O fenômeno jurídico tributário sob as matizes filosófica de Michel Foucault , Jurgen Habermas e Jacques Derrida

Resumo: As normas jurídicas como expressão e concretização de valores de uma sociedade deve ser o arrimo de todo ordenamento jurídico em um Estado Democrático de Direito com o fim de que sejam realizadas a justiça, a igualdade e o bem estar comum social. Partindo dessa premissa é que se pretende com este artigo lançar luzes que realcem uma reflexão crítica acerca do fenômeno jurídico tributário, de sua interpretação e aplicação no mundo real sob uma perspectiva geral do pensamento filosófico, uma vez que a filosofia é ciência que tem por objeto o conhecimento, não no sentido de filiação restrita a uma tese defendida por determinado pensador ou texto específico, mas na busca de compreender a sua influência e interação com o direito tributário a partir do liame conduzido entre a teoria do conhecimento e a teoria dos valores . Como farol deste trabalho se posiciona a questão referente ao fato de que as normas jurídicas tributárias devem ser interpretadas para além de um confinamento do conhecimento científico que o restringe à ficção de um sistema hermético sob o condão do que a lei estabelece como regras positivadas de poder e de coerção do Estado na regulamentação do fenômeno jurídico tributário. Neste sentido é que as ideias serão desenvolvidas com o fio condutor de que o poder do Estado de tributar não pode ser visto como simplesmente um poder que representa uma relação de força dominante, o que é demonstrado a partir concepção e da gênese de poder sob o olhar de Michel Foucault. Serão destacadas as trilhas armadas por Jurgen Habermas no sinuoso percurso do projeto filosófico e jurídico ao tratar os problemas sociais e humanos a partir da matriz da comunicação, cujo eixo norteador reside no conceito do agir comunicativo para a superação de conflitos através de efetiva realização de uma integração social em que busca a fundamentação do ordenamento jurídico a partir da compreensão do direito à luz da teoria discursiva, na qual para o filósofo alemão o direito é o locus privilegiado do agir comunicativo superior, garantidor da democracia, da liberdade e da interação igualitária entre os indivíduos e os grupos sociais. Num prisma de que os princípios que informam o direito tributário devem ser lidos e aplicados pelos interpretes da Constituição à luz do mundo da vida é que se traz à tona a concepção de Jacques Derrida acerca da possibilidade de uma nova leitura de textos jurídicos, para que através da proposta de desconstrução a relação jurídica tributária seja reveladora da justiça e da solidariedade social.

Palavras-chave: Filosofia, Tributação, Direitos Fundamentais. Poder, Democracia, Desconstrução.

Abstract: The legal standards as expression and achievement of values of a society must be the prop of the entire legal system in a Democratic State of Law with the purpose of which are carried out for justice, equality and the common welfare social. Starting From this premise is that if you want to with this Article launch lights that highlight a critical reflection about the phenomenon of legal tax, its interpretation and application in the real world under a general perspective of philosophical thought .Once the philosophy is science that has as its object the knowledge, not in the sense of membership restricted to a thesis defended by determined thinker or specific text, but in the quest to understand its influence and interaction with the tax law from the bond conducted between the theory of knowledge and the theory of values . As a beacon of this work if positions the question referring to the fact that the legal standards tributaries should be interpreted for addition of a containment of the scientific knowledge that restricts the fiction of a hermetic system under the genius of which the law establishes as rules positivadas of power and coercion of the State in the regulation of the legal phenomenon tributary. n this regard is that the ideas will be developed with the wireless driver that the power of the State to tax cannot be seen as simply a power that represents a relation of dominant force, which is demonstrated from conception and the genesis of power under the gaze of Michel Foucault. Will be highlighted the trails armed by Jurgen Habermas the sinuous path of philosophical and legal project to deal with the social and human problems from the matrix of communication, whose guiding axis lies within the concept of communicative action for overcoming conflicts through effective realization of a social integration in that search the reasoning of the legal system from the understanding of law. In the light of discourse theory, in which for the German philosopher law is the privileged locus of communicative action superior, guarantor of democracy, freedom and egalitarian interaction between individuals and social groups. In a prism that the principles which inform the tax law should be read and applied by the interpreters of the Constitution in the light of the world of life is that it brings to the fore the concept of Jacques Berrida about the possibility of a new reading of legal texts, that through the proposal of deconstruction the legal relationship tributaria is indicative of justice and social solidarity.

Keywords: Philosophy, Taxation, Fundamental Rights. Power, Democracy , Deconstruction.

Sumário: 1. Notas Introdutórias. 2. Os Direitos Humanos Fundamentais como ponto nuclear da tributação. 3. As normas constitucionais como normas fundamentais Por uma hermenêutica de concretização. 4. A legitimidade democrática das normas constitucionais tributárias no processo discursivo de Jurgen Habermas. 5.A Justiça no Universo Tributário Na Perspectiva Desconstrutivista de Jacques Derrida.6.Considerações Finais.

1. Notas Introdutórias

A ideia com base nas origens do pensamento ocidental de que a filosofia é como um amor à sabedoria e ao conhecimento partindo de um estado de inquietação, de crítica diante do mundo da vida em que a busca pelas causas primeiras e pelas razões últimas implica, como anota Miguel Reale, na possibilidade de soluções diversas e de teorias contrárias, sem, no entanto significar uma afirmação ou posse de uma verdade plena, melhor seria dizer como uma inclinação para a verdade última”1.

A filosofia vista como uma ciência que sistematiza conhecimentos adquiridos mediante a utilização de métodos próprios organizados em uma unidade coerente abarca significativas discussões e múltiplas teorias e respostas às indagações referentes ao objeto, neste caso o conhecimento, sobre o qual se posiciona o pensador.

