimensão da limitação, sendo que a Administração terá de cingir-se a essa dimensão, não podendo, contudo, sem alteração da norma restritiva, ampliá-la em detrimento dos indivíduos. Em tal cenário, a atuação, por via de consequência, estará caracterizada como vinculada. Carvalho Filho[17] esclarece que a doutrina tem dado ênfase, com cores quentes e sublinhados fortes, à necessidade do controle dos atos de polícia, mesmo que se trate de determinados aspectos, pelo Poder Judiciário. Há que se anotar que aludido controle inclui os atos decorrentes do poder discricionário para evitar-se o cometimento de excessos ou violências da Administração em face de direitos individuais. Ao lado disso, o que é vedado ao Judiciário é sua atuação como substituto do administrador, porquanto, em tal cenário, estaria invadindo funções que constitucionalmente não lhes foram atribuída.

6.2 Autoexecutoriedade

A Administração pode tomar as providências que modifiquem imediatamente a ordem jurídica, cominando, desde logo, obrigações aos particulares, com o escopo de atender ao interesse coletivo. Assim, diante de tal primado, não pode a Administração ficar à mercê do consentimento dos particulares. Em situação distinta, cumpre-lhe agir de imediato. “A prerrogativa de praticar atos e colocá-los em imediata execução, sem dependência à manifestação judicial, é que representa a autoexecutoriedade”[18]. Ao lado disso, tanto é autoexecutório a restrição cominada em caráter geral, como a que se dirige diretamente ao individuo, quando, à guisa de citação, comete transgressões administrativas. O sentido da autoexecutoriedade repousa na premissa de que, uma vez verificada a presença dos pressupostos legais, a Administração pratica-o imediatamente e o executa de forma integral. Ao exemplificar, Celso de Mello esclarece, oportunamente que:

“Assim, uma ordem para dissolução de comício ou passeata, quando estes sejam perturbadores da tranquilidade pública, será coativamente assegurada pelos órgãos administrativos. Estes se dispensam de obter uma declaração preliminar do Judiciário, seja para declaração do caráter turbulento do comício ou da passeata, seja para determinar sua dissolução. A interrupção de um espetáculo teatral, por obsceno, será procedida do mesmo modo, pela Administração Pública, sem que esta obtenha prévia declaração judicial reconhecendo e autorizando a paralisação da exibição teatral. A apreensão de gêneros alimentícios impróprios para o consumo, por deteriorados ou insalubres, também é medida coativa passível de ser posta em prática pelo Executivo, sem recurso às vias judiciárias, tão logo constate a irregularidade”[19].

Outro ponto que merece ser considerado faz alusão à autoexecutoriedade não depende de autorização de qualquer outro Poder, desde que a legislação autorize o administrador a praticar o ato de forma imediata. Assim, acertada é a decisão segundo a qual, no exercício do poder de polícia administrativa, não depende a Administração da intervenção de outro poder para torná-lo efetivo. Quando a lei estabelece o exercício do poder de polícia com autoexecutoriedade, é porque se faz necessária a proteção de determinado interesse coletivo. Impõem-se, ainda, duas observações. A primeira está assentada no fato de que existem atos que não autorizam a imediata execução pela Administração, a exemplo do que ocorre com as multas, cuja cobrança só é efetivamente materializada pela ação própria na via judicial. A outra repousa no ideário de que a autoexecutoriedade não deve integralizar objeto do abuso de poder, de maneira que deverá a prerrogativa guardar compatibilidade com o princípio do devido processo legal para o fito de ser a Administração Pública obrigada a respeitar as normas legais.

6.3 Coercibilidade

A característica em comento explicita o grau de imperatividade de que se revestem os atos de polícia, porquanto, como é natural, a polícia administrativa não pode curvar-se ao interesse dos administrados de prestar ou não obediência às imposições. Destarte, se a atividade corresponder a um poder, decorrente do ius imperi estatal, há de ser desempenhada de maneira a obrigar todos a observarem os seus comandos. Oportunamente, urge explicitar que é intrínseco a essa característica o poder que tem a Administração de empregar a força, quando necessária para vencer eventual recalcitrância. Celso de Mello[20], em seu escólio, oportunamente, frisa que é natural que seja na seara do poder de polícia que se manifesta de modo frequente o exercício da coação administrativa, pois os interesses coletivos defendidos frequentemente não poderiam, para assegurar a eficaz proteção, depender das demoras advindas do procedimento judicial. Ora, tal situação renderia ensejo ao perecimento dos valores sociais resguardados por meio de polícia, observadas, evidentemente, porém, as garantias individuais do cidadão constitucionalmente estabelecidas.

7 Sanções de Polícia

Sobre o tema ainda, cuida elucidar que a sanção administrativa materializa ato punitivo que o ordenamento jurídico prevê como resultado de uma infração administrativa, passível de ser aplicado por órgãos da Administração.  Por seu turno, a infração administrativa resta configurada como comportamento típico, antijurídico e reprovável idôneo a ensejar a aplicação da sanção administrativa, no desempenho de função administrativa. Mais que isso, se a sanção é o resultado do exercício do poder de polícia, será qualificada tal reprimenda como sanção de polícia. “O primeiro a ser considerado no tocante às sanções de polícia consiste na necessidade observância do princípio da legalidade”[21]. Assim, é possível explicitar que apenas a lei pode instituir tais sanções com a alusão do rol de condutas que possam materializar infrações administrativas. Logo, atos administrativos subsidiam apenas meio de possibilitar a execução da norma legal sancionatória, mas não podem, por si mesmos, dar origens a apenações, ainda que seja em âmbito administrativo. Acerca das ponderações aventadas, o Supremo Tribunal Federal, em paradigmático julgado, explicitou robusto entendimento que:

“Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Artigos 5º, 8º, 9º, 10, 13, § lº, e 14 da Portaria nº 113, de 25.09.97, do IBAMA. Normas por meio das quais a autarquia, sem lei que o autorizasse, instituiu taxa para registro de pessoas físicas e jurídicas no Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais, e estabeleceu sanções para a hipótese de inobservância de requisitos impostos aos contribuintes, com ofensa ao princípio da legalidade estrita que disciplina, não apenas o direito de exigir tributo, mas também o direito de punir. Plausibilidade dos fundamentos do pedido, aliada à conveniência de pronta suspensão da eficácia dos dispositivos impugnados. Cautelar deferida.” (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADI 1.823 MC/ Relator:  Ministro Ilmar Galvão/ Julgad em 30.04.2008/ Publicado no DJ em 16.10.1998).

