Resumo: O presente artigo científico, busca trazer uma pequena abordagem acerca do regime de cumprimento de pena semiaberto, ao qual é possibilitado a todo condenado após cumprido determinados requisitos legais, a progredir e ter o direito a sair para trabalhar durante o dia e retornar à penitenciária durante a noite. Ocorre que este modelo não se sustente na sociedade brasileira, principalmente pela falta de vagas, além de um número grande de presos em regime de semiliberdade voltarem a delinquir em vez de trabalhar, e retornam ao presídio como se nada tivesse acorrido. Procuramos trazer opiniões diversas acerca da temática, doutrinadores, garantistas ou não. Dada a complexidade do tema, que traz vastos desdobramentos, principalmente quanto as consequências refletidas na sociedade. Passou da hora de discutirmos o cárcere, dentre eles os regimes de cumprimento de pena.
Palavras-chave: execução penal; semiaberto; cumprimento de pena; progressão de regime.
Abstract: This scientific article, seeks to bring an small approach about the compliance regime of semi-open penalty, which is allowed to all convicted after met certain legal requirements to progress and have the right to go to work during the day and return to prison during night. It turns out that this model does not sustain in Brazilian society, especially the lack of jobs, and a large number of prisoners in semi-liberty regime re-offending rather than work, and return to prison as if nothing had flocked. We seek to bring different opinions on the subject, scholars, garantistas or not. Given the complexity of the issue, which brings vast developments, especially as the consequences reflected in society. Past time to discuss the prison, including the penalty of compliance schemes.
Keywords: penal execution; semi-open; serving sentence; progression system.
Sumário: 1. Introdução; 2. Cumprimento de pena e o regime semiaberto; 3. O fracasso do regime semiaberto no Brasil; 4. Conclusão; 5. Bibliografia.
1. Introdução
O sistema prisional, sempre foi objeto de discussões na humanidade, desde que ocorreram os primeiros delitos, houve a necessidade de punir os criminosos, para que se pudesse manter a ordem social, caso contrário, se nenhum crime for punido, teremos uma verdadeira anarquia, e estaremos diante do mundo animal natural, no qual prevalece a vontade do mais forte, e o mais fraco perecerá diante dos fortes. Para tal, as leis precisam ser aplicadas e cabe ao poder público dar efetividade as leis, para que cumpram com o seu papel de punir e principalmente ressocializar, tendo em vista de que nada adianta manter um sistema prisional que além de não possuir condições dignas de cumprimento de pena, não recupera, ainda segrega e de certa forma se mantém apático quanto ao alto número de reincidências. O modelo inglês adaptado ao Brasil pode ser o melhor do ponto de vista garantista, contudo vemos diariamente que na prática, ainda faltam muitas realizações para que se tenham efetivamente uma melhora no quadro de estabelecimentos penais. Prisão, é necessária, ninguém está acima da lei, contudo, recuperar é essencial para que se possa permitir que o preso ao ser solto não volte a cometer crimes, mesmo estando preso no semiaberto.
2. Cumprimento de pena e o regime semiaberto
O cumprimento da pena inicia-se com a sentença penal condenatória transitada em julgado, que consiste segundo Capez, 2011 p.64, em um verdadeiro título executivo na esfera criminal, pela qual se executa a pena imposta na sentença de mérito.
Existem, no sistema inglês, que é o adotado no Brasil, a progressão de regimes, aonde o quantum da pena, determina o regime de cumprimento inicial da pena, e conforme e pena vai sendo cumprida e preenchidos determinados requisitos, o condenado progride de regime até cumprir a pena e extinguir-se a punibilidade pelo seu total cumprimento.
Temos, na Lei de execução penal, três regimes de cumprimento de pena, quais sejam; o fechado, semiaberto e o aberto, não detalharei cada um deles, pois o presente artigo perderia o seu primordial objeto, que é tratar em específico do semiaberto, portanto para não perder o foco, e tornar o artigo mais sucinto, trataremos em especial sobre o regime de cumprimento de pena semiaberto, que conforme dispõe a LEP (Lei de Execução Penal), em seu Capítulo III:
“Da Colônia Agrícola, Industrial ou Similar
Art. 91. A Colônia Agrícola, Industrial ou Similar destina-se ao cumprimento da pena em regime semi-aberto.
Art. 92. O condenado poderá ser alojado em compartimento coletivo, observados os requisitos da letra a, do parágrafo único, do artigo 88, desta Lei.
Parágrafo único. São também requisitos básicos das dependências coletivas:
a) a seleção adequada dos presos;
b) o limite de capacidade máxima que atenda os objetivos de individualização da pena.”
Nos traz portanto, que o cumprimento de pena, em tratando-se de regime semiaberto, será realizado, de acordo com a legislação pátria, em estabelecimento Industrial ou Similar ou em Colônia Agrícola, o que em 1984 era um imenso avanço em termos de legislação garantista, eis que ainda o país encontrava-se em ditadura. O modelo de penitenciária, ou mais especificamente o local de cumprimento de pena do regime semiaberto, sempre nos foi do ponto de vista dos estabelecimentos prisionais, o melhor, e se não a melhor das alternativas prisionais, pois se o nosso sistema penal é voltado para a punição e para a recuperação e ressocialização do preso, dever-se-ia o executor da legislação, importado-se um pouco mais na época, e tivesse de algum modo construído tais estabelecimentos em quantidades adequadas. O estabelecimento Industrial ou Similar e as Colônias Agrícolas, deveriam ser a melhor das formas de se recuperar um apenado, eis que os presos poderiam ter um trabalho, da qual alguns nunca tiveram, seja como alguns dizem ser por falta de oportunidades, ou, seja pelas escolhas mal feitas que os fizeram criminosos, o que não nos cabe neste momento valorá-las, contudo, se todo ser humano, no sistema de consumo e criação, que é superimportante para o desenvolvimento humano precisa e necessita ter uma colocação no mercado de trabalho, presos precisam e devem trabalhar, não serem obrigados, mas todo aquele que quer trabalhar, ora, ter um emprego faz com que todos os desdobramentos sociais ao redor dele sejam melhorados, se uma Colônia Agrícola que abriga diversos detentos, pode esta, ser praticamente autossuficiente, o que falta, desde a elaboração, é a aplicação da lei; percebemos que o que realmente falta é dinheiro para que se construam mais estabelecimentos voltados não para a desova dos criminosos, mas para sua recuperação.(BRASIL, Lei 7210, 2016)
Para os locais onde existem estes estabelecimentos, o trabalho, no regime semiaberto pode ser interno ou externo, ou seja, no estabelecimento agrícola, o preso pode trabalhar e remir a pena pelo trabalho, como nos presídios, porém com mais liberdade que nas penitenciárias; e o trabalho externo é o que se desenvolve fora do estabelecimento, aonde o apenado trabalha de dia e retorna ao anoitecer, e este é que está sendo um problema, pois trata-se de um direito do preso, e se não existe local adequado para o repouso noturno, o STF está entendendo que pode ser, a depender do caso, cumprida a pena em regime aberto ou domiciliar, com a utilização de tornozeleiras eletrônicas ou outra medida restritiva, e em caso de violação o preso pela falta, poderia retornar ao fechado, porém o trabalho externo por vezes não é realizado, e o apenado, por não querer ou não se importar com o emprego formal, acaba por achar mais fácil continuar com a vida de crimes, eis que não existe um acompanhamento ou vigilância direta, mesmo porque seria muito difícil acompanhar todos os detentos em liberdade mesmo que por vigilância eletrônica por tornozeleira, sabidamente em não raras vezes este sistema é violado. (CAPEZ, 2011, p.70-74)
Após a inclusão do monitoramento eletrônico em 2012, começaram as implantações das primeiras tornozeleiras eletrônicas, sistema que já era adotado em países como a Finlândia, depois de vários testes que se demonstraram até satisfatórios, e demonstrando ser o monitoramento eletrônico uma medida alternativa as prisões, eis que o entendimento do STF, é no sentido de que após o apenado adquirir possibilidade de progressão para o semiaberto, e em caso de não existirem vagas, deve o estado “liberar” o detendo para prisão domiciliar, monitorado eletronicamente. Esse sistema, poderia ser o futuro da monitoração, aonde uma tornozeleira substituiria um trabalho de fiscalização a distância impossível de ser feito por agentes in locu, contudo bastou a implantação para que as primeiras falhas fossem detectadas, violação, estragos, falha de sinal, contudo o pior dos problemas que não foi refletido na época, de que uma tornozeleira não impediria os “detentos” de cometerem novos delitos. Conforme o Promotor de Justiça David Medina da Silva,
“a concessão de tornozeleira eletrônica aos presos do regime semiaberto para a prática de prisão domiciliar contraria a lei de execuções penais. A medida de monitoramento deveria ser adotada somente para presos provisórios ou para aqueles que estão sob ação de medida protetiva pela Lei Maria da Penha, por exemplo.” (CADEMARTORI, 2013)
Contudo, esta é a orientação do STF, aonde os ministros entenderam que os detentos que estiverem com os requisitos legais cumpridos não podem continuar no regime mais gravoso, somente pela falta de vagas proporcionadas pelo poder público.
Segundo pesquisa do IPEA, utilizando dados do CNJ, demonstrou que 70% dos presos condenados voltam a delinquir, tornando-se reincidentes, demonstrando que a medida que a população carcerária só aumenta, aumentam também os índices de criminalidade, tendo em vista que ao surgirem “novos” criminosos, os antigos criminosos continuam a existir e a cometer crimes, demonstrando ser insuficientemente frágeis as medidas adotadas para que se realize o mínimo necessário para a ressocialização dos detentos que querem, pois olhando para os 30% que não voltam a cometer crimes, dá esperança e demonstra que é possível diminuir a reincidência delitiva, pois se, com as penitenciárias abandonadas, alguns detentos conseguem retornar para a sociedade sem cometer novos crimes, é perfeitamente possível os presos se recuperarem se quiserem, contudo da maneira que está, é difícil. (Gargalos do Cárcere, 2015).
3. O fracasso do regime semiaberto no Brasil
Poderia soar como uma afirmação temerária, sem fundamentação e emitida por uma simples opinião, daquelas que vai ao ar no jornal; contudo trata-se de um título triste, mais um capítulo amargo na história do Brasil. O fracasso do regime semiaberto, é apenas uma parcela do complexo de fracassos que tem se tornado o sistema de ressocialização das penitenciárias; a legislação em 1984, surgiu como um divisor de águas na questão da punição, cumprimento de pena e recuperação de apenados, condenados pelos mais diversos crimes, e detentores do direito a progressão de regime. Ocorre que esta divisão de águas, na legislação, infelizmente nunca saiu do papel, e aí começam a residir os primeiros resquícios de fracasso; passaram-se 32 anos desde 1984, e quase nada, ou muito pouco foi feito no que concerne ao cumprimento de pena em semiliberdade ou semiaberto.
Ao analisar com tranquilidade o tema, percebe-se que não se deve ter preconceitos quanto a letra da lei, não quero neste pequeno artigo dizer que a legislação está errada, porque a lei não está errada; o fracasso do semiaberto se dá simplesmente porque o poder público não conseguiu nestes 32 anos de vigência legislativa, dar a real aplicabilidade e efetividade a lei. O que nos parece uma tremenda falha, e incomensurável tristeza, pois com equipes disciplinares, estudo, a religião, a fé de cada preso e um trabalho, poderiam transformá-los em cidadãos melhores, o que neste período não se conseguiu.
Além da falta estrutural, outro problema é sem dúvida o papel ineficaz da legislação, que possui penas até razoáveis, porém é um ledo engano pensar que um condenado cumprirá a sua pena na totalidade, e infelizmente muitos veículos de comunicação não informam isso para a sociedade, aumentando ainda mais a sensação de impunidade e as crescentes reclamações referentes ao prende e solta, é certo que o preso não pode ser abandonado no cárcere, contudo é irrisório pensar que alguém condenado a 6 anos ficar somente 1 ano preso, vejamos o relato do Delegado Wondracek:
“O semiaberto é um porta-giratória, os presos entram e saem a hora que querem. Se não é possível vigilância maior, então que passem mais tempo no regime fechado. Em geral, assaltante é condenado a cinco anos e quatro meses. Isso significa pouco mais de um ano no fechado. Deveriam ficar mais tempo, três anos e meio, por exemplo, para dar mais tranquilidade à sociedade e mais tempo para a polícia trabalhar em outros casos e não ter de prender três, quatro vezes, a mesma pessoa — diz o o delegado Guilherme Wondracek, diretor do Departamento Estadual de Investigações Criminais.” (COSTA, 2013)
O que acaba por afundar de vez o regime semiaberto são a falta de investimentos em locais adequados e serviços de recuperação efetiva de presos, psicólogos, professores, sociólogos, arte e execícios físicos, além de uma ocupação laborativa; e claro, o sistema punitivo, que em certos casos contribui e muito para a sensação de insegurança, afinal se pegarmos por exemplo um crime que prescreve uma condenação de 6 a 20 anos, e o agente “pega”, 7, 8 ou 10, já é a metade da pena total e ainda pode progredir de regime com 3 ou 4 anos fechado, logo a pena que era para ser de 6 a 20, se transformou em 4, e o criminoso muito provavelmente continua sendo criminoso, eis que esses 4 anos ficou abandonado num cárcere e não foi recuperado.
Verificados alguns dos problemas encontrados quando se analisa o regime semiaberto, que surgiu para ser um meio termo entre o fechado e o aberto, nos ocorre que estudando o tema um pouco mais a fundo, encontramos que efetivamente o regime semiaberto, com a orientação do STF, perdeu completamente o sentido, não existem mais motivos para manter somente no papel, um regime que como dito anteriormente, seria o pilar base da recuperação dos presos, mas que não cumpre minimamente com as suas funções, se não existem estabelecimentos penais adequados para o semiaberto, se não existem estabelecimentos penais adequados para o regime aberto, o detendo, praticamente salta indiretamente a progressão de regimes o que é vedado por lei, isso tudo por não existirem estabelecimentos adequados e em quantidades necessárias. (MORAES SILVA, 2013)
4. Conclusão
Considera-se ao final deste artigo, que a maior mudança legislativa trazida em 1984, não foi capaz de transpassar para a vida real, o significado magno da legislação versiva sobre execução penal. A que chagamos a triste conclusão de que, na maior parte das vezes, para não dizer na totalidade das vezes em que os presos, efetivamente são recuperados, e ressocializados, só o são recuperados porque querem, se os presos continuarem a depender do estado para que sejam ressocializados, é como sentar e esperar que passe um unicórnio pelo centro da cidade. Muitos estudiosos e especialistas, afirmam que faltam estruturas prisionais capazes de propiciarem a ressocialização, ora, muito mais que estrutura, falta principalmente o apoio, moral, intelectual, apoio psicológico, cultural, e o maior de todos, o apoio financeiro, nenhum preso vai deixar de ser preso se não tiver emprego, muitas pessoas de bem, ingressam no mundo do crime pela facilidade de ganhar dinheiro, megatraficantes, nunca deixarão de ganharem milhões do tráfico, para trabalharem por um salário mínimo, isso infelizmente é a realidade, e enquanto os estudiosos e especialistas do poder público ficarem só nos livros e fecharem os olhos para a realidade, daqui a quinhentos anos estará tudo igual, ou muito pior, infelizmente não adiantam leis perfeitas, se não podem ser tiradas do papel, mas não mudemos a lei, devemos como sociedade buscar e tentar ao máximo encontrar formas de dar a real e efetiva aplicabilidade a esta tão importante lei do nosso sistema jurídico. O tema precisa ser melhor discutido, principalmente pela sociedade, obviamente não esgotei o tema, e nem era esse o objetivo, que estas palavras aqui descritas possam propiciar um debate, que no futuro espero que próximo, possam nos trazer melhores resultados do que os até aqui alcançados.
Informações Sobre o Autor
Éverton José Maffessoni Santana
Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Regional Integrada URