Resumo: O presente estudo tem como tema a O federalismo Brasileiro e suas implicações na ordem política, social e econômica e por objeto o estudo do Estado Brasileiro em meio a experiência federalista vigente . O método adotado inicia com a análise empírica da estrutura federalista composta pelos entes federados com o objetivo de apresentar as responsabilidades de cada qual no sistema. Como procedimento terá elementos contemporâneos da relação de competências entre os entes federados e a adequação de teses doutrinárias.
Palavras-Chave: Brasil. Federalismo. Pacto Federativo. Entes Federados.
Abstract: This study has as its theme: Brazilian federalism and its implications in the political, social and economic order and by object the study of the Brazilian State in the midst of a current federalist experience. The method adopted begins with an empirical analysis of the federalist structure composed by the federated entities with the objective of presenting as responsibilities of each one in the system. How performance should have contemporary elements of the relationship of competences between federated entities and an adequacy of doctrinal theses.
Keywords: Brazil. Federalism. Federative Pact. Loved Federated
Sumário: Introdução. I – Federalismo e implicações na ordem política, econômica e social dos entes federados. 1. Federalismo Brasileiro; 1.1 União; 1.2 Os Estados; 1.3 Os Municípios. Capítulo II. O Município e seu papel no federalismo. 1. O município e sua autonomia; 1.1 As responsabilidades do governo municipal; 1.1.1 Educação; 1.12 Saúde. Capítulo III- Um novo Pacto Federalista. 1. O debate em torno de um novo federalismo; 1.1 Propostas em discussão. Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
O presente artigo encontra em sua essência o estudo do federalismo no Brasil a partir de um contexto social, econômico e político que, por sua vez, determinaram as características endógenas do sistema e suas implicações na consolidação da Constituição Federal de 1998.
No capítulo I, a partir do texto Constitucional, abordaremos as funções da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios em que poderemos verificar as responsabilidades na forma compartilhada entre os entes da federação.
No capítulo II aprofundaremos o município, que após a Carta de 1988 foi elevado ao status de ente federado, em que analisaremos suas responsabilidades com destaque às áreas de educação e saúde.
Por fim, o capítulo III traz a luz o debate sobre um novo Pacto Federativo, matéria há muito presente na pauta política onde será observado as propostas atuais vigentes no Congresso Nacional em busca de uma divisão mais justa da receita tributária e melhores condições e capacidade de gestão na aplicação dos recursos.
I – FEDERALISMO E IMPLICAÇÕES NA ORDEM POLÍTICA, ECONÔMICA E SOCIAL DOS ENTES FEDERADOS
1. FEDERALISMO BRASILEIRO
A ordem política, a econômica e a social funcionam em um sistema de retroalimentação, sendo imperativo que se faça o uso devido de cada momento histórico a fim de encontrar os avanços e os recuos do federalismo brasilis.
Com essa premissa é que vivemos um federalismo que iniciou dual, metamorfoseou-se cooperativo em uma clara adequação ao contexto mundial e, atualmente, enfrenta implicações que, por ser fruto de um ‘arranjo’ descentralizador, equivoca-se ao não ter esse mesmo ‘arranjo’ ofertado as condições em áreas importantes para que os entes federados, agora repletos de responsabilidades, pudessem ter a capacidade de atendê-las.
À União cabe legislar concorrentemente com os demais entes sobre tributos, em que cada qual exerce sua legitimidade constitucional no sentido de arrecadar e promover o adimplemento de suas obrigações.
1.1. União
Neste sentido, com base ao art. 153 de nossa Carta Federal compete à União instituir impostos sobre: I- importação de produtos estrangeiros; II- exportação para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; III- renda e proventos de qualquer natureza; produtos industrializados; IV – operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; propriedade territorial rural e, V- grandes fortunas, nos termos de lei complementar.
A União também tem o condão de promover a arrecadação por meio de contribuições, conforme prescreve ao artigo 149 da Carta Federal de 1988:
“Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas (…)”.
Nesta seara temos,
I-as contribuições previdenciárias dos segurados do regime geral de previdência social;
as contribuições previdenciárias do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada;
II-as contribuições de seguridade social sobre a receita ( PIS e CONFINS); contribuição de seguridade social sobre o lucro (CSL);
III-a contribuição de intervenção no domínio econômico destinada ao INCRA;
IV-a contribuição de intervenção no domínio econômico destinada ao SEBRAE; a contribuição de intervenção no domínio econômico sobre a comercialização de combustíveis – CIDE; VI- as contribuições de categorias profissionais.