Há que se anotar, oportunamente, que as sanções refletem a atividade repressiva advinda do poder de polícia. Com efeito, estão elas substancializadas nas diversas leis que norteiam atividades sujeitas a esse poder, sendo inclusive possível citar a multa, a inutilização de bens privados, a interdição de atividade, o embargo da obra, a cassação de patentes, a proibição de fabricar produtos. Na verdade, são sanções todos os atos que representam a punição aplicada pela Administração pela transgressão de normas de poder de polícia. Sobre o tema, inclusive, é possível colacionar o entendimento jurisprudencial, apresentado pelo Tribunal de Justiça Gaúcho, que acena:

“Ementa: Execução. Termo de ajustamento de conduta. Obrigação de fazer. Interdição de estabelecimento. Oficina mecânica e chapeamento. Licença. […] Aliás, a interdição de estabelecimento clandestino é sanção administrativa que deve ser aplicada pela Administração Pública. […]”. (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – Vigésima Segunda Câmara Cível/ Agravo de Instrumento Nº 70060813789/ Relatora: Desembargadora Maria Isabel de Azevedo Souza/ Julgado em 28.07.2014).

Contemporaneamente, tem sido feita a distinção entre sanções de polícia e medidas de polícia. As sanções são aquelas que refletem uma punição efetivamente aplicada à pessoa que houver infringido à norma administrativa, ao passo que as medidas de polícia são as providências de cunho administrativo que, conquanto não representem punição direta, decorrem do cometimento de infração ou do risco em que esta seja praticada. Em algumas situações, a mesma conduta administrativa pode materializar como uma ou outra modalidade, sempre considerando o que a legislação tenha previsto para enfrentar a referida situação. A título de fortalecimento do expendido, é possível citar a interdição do estabelecimento, eis que tanto pode materializar ato punitivo direto pela prática de infração grave, como pode ser medida administrativa, adotada em razão de cometimento de infração para a qual a lei previu sanção direta.

Não se deve olvidar, ainda, que as sanções devem ser aplicadas em observância ao devido processo legal, a fim de assegurar a observância do princípio da garantia de defesa aos acusados, supedaneado no artigo 5º, incisos LIV e LV, do Texto Constitucional[22]. Dessa maneira, caso o ato sancionatório de polícia não tiver propiciado ao infrator a oportunidade de rechaçar a acusação e de produzir provas necessárias às suas alegações, estará contaminado de vício de legalidade, devendo, portanto, ser sanado na via administrativa ou judicial. Ao lado disso, insta pontuar que, como se trata de processo acusatório, imprescindível faz-se o reconhecimento da incidência, por analogia, de alguns princípios norteadores do Direito Penal e do Direito Processual Penal. Além disso, o Superior Tribunal de Justiça já assentou entendimento que:

“Ementa: Agravos regimentais. Recurso especial. Administrativo e Processo Civil. Súmula 284/STF. Não incidência no caso. Devido processo legal. Lei nº 9.784/99. Matéria infraconstitucional. Servidor público. Supressão de adicional. Ausência de ampla defesa e contraditório. Ilegalidade. Precedentes. […] 2. Conforme reiterados precedentes do Supremo Tribunal Federal, a análise de suposta violação do devido processo legal, quando dependente do prévio exame de normas infraconstitucionais, envolve ofensa apenas reflexa ao texto constitucional. 3. É pacífico o entendimento desta Corte Superior de Justiça de que todo ato administrativo que repercuta na esfera individual do administrado, no caso, servidor público, tem de ser precedido de processo administrativo que assegure a este o contraditório e a ampla defesa. Trata-se de mitigação do enunciado da Súmula 473/STF, com intuito de conferir segurança jurídica ao administrado, bem como resguardar direitos conquistados por este. […]” (Superior Tribunal de Justiça – Sexta Turma/ AgRg no REsp 1.131.928/RS/ Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura/ Julgado em 10.04.2012/ Publicado no DJe em 23.04.2012).

“Ementa: Processual Civil e Administrativo. Agravo regimental. Pensão de servidor público. Ilegalidade. Autotutela. Supressão dos proventos. Devido processo legal. Ampla defesa e contraditório. Obrigatoriedade. Precedentes do STJ. 1. Esta Corte Superior, de fato, perfilha entendimento no sentido de que a Administração, à luz do princípio da autotutela, tem o poder de rever e anular seus próprios atos, quando detectada a sua ilegalidade. 2. Todavia, quando os referidos atos implicarem invasão da esfera jurídica dos interesses individuais de seus administrados, é obrigatória a instauração de prévio processo administrativo, no qual seja observado o devido processo legal e os corolários da ampla defesa e do contraditório. 3. Agravo regimental não provido”. (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ AgRg no REsp 1.253.044/RS/ Relator: Ministro Mauro Campbell Marques/ Julgado em 20.03.2012/ Publicado no DJe em 26.03.2012).

Em órbita da esfera da Administração Pública federal, direta ou indireta, a ação punitiva, quando se tratar do exercício do poder de polícia, prescreve em cinco anos, contados da data da prática do ato ou, em se tratando de infração permanente ou continuada, do dia em que estiver cessado. Contudo, caso o fato subsuma crime, o prazo prescricional será o mesmo atribuído pela legislação penal pertinente. Com efeito, a Lei nº 9.873, de 23 de Novembro de 1999[23], que estabelece o prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta e dá outras providências, comina prazo contra o Poder Público e a favor do infrator, de maneira que, consumada, fica este garantido contra qualquer sanção de polícia a cargo da Administração. “A prescrição incide também sobre procedimentos administrativos paralisados por mais de três anos na hipótese em que se aguarda despacho ou julgamento da autoridade administrativa”[24].

Oportunamente, o processo deverá ser arquivado de ofício ou a requerimento do interessado, porém caberá à Administração apurar a responsabilidade funcional do agente pela omissão no sobredito prazo[25]. No caso de sanções de polícia, obtemperar faz-se oportuno que a prescrição da ação punitiva da Administrativa se interrompe: a) pela notificação ou citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital; b) por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato; c) pela decisão condenatória recorrível; d) por qualquer ato inequívoco que importe em manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória no âmbito interno da administração pública federal. Ademais consoante o artigo 5º da legislação em comento[26], a prescrição regulada pelo diploma em comento tem incidência específica para as infrações relacionadas ao poder de polícia, sendo, por conseguinte, inaplicável em processos administrativos funcionais e de natureza tributária.

 

Referência:
BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 11 jan. 2015.
__________. Lei nº 9.873, de 23 de Novembro de 1999. Estabelece o prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 11 jan. 2015.
__________. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em 11 jan. 2015.
__________. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 11 jan. 2015.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23 ed. São Paulo: Editora Atlas S/A, 2010.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo Brasileiro. 30 ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2013.
RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br>. Acesso em 11 jan. 2015.
 
Notas:
[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23 ed. São Paulo: Editora Atlas S/A, 2010, p. 64.

[2] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p. 35.

[3] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 11 jan. 2015.

[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo Brasileiro. 30 ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 838.

[5] CARVALHO FILHO, 2011, p. 70.

[6] MELLO, 2013, p. 853.

[7] CARVALHO FILHO, 2011, p. 77.

[8] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 11 jan. 2015.

[9] CARVALHO FILHO, 2011, p. 72.

[10] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 11 jan. 2015. Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.

[11] CARVALHO FILHO, 2011, p. 73.

[12] MELLO, 2013, p. 849.

[13] Neste sentido: CARVALHO FILHO, 2011, p. 76.

[14] MELLO, 2013, p. 851.

[15] Neste sentido: CARVALHO FILHO, 2011, p. 78.

[16] MELLO, 2013, p. 852.

[17] CARVALHO FILHO, 2011, p. 81.

[18] CARVALHO FILHO, 2011, p. 81.

[19] MELLO, 2013, p. 857.

[20] MELLO, 2013, p. 858.

[21] CARVALHO FILHO, 2011, p. 85-86.

[22] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 11 jan. 2015.

[23] BRASIL. Lei nº 9.873, de 23 de Novembro de 1999. Estabelece o prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 11 jan. 2015. Art. 1o  Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.

[24] CARVALHO FILHO, 2011, p. 87.

[25] BRASIL. Lei nº 9.873, de 23 de Novembro de 1999. Estabelece o prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 11 jan. 2015. Art. 1º [omissis] §1o  Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.

[26] Ibid. Art. 5o  O disposto nesta Lei não se aplica às infrações de natureza funcional e aos processos e procedimentos de natureza tributária.


Informações Sobre o Autor

Tauã Lima Verdan Rangel

Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES


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O Exercício do Poder de Polícia: Ponderações sobre a Polícia Administrativa

Resumo: O objetivo do artigo científico está assentado em discorrer acerca do poder de polícia, bem como seus aspectos caracterizadores e premissas de atuação.  cuida anotar que o Estado deve atuar à sombra do princípio da supremacia do interesse público. No que tange à atuação do princípio da supremacia do interesse público, como vetor de inspiração na confecção das normas, mister faz-se destacar, com cores fortes e acentuados tracejos, que uma das distinções que bem delineia o direito privado do público, cinge-se ao interesse que busca proteger; o direito privado contém normas de interesse individual e, o direito público, normas de interesse público. Ora, quadra sublinhar, ainda, que a sobreposição da supremacia do interesse público sobre o interesse privado se apresenta como bastião sustentador do Direito em qualquer sociedade. Com efeito, a valoração do interesse público, neste aspecto, se apresenta como conditio sine qua non para a manutenção e preservação da ordem social. Destarte, o corolário da supremacia do interesse público ostenta, como núcleo sensível, a busca pela promoção e alcance dos interesses da coletividade, sobrepujando, por via de extensão, o interesse particular. Assim, quando o Poder Público interfere na órbita do interesse privado para salvaguardar o interesse público, restringindo direitos individuais, atua no exercício do poder de polícia. A partir de tais ideários, a pesquisa desenvolvida está assentada no método de revisão bibliográfica, conjugado, no decorrer do artigo, da legislação nacional pertinente, com vistas a esmiuçar os requisitos enumerados.

Palavras-chaves: Poder de Polícia. Poder Público. Polícia Administrativa.

Sumário: 1 Poder de Polícia: Ponderações Introdutórias; 2 Competência do Poder de Polícia; 3 Poder de Polícia Originário e Delegado; 4 Polícia Administrativa e Polícia Judiciária; 5 Atuação da Administração Pública; 6 Características do Poder de Polícia; 7 Sanções de Polícia

1 Poder de Polícia: Ponderações Introdutórias

Em sede de comentários introdutórios, cuida anotar que o Estado deve atuar à sombra do princípio da supremacia do interesse público. No que tange à atuação do princípio da supremacia do interesse público, como vetor de inspiração na confecção das normas, mister faz-se destacar, com cores fortes e acentuados tracejos, que uma das distinções que bem delineia o direito privado do público, cinge-se ao interesse que busca proteger; “o direito privado contém normas de interesse individual e, o direito público, normas de interesse público”[1]. Ora, quadra sublinhar, ainda, que a sobreposição da supremacia do interesse público sobre o interesse privado se apresenta como bastião sustentador do Direito em qualquer sociedade. Com efeito, a valoração do interesse público, neste aspecto, se apresenta como conditio sine qua non para a manutenção e preservação da ordem social.

Neste sedimento, tal como dito acima, em que pese a inexistência de expressa menção do postulado em comento pelo texto constitucional, é impende destacar, com o realce que o tema carece, que “as atividades administrativas são desenvolvidas pelo Estado para benefício da coletividade. Mesmo quando age em vista de algum interesse estatal imediato, o fim último de sua atuação deve ser voltado para o interesse público”[2]Destarte, o corolário da supremacia do interesse público ostenta, como núcleo sensível, a busca pela promoção e alcance dos interesses da coletividade, sobrepujando, por via de extensão, o interesse particular. Assim, quando o Poder Público interfere na órbita do interesse privado para salvaguardar o interesse público, restringindo direitos individuais, atua no exercício do poder de polícia.

Ao lado do exposto, a locução poder de polícia abarca dois sentidos, um amplo e um estrito. Em uma acepção ampla, poder de polícia assume significação de toda e qualquer ação restritiva do Estado em relação aos direitos individuais. Especial relevância assume a função do Poder Legislativo incumbido do ius novum uma vez que apenas as leis, organicamente consideradas, têm o condão de delinear o perfil dos direitos, elastecendo ou reduzindo o seu conteúdo. Trata-se, pois, de reafirmação do corolário da legalidade, expressamente consagrado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[3]. Em uma fisionomia mais estrita, o poder de polícia se configura como atividade administrativa, que materializa verdadeira prerrogativa conferida aos agentes da Administração, consistente no poder de restringir e condicionar a liberdade e a propriedade. Substancializa, dessa maneira, atividade tipicamente administrativa e, como tal, subjacente à lei, de forma que esta já preexiste quando os administradores cominam a disciplina e as restrições aos direitos. Neste sentido, Celso de Mello explicita que:

“A expressão “poder de polícia” pode ser tomada em sentido mais restrito, relacionando-se unicamente com as intervenções, quer gerais e abstratas, como os regulamentos, quer concretas e específicas (tais as autorizações, as licenças, as injunções), do Poder Executivo destinadas a alcançar o mesmo fim de prevenir e obstar ao desenvolvimento de atividades particulares contrastantes com os interesses sociais. Esta acepção mais limitada responde à noção de polícia administrativa[4].”

À luz das ponderações aventadas, com espeque na concepção de José dos Santos Carvalho Filho[5], o poder de polícia materializa a prerrogativa de direito público que, assentada na lei, autoriza a Administração Pública a restringir o uso e o gozo da liberdade e da propriedade em favor do interesse da coletividade. Segundo Celso de Mello[6], o poder de policia, em uma conotação mais restrita e assentada em função precípua administrativa, materializa atividade da Administração Pública, sendo expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com arrimo em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, por meio de ação ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, cominando coercitivamente aos particulares um dever de abstenção (non facere), com o escopo de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo em vigor.  Trata-se, em linhas conceituais, do modo de atuar da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das atividades individuais suscetíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por escopo evitar que sejam produzidos, ampliados ou generalizados os danos sociais que os diplomas legais procuram prevenir.

No que tange ao benefício resultante do poder de polícia, materializa fundamento dessa prerrogativa do Poder Público o interesse público. Logo, a intervenção do Estado no conteúdo dos direitos individuais somente encontra amparo ante a finalidade que deve sempre orientar a ação dos administradores públicos, qual seja: o interesse da coletividade. Noutro ângulo, a prerrogativa em si está alicerçada na supremacia geral da Administração Pública, ou seja, aquela mantida em relação aos administrados, de modo indistinto, flagrante superioridade, pelo fato de satisfazer, como expressão de um dos poderes do Estado, interesses públicos. No que pertine à finalidade, salta aos olhos que o poder de polícia objetiva promover a proteção dos interesses coletivos, o que explicita umbilical conotação como próprio fundamento do poder, ou seja, se o interesse público é o axioma inspirador da atuação restritiva do Estado, há de constituir alvo dela a proteção do mesmo interesse. Cuida anotar que este deve ser compreendido em sentido amplo, abarcando todo e qualquer aspecto.

Em sede de âmbito de incidência, cuida reconhecer que é bastante amplo o círculo em que se pode fazer presente o poder de polícia. Em tal alamiré, qualquer ramo de atividade que possa contemplar a presença do indivíduo possibilita a intervenção restritiva do Estado. Em outros termos, não há direitos individuais absolutos a esta ou àquela atividade, mas, ao reverso, deverão estar subordinados aos interesses coletivos. Daí é possível dizer que a liberdade e a propriedade são sempre direitos condicionados, eis que se sujeitam às restrições necessárias a sua adequação ao interesse público. “É esse o motivo pelo qual se faz menção à polícia de construções, à polícia sanitária, à polícia de trânsito e de tráfego, à polícia de profissões, à polícia do meio ambiente”[7]. Em todos esses segmentos aparece o Estado, em sua atuação restritiva de polícia, com o escopo de assegurar a preservação do interesse público.

2 Competência do Poder de Polícia

A competência para exercer o poder de polícia é, em um primeiro momento, da pessoa federativa à qual a Constituição Federal conferiu o poder de regular a matéria. Com destaque, os assuntos concernentes ao interesse nacional ficam sujeitas à regulamentação e policiamento da União; as matérias de interesse regional estão condicionadas às normas e à polícia estadual; e os assuntos de interesse local estão subordinados aos regulamentos edilícios e ao policiamento administrativo municipal. Com destaque, o sistema de competências constitucionais é responsável por afixar as linhas básicas do poder de regulamentação das pessoas federativas, não sendo, entretanto, possível esquecer que as hipóteses de poder concorrente ensejarão o exercício conjunto do poder de polícia por pessoas de nível federativo diverso, consoante se extrai dos artigos 22, parágrafo único, 23 e 24 da Constituição Federal[8].

Carvalho Filho[9] explicita que será inválido o ato de polícia praticado por agente de pessoa federativa que não tenha competência constitucional para regular a matéria e, portanto, para impor a restrição. Igualmente, só pode ter-se por legítimo o exercício de atividade administrativa materializadora do poder de polícia se a lei em que estiver calcada a conduta da Administração encontrar guarida no Texto Maior. Caso a lei seja inconstitucional, os atos administrativos, que com fundamento nela sejam praticados, serão considerados ilegítimos, caso sejam voltadas a uma pretensa tutela do interesse público, substancializada no exercício do poder de polícia. Destarte, conclui-se que só há poder de polícia legítimo se legítima for a lei que o sustenta. Ao lado disso, imprescindível faz-se anotar que, como o sistema de partilha de competências constitucionais envolve três patamares federativos – o federal, o estadual e o municipal -, e tendo em vista o contraste de competências privativas e concorrentes, salta aos olhos que, dada a complexidade da matéria, comumente surgem hesitações na doutrina e nos Tribunais quanto à entidade competente para a execução de certo serviço ou para o exercício do poder de polícia. Com o escopo de fortalecer o acimado, cuida transcrever o paradigmático entendimento:

“Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Distrital N. 3.460. Instituição do programa de inspeção e manutenção de veículos em uso no âmbito do Distrito Federal. Alegação de violação do disposto no artigo 22, inciso XI, da Constituição do Brasil. Inocorrência. 1. O ato normativo impugnado não dispõe sobre trânsito ao criar serviços públicos necessários à proteção do meio ambiente por meio do controle de gases poluentes emitidos pela frota de veículos do Distrito Federal. A alegação do requerente de afronta ao disposto no artigo 22, XI, da Constituição do Brasil não procede. 2. A lei distrital apenas regula como o Distrito Federal cumprirá o dever-poder que lhe incumbe — proteção ao meio ambiente. 3. O DF possui competência para implementar medidas de proteção ao meio ambiente, fazendo-o nos termos do disposto no artigo 23, VI, da CB/88. 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente. (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADI 3.338/ Relator:  Ministro Joaquim Barbosa/ Relator p/ Acórdão:  Ministro Eros Grau/ Julgado em 31.08.2005/ Publicado no DJe em 05.09.2007).”

À luz do exposto, incumbe ao intérprete promover detida análise da hipótese concreta, buscando estabelecer uma adequação pertinente ao sistema estabelecido no Texto Constitucional. Oportunamente, convém explicitar que o poder de polícia, sendo atividade que, em algumas hipóteses, acarreta competência concorrente entre pessoas federativas, enseja sua execução em sistema de cooperação calcado no regime de gestão associada, encontrando respaldo no artigo 241 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[10]. Ao lado disso, em tais hipóteses, os entes federativos interessados firmarão convênios administrativos e consórcios públicos destinados ao atendimento dos objetivos do interesse comum.

3 Poder de Polícia Originário e Delegado

Ao se empregar o princípio de que quem pode o mais pode o menos, é viável atribuir às pessoas políticas da federação o exercício do poder de polícia, porquanto se lhes compete editar as próprias leis limitadoras, conferindo a coerência propicia e permitindo, em decorrência, o poder de esmiuçar as restrições. Trata-se, aqui, do poder de polícia originário, que alcança, em sentido amplo, as leis e os atos administrativos provenientes de tais pessoas. Entrementes, o Estado não age somente por seus agentes e órgãos, eis que varias atividades e serviços públicos são executados por pessoas vinculadas àquele. Neste aspecto, repousa o questionamento quando tais pessoas terão idoneidade para o exercício do poder de polícia. Ora, ao se perfilhar ao entendimento apresentado por Carvalho Filho[11], salta aos olhos que tais entidades são o prolongamento do Estado e recebem deste o suporte jurídico para o desempenho, por delegação, de funções públicas a ele cometidas.

É indispensável, entretanto, para a validade dessa atuação é que a delegação seja feita por meio de lei formal, originaria da função regular do legislativo. Ao lado disso, é denotável, ainda, que a existência da lei é o pressuposto de validade da polícia administrativa exercida pela própria Administração Direta e, dessa forma, nada impediria que servisse também como respaldo da atuação de entidades paraestatais, ainda que elas sejam dotadas de personalidade jurídica de direito privado. Neste quadrante, o importante é que haja expressa delegação a lei pertinente e que o delegatário seja entidade integrante da Administração Pública. Ao lado disso, é possível, ainda, colacionar o entendimento jurisprudencial no sentido que:

“Ementa: Administrativo e Processual Civil. Conselho Regional de Enfermagem. Ação civil pública. Pretensão de obrigar hospital a contratar e manter profissional de enfermagem. Exercício das funções de polícia administrativa. Princípio da inafastabilidade da jurisdição. Artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal. Interesse processual. Utilidade e necessidade. Caracterização. 1. O fato de os estabelecimentos hospitalares cuja atividade básica seja a prática da medicina não estarem sujeitos a registro perante o Conselho de Enfermagem não constitui impeditivo a que sejam submetidos à fiscalização pelo referido órgão quanto à regularidade da situação dos profissionais de enfermagem que ali atuam. Porém, mesmo reconhecendo o poder de polícia administrativa ao Conselho de Enfermagem, este não afasta a utilidade-adequação da presente ação civil pública. 2. Revestido ou não de prerrogativa executória aos atos administrativos das autarquias de fiscalização, estas e qualquer das partes é dado recorrer à tutela jurisdicional, porque assim dispõe o princípio da inafastabilidade da jurisdição, que  pode ser extraído do artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". 3. Na espécie, nota-se que as condições da ação estão presentes. O interesse processual, única condição em destaque, é composto pelo binômio utilidade-necessidade do provimento. A utilidade pode ser facilmente demonstrada pela necessidade de ordem judicial para a obrigar o hospital recorrido a contratar e manter durante todo o período de seu funcionamento profissionais de enfermagem. Por outro lado, a caracterização da necessidade pode ser extraída dos princípios da jurisdição, especialmente, a imparcialidade e a definitividade. 4. Na esfera administrativa dos conselhos profissionais a relação processual não possui a característica da imparcialidade bem definida, até porque o Conselho de fiscalização ocupa, também, a função de "julgador". Ademais, as decisões proferidas nesta seara não ostentam caráter definitivo, imutabilidade, presente apenas nos provimentos jurisdicionais. Dessa forma, pode a administração buscar no Poder Judiciário que o Estado-Juiz, dentro da relação processual, promova a solução definitiva da controvérsia, atento às alegações de cada parte. […]. (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 1.398.334/SE/ Relator: Ministro Mauro Campbell Marques/ Julgado em 17.10.2013/ Publicado no DJe em 24.10.2013)

Ementa: Processual Civil. Execução Fiscal. Conselho de fiscalização profissional. Autarquia. Fazenda Pública. Representante Judicial. Intimação Pessoal. Prerrogativa prevista no art. 25 da Lei 6.830/1980. […] 5. O STF já decidiu que os conselhos de fiscalização profissionais possuem natureza jurídica autárquica, a qual é compatível com o poder de polícia e com a capacidade ativa tributária, funções atribuídas, por lei, a essas entidades (ADI 1.717 MC, Relator: Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, DJ 25.2.2000). 6. A Lei 6.530/1978, que regulamenta a profissão de corretor de imóveis e disciplina seus órgãos de fiscalização, dispõe, em seu art. 5°, que o Conselho Federal e os Conselhos Regionais são autarquias, dotadas de personalidade jurídica de direito público, vinculadas ao Ministério do Trabalho, com autonomia administrativa, operacional e financeira. 7. Em razão de os conselhos de fiscalização profissional terem a natureza jurídica de autarquia, seus representantes judiciais possuem a prerrogativa de, em Execução Fiscal, serem intimados pessoalmente, conforme impõe o art. 25 da Lei 6.830/1980. […] (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 1.330.190/SP/ Relator? Ministro Herman Benjamin/ Julgado em 11.12.2012/ Publicado no DJe em 19.12.2012).”

Para tanto, concretamente, é necessário verificar o preenchimento de três condições: (i) a pessoa jurídica deve integrar a estrutura da Administração Indireta, isso porque sempre poderá ter a seu cargo a prestação de serviço; (ii) a competência delegada deve ter sido estabelecida por lei; e (iii) o poder de polícia há de restringir-se à prática de atos de natureza fiscalizatória, partindo-se do primado que as restrições preexistem e de que se cuida de função executória e não inovadora. No exercício da função delegada, os atos praticados são caracterizados como administrativos, não materializando nenhuma novidade em sede de direito administrativo.

4 Polícia Administrativa e Polícia Judiciária

Ao examinar o tema central do presente, o poder de polícia, doutrinariamente, costuma ser dividido em dois segmentos distintos, quais sejam: a polícia administrativa e a polícia judiciária. Antes de traçar a linha diferencial entre cada um desses setores, impende anotar que ambos se enquadram na órbita da função administrativa, materializando atividades de gestão de interesses públicos. Em tal aspecto, a polícia administrativa consiste em atividade da Administração que se exaure em si mesma, isto é, inicia e se completa no âmbito da função administrativa. Contudo, o mesmo não é verificado com a polícia judiciária, que, conquanto seja atividade administrativa, prepara a atuação da função jurisdicional, o que a faz norteada pela Legislação Processual Penal e executada por órgãos de segurança, compreendendo a polícia civil e a polícia militar, ao passo que a polícia administrativa é exercida por órgãos administrativos de caráter mais fiscalizador. Em mesmo sentido, oportunamente, Celso de Mello, em seu escólio, explicita ainda que:

“Costuma-se, mesmo, afirmar que se distingue a polícia administrativa da polícia judiciária com base no caráter preventivo do primeiro e repressivo da segunda. Esta última seria a atividade desenvolvida por organismo – o da polícia de segurança – que cumularia funções próprias da polícia administrativa com a função de reprimir a atividade dos delinquentes através da instrução policial criminal e captura dos infratores da lei penal, atividades que qualificariam a polícia judiciária. Seu traço característico seria o cunho repressivo, em oposição ao preventivo, tipificador da polícia administrativa[12].”

Outra diferença repousa na circunstância de que a polícia administrativa incide essencialmente sobre atividades dos indivíduos, ao passo que a polícia judiciária preordena-se ao indivíduo em si, ou seja, aquele a quem se atribui o cometimento de ilícito penal. Dessa maneira, pretendo evitar a ocorrência de comportamentos nocivos à coletividade, reveste-se a polícia administrativa de caráter eminentemente preventivo: pretende a Administração que o dano social sequer logre êxito em ser consumado. Já a polícia judiciária tem natureza predominantemente repressiva, porquanto é destinada à responsabilidade penal do indivíduo[13]. Celso de Mello[14], em magistério, explicita que o que efetivamente diferencia a polícia administrativa de polícia judiciária é que a primeira se predispõe unicamente a impedir ou paralisar atividades antissociais, ao passo que a segunda preordena à responsabilização dos violadores da ordem jurídica. Tal distinção, porém, não pode ser considerada como absoluta, eis que os agentes da polícia administrativa também agem repressivamente, quando, a título de exemplificação, interditam um estabelecimento comercial ou apreendem bens obtidos por meios ilícitos. Doutro vértice, os agentes de segurança têm a incumbência, comumente, de atuar de forma preventiva, para o fim de ser evitado o cometimento de delitos.

5 Atuação da Administração Pública

5.1 Atos Normativos e Concretos

No exercício da atividade de polícia, a Administração pode atuar de duas formas. Primeiramente, pode editar atos normativos, os quais têm como característica o seu conteúdo genérico, abstrato e impessoal, qualificando-se, por consequência, como atos dotados de amplo círculo de abrangência. Em tais situações, as restrições são materializadas por meio de decretos, regulamentos, portarias, resoluções, instruções e outros de conteúdo igual. Além desse, pode criar, ainda, atos concretos, estes preordenados a determinados indivíduos plenamente identificados, como são, exemplificativamente, os estabelecidos por atos sancionatorios, como a multa, e por atos de consentimentos, como as licenças ou autorizações. Caso o Poder Público pretende regular determinada matéria, tal como o desempenho de profissão ou edificações, deverá editar atos normativos. Contudo, quando interdita um estabelecimento ou concede autorização para porte de arma, pratica atos concretos.

5.2 Determinações e Consentimentos Estatais

Os nomeados atos de polícia possuem, no que toca ao objeto que visam, dupla qualificação, a saber: ou materializam determinações de ordem pública ou substancializam consentimentos dispensados aos indivíduos. “O Poder Público estabelece determinações quando a vontade administrativa se apresenta impositiva, de modo a gerar deveres e obrigações aos indivíduos, não podendo estes se eximir de cumpri-los”[15]. Neste jaez, os consentimentos personificam a resposta positiva da Administração Pública aos pedidos formulados por indivíduos interessados em exercer determinada atividade, que careça do mencionado consentimento para ser considerada legítima. Em tal quadrante, a polícia administrativa resulta de verificação que fazem os órgãos competentes sobre a existência ou inexistência de normas restritivas e condicionadas, relativas à atividade pretendida pelo administrado.

Aludidos atos de consentimento são as licenças e as autorizações. A primeira espécie são atos vinculados e, como regra, definitivos, ao passo que a segunda espécie reflete atos discricionários e precários. Instrumentos formais de tais atos são os alvarás, porém documentos distintos podem formalizá-los, a exemplo de carteiras, declarações, certificados e outros congêneres que tenham idêntica finalidade. Concretamente, cuida explicitar que o importante é o consentimento exprimido pela Administração. Sem embargos, insta pontuar que a Administração, de maneira equivocada, tenta, ocasionalmente, cobrar taxas de renovação de licença por suposto exercício de poder de polícia em atividade de fiscalização. Ademais, cuida anotar que tal conduta é revestida de ilegalidade, porquanto somente em que a Administração atua efetivamente do poder de polícia é que encontra respaldo a cobrança de taxa.

Nesta esteira, ainda, órgãos e entidades que prestam serviços públicos por delegação sujeitam-se ao poder de ordenamento municipal quanto à localização de seus estabelecimentos. É carecido, portanto, que se sujeitem ao poder de polícia municipal e que obtenham a necessária licença para instalação. Isso ocorre com os cartórios notariais ou de registro, que, conquanto estejam sujeitos à fiscalização do Poder Judiciário, só podem instalar-se legitimamente mediante a expedição de alvará de licença.

5.3 Atos de Fiscalização

Não adiantaria deter o Estado o poder de impor restrições aos indivíduos se não dispusesse dos instrumentos necessários à fiscalização da conduta destes. Assim, o poder de polícia vindica do Poder Público uma atuação de agentes fiscalizadores da conduta dos indivíduos. A fiscalização apresenta duplo aspecto, qual seja: um preventivo, por meio do qual os agentes da Administração procuram obstar um dano social, e um repressivo, que, em face da transgressão da norma de polícia, redunda no emprego de uma sanção. Neste último caso, é inevitável que a Administração, deparando a conduta ilegal do administrado, comina-lhe alguma obrigação de fazer ou não fazer.

6 Características do Poder de Polícia

6.1 Discricionariedade e Vinculação

No que concerne à caracterização do poder de polícia, cuida reconhecer que subsiste alguma discussão se é discricionário ou vinculado. Quando tem a legislação em vigência, a Administração pode estabelecer a área de atividade em que vai aplicar a restrição em favor do interesse público e, depois de escolhê-la, o conteúdo e a dimensão das limitações. Em tal situação, é forçoso o reconhecimento de que a Administração age no exercício do seu poder discricionário. Ademais, cuida salientar que é nessa valoração do órgão administrativo sobre a conveniência e a oportunidade da transferência que está a discricionariedade do poder de polícia. Assim, evidentemente, o que é vedado à Administração é o abuso do poder de polícia, algumas vezes processado por excesso de poder ou por desvio de finalidade. Celso Mello, em seus ensinamentos, preleciona ainda que:

“Em rigor, no Estado de Direito inexiste um poder, propriamente dito, que seja discricionário fruível pela Administração Pública. Há, isto sim, atos em que a Administração Pública pode manifestar competência discricionária e atos a respeito dos quais a atuação administrativa é totalmente vinculada. Poder discricionário abrangendo toda uma classe ou ramo de atuação administrativa é coisa que não existe[16].”

O reverso ocorre quando já está fixada a dimensão da limitação, sendo que a Administração terá de cingir-se a essa dimensão, não podendo, contudo, sem alteração da norma restritiva, ampliá-la em detrimento dos indivíduos. Em tal cenário, a atuação, por via de consequência, estará caracterizada como vinculada. Carvalho Filho[17] esclarece que a doutrina tem dado ênfase, com cores quentes e sublinhados fortes, à necessidade do controle dos atos de polícia, mesmo que se trate de determinados aspectos, pelo Poder Judiciário. Há que se anotar que aludido controle inclui os atos decorrentes do poder discricionário para evitar-se o cometimento de excessos ou violências da Administração em face de direitos individuais. Ao lado disso, o que é vedado ao Judiciário é sua atuação como substituto do administrador, porquanto, em tal cenário, estaria invadindo funções que constitucionalmente não lhes foram atribuída.

6.2 Autoexecutoriedade

A Administração pode tomar as providências que modifiquem imediatamente a ordem jurídica, cominando, desde logo, obrigações aos particulares, com o escopo de atender ao interesse coletivo. Assim, diante de tal primado, não pode a Administração ficar à mercê do consentimento dos particulares. Em situação distinta, cumpre-lhe agir de imediato. “A prerrogativa de praticar atos e colocá-los em imediata execução, sem dependência à manifestação judicial, é que representa a autoexecutoriedade”[18]. Ao lado disso, tanto é autoexecutório a restrição cominada em caráter geral, como a que se dirige diretamente ao individuo, quando, à guisa de citação, comete transgressões administrativas. O sentido da autoexecutoriedade repousa na premissa de que, uma vez verificada a presença dos pressupostos legais, a Administração pratica-o imediatamente e o executa de forma integral. Ao exemplificar, Celso de Mello esclarece, oportunamente que:

“Assim, uma ordem para dissolução de comício ou passeata, quando estes sejam perturbadores da tranquilidade pública, será coativamente assegurada pelos órgãos administrativos. Estes se dispensam de obter uma declaração preliminar do Judiciário, seja para declaração do caráter turbulento do comício ou da passeata, seja para determinar sua dissolução. A interrupção de um espetáculo teatral, por obsceno, será procedida do mesmo modo, pela Administração Pública, sem que esta obtenha prévia declaração judicial reconhecendo e autorizando a paralisação da exibição teatral. A apreensão de gêneros alimentícios impróprios para o consumo, por deteriorados ou insalubres, também é medida coativa passível de ser posta em prática pelo Executivo, sem recurso às vias judiciárias, tão logo constate a irregularidade[19].”

Outro ponto que merece ser considerado faz alusão à autoexecutoriedade não depende de autorização de qualquer outro Poder, desde que a legislação autorize o administrador a praticar o ato de forma imediata. Assim, acertada é a decisão segundo a qual, no exercício do poder de polícia administrativa, não depende a Administração da intervenção de outro poder para torná-lo efetivo. Quando a lei estabelece o exercício do poder de polícia com autoexecutoriedade, é porque se faz necessária a proteção de determinado interesse coletivo. Impõem-se, ainda, duas observações. A primeira está assentada no fato de que existem atos que não autorizam a imediata execução pela Administração, a exemplo do que ocorre com as multas, cuja cobrança só é efetivamente materializada pela ação própria na via judicial. A outra repousa no ideário de que a autoexecutoriedade não deve integralizar objeto do abuso de poder, de maneira que deverá a prerrogativa guardar compatibilidade com o princípio do devido processo legal para o fito de ser a Administração Pública obrigada a respeitar as normas legais.

6.3 Coercibilidade

A característica em comento explicita o grau de imperatividade de que se revestem os atos de polícia, porquanto, como é natural, a polícia administrativa não pode curvar-se ao interesse dos administrados de prestar ou não obediência às imposições. Destarte, se a atividade corresponder a um poder, decorrente do ius imperi estatal, há de ser desempenhada de maneira a obrigar todos a observarem os seus comandos. Oportunamente, urge explicitar que é intrínseco a essa característica o poder que tem a Administração de empregar a força, quando necessária para vencer eventual recalcitrância. Celso de Mello[20], em seu escólio, oportunamente, frisa que é natural que seja na seara do poder de polícia que se manifesta de modo frequente o exercício da coação administrativa, pois os interesses coletivos defendidos frequentemente não poderiam, para assegurar a eficaz proteção, depender das demoras advindas do procedimento judicial. Ora, tal situação renderia ensejo ao perecimento dos valores sociais resguardados por meio de polícia, observadas, evidentemente, porém, as garantias individuais do cidadão constitucionalmente estabelecidas.

7 Sanções de Polícia

Sobre o tema ainda, cuida elucidar que a sanção administrativa materializa ato punitivo que o ordenamento jurídico prevê como resultado de uma infração administrativa, passível de ser aplicado por órgãos da Administração.  Por seu turno, a infração administrativa resta configurada como comportamento típico, antijurídico e reprovável idôneo a ensejar a aplicação da sanção administrativa, no desempenho de função administrativa. Mais que isso, se a sanção é o resultado do exercício do poder de polícia, será qualificada tal reprimenda como sanção de polícia. “O primeiro a ser considerado no tocante às sanções de polícia consiste na necessidade observância do princípio da legalidade”[21]. Assim, é possível explicitar que apenas a lei pode instituir tais sanções com a alusão do rol de condutas que possam materializar infrações administrativas. Logo, atos administrativos subsidiam apenas meio de possibilitar a execução da norma legal sancionatória, mas não podem, por si mesmos, dar origens a apenações, ainda que seja em âmbito administrativo. Acerca das ponderações aventadas, o Supremo Tribunal Federal, em paradigmático julgado, explicitou robusto entendimento que:

“Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Artigos 5º, 8º, 9º, 10, 13, § lº, e 14 da Portaria nº 113, de 25.09.97, do IBAMA. Normas por meio das quais a autarquia, sem lei que o autorizasse, instituiu taxa para registro de pessoas físicas e jurídicas no Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais, e estabeleceu sanções para a hipótese de inobservância de requisitos impostos aos contribuintes, com ofensa ao princípio da legalidade estrita que disciplina, não apenas o direito de exigir tributo, mas também o direito de punir. Plausibilidade dos fundamentos do pedido, aliada à conveniência de pronta suspensão da eficácia dos dispositivos impugnados. Cautelar deferida. (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADI 1.823 MC/ Relator:  Ministro Ilmar Galvão/ Julgad em 30.04.2008/ Publicado no DJ em 16.10.1998).”

Há que se anotar, oportunamente, que as sanções refletem a atividade repressiva advinda do poder de polícia. Com efeito, estão elas substancializadas nas diversas leis que norteiam atividades sujeitas a esse poder, sendo inclusive possível citar a multa, a inutilização de bens privados, a interdição de atividade, o embargo da obra, a cassação de patentes, a proibição de fabricar produtos. Na verdade, são sanções todos os atos que representam a punição aplicada pela Administração pela transgressão de normas de poder de polícia. Sobre o tema, inclusive, é possível colacionar o entendimento jurisprudencial, apresentado pelo Tribunal de Justiça Gaúcho, que acena:

“Ementa: Execução. Termo de ajustamento de conduta. Obrigação de fazer. Interdição de estabelecimento. Oficina mecânica e chapeamento. Licença. […] Aliás, a interdição de estabelecimento clandestino é sanção administrativa que deve ser aplicada pela Administração Pública. […]. (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – Vigésima Segunda Câmara Cível/ Agravo de Instrumento Nº 70060813789/ Relatora: Desembargadora Maria Isabel de Azevedo Souza/ Julgado em 28.07.2014).”

Contemporaneamente, tem sido feita a distinção entre sanções de polícia e medidas de polícia. As sanções são aquelas que refletem uma punição efetivamente aplicada à pessoa que houver infringido à norma administrativa, ao passo que as medidas de polícia são as providências de cunho administrativo que, conquanto não representem punição direta, decorrem do cometimento de infração ou do risco em que esta seja praticada. Em algumas situações, a mesma conduta administrativa pode materializar como uma ou outra modalidade, sempre considerando o que a legislação tenha previsto para enfrentar a referida situação. A título de fortalecimento do expendido, é possível citar a interdição do estabelecimento, eis que tanto pode materializar ato punitivo direto pela prática de infração grave, como pode ser medida administrativa, adotada em razão de cometimento de infração para a qual a lei previu sanção direta.

Não se deve olvidar, ainda, que as sanções devem ser aplicadas em observância ao devido processo legal, a fim de assegurar a observância do princípio da garantia de defesa aos acusados, supedaneado no artigo 5º, incisos LIV e LV, do Texto Constitucional[22]. Dessa maneira, caso o ato sancionatório de polícia não tiver propiciado ao infrator a oportunidade de rechaçar a acusação e de produzir provas necessárias às suas alegações, estará contaminado de vício de legalidade, devendo, portanto, ser sanado na via administrativa ou judicial. Ao lado disso, insta pontuar que, como se trata de processo acusatório, imprescindível faz-se o reconhecimento da incidência, por analogia, de alguns princípios norteadores do Direito Penal e do Direito Processual Penal. Além disso, o Superior Tribunal de Justiça já assentou entendimento que:

“Ementa: Agravos regimentais. Recurso especial. Administrativo e Processo Civil. Súmula 284/STF. Não incidência no caso. Devido processo legal. Lei nº 9.784/99. Matéria infraconstitucional. Servidor público. Supressão de adicional. Ausência de ampla defesa e contraditório. Ilegalidade. Precedentes. […] 2. Conforme reiterados precedentes do Supremo Tribunal Federal, a análise de suposta violação do devido processo legal, quando dependente do prévio exame de normas infraconstitucionais, envolve ofensa apenas reflexa ao texto constitucional. 3. É pacífico o entendimento desta Corte Superior de Justiça de que todo ato administrativo que repercuta na esfera individual do administrado, no caso, servidor público, tem de ser precedido de processo administrativo que assegure a este o contraditório e a ampla defesa. Trata-se de mitigação do enunciado da Súmula 473/STF, com intuito de conferir segurança jurídica ao administrado, bem como resguardar direitos conquistados por este. […] (Superior Tribunal de Justiça – Sexta Turma/ AgRg no REsp 1.131.928/RS/ Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura/ Julgado em 10.04.2012/ Publicado no DJe em 23.04.2012).

Ementa: Processual Civil e Administrativo. Agravo regimental. Pensão de servidor público. Ilegalidade. Autotutela. Supressão dos proventos. Devido processo legal. Ampla defesa e contraditório. Obrigatoriedade. Precedentes do STJ. 1. Esta Corte Superior, de fato, perfilha entendimento no sentido de que a Administração, à luz do princípio da autotutela, tem o poder de rever e anular seus próprios atos, quando detectada a sua ilegalidade. 2. Todavia, quando os referidos atos implicarem invasão da esfera jurídica dos interesses individuais de seus administrados, é obrigatória a instauração de prévio processo administrativo, no qual seja observado o devido processo legal e os corolários da ampla defesa e do contraditório. 3. Agravo regimental não provido. (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ AgRg no REsp 1.253.044/RS/ Relator: Ministro Mauro Campbell Marques/ Julgado em 20.03.2012/ Publicado no DJe em 26.03.2012).”

Em órbita da esfera da Administração Pública federal, direta ou indireta, a ação punitiva, quando se tratar do exercício do poder de polícia, prescreve em cinco anos, contados da data da prática do ato ou, em se tratando de infração permanente ou continuada, do dia em que estiver cessado. Contudo, caso o fato subsuma crime, o prazo prescricional será o mesmo atribuído pela legislação penal pertinente. Com efeito, a Lei nº 9.873, de 23 de Novembro de 1999[23], que estabelece o prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta e dá outras providências, comina prazo contra o Poder Público e a favor do infrator, de maneira que, consumada, fica este garantido contra qualquer sanção de polícia a cargo da Administração. “A prescrição incide também sobre procedimentos administrativos paralisados por mais de três anos na hipótese em que se aguarda despacho ou julgamento da autoridade administrativa”[24].

Oportunamente, o processo deverá ser arquivado de ofício ou a requerimento do interessado, porém caberá à Administração apurar a responsabilidade funcional do agente pela omissão no sobredito prazo[25]. No caso de sanções de polícia, obtemperar faz-se oportuno que a prescrição da ação punitiva da Administrativa se interrompe: a) pela notificação ou citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital; b) por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato; c) pela decisão condenatória recorrível; d) por qualquer ato inequívoco que importe em manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória no âmbito interno da administração pública federal. Ademais consoante o artigo 5º da legislação em comento[26], a prescrição regulada pelo diploma em comento tem incidência específica para as infrações relacionadas ao poder de polícia, sendo, por conseguinte, inaplicável em processos administrativos funcionais e de natureza tributária.

Referência:
BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 11 jan. 2015.
__________. Lei nº 9.873, de 23 de Novembro de 1999. Estabelece o prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 11 jan. 2015.
__________. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em 11 jan. 2015.
__________. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 11 jan. 2015.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23 ed. São Paulo: Editora Atlas S/A, 2010.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo Brasileiro. 30 ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2013.
RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br>. Acesso em 11 jan. 2015.
 
Notas:
[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23 ed. São Paulo: Editora Atlas S/A, 2010, p. 64.

[2] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p. 35.

[3] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 11 jan. 2015.

[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo Brasileiro. 30 ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 838.

[5] CARVALHO FILHO, 2011, p. 70.

[6] MELLO, 2013, p. 853.

[7] CARVALHO FILHO, 2011, p. 77.

[8] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 11 jan. 2015.

[9] CARVALHO FILHO, 2011, p. 72.

[10] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 11 jan. 2015. Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.

[11] CARVALHO FILHO, 2011, p. 73.

[12] MELLO, 2013, p. 849.

[13] Neste sentido: CARVALHO FILHO, 2011, p. 76.

[14] MELLO, 2013, p. 851.

[15] Neste sentido: CARVALHO FILHO, 2011, p. 78.

[16] MELLO, 2013, p. 852.

[17] CARVALHO FILHO, 2011, p. 81.

[18] CARVALHO FILHO, 2011, p. 81.

[19] MELLO, 2013, p. 857.

[20] MELLO, 2013, p. 858.

[21] CARVALHO FILHO, 2011, p. 85-86.

[22] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 11 jan. 2015.

[23] BRASIL. Lei nº 9.873, de 23 de Novembro de 1999. Estabelece o prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 11 jan. 2015. Art. 1o  Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.

[24] CARVALHO FILHO, 2011, p. 87.

[25] BRASIL. Lei nº 9.873, de 23 de Novembro de 1999. Estabelece o prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 11 jan. 2015. Art. 1º [omissis] §1o  Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.

[26] Ibid. Art. 5o  O disposto nesta Lei não se aplica às infrações de natureza funcional e aos processos e procedimentos de natureza tributária.


Informações Sobre o Autor

Tauã Lima Verdan Rangel

Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES


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