O formalismo exagerado um apego à perniciosa burocracia da administração pública

Como se sabe, o pregão é uma modalidade de licitação utilizada para aquisição de bens e serviços comuns, regido, inclusive, pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Há também outros princípios norteadores da Administração Pública comumente percebidos tais como o da igualdade, razoabilidade e proporcionalidade. Pode-se dizer que as características mais marcantes dessa nova modalidade são a simplificação e a celeridade, desde a sessão do pregão, incluído o credenciamento dos participantes, apresentação dos lances e habilitação dos licitantes, até a assinatura do contrato, devendo o pregoeiro ater-se exclusivamente aos pontos essenciais de validade, seja da proposta comercial, seja dos itens requeridos para a habilitação, no escopo de evitar justamente que formalismos desnecessários procrastinem os fins perseguidos pela Administração. Ao pregoeiro requer, sobretudo, razoabilidade e proporcionalidade nas decisões.

Seguindo tais princípios, agir com razoabilidade e proporcionalidade significa que a Administração Pública deve ter sempre em vista, de um lado, atender ao interesse público e, de outro, à finalidade específica. Na definição de Seabra Fagundes, “a finalidade é o resultado prático que se procura alcançar” com o emprego da lei e procedimentos adequados, ou seja, o desencadear de um procedimento licitatório deve sempre culminar em fins específicos e determinados (como a aquisição de produtos com o menor custo, dentro de padrões aceitáveis de qualidade), evitando, sempre que possível, formalidades desnecessárias e coibindo o emprego de excessos.

Carlos Pinto Coelho Motta, em seu livro “Gestão Fiscal e Resolutividade nas Licitações”, explica de forma clara:

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Reputa-se formal, e por conseguinte inessencial, a falha que não tem o condão de afetar a essência da proposta, a manifestação de vontade do proponente. Quanto à documentação, a tendência doutrinária mais nítida é no sentido da aceitação do acervo documental daquele que evidencie o preenchimento das exigências legais, mesmo não tendo sido observada a norma estrita, delimitada no edital.

Em vista da finalidade ainda maior da licitação – que é a busca da proposta mais vantajosa, a de menor preço, em modalidade propositadamente despojada de maiores burocratismos. E, nesse passo, o princípio da razoabilidade e proporcionalidade se une ao uso da legalidade para autorizar a suspensão do defeito”.

Marino Pazzaglini Filho, em “Princípios Constitucionais Reguladores da Administração Pública”, também compartilha o mesmo entendimento:

“a aplicação desses princípios (razoabilidade e proporcionalidade) significa examinar, por um lado, os fatos concretos, que ensejam a conduta da Administração Pública, ostentam motivos razoáveis e, por outro lado, se a medida simplesmente é, além de pertinente, adequada e suficiente para o atendimento efetivo ao fim público (resultado prático de interesse da sociedade) necessária e exigível para alcançá-lo; e proporcional ao binômio benefício e ônus para a coletividade”.

O emprego de formalidades exageradas acaba por frustrar a celeridade das contratações. De mais a mais, o apego irrestrito às cláusulas editalícias, em alguns casos, também só contribuirá para a ineficiência dos trabalhos conduzidos pelo pregoeiro e sua equipe. As atribuições do pregoeiro facultam-lhe decidir sobre algumas questões envolvendo preços, marcas, qualidade dos produtos e condições de aceitabilidade das propostas. Como no caso do pregão presencial, a presença dos representantes das empresas facilitaria o exercício dessas atribuições. O pregoeiro poderá permitir que pequenos equívocos sejam corrigidos pelos representantes presentes ao certame.

O Ministro Adylson Motta, do Egrégio Tribunal de Contas da União, em decisão proferida em novembro de 1999, esclareceu ainda mais a matéria, decidindo que:

“o apego a formalismos exagerados e injustificados é uma manifestação perniciosa da burocracia que, além de não resolver apropriadamente problemas cotidianos, ainda causa dano ao Erário, sob o manto da legalidade estrita. Esquece o interesse público e passa a conferir os pontos e vírgulas como se isso fosse o mais importante a fazer. Os princípios da proporcionalidade e razoabilidade acarretam a impossibilidade de impor conseqüências de severidade incompatível com a irrelevância de defeitos. Sob esse ângulo, as exigências da Lei ou do edital devem ser interpretadas como instrumentais.” (TC 004809/1999-8, Decisão 695-99, DOU 8/11/99, p.50, e BLC n. 4, 2000, p. 203)

Os órgãos responsáveis pela fiscalização e controle das licitações, a exemplo do Controle Interno, ao compulsar os trabalhos realizados pela equipe de apoio do pregão, provavelmente encontrará motivos para elogios, especialmente no que diz respeito a agilizar os procedimentos e as aquisições feitas. Por outro lado, encontrará também uma reiterada prática de desclassificação de empresas participantes em supedâneo a um excessivo rigorismo para com as propostas que são apresentadas, por exemplo, sem data de validade e por ter sido esta exigida no edital.