1.2. Estados
Já os Estados Federados, com base ao artigo 155 da Carta de 1988 tem por competência instituir impostos sobre:
“I-transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;
II- operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior e,
III- propriedade de veículos automotores.”
1.3. Municípios
Aos municípios competem os impostos referentes ao artigo 156 da Carta constitucional:
“I-propriedade predial e territorial urbana;
II- transmissão “intervivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; e,
III- serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155 II, definidos em lei complementar.”
Como é de se notar, o poder de arrecadar, sobre o grau de descentralização e poder de gastar, encontra a abdicação dos entes subnacionais de arrecadar, cabendo à União o papel de fazê-lo e, por consequência, fortalecendo a preferência pelo sistema de transferências constitucionais para os entes dos demais níveis da federação.
Assim, temos a União como principal arrecadadora, principalmente por meio da racionalização dos impostos federais e dos ganhos de eficiência no poder de arrecadar.
A abertura política na década de 80, e a premente necessidade de uma nova Carta Constitucional a fim de proclamar os ideais democráticos na república e rever o federalismo, surge como um fortalecimento dos entes estaduais, por meio de seus governadores, que haviam sido eleitos de forma direta em 1982 e em 1986, contrastando com o então Presidente da República, JOSÉ SARNEY segundo nome em uma eleição indireta, que por conta do falecimento de TANCREDO NEVES (1985) assumiu a posição de mandatário maior da nação.
“Foi nesse contexto que a Assembleia Constituinte atuou em 1987-8. O presidente, enfraquecido, foi incapaz de evitar o aumento da autonomia fiscal dos governadores, uma tendência desde o fim do regime militar. O novo governo meramente ratificou a situação na qual os governadores não apenas podiam elevar as receitas fiscais dos estados, mas também emitir títulos por meio dos bancos estaduais, tomar dinheiro emprestado a esses bancos e usar as empresas estaduais para obter crédito (REGIS, 2009)”.
Com isso, tornou-se o Brasil um dos países mais descentralizados, especialmente do ponto de vista fiscal: em 2000, quase 43 % das receitas de impostos foram divididas entre estados (25,9%) e municípios (16,9%) e resultou em certa independência dos prefeitos em relação aos governadores que antes eram responsáveis por muitas das obras públicas a serem realizadas nos municípios.
Com autonomia, os estados passaram a instituir e administrar seu principal imposto, o ICMS, os ganhos fiscais prenunciavam tempos favoráveis, entretanto, a própria Carta constitucional continha elementos que, submetidos a pressões decorrentes de mudanças no ambiente, produziam desequilíbrios.
“Adicionalmente, as alterações introduzidas no campo político, com a ampliação dos desequilíbrios da representação dos estados da Câmara Federal ( ampliação do numero mínimo e redução do teto de deputados a serem eleitos pelos estados ), para ampliar a influência dos estados de regiões menos desenvolvidas, contribuíram para reforçar a clivagem que divide os estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e os que integram as regiões Sul e Sudeste na questões que envolvem o federalismo fiscal (REZENDE, 2013)”.
O não tratamento conjunto às demandas da federação e dos movimentos sociais restou por prejudicar a expectativa de fortalecimento do poder estadual e desencadeou um processo que culminou com a necessidade de um rigoroso ajuste fiscal, fruto de um estado de “irresponsabilidade fiscal”, como assevera Fernando Henrique Cardoso, (CARDOSO, 2009, prefácio, apud ANDRÉ REGIS, 2013),
“A falta de controle sobre as finanças estaduais e a redução dos recursos da União, transferidos pelos constituintes de 1998 aos estados e principalmente aos municípios, atavam a capacidade de ação do Presidente da União. Tanto mais porque a transferência de recursos não veio acompanhada de igual transferência de responsabilidades, muitas das quais continuaram a ser do governo federal”.
O descontrole gerou uma inflação crônica e crescente, muitos estados não adimpliam suas obrigações com a União, e.g, o não pagamento da eletricidade gerada nas usinas federais e repassadas as distribuidoras estaduais, utilização dos bancos estaduais para fornecer dinheiro aos tesouros locais (CARDOSO, 2013).
Neste contexto é que surge o “Plano Real” (1994) a conferir força ao então presidente Itamar Franco e seu Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, no ajuste fiscal a ser adotado a posteriori.
O plano tinha como principal objetivo o controle da hiperinflação que assolou a nação brasileira e corroía o poder de compra da cada um e a capacidade de investimento do poder público em obras e ações clamadas pela sociedade.
A perda de espaço fiscal se deu no encolhimento das bases dos fundos constitucionais voltados para a redução das disparidades socioeconômicas entre os estados, ocupação pelo governo federal de parte do campo tributário reservado aos estados e municípios, bem como a redução do grau de liberdade a estes para gerenciar seus orçamentos.
O ano era o de 1997 e o governo da União, agora sob a presidência de FHC, por conta de ter controlado a inflação no país, detinha capital político para forçar uma negociação diferente.
O Presidente não mediu esforços para impor restrições orçamentárias aos governadores, mas, como dito por de André Régis,
“o federalismo brasileiro em 1995 pressupunha total ausência de subordinação dos governadores ao presidente, bem como dos prefeitos ao governador (REGIS, 2009)”.
O agravamento da situação macroeconômica encontrou, em 1998, à ruptura do modelo adotado em 1994, centrado na âncora cambial, surgindo à necessidade de ampliar o controle macroeconômico no campo fiscal.
Assim, a renegociação da dívida em mercado, e sua substituição por títulos federais, fora condicionada a acordos que envolveram o ajuste fiscal e privatização de bancos e empresas. Os estados, por estarem em pleno estado de inanição orçamentária, acabaram por aceitar as condições da União.
Uma das vias de interferência da União neste processo de perda de autonomia dos estados se deu por meio da Terceira Emenda Constitucional que inclui o § 4º no inciso XI do artigo 167[i], o que autorizou a União à retenção de créditos levantados do mais importante imposto estadual, o ICMS.
A referida Emenda Constitucional compreendia um pacote mais amplo, com o objetivo de incrementar a capacidade da União de controlar a economia nacional. Neste pacote estava incluído o Fundo Social de Emergencia– FSE, o Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira– IPMF e a Ação Declaratória de Constitucionalidade e limitava a capacidade dos estados em emitir títulos.
O Programa de Incentivo à Redução do Setor Público Estadual na Atividade Bancária, o PROES, veio fomentar e criar o ambiente para a privatização dos bancos estaduais. Teve como mote principal garantir a reestruturação financeira dos estados, na ideia que isso fosse limitar os problemas quotidianos relativos às finanças públicas e reduzir o risco ao sistema financeiro nacional.
Sob a Lei Federal nº 9.496/97,
“a União consolidou a dívida e o refinanciamento de diversas dívidas dos estados e do Distrito Federal, incluindo os relativos aos títulos. Por meio do referido programa os estados se comprometeram a adotar medidas que reduzissem o fator dívida/renda líquida, aumentassem o superávit comercial, reduzissem o gasto com a folha de pagamentos e privatizassem as empresas estatais (REGIS, 2009)”.
O caminho percorrido foi de intensas negociações a fim de reduzir a inflação e assegurar a normalidade por meio da aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, que foi aprovada em 2000. Assim, as reformas estaduais foram sempre parte da agenda federal com vista a garantir maior capacidade administrativa em âmbito federal (REGIS, 2013).
Como é sabido, o federalismo brasilis pós 1988 enfrentou um forte problema no que se refere à área fiscal. O chamado sistema de transferências vertical, não logrou o êxito esperado a fim de tornar o Estado mais eficiente na promoção do bem-estar dos seus cidadãos, pois,
“Em grande parte, a complexidade do sistema tributário decorre da multiplicidade de incidências que oneram a produção e a comercialização de bens e serviços e da sobreposição de normas editadas de forma autônoma pelos entes federados, que acarretam não apenas efeitos econômicos, mas também conflitos de competência que concorrem para a formação de um ambiente hostil à cooperação (REZENDE, 2009)”.
A multiplicidade de benefícios concedidos e a proliferação de regimes especiais tornam difícil avaliar com precisão o custo econômico da tributação. As soma das alíquotas nominais raramente coincide com o ônus fiscal efetivo.
FERNANDO REZENDE aponta que há a necessidade de serem removidos os entraves tributários à eficiência da produção e a competitividade do setor produtivo privado e também dar atenção à eficiência do governo.
“Na verdade, trata-se de um circulo vicioso que precisa ser interrompido. Desperdícios e ineficiências no atendimento das responsabilidades básicas do Estado aumentam o custo de provisão de serviços públicos e exigem maiores impostos para o seu financiamento. Na ausência de medidas que tornem o Estado mais eficiente, a redução da carga tributária torna-se impossível. Por seu turno, a sustentação de um nível elevado de carga tributária gera incentivos à evasão e à informalidade, fazendo com que a concentração do ônus tributário sobre um reduzido número de contribuintes comprometa sua capacidade de competir nos mercados doméstico e internacional (REZENDE, 2009)”.
O ilustre doutrinador segue ao afirmar que a perda de identidade regional no campo tributário é uma das causas da fragmentação de interesses na busca de uma solução ao desequilíbrio presente.
Duas matérias tem sido de forte embate político entre os entes federados estaduais e remete a uma solução por parte da União, entre os quais royalties[ii] do Pré-Sal e as dívidas dos Estados para com a União.
Conforme a legislação brasileira, além da União, têm direito à maioria dos royalties os estados e os municípios produtores. A atual divisão é de 40% para a União, 22,5% para os estados e 30% para os municípios produtores.
A descoberta das reservas petrolíferas do Pré- Sal, anunciada em setembro de 2006, fez com que os entes federados travassem imensa disputa no que se refere aos critérios de repartição dos direitos da futura exploração da província perolífera que possui 800 km de extensão e 200 km de largura, indo do Espírito Santo até Santa Catarina.
No Brasil, 90% da produção de petróleo acontecem em plataforma continental, com isso, os critérios de distribuição de royalties são de 30% para estados, 10% para os municípios, 30% para os municípios produtores, 20% para a Marinha e 10% para um fundo especial.
No ano de 2009, foram distribuídos em torno de 17 bilhões a título de royalties e participação especial para oito estados e novecentos e noventa e quatro municípios. Só o Estado do Rio de Janeiro recebeu R$ 4,9 bilhões a título de royalties e participações especiais, os municípios situados no Rio de Janeiro ficaram com R$ 2.7 bilhões do total de R$ 3.5 bilhões destinados ao conjunto de municípios de acordo com a legislação.
Em 10 de março de 2010, foi aprovada na Câmara Federal, a emeda de plenário nº 387 no projeto de lei nº 5938 de 2009, que trata do regime de partilha, sendo que a exploração de petróleo era, anteriormente, em regime de concessão.
A referida emenda buscou consolidar uma maior participação na distribuição dos royalties, mantendo a participação da União e aumentando para 50% para os Estados e municípios, em acordo com critérios do Fundo de Participação de Estados e Municípios – FPM, FPE.
A caminhada dos líderes dos entes federados se deu no sentido de que sejam adotados critérios menos regionalmente concentrados do que o vigente. Com a provação da referida emenda, ganhou norte a discussão da redefinição do pacto federativo, com a posição do Supremo Tribunal Federal de impor ao Congresso o estabelecimento de novas alíquotas para os fundos de participação supracitados.
Em setembro de 2013, a então presidente DILMA ROUSSEF, assinou lei que determina que a maior fatia dos royalties seja direcionada a investimentos na área da educação, no caso, 75% dos royalties do petróleo e 50% do chamado Fundo Social do Pré-Sal.
Na questão das dívidas estaduais, protagonizada por gestões sem atenção ao crivo fiscal, fez com que a União em 1997 assumisse as mesmas, que foram refinanciadas em 30 anos.
A contrapartida dos Estados foi lançar mão de rígidos limites de endividamento, sendo que a União ainda recebeu a autorização para reter repasses do Fundo de Participação dos Estados – FPE, no caso de inadimplemento do acordado.
Atualmente, os governadores reclamam que o pagamento ajustado compromete a capacidade de investimento dos estados e defendem uma repactuação urgente das dívidas seladas em 1997. José Alfredo Pellegrini (PELLEGRINI 2012, apud GOMES, 2013,) , constatou, em estudo realizado pelo Senado Federal, que
“houve queda da dívida estadual em relação ao PIB nos últimos 10 anos, queda essa superior à verificada para o passivo federal e na direção oposta de descontrole observada na década de 1990 (…) grande parte da dívida estadual refere-se a obrigações junto à União, renegociada entre os anos de 1997 e 1999. Desde então, essa parcela do passivo está sendo pouco amortizada, dado o contexto macroeconômico e os termos da renegociação, notadamente a correção pelo IGP-DI e os limites para os desembolsos”.
Em junho do corrente ano, o governo da União abriu um período de carência até o final de 2016 para os Estados em dívida. O retorno do pagamento aconteceu em janeiro de 2017, quando os Estados começaram a pagar 5.5% sequencialmente, no período de 18 meses, até alcançar 100% do valor devido.
Os Estados, por sua vez, ofereceram uma contrapartida no sentido de ajuste de suas contas, com crescimento de suas despesas no limite da inflação em cada período.
II – O MUNICÍPIO E SEU PAPEL NO FEDERALISMO
1. O MUNICÍPIO E SUA AUTONOMIA
Para ALÉXIS TOCQUEVILLE ( TOCQUEVILLE, 2014), no “Município era que residia a força dos povos livres”. Na cognição do referido filósofo, as instituições municipais são para a liberdade aquilo que as escolas primárias são para a ciência, “pois colocam a mão do povo, fazendo experimentar seu uso pacífico e habituando-o a viver com ela”. HELIO LOPES MEIRELLES asseverou que:
“tudo quanto repercutir direta e indiretamente na vida municipal é de interesse peculiar do Município, embora possa interessar também indireta e mediatamente ao Estado–membro e à União. O provimento de tais negócios cabe exclusivamente ao Município interessado, não sendo lícita a ingerência de poderes estranhos, sem ofensa à autonomia local (MEIRELLES, 1977, p. 116, apud COSTA, 2015) ”.
O município tem sua autonomia em quatro aspectos:
“I. administrativa;
II. financeira;
III. política e,
IV. legislativa.”
Com a autonomia administrativa, se dá o exercício dos serviços básicos do âmbito municipal, como cuidados referentes à vida urbana e aos problemas referentes ao cidadão, em especial educação e saúde, entre outros.
O município possui autonomia financeira, na medida em que pode usar com independência os recursos oriundos de suas rendas e de seus tributos.
As rendas provem tanto dos meios clássicos, pelo exercício do poder de polícia, ou serviços específicos, como licenças ou autorizações, ou então, originarias dos royalties relativos à exploração de petróleo ou de energia elétrica.
Há também os tributos municipais, desde impostos, taxas, contribuição de melhorias, contribuição de energia elétrica e também contribuição social quando comungar de regime próprio de previdência.
Aos impostos, IPTU, ITBI, ISS, soma-se a receitas de impostos compartilhados, como o Fundo de Participação dos Municípios – FPM e os recursos do ICMS. Além de haver verbas específicas compartilhadas pela União, Estado e Município, em saúde e em educação.
A União também repassa aos municípios 100% da arrecadação do Imposto de Renda Retido na Fonte- IRRF, sobre rendimentos pagos pelo município; 50% do Imposto Territorial Rural aos Imóveis do Município; 7.25% do CIDE combustível; 70% do IOF no ouro utilizado como ativo financeiro.
Os Estados repassam 25% do ICMS; 50% do IPVA dos veículos licenciados no território do município e 2.5% do IPI transferido pela União aos Estados proporcional às exportações ocorridas no território estadual.
No que compreendemos, a autonomia política se dá por meio de eleições diretas quadrienais para escolha do Prefeito Municipal, vice-Prefeito e dos Vereadores, dentre os eleitores lá domiciliados. É um momento importante para a cidadania, pois havia um tempo em que não se podia escolher, e.g os prefeitos das capitais, pois eram nomeados indiretamente.
A autonomia legislativa significa que o município possui uma Lei Orgânica, que lembra uma Constituição, e tem o condão de organizar as instituições políticas e descrever os serviços que exerce. É importante conquista da Constituição de 1988, que incluiu o município como ente na Federação.
1.1 AS RESPONSABILIDADES DO GOVERNO MUNICIPAL
A Carta de 1988 foi um marco importante no sentido que fez o município alçar status de ente federado, mas como visto anteriormente, junto surgiram responsabilidades que, por certo, muito além da cara autonomia, necessita de robusto suporte financeiro.
Para entender melhor o grau de comprometimento do governo municipal vamos analisar as principais áreas, sem claro, registrar que há ainda muitas outras, com igual importância.[iii]
1.1.1 EDUCAÇÃO
No ambiente das disposições constitucionais, pode-se destacar a competência municipal para com a educação. Assim, ao município com a cooperação técnica da União e do Estado cabe programas de educação infantil e de ensino fundamental, além de proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência (COSTA, 2015).
As políticas públicas de educação na seara municipal tem por fundamento a Lei de Diretrizes e Bases da Educação[iv], da Lei Orgânica Municipal e da Constituição Federal.
É de competência do município o ensino infantil, que deve ser oferecido em creches para crianças de até 03 anos de idade, ou na pré-escola, para crianças de 04 a 06 anos de idade.
O ensino fundamental é obrigatório, com duração de 09 anos, iniciando-se aos 06 anos de idade. Já o ensino médio é de competências dos Estados, em especial, mas nada impede que os municípios possam ter estabelecimento também nesse grau de ensino.
Os municípios tem ao seu alcance o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica – FUNDEB, criado por emenda constitucional e regulamentado pela Lei Federal nº 11.494, de 20.06.2007.
É um fundo especial, de natureza contábil e de âmbito estadual vinculado à educação por força do artigo 212 da Carta Federal. O recurso gerado é redistribuído para aplicação exclusiva na educação básica.
1.1.2 SAÚDE
A saúde, matéria de extrema preocupação por parte dos governos com os seus munícipes, pois a cada dia é mais necessário atenção em melhores condições aos que buscam no atendimento público o meio para garantir um estado de saúde que lhe permita viver com dignidade.
A saúde é matéria de competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, por meio do Sistema Único de Saúde, previsto no artigo 198 da Carta Constitucional.
Nesse contexto, os serviços de saúde integram uma rede e tem por diretrizes:
“I-a descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II- o atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; e,
III- a participação da comunidade, por meio de conselhos de saúde.”
O SUS é financiado com recursos da União, dos Estados e dos Municípios, por força da Lei Complementar Federal nº 141, de 13.01.2012, que prevê que o município gaste 15% de sua arrecadação de tributos próprios e transferências recebidas com ações na área de saúde.
O serviço público de saúde municipal deve prestar serviços hospitalares e em postos de saúde, além de ações preventivas de endemias e de epidemias.
Os serviços de baixa complexidade na saúde acabam por ser de responsabilidade do município que deve prestar os primeiros socorros, além de realizar serviços de ambulatórios tais como ginecologia, obstetrícia e de cuidado pré-natal, ainda, pediatria e outras, especialmente de clínica geral.
O Programa Saúde da Família – PSF encontra-se voltado para o atendimento emergencial do doente, com visitas aos hospitais, aos postos de saúde ou às Unidades Básicas de Saúde. Como observado, as políticas públicas de saúde no município implicam em várias direções, como a atuação em programas de vigilância sanitária e epidemiológica, além do acompanhamento dos membros das famílias no dia a dia.
Como é de se notar as responsabilidades dos entes municipais não são poucas, os assuntos de interesse local, em sua maioria, somente encontram resultados satisfatórios com a ação conjunta dos Estados da União e dos Municípios.
Não há como governar sem ter como horizonte as receitas provindas da esfera estadual e nacional. O fato é que, atualmente, o federalismo cooperativo não favorece na melhor forma o município e suas demandas originárias.
Os programas sociais com previsão constitucional faz com que o governo da União se relacione diretamente com cada um dos mais de 5.500 municípios da federação. As referidas transferências são automáticas,
“Essa relação muda quando se trata de transferências voluntárias reservadas no orçamento federal para obras municipais em nome do Governo Federal. Aí, preferências partidárias muitas vezes tem prioridade, sendo liberados mais facilmente recursos para prefeitos ligados a parlamentares que apoiam o Presidente. A lógica para isso é simples: os parlamentares fazem emendas orçamentárias para municípios nos quais eles têm apoio dos prefeitos, o que aumenta suas chances de reeleição e também a dos próprios prefeitos” (REGIS, 2013).
III – UM NOVO PACTO FEDERATIVO
1. O DEBATE EM TORNO DE UM “NOVO FEDERALISMO”
É a principal aclamação municipal em tempos de “novo federalismo” onde as competências compartilhadas muitas vezes não correspondem à arrecadação necessária para prover a municipalidade em suas demandas.
A ideia a permear o posto nesse item é uma divisão mais justa da receita tributária, melhores condições e capacidade de gestão na aplicação dos recursos.
Em seminário promovido para debater o Fundo de Participação dos Municípios, PAULO ZIULKOSKI, presidente da Confederação Nacional dos Municípios, contextualizou que,
“O dia em que o prefeito fizer só o que compete ao município fazer, o Brasil será outro para os municípios. Só que a União não teria como ficar propagandeando o Bolsa Família. A União coloca no Orçamento R$ 20 bilhões e depois não faz mais nada. Só propaganda, porque quem executa todo esse programa é a prefeitura”.
1.1 PROPOSTAS EM DEBATE[v]
Atualmente há, no Congresso Nacional, uma Comissão Especial destinada a debater e a destinar soluções para o aprimoramento do Pacto Federativo. A referida comissão tem alguns pontos de convergência no debate surgido, entre os quais,
“I-a proibição da criação de programas ou qualquer outro tipo de despesa
II- zerar a alíquota do Pasep, levantamentos dos governos apontam que mais de R$ 3,6 bilhões estão sob conta do governo federal;
III- redefinição do Fundo de Participação dos Estados; IV- o devido ressarcimento com a desoneração das exportações ( Lei Kandir);”
Entre as várias propostas apresentadas é de se destacar os projetos relacionados ao equilíbrio fiscal entre os entes federados. O Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional garantindo a destinação preferencial para o Nordeste e o Centro-Oeste de recursos federais a projetos de irrigação.
Também já promulgado o Projeto de Resolução do Senado Federal (PRS 26/2015) que garante receita extra para estados e municípios ao definir recebimento antecipado de valores inscritos na dívida ativa não poderá ser considerado operação de crédito e nem representar descumprimento à Lei de Responsabilidade Fiscal.
Na questão de geração de energia, foi aprovado o Projeto de Lei 525 de 2015, que prevê a compensação dos municípios geradores de energia elétrica com o aumento do valor de arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias ( ICMS).
Paralelamente aos esforços por justiça tributária, foram aprovados outros projetos, entre os quais o PLS 425/2014 que prorroga, de forma escalonada até 2021, o prazo para as cidades se adaptarem à Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010) e extinguirem os “lixões”. O limite previsto inicialmente era até agosto de 2014.
Restou aprovada a PEC 33 de 2014, que inclui a segurança pública entre as obrigações de competência comum entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios. A PEC busca uma convergência de ações entre os entes federados a fim de manter uma maior controle sobre dados criminais.
Ainda tramita a PEC 72/2015 que muda as regras da arrecadação do Imposto sobre Serviços (ISS). A PEC abre caminho para que lei complementar institua regime único de arrecadação do ISS sobre atividades relacionadas a cartões de crédito ou débito, a arrendamentos mercantis e aos planos de saúde que se cumpram por meio de serviços de terceiros. O imposto será devido ao município de domicílio do usuário, terá recolhimento unificado e centralizado na União e será distribuído imediatamente aos respectivos municípios.
No que se refere à reforma do ICMS poucos são os avanços e, ainda, é um dos maiores desafios do pacto federativo. A medida provisória 683/2015 criou dois fundos destinados a compensar os estados pelas mudanças no imposto, mas a MP perdeu a eficácia com o fim do prazo para sua votação no Congresso e aguarda apresentação de projeto de decreto legislativo.
A iniciativa, de acordo com o Poder Executivo foi para facilitar o comércio interestadual e estimular o investimento produtivo e o desenvolvimento regional.
Com essas medidas, aguardam votação no Senado duas propostas da Comissão do Pacto Federativo: o PLS 375 de 2015, que cria uma política de desenvolvimento regional para reduzir as desigualdades entre regiões e fortalecer a coesão social, econômica, política e territorial do país e o Projeto de Resolução do Senado (PRS) 01 de 2013, que fixa novas alíquotas para acabar com a guerra fiscal. As matérias dependem agora das mudanças previstas na economia em 2016 com as recentes reformas promovidas pelo governo federal.
Neste contexto, o Plenário do Senado já aprovou calendário especial para a tramitação da PEC 154 DE 2015, que destina parte do que for arrecadado com a repatriação de recursos para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR).
Pela proposta a receita virá da aplicação de Imposto de Renda e multa sobre bens e ativos de origem lícita mantidos no exterior que sejam regularizados com a Receita Federal, como previsto no Projeto de Lei da Câmara (PLC) 186 de 2015, projeto também relatado por Pinheiro e aprovado no Senado em dezembro de 2015.
O FNDR deverá receber, dessa e de outras fontes, pelo menos R$ 3 bilhões por ano durante os primeiros cinco anos. Para outro fundo, o de auxílio à convergência do ICMS, deverá ser destinados R$ 1,5 bilhão anualmente em seus oito anos de vigência.
De acordo com o texto, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional deverá priorizar as regiões Nordeste, Centro-Oeste e Norte, sendo que o Nordeste receberá 50% dos recursos. Já o segundo fundo visa garantir a cobertura, por meio do auxílio financeiro, das perdas temporárias que os estados e o Distrito Federal poderão ter em decorrência da redução das alíquotas interestaduais do ICMS. Os recursos sertão destinados na proporção das perdas verificadas em cada estado. Se encerrados os oito anos de vigência e ainda restarem perdas, o fundo deverá ser prorrogado por mais dois anos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Federação Brasileira contemporânea foi estruturada a partir da Carta Constitucional de 1998, sendo que desde aquele momento o país tem vivido muitas transfomações que restaram por afetar a matéria legislada. É de se notar que as implicações na ordem política, social e econômica passaram a ter um valor significativo na estrutura do Estado Brasileiro e, por certo, deve ser revista e aprimorada.
Entre as implicações supramencionadas, é possível destacar a falta de uma política fiscal responsável no manejo da gestão pública em relação a arrecadação e aos gastos necessários para o custeio da máquina estatal, restou por criar um cenário onde o endividamento dos estados fez ungir a necessidade de uma nova repactuação do federalismo, afim de salvar as contas públicas e viabilizar a promoção de políticas públicas.
Nesse momento a União repactuou as dívidas estaduais e ato contínuo obteve o apoio dos Estados a fim de aprovar medidas de forte impacto na àrea fiscal em que a liberalidade até então vigente,como, e.g, a possibilidade de endividamento por meio de bancos estaduais e emissão de papéis de dívida, fosse estacando e inaugurado uma fasde de enxugsmento da máquina estatal com privatizações, entre outras ações.
A União obteve para sí um controle ainda maior da econômia, do poder de tributar e torna-se efetivamente o grande arrecador também por meio de contribuições e taxas e teve a sua disposição a retenção de créditos estaduais ao não adimplemento da dívida repactuada.
O perigo iminente de uma hiperinflação efetivou o rompimento do modelo centrado na âncora cambial com o surgimento da necessidade de amplicar o controle macroeconomico no campo fiscal. Não tardou para que os entes estaduais e municípais pressionassem por mais espaço na divisão dos recursos auferidos pela União.
O momento principal se deu com a descoberta de petróleo na linha do pré-sal o que culminou em um debate a cerca da divisão dos royalties relativos aos mesmo, quando os líderes municipais e estaduais marcaram posição para uma distribuição compartilhada da nova riqueza surgida.
O modelo, até então reinante, de remunerar somente os estados os municipios produtores com a maior fatia dos royalties estava a ruir.
O debate em torno de uma melhor distribuição fez surgir no Congresso Nacional a chamada “emenda Ibsen” no projeto de lei nº 5938 de 2009, que culminou em uma novo formato da distribuição dos royalties com base no Fundo de Participação dos Estados e do Fundo de Participação dos Municípios, entretanto, a riqueza, agora, deve estar vinculado aos investimentos em educação.
Foi nesse contexto que surgiu a luta dos entes federados por uma nova repactuação do federalismo pátrio, pois toda essa experiência não foi capaz de resolver as muitas diferenças econômicas e sociais, principalmente as municipais.
As varias propostas de repactuação ainda seguem em debate na Câmara e no Senado Federal, as responsabilidades trazidas aos municípios não encontram respaldo na sua arrecadação própria e o auferimento por parte da União da maioria da receita concentra todo o poder político em torno desta que não lança mão de influenciar direta ou indiretamente no cotidiano municipal.
Por fim, é se salientar que por mais que o regime democrático vigente em nosso país favoreça a autonomia dos entes federados e, principalmente, na liberdade dos cidadãos em escolher e influenciar no sistema atual, o certo é que estados e municipios são fudamentalemnte dependentes da União na implantação de politicas públicas que visem o desenvolvimento econômico e social.
A este fato, é de destacar que nossa federação, diferente da federação norte-americana, se deu de cima pra baixo, foi um arranjo a fim de implantar um governo republicano.
Os inumeros problemas de ordem estrutural se confundem com uma legislação precária na ordem política e influência na ordem tributária, culminando em responsabilidades muito díspares em termos de federalismo.
A representação política no Congresso Nacional não reflete a necessidade uma verdadeira federação, pois agrava a relação que os Estados tem junto à União quando na distribuição das riquezas geradas não encontra efetivamente uma política de desenvolvimento nacional.
É certo que nosso sistema federativo se encontra fragmentado, e que um novo pacto se faz urgente. Entretanto, esse debate não pode se dar somente na àrea tributária ou fiscal. É imperioso que toda a estrutura do estado federado seja revisto. Entendo que somente assim, os reflexos serão positivos na ação governametal dos entes federados na promoção do bem estar social de todos os cidadãos.
Advogado militante especialista em Direito Constitucional pela Faculdade Damásio de Jesus e especializando em Direito Eleitoral pelo Instituto Brasiliense de Direito Público
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