Pois bem. Em apertada síntese e com olhos postos na temática desse trabalho é que as ideias aqui serão desenroladas nesse primeiro momento a partir de concepções abarcadas, mas não apartadas em dias atuais no universo da filosofia. Em primeiro a que abrange a lógica ou a validade do pensamento e o alcance do entendimento com relação ao objeto, chamada teoria do conhecimento,e em segundo em uma visão alargada, a relacionada com a moral e a ética, chamada de teoria dos valores ou axiologia, e ainda, apenas para ressaltar, a metafísica que vai para além da física, como uma leitura do ser, da origem do universo e da vida2.

No momento cabe um hiato apenas para destacar a teoria do conhecimento trazida por Jurgen Habermas em que faz tábua rasa sobre o objetivismo exagerado dos textos e discursos objetivistas e científicos que tencionam manipular através dos interesses existentes a realidade pois o pensador alemão parte do pressuposto de que todo o conhecimento é induzido ou dirigido por interesses3 sob uma visão ampla de que tais interesses surgem dos problemas que a humanidade enfrenta e a que tem que dar resposta.

Neste contexto nos importa realçar que em Habermas os interesses chamados emancipatórios ou libertadores estão ligados à autorreflexão que permite estabelecer modos de comunicação entre os homens tornando razoáveis as suas interpretações com vistas ao esclarecimento do que há de oculto nos discursos científicos e na própria possibilidade dessa reflexão se transformar em uma ciência que é capaz transformar as outras ciências.

“Há para Habermas na reflexão uma força que liberta, que experimenta em si o sujeito na medida em que ela própria se torna, a si mesma, transparente na história de sua gênese. O conteúdo da experiência da reflexão está inserido no conceito do processo formativo em que resulta na identidade da razão com a vontade de forma espontânea e acrescenta ainda o autor que um conhecimento por sua força e entendido com o fim em si mesmo chega a coincidir com o interesse que liberta, o que ocorre na órbita da autorreflexão, considerando-se que os dois fenômenos ocorrem ao mesmo tempo”.4

Sob este prisma, aclarado está que a noção de interesses que permeia todo o conhecimento em si mesmo assim como ao ser transformado em ciência, o que nos leva a crer que assim também o é no mundo da ciência jurídica, seguindo a acepção de que nenhum sistema científico pode ser construído sem os sustentáculo da Filosofia5 e nesta premissa bem travejada é que este trabalho seguirá no sentido da compreensão de que o fenômeno jurídico-tributário ou melhor, a atuação do contribuinte, do fisco e dos operadores do direito – dos partícipes da relação jurídico-tributária – tem que ser lida a partir da perspectiva de que a tributação não é somente um fenômeno jurídico, mas econômico, político, sociológico e filosófico, para além de ético.

E por falar em ético, alargando o passo para o salto sobre a teoria do conhecimento, cabe ainda fazer menção sobre a importância da eticidade como elemento informador e norteador da teoria dos valores no que toca à tributação, uma vez que o tributo não se bate mais como uma simples relação de poder entre o Estado e o cidadão que contribui, mas principalmente numa relação de solidariedade social, em que todos irradiados pela luz dos efeitos tributários em suas situações ou práticas fiscais, acabam por oferecer uma parcela do seu patrimônio ao estado em prol de todos, o que desbanca as paredes de uma mera liberdade individual.

No terreno tributário a ética como expressão maior das virtudes, ladeada da justiça, deve permear toda a tributação, partindo dos princípios basilares de proteção dos direitos fundamentais, do efeito não-confiscatório do tributo, da capacidade contributiva,do princípio da isonomia tributária e dos princípios que norteiam a administração pública, notadamente a moralidade, inclusive quando da destinação e da aplicação dos recursos recebidos por meio da arrecadação dos tributos, ou seja na realização das políticas público tributárias.

E na mesma esteira é que devem ser os textos jurídico-normativos, os atos e decisões das autoridades administrativas e judiciais, bem como as lições dos pensadores que formam a doutrina tributária, enfim toda a atuação dos operadores do direito, dos que interferem no discurso jurídico como intérpretes.

Assim, sob o espeque filosófico de que com a teoria do conhecimento alinhada à teoria dos valores é que caminha o direito tributário e a sua filosofia, sobre uma trilha em que não há uma adiante da outra, mas lado a lado, como duas faces de uma mesma moeda, uma destacando a linguagem jurídica e a lógica formal do direito, enquanto a outra ressalta a atuação dos intérpretes da norma jurídica e a relação existente entre o direito e a moral, e de outra banda, a primeira indicando a forma e outra, o conteúdo6.

Fazendo o solo na aproximação da filosofia com o direito, os passos seguintes serão dados no sentido de dar o realce para a melhor compreensão possível do fenômeno jurídico tributário como a matriz de um sistema que desbanca o tributo do ponto nuclear de uma relação que foi construída sob o estigma do poder, para emergir os direitos humanos fundamentais como princípios em que a partir de sua gênese e de toda a estrutura jurídica para a sua proteção e garantia, passem a irradiar os efeitos em todo o sistema tributário para que o Direito nesta órbita alcance a sua maior missão como instrumento dos valores justiça, liberdade, igualdade e bem estar comum social.

2. Os Direitos Humanos Fundamentais como ponto nuclear da tributação

No rastro das lições de Renato Lopes Becho os direitos humanos representa “uma concepção jurídico filosófica que privilegia o respeito aos valores e coloca novamente o homem no centro do direito”7.

Tal concepção é moderna, um resgate de valores opostos ao positivismo jurídico e foi produto de um longo evoluir e do chamado neoconstitucionalismo, pois a evolução do ser humano guarda sintonia com a evolução dos direitos humanos, emergida de reivindicações sociais pela defesa da liberdade, da igualdade, do direito à vida e à propriedade, e ainda diante da nota de indignidade com as situações de poder estabelecidas pelos detentores do poder que não raro, representavam o Estado.

As grandes revoluções, assim como as expressivas mudanças sociais e econômicas foram sempre marcadas com a nota caracterizadora do inconformismo, da busca pelo poder e pela obtenção de maiores vantagens ou benefícios para um determinado grupo de pessoas e por extensão aos que rezam na mesma cartilha.

A ideia de que o ser humano deve ser tratado de forma igual emergiu, ainda que de início, na seara espiritual, evoluindo nos tempos medievais como núcleo universal dos direitos humanos, como direitos comuns da própria natureza humana, não criações artificiais políticas.

De outra banda, kant ensina que o homem é um fim em si mesmo, e que somente a razão prática é que lhe permite viver de forma autônoma, segundo suas leis. O homem não tem preço, e sim, dignidade, como ele ensina:

“(…) o fim natural de todos os homens é a realização de sua própria felicidade, não basta agir de modo a não prejudicar ninguém. Isto seria uma máxima meramente negativa. Tratar a humanidade como um fim em si implica o dever de favorecer, tanto quanto possível, o fim de outrem. Pois, sendo o sujeito um fim em si mesmo, é preciso que os fins de outrem sejam por mim considerados também como meus. “8

Eis a eticidade no pensamento Kantiano e nesta senda, se o homem como ser racional preza por si e pelos outros, os direitos humanos passam a ser os valores mais instados, uma vez que representam a fração nuclear da essência dos direitos, e assim, surge a necessidade da internalização da proteção e da garantia dos direitos mínimos inerentes à existência digna do homem no ordenamento jurídico.

O fato é que a legitimidade e a efetivação desses direitos só pode ser feita pelo próprio homem, detentor dos direitos e seu maior beneficiário, o que guarda incoerência quando por lentes acinzentadas vemos a realidade que nos é posta, quer dizer, os Estados, as ordens jurídicas, as organizações internacionais, a sociedade, enfim, é o homem que faz, que cria e realiza, e nesta senda vale o pensamento de que o homem esqueceu as lições kantianas..

A distinção que se possa fazer entre a expressão “direitos humanos” e “direitos fundamentais” tem como propósito a didática para situá-los de forma apartada, jamais desconexa, no que se considera os primeiros como direitos inerentes à natureza humana, de validade universal e inviolável, para todos os povos e tempos, e os direitos fundamentais como os direitos do homem reconhecidos e garantidos na ordem jurídica do nosso Estado Democrático de Direito.

As trilhas históricas e filosóficas percorridas demonstraram que se trata apenas de uma evolução, pois os direitos humanos originados da própria essência humana, da visão obtida de que tais direitos deveriam ser protegidos e garantidos, dentro de um contexto histórico, social e econômico, foram passo a passo, ainda que nem sempre naturalmente, se cristalizando, institucionalizando, tomando a forma jurídica, para assim assumirem o status de direitos fundamentais previstos no ordenamento jurídico interno do Estado, ou ainda através de tratados e demais atos normativos atados ao direito internacional. Um longo caminhar.

E para não dizer que as flores não foram ressaltadas, e que as lições dos

grandes sábios foram por completo esquecidas pelos cultores do Direito, é que chegam, por oportuno, as palavras de Norberto Bobbio:

“Uma coisa é um direito; outra, a promessa de um direito futuro. Uma coisa é um direito atual; outra, um direito potencial. Uma coisa é ter um direito que é, enquanto reconhecido e protegido;outra é ter um direito que deve ser, mas que, para ser, ou para que passe do dever ser ao ser, precisa transformar-se, de objeto de discussão de uma assembleia de especialistas, em objeto de decisão de um órgão legislativo dotado de poder de coerção”9.

É nesta órbita que gravita os direitos fundamentais, ou seja, na essência do Estado de Democrático de Direito, como direitos positivados constitucionalmente, com espeque na carga discursiva de caráter valorativo que trazem em si e que por isso devem ser protegidos, garantidos pelo ordenamento jurídico. A preocupação de Bobbio não foi em vão e assim deve seguir toda a sistemática tribuária.

Na esfera das teorias dos direitos fundamentais os ensinos de Robert Alexy são preciosos pois para o autor alemão os direitos fundamentais são extraídos a partir de normas, obtidas por meio de enunciados normativos existentes na Constituição, que podem ser princípios ou regras – o que resulta em uma aplicação dos mesmos adstrita a essa configuração – são posições jurídicas definitivas ou a priori, que podem ser analisadas como deveres do Estado, direitos frente ao Estado e ainda relações jurídicas entre sujeitos de direito privado10.

O rol de direitos fundamentais previstos no texto Constitucional é sem dúvida digno de aplausos, uma medalha alcançada em um ideário humano, político e social, ao revés, sem desejo de querela alguma, o hiato entre o que há de positivado e a concretização daqueles, é crescente.

Konrad Hesse, denominou esse hiato aqui dito, de “vontade da constituição”11 que em síntese, quer dizer que o que impulsiona a Constituição a transformar-se em força ativa, em realidade, desbanca a vontade de poder, para tomar lugar a ética e a lealdade para com os valores ali desenhados, ou seja, a vontade de realizar tomado em uma consciência geral e em especial nos atores principais, os que criam as leis e os seus aplicadores.

As considerações até aqui trazidas servem de ponte para o anúncio de que os direitos fundamentais do cidadão, inclusive o contribuinte, é direito inarredável e que é diante deles que o Estado no exercício do poder de tributar esbarra e encontra limitações, uma vez que os direitos fundamentais são diretrizes para a interpretação, aplicação e efetivação das normas constitucionais lançando raios em todo o ordenamento jurídico, sistema aberto que no seu todo se posiciona como parte elementar o sistema tributário nacional.

Sigamos no poder de tributar do Estado. Mas, de imediato, cabe um destaque ao pensamento de Michel Foucault de que na verdade não há Poder, mas relações de força que constituem relações de poder 12 onde nas suas indagações não há uma visão de que uma sociedade não se funda na harmonia, de um existir mediante a concordância dos sujeitos, pelo contrário, o que existe para o pensador francês é uma relação através de mecanismos e instrumentos de dominação, que estão presentes nas questões políticas, sociais e jurídicas.

O Direito para Foucault não pode ser imutável exatamente por ser uma ciência que se submete aos paradigmas dominantes não como uma legitimidade formal cuja soberania se põe pela vontade do povo, passando a ser por ele percebido a partir de relações de dominação e de suas múltiplas técnicas de sujeição em que são exercidas as suas imposições. Como ele anuncia de forma clara:

“(…) Procurei fazer o inverso: fazer sobressair o fato da dominação no seu íntimo e em sua brutalidade e a partir daí mostrar não só como o Direito é, de modo geral, o instrumento dessa dominação – o que é consenso – mas também como, até que ponto e sob que forma o direito (….) põe em prática, veicula relações que não são relações de soberania e sim de dominação.

(….) O sistema do direito, o campo judiciário são canais permanentes de relações de dominação e técnicas de sujeição polimorfas. O direito deve ser visto como um procedimento de sujeição, que ele desencadeia, e não como uma legitimidade a

ser estabelecida. Para mim, o problema é evitar a questão – central para o direito – da soberania e da obediência dos indivíduos que lhe são submetidos a fazer aparecer em seu lugar o problema da dominação e da sujeição”13.

É perceptível a tensão que o filósofo instala entre o enfoque teórico e prático do direito e coloca o poder numa perspectiva de estratégia que não se localiza no topo da pirâmide, mas algo difuso e a partir dessa concepção percebe o tal fenômeno não instalado no centro das normas jurídicas , de um campo normativo institucionalizado, mas nas extremidades, não se tratando de uma ideologia.

A grande importância do corte panorâmico feito neste estudo sobre o pensamento de Foucault é no sentido de trazer à tona que o direito, o poder, o Estado e suas instituições não podem ser compreendidos a partir somente das instituições normativas formais e nesta órbita gravita a tributação e o poder de tributar do Estado.

Parafraseando Alysson Leandro Mascaro14 ao demonstrar a verdade do direito penal na prática ao revés da teoria jurídica, é que anotamos que a verdade na tributação está em tratamentos desiguais para contribuintes em situação de igualdade, no desrespeito à capacidade contributiva, na alta carga tributária desconexa ao que o próprio Estado oferece como oportunidades de trabalho e de rendimentos auferidos, nas regras de responsabilidade tributária privilegiadoras dos grupos dominantes, na tributação e expropriação de bens de família, enfim, na prática e privilégios fiscais concedidos a uma minoria em detrimento dos princípios basilares da ordem econômica, como o da livre iniciativa e da concorrência. Pelas normas do direito, a tributação dentre outros fins, é para realizar o princípio fundamental da República, qual seja, o de construir uma sociedade livre, justa e solidária. A verdade do direito tributário, na sua prática microfísica, é um sistema tributário que padece da patologia do desvalor chamado injustiça fiscal.

Noutro giro, cabe ainda dar ênfase no aspecto do que envolve o poder de tributar do Estado, o chamado poder dever, e a sua finalidade, como o fim precípuo de arrecadar recursos financeiros para realizar o interesse público, ladeado assim de limitações com o fito de proteger e garantir os direitos fundamentais do cidadão, esses tais direitos se convergem nas próprias limitações.

O poder do Estado não esbarra somente no que se refere às suas finalidades de garantir saúde, segurança, educação, desenvolvimento econômico, como acima anotada no viés de interesse público, mas também é essencial que o tributo como instrumento de realizar e fortalecer os princípios democráticos, concretizem a justiça, a igualdade, a possibilidade do exercício da liberdade e de uma vida digna.

Nesta teia é que na ordem tributária os direitos fundamentais acampam em solo fértil, uma vez que no agir como se fossem linhas de zinco, espancam a possibilidade de arbitrariedade nas ações estatais no sentido de criação e exigência de tributos em desacordo aos princípios basilares do Estado Democrático de Direito.

 Notadamente, os direitos fundamentais se expressam na ordem jurídica através dos princípios constitucionais e assim estes tomam forma de verdadeiros alicerces na defesa e proteção desses direitos. Nesta senda, as garantias asseguradas pelo sistema constitucional tributário, são verdadeiros direitos fundamentais do cidadão, revelando assim a natureza de princípio.

Princípio nos dizeres de Celso Antônio Bandeira de Mello significa:

“mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”15.

Como bem enunciado pelo autor Celso de Mello os princípios são os vértices, pontos nucleares de onde todas as demais normas extraem seu próprio alcance, finalidade e conteúdo, agindo também como fundamento de interpretação das citadas normas no alcance, finalidade e conteúdo dentro de todo o sistema jurídico.

E assim sendo é que todos os pensamentos, todas as teorias, todas as manifestações jurisprudenciais devem em todo o campo do Direito 15, assim como no que toca a interpretação e a aplicação das normas tributárias, alcançar o sentido de que suas regras devem estar sempre em harmonia com o texto constitucional, adequando-se à realidade, atendendo aos anseios da sociedade, enfim deve haver sempre uma compreensão mais acurada que realize de maneira mais efetiva e eficaz os valores expressos nos direitos fundamentais, garantias e nas liberdades públicas. Assim mesmo já nos havia ensinado Karl Larenz em sua famosa teoria da valoração:

“A passagem de uma “ Jurisprudência de Valoração” só cobra, porém o seu pleno sentido, quando conexionada na maior parte dos autores com o reconhecimento de valores ou critérios de valoração “ supralegais” ou “prepositivos” que subzagem às normas legais e para cuja interpretação e complementação é legítimo lançar mão, pelo menos sob determinadas condições.”17

Então. Das notas trazidas neste ponto do nosso trabalho é que se pode alinhavar que o fenômeno jurídico da tributação ganha eco não no poder que tem o Estado de tributar, ou do seu instrumento veloz, o tributo, mas principal e notadamente nos direitos fundamentais do cidadão contribuinte, que passa ao mesmo tempo em que se torna seu ponto nuclear, a atuar como uma própria fonte legitimada e legitimadora do ordenamento jurídico tributário, balizadora da hermenêutica das normas, princípios e regras que o informam, inclusive quando da atuação dos seus intérpretes. E por falar em intérpretes, como avisou Geraldo Ataliba, “de nada vale fazer a Constituição, se ela não for obedecida”18 e nos efeitos que irradiam a máxima do republicano e federalista, é que damos um passo adiante para que sejam tecidas algumas ideias sobre a importância da atuação dos intérpretes da Lei Fundamental, em especial do Poder Judiciário pelo exercício da jurisdição constitucional no intuito de que sejam concretizadas os valores que permeiam todo o sistema constitucional brasileiro.

3. As normas constitucionais como normas fundamentais – Por uma hermenêutica de concretização

Este estudo se debruça neste instante sobre o papel de grande relevância da hermenêutica das normas no sentido de concretizá-las e tornar efetivos os ideários estampados nos princípios balizadores do sistema tributário, como o da igualdade, da justiça e o da solidariedade social.

Mas antes os respingos de notas caem sobre o princípio da dignidade humana alçada a princípio fundamental da República Federativa do Brasil, direito fundamental ainda que não escrito, pela ilação do que dispõe o § 2º do art. 5º é o alicerce de todo o nosso Estado Democrático de Direito.

 Ingo Sarlet nos ensina:

“a constatação de que uma Constituição que – de forma direta ou indireta – consagra a ideia da dignidade da pessoa humana justamente parte do pressuposto de que o homem, em virtude tão-somente de sua condição biológica humana e independentemente de qualquer outra circunstância, é titular de direitos que devem ser reconhecidos e respeitados pelos seus semelhantes e pelo Estado”19.

A dignidade humana é neste sigma o valor supremo da democracia e não pode apresentar uma definição fechada, já que se trata de conceito aberto e em constante transformação que se encontra em sintonia com o próprio desenvolvimento dos valores que envolvem a espécie humana.

O laureado princípio tem em sua nuance o caráter fundamental, em seus contornos os fios que atam o Estado a valorizar a liberdade e os valores do espírito, impedindo ao mesmo tempo, a intolerância, a exclusão social, a violência e garantindo a subsistência física, a saúde, a educação, o acesso à justiça, entre tantos outros valores paralelos.20

 A realidade social contemporânea exige por todos os ângulos, em que ela seja examinada, que a dignidade humana seja respeitado de modo absoluto pelo Estado e nesta banda se exige que o tributo a ser cobrado e recolhido aos cofres públicos tenham destinação genéria e a específica, e que se voltem ao atendimento das necessidades de saúde, da educação, da segurança pública, da proteção ao meio ambiente, proteção às crianças e aos idosos, dentre tantos outros.

De tais anotações resta imitir um juízo da realidade que nos cerca, de que o princípio da dignidade humana é limitação ao poder de tributar, se constitui em garantia do cidadão de não ter mitigado os seus direitos essenciais a uma vida digna, e ainda é um direito fundamental que se põe como arrimo do princípio da capacidade contributiva.

No entanto, não podemos perder de vista, que ainda que investido na armadura com fendas intocáveis, posto que é uma cláusula pétrea, o fato é que é preciso que alcance o melhor do seu potencial efetivo na seara tributária, e que apesar de o sistema não prever a proibição de restrições, tal espaço de fato não existe, uma vez que o princípio da dignidade humana é inerente à condição de ser humano, inarredável e inafastável.

Partindo assim da dignidade humana, esta vem a ser a tarefa dos múltiplos intérpretes da Constituição, o de tornar efetivos, reais, os preceitos, princípios e regras, conceitos indeterminados e de conteúdos abertos pulverizados por toda a carta da República .

Tais intérpretes tem como farol norteador nada menos relevante que é a a ideia de supremacia da Constituição fincada pela própria supremacia da vontade popular exercida pelo Poder constituinte originária como uma lógica advinda dos fundamentos históricos, lógicos, dogmáticos, que se extraem de diversos elementos, entre os quais a posição de preeminência do poder constituinte sobre o poder constituído, a rigidez constitucional, o conteúdo material das normas que contém e sua vocação e permanência1.

Considerando que a norma é o “sentido expressado pelo texto, o intérprete “produz a norma”22 o que cai em perfeita sintonia com o fato de que aquela é um resultado da interpretação que pode assim ser entendido com “ um processo intelectivo através da qual, partindo de fórmulas linguísticas contidas nos textos, enunciados, preceitos, disposições, alcançamos a determinação de um conteúdo normativo23.

E é assim que também acontece no universo tributário, posto que a intenção é de que a aplicação da interpretação sobre as normas tributárias alcance a finalidade do direito moderno, notadamente a proteção dos direitos e garantias fundamentais contra as possíveis arbitrariedades do Estado. E noutro giro, que a proteção recaia também no sentido de afastar os que sofrem da patologia fiscal de não arrecadar tributos, ferindo de morte a viabilidade da solidariedade fiscal como princípio e meio de se alcançar uma justiça fiscal e ainda mais no que diz respeito à livre concorrência e ao desenvolvimento econômico de outros contribuintes.

Na hermenêutica das normas tributárias há um entrelaçar de teorias filosóficas – a epistemologia e a axiologia – o que em determinado momento pode parecer confuso, pode no revés, ajudar para uma interpretação sistemática e mais acurada para nortear a aplicação do direito, que por sua vez, existe a partir daquela e da qual não há como ser apartada, de forma especial quando da leitura da posição do contribuinte e dos seus direitos fundamentais postos no ponto nuclear do direito tributário, exigindo assim que a tributação não seja uma mera técnica, mas um ato do Estado amparado nos valores fundamentais revelados na teoria e na prática jurídica, aqueles que dão dignidade ao homem24.

Nesta esfera cabe afirmar que a concepção moderna da interpretação constitucional recusa uma radical objetividade, uma neutralidade teorética, assim

como uma pura racionalidade, superando-se assim uma visão meramente positivista da Constituição diante dos novos paradigmas trazidos pela própria Teoria da Constituição, pela Teoria do Estado e da própria Teoria do Direito, das quais se constitui em objeto a própria hermenêutica constitucional.

Como aclarado neste trabalho, em especial se reconhece a centralidade da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais que passam a ser os vetores que norteiam a dita valoração no ato de interpretar a Constituição pelos seus intérpretes, que abarcam para além dos órgãos estatais que retiram sua competência da própria norma fundamental, os doutrinadores ao criar a ciência do direito, bem como pelos cidadãos, que podem ser chamados de interpretes naturais, indiretos ou mesmo a longo prazo, pois como argumenta Peter Haberle, quem vive a norma, também a interpreta25.

É claro que a pluralidade de intérpretes constitucionais resulta em uma variedade de interpretações constitucionais traduzidas em atos legislativos, administrativos e jurisdicionais, assim como nas práticas como mecanismos de mutação constitucional. O que não guarda incoerência com o próprio Direito, como revelador da dinâmica social e assim sempre com suas nuances informadas pelo pluralismo social, político, econômico, ideológico e filosófico.

4. A legitimidade democrática das normas constitucionais tributárias – No processo discursivo de Jurgen Habermas

E com olhos postos no conteúdo filosófico que existe sustentando todo o o ordenamento jurídico, com nota especial ao que legitima as normas e seus conteúdos axiológicos e validados pela melhor interpretação é que o enfoque neste momento do trabalho será para a concepção de Jurgen Habermas através do processo discursivo26 entre os membros de uma sociedade com fins de se alcançar um consenso e assim afirma a soberania popular e a legitimidade da democracia que reluz nos princípios constitucionais tributários.

 Os preceitos iniciais da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 expõe que a forma de Estado adotada é a democrática e de direito e nesta teiao princípio democrático exprime a exigência da integral participação de todos e de cada uma das pessoas na vida política do país, afim de garantir o respeito à soberania popular, entendida esta como um poder que não está limitado por nenhum outro na ordem interna e por poder independente aquele que, na ordem internacional que acata as regras desde que voluntariamente aceitas.

Há na gênese desses preceitos um conteúdo ideológico e filosófico de extrema importância para que se entenda que a ideia de que legitima o ordenamento jurídico é a de que os cidadãos são os produtores das leis, portanto, é a ideia de autodeterminação ou de soberania política.

Nesta seara as lições de Jurgen Habermas ganham eco na matiz filosófica que serve de arrimo para justificar que o direito será criado a partir de processos discursivos que refletem a opinião e a vontade dos membros de uma comunidade jurídica e dessa forma somente é legítimo quando se constitui a manifestação da vontade livre de seus cidadãos – o direito é ao mesmo tempo, criação e reflexo dessa produção. Nesta esteira o processo legislativo vem a ser a instância que se constitui como síntese entre os direitos que cada cidadão tem de se atribuir e à sua autonomia política27

A partir do princípio do discurso, neutro do ponto de vista normativo, Habermas poderá fundamentar o direito de modo a estabilizar a tensão entre autonomia privada e pública através do procedimento legislativo e demonstrar que o processo democrático de sua criação é a única fonte pós-metafísica da legitimidade. No entanto, esta legitimidade não se dá por si mesmo, e o procedimento legislativo precisa institucionalizar a produção discursiva da vontade democrática dos cidadãos,

“(…) pela autocomposição da liberdade comunicativa ,que se expressa pela livre composição dos temas e contribuições que serão institucionalizados e irão constituir a esfera normativa através de processos democráticos. Com isso, cabe aos membros da comunidade jurídica, como co-autores, formular as diretrizes do discurso político a ser institucionalizado. (…) o procedimento jurídico deve refletir a vontade democrática dos cidadãos e assumir ares institucionais que afastem a contingência de decisões arbitrárias e que não permitam a constituição de uma normatividade autopoietica.”28.

Assim, nas linhas tracejadas do filósofo pensador, o princípio do discurso após assumir a forma jurídica e converter-se em princípio democrático – aqui um hiato, pois afirma que tal fato não é suficiente para fundamentar o direito, pois que imprescindível o medium direito – tenta dar validade ao ordenamento jurídico tendo em vista que viabiliza a possibilidade de decisões práticas que fundamentem as leis, serem construídas com base em discursos racionais da formação da opinião e da vontade comum, o que é determinado pela própria formulação do princípio do discurso que diz: são válidas as normas de ação às quais todos os possíveis atingidos poderiam dar o assentimento, na qualidade de participantes de discursos racionais28                     .

 A fonte da legitimidade do direito positivo, em que se situa no centro os direitos subjetivos, está no processo democrático das leis que, por sua vez, traz em seu bojo, o princípio da soberania do povo, que no entanto, não preserva o conteúdo moral independente dos direitos subjetivos – a proteção da liberdade individual.

Habermas critica as teorias contratualistas, em primeiro momento em Hobbes, e depois em Rawls na feição de sua teoria da justiça, para em seguida alijar a doutrina de Kant e Rousseau, que no dizer do pensador alemão, há uma clara e não confessada relação de concorrência entre os direitos humanos, fundamentados moralmente e o princípio da soberania do povo.

 O filósofo então se opõe a tal concepção quando anota que os direitos humanos e a soberania do povo são ideias que justificam o direito moderno e determinam autocompreensão normativa dos Estados de Direito Democrático – vistos assim sob uma perspectiva procedimental, e que na fonte da legitimidade do direito positivo, em que se situa no centro os direitos subjetivos, o processo democrático das leis que, por sua vez, traz em seu bojo, o princípio da soberania do povo não preserva o conteúdo moral independente dos direitos subjetivos – a proteção da liberdade individual.

Em análise sistemática da órbita habermasiana em que gravita a sua interpretação no sentido de provar a existência do nexo interno entre direitos humanos fundamentais e soberania do povo – compreensível pela formação discursiva da opinião e da vontade e que assegura a autonomia privada e pública, o princípio da democracia que resulta da interligação do princípio do discurso e da forma jurídica, e assim traz a legitimidade do processo legislativo. é importante trazer o horizonte que o pensador de ideias inovadoras consegue alcançar ao construir sua gênese lógica de direitos:

“A ideia básica é a seguinte: o princípio da democracia resulta da interligação que existe entre o princípio do discurso e a forma jurídica. Eu vejo esse entrelaçamento como uma gênese lógica de direitos, a qual pode ser reconstruída passo a passo. Ela começa com a aplicação do princípio do discurso ao direito a liberdades subjetivas de ação em geral –   constitutivo para a forma jurídica enquanto tal – e termina quando acontece a institucionalização jurídica de condições para um exercício discursivo da autonomia política, a qual pode equipar retroativamente a autonomia privada, inicialmente abstrata, com a forma jurídica. Por isso, o princípio da democracia só pode aparecer como núcleo de um sistema de direitos” 29

 Do exposto até aqui nas notas deste estudo fica claro que Habermas propõe um juspositivismo ético, que extrai o direito da moldura tecnicista e vê na concepção democrática, apoiada inclusive em diversas razões e não justificado somente em razões morais, um ir e vir entre o direito e a sociedade, onde as estruturas de direito geradas pela sociedade em seu agir comunicativo, na verdade abrem espaços para novas interações sociais, tratando-se assim, de um processo cíclico inesgotável de novas formulações sociais e jurídicas.

Pois bem. De forma sintética mas sem estribar no superficial, foi preciso seguir as trilhas que percorreu o pensar habermasiano para alcançarmos a sua concepção teorética sob a perspectiva da teoria discursiva do direito e da democracia acerca da relação entre a moral e o direito que em seu entender é neste liame que pode ser melhor explicado o nexo interno entre direitos humanos e soberania popular e entre autonomia pública e autonomia privada.

É certo que Habermas não desconsidera o conceito Kantiano da constituição da forma jurídica em que torna-se necessária a fim de compensar déficts que resultam da decomposição da eticidade tradicional”30

 São palavras de Habermas:

 “(…) Uma ordem jurídica só pode ser legítima, quando não contrariar princípios morais. Através dos componentes de legitimidade da validade jurídica, o direito adquire uma relação com a moral. Entretanto, essa relação não deve levar-nos a subordinar o direito à moral, no sentido de uma hierarquia de normas. A ideia de que existe uma hierarquia das leis faz parte do mundo pré-moderno do direito. A moral autônoma e o direito positivo, que depende de fundamentação, encontram-se numa relação de complementação recíproca”31.

Neste sentido é que a relação entre direito e moral, normas jurídicas e normas morais, deverá ser compreendida sob dois aspectos, quais sejam: o da simultaneidade na origem e o da complementaridade procedimental.

É isso mesmo. O direito para Habermas age como instrumento de integração social e está em relação direta com o plano da ética, da moral, não porque guarde em si tais características mas pela complementaridade que existe entre as duas esferas.

Respingando as últimas notas nesta teia de legitimidade e procedimentos discursivos democráticos, a ética para Habermas mora no procedimento geral de interação da sociedade com o direito, refletindo assim na vida social moderna e feito no exato olhar do filósofo alemão sobre a missão do direito: proporcionar a liberdade de sujeitos iguais em uma sociedade justa.

O fato é que partindo partindo da concepção filosófica Habermasiana sobre a legitimidade democrática permeada de uma carga axiológica, indene de dúvidas que a vontade do povo e os seus direitos precede e condiciona qualquer ato, quer seja legislativo, administrativo ou judiciário e dessa forma é exatamente este percurso a ser trilhado pelo sistema tributário constitucional brasileiro ao serem emitidas normas alinhadas aos princípios democráticos e republicano, nos atos das autoridades administrativas a serem cercados de razoabilidade e proporcionalidade em prol da segurança jurídica e nas decisões exaradas pelas autoridades judiciais a quem cabe para além de dizer a última palavra em matéria constitucional, fazer dela a expressão da soberania exercida pelo povo e da supremacia que reveste a Constituição.

5. A Justiça no Universo Tributário – Na Perspectiva Desconstrutivista de Jacques Derrida

Jacques Derrida não trouxe ao mundo filosófico uma teoria, mas sim uma proposta inovadora sobre o modo como lemos e entendemos a natureza dos textos, onde em sua gênese a intenção era provocar, questionar o pensamento tradicional filosófico e as verdades tidas como definitivas. Uma busca de aproximar a linguagem escrita com a realidade.

A Desconstrução é a bandeira de Derrida e consiste na proposta de que a leitura de um texto deve ser feita no sentido de trazer à luz ambiguidades, contradições, obscuridades, ideias ocultas e até dissimulações que possam existir. Pode ser vista como uma técnica que propõe um caminhar inverso do texto pronto para a origem.

Destacadas as premissas basilares do pensamento derridiano, as águas são rasas:o Direito, e em específico o universo tributário é campo fértil para a aplicação da proposta do filósofo, pois sob a égide do estilo desconstrutitivista moram questões filosóficas, políticas, intelectuais e jurídicas também.

A ideia do filósofo não é de destruição, mas de uma desmontagem, um desvelar dos elementos da escrita, dos conceitos que porventura existam, dos argumentos e das sequencias de ideias.

Laçar a proposta de Derrida para a sua aplicação no mundo jurídico, onde os textos normativos jurídico positivos são crivados de ambiguidades e interesses ocultos, as variadas e díssonas construções doutrinárias, bem como as decisões judiciais que não raro apresentam fundamentos desalinhados à voz constitucional. De outra banda, o papel da desconstrução no mundo jurídico pode vir a ser o de desestabilizar verdades cristalizadas, questionando as crenças estabelecidas e lembrando aos juristas os paradoxos sobre os quais se assentam os seus discursos.

Para o filósofo, há algumas ideias impossíveis de serem desconstruídas, como a de justiça e a de democracia32 pois para ele não basta aplicar a regra justa, mas aplicar a regra justa com espírito de justiça. Derrida defende uma uma incalculável desproporção entre o direito e a justiça, por isso se pergunta ”por que, enfim, onde encontraria a desconstrução a sua força, o seu movimento ou a sua motivação senão neste apelo sempre insatisfeito, para além das determinações dadas do que se chama, em contextos determinados, a justiça, a possibilidade de justiça?33

Tal pensamento pode ser levado a uma compreensão de que o direito pode continuar no sono de que não tem a obrigação urgente e presente de realizar a justiça, assim como pode fazer emergir um espírito desconstrutivista no sentido de que ao direito cabe sempre a missão de realizar a justiça.

Nas linhas das ideias traçadas neste trabalho, ficamos com a segunda opção, por refletir exatamente a intenção provocadora de trazer Derrida para o mundo do sistema tributário para que a partir das várias possibilidades de interpretação das normas e dos seus institutos como aqui já destacado, possa se alcançar não uma verdade definitiva, latente mas a que melhor realize a justiça.

Talvez seja preciso seguir a linha que Derrida propõe de que a justiça é a própria desconstrução do direito e assim sendo a passos largos é possível chegar ao melhor exercício de justiça, não somente de conceito, que poderia esbarrar no vazio que caracteriza na maioria das vezes o formalismo ou noutro giro, na essência da dogmática pura.

E a possibilidade de realização da justiça a permear todo o fenômeno jurídico tributário, é o ideário de maior expressão no Estado Democrático de Direito, ainda que seja pelo exercício do estilo desconstrutivista de Derrida.

6. Considerações Finais

 A força propulsora deste trabalho foi a de demonstrar algumas nuances do fenômeno jurídico tributário sob uma perspectiva filosófica que permita a compreensão de que o que o fundamenta estão para além de aspectos políticos, sociais, econômicos ou jurídicos.

 A filosofia do direito tributário – como também uma ciência da sabedoria – que deve trazer estampada a bandeira da ética, ou ainda como uma ciência que organiza de forma sistematizada e coerente questões e aspectos fundamentais do fenômeno jurídico tributário não pode ser apartada da ciência do direito, uma vez que pode vir, numa visão alargada das suas variadas correntes e concepções na maioria das vezes explicar, justificar e fundamentar o direito que temos posto, como também num processo de reflexão trazer à tona um direito tributário ao mesmo tempo revelador e realizador da concepção de que na sua órbita quem gravita de forma nuclear e irradiadora são os direitos humanos fundamentais .

 

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Notas:
1 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20.ed. São Paulo:Saraiva, 2007. p.11-12
2 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20.ed. São Paulo:Saraiva, 2007. p.24-27
3 HABERMAS, Jürgen. Conhecimento e Interesse. Tradução de José N.Heck .Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982 . p.219

44 HABERMAS, Jürgen. Conhecimento e Interesse. Tradução de José N.Heck .Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982 . p.220-221
5BORGES, José Souto Maior. Ciência Feliz.3.ed.São Paulo:Quartier lantin, 2007. p158

6BECHO, Renato Lopes. Filosofia do Direito Tributário. São Paulo:Saraiva, 2009. p.104-107

7BECHO, Renato Lopes. Filosofia do Direito Tributário. São Paulo:Saraiva, 2009. p.306.

8 KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. Trad.Valério Rohden.São Paulo: :Martins Fontes,2003,p.283

9 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 13.tiragem. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p.77.
10 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros Editores, 2011.p.26
11 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre.: Sergio fabris Editor, 1991. p.19.

12 FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de janeiro:Graal, 1979.p.77

13FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de janeiro:Graal, 1979.p.181.
14 MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do Direito. 2 ed.São Paulo. Editora Atlas,2012.p.431

15 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. Malheiros Editores. 2008. p.106.

15DELGADO, José Augusto. A Interpretação Contemporânea do Direito Tributário e os Princípios da Valorização da Dignidade Humana e da Cidadania. Tributos e Direitos Fundamentais . São Paulo: Dialética, 2004. p.153.
17 LARENZ, karl. Metodologia da Ciência do Direito. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997. p.164
18 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 3ª Ed., São Paulo: Malheros, 2013

19SARLET, Ingo Wolgang. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. 6ª Edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2006. p.103

20 DELGADO, José Augusto. op. cit. p 152.

25 HÄBERLE, Peter. Hermanêutica constitucional. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1997. p.21-23
 26 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. 4.ed revista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, v. 1. p.138

27 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. 4.ed revista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, v. 1. p.138

28 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. 4.ed revista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, v. 1. p.154

29 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. 4.ed revista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, v. 1, p.158.

30 HABERMAS, Jürgen. op.cit. p 48
31 Ibidem . p.152

32 DERRIDA, Jacques. Força da Lei. 1.ed. São Paulo:Martins Fontes.p.18
33 Ibidem.p.43


Informações Sobre o Autor

Giovana Maria do Nascimento

Auditora Fiscal da Receita Federal do Brasil Bacharel em Ciências Contábeis pela Faculdade Cesvale e em Direito pela Faculdade Unime. Mestranda em Direito Público pela UFBA


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