A Lei 10.520/02 estabelece em seu art. 6º que o prazo de validade das propostas será de 60 (sessenta) dias. Decerto que, numa interpretação mais abrangente do dispositivo, e que se coaduna com o entendimento de doutrinadores já citados e Tribunais de Contas, como se trata de norma federal, mesmo que o edital não estabelecesse prazo para validade das propostas, estaria implícito os sessenta dias como regra geral. A própria norma já define que o prazo das propostas será de sessenta dias, salvo outro estipulado no edital. Caso fosse exigido prazo diferente, então haveria razão para se questionar uma desclassificação neste sentido. Não há, desta forma, respaldo para se cercear da competição um licitante que, distraidamente, deixou de afixar o prazo expresso de sessenta dias em sua proposta, posto que em nada prejudicaria a competitividade da licitação.

Robustecendo ainda mais, Hely Lopes Meirelles, em “Licitação e Contrato Administrativo”, entende que:

“é inadmissível que se prejudique um licitante por meras omissões ou irregularidades na documentação ou sua proposta (…) por um rigorismo formal e inconsentâneo com o caráter competitivo da licitação”.

Noutra comparação, equívocos como erros nas somas dos valores totais e unitários são freqüentemente apresentados aos representantes das empresas participantes para que estes, com a intenção de não prejudicar o certame, autorizem a retificação e posterior ratificação das propostas. O mesmo procedimento deve ser adotado para com propostas sem prazo de validade expressamente indicados ou que não possuam indicação do número do processo licitatório, por exemplo.

Sem dúvida, inexistindo a oportunidade de convalidarem as propostas originais, acrescentando o prazo exigido, outro resultado não terá a não o prejuízo, e não só àqueles que buscavam oferecer seus produtos à Administração Pública como, e mais ainda, à própria Administração, impedida de adquirir produtos ou serviços com preços mais competitivos.

Malgrado as imposições de legalidade dos atos praticados e a necessidade de o pregoeiro e sua equipe se adequarem às suas exigências, prejudicar a compra de materiais e serviços com o menor custo, ou impedir a competição entre os licitantes pela desclassificação de propostas sem prazo de validade, tendo como respaldo o minudente apego aos rigorismos dos editais, só servirá para prejudicar o interesse público e a finalidade das contratações, além, é claro, contribuir para minar a própria razão de ser do pregão. “As circunstâncias factuais devem ser sopesadas, para evitar que os meios prevaleçam sobre os fins e em prejuízo destes”, segundo Marçal Justen Filho.

Neste mesmo raciocínio, Maria Luiza Machado Granziera, em “Licitações e Contratos Administrativos”, dispensou adendos ao escrever:

“É necessário ponderar os interesses existentes e evitar resultados que, a pretexto de tutelar o interesse público de cumprir o edital, produza a eliminação de propostas vantajosas para os cofres públicos.”

Feitas estas considerações, não pretendo aqui deixar transparecer que existe um leque de possibilidades de se evitar a desclassificação de propostas eivadas de vícios sanáveis, nem que tal conduta deve sempre ser empregada. Antes, as decisões devem ser sempre tomadas com razoabilidade e dentro dos limites permitidos por lei, deixando que o princípio da igualdade, com oportunidade igual para todos os licitantes, seja colocado em prática.

Por imposição da Lei Federal 10.520/02, o melhor entendimento é que podem ser consideradas válidas as propostas apresentadas mesmo sem qualquer indicação expressa, desde que o edital tenha definido como regra o prazo estabelecido na lei. Mesmo sendo diferente o prazo imposto pela Administração, pode-se dar a oportunidade de ratificação do prazo ao representante, desde que este tenha plenos poderes para tal. Contudo, é bom frisar, talvez nem toda e qualquer desclassificação por este motivo seja passível de correção ou possa ser relevada. Dependerá de que outros requisitos estejam definidos e exigidos no edital.

Considerando que os editais muitas vezes prevêem a desclassificação pela falta de prazo de validade, despiciendo lembrar, como também determinam a desclassificação se os preços estiverem incorretos, não assistindo sequer o direito de pleitear qualquer alteração dos mesmos, sob a alegação de erro, omissão ou qualquer outro pretexto aos representantes, que o pregoeiro e sua equipe, abstendo-se em classificar propostas sem data de validade, mas permitindo correção de preços incorretos, estará contrariando o princípio da igualdade, proporcionando tratamento diferenciado para casos semelhantes. Ou seja, não convém aos desígnios buscados pela Administração Pública, utilizar-se, para o mesmo peso, duas medidas diversas e incompatíveis.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Bruno Soares de Souza

 

Acadêmico do Curso de Direito das Faculdades Integradas do Oeste de Minas – FADOM/Divinópolis/MG

 


 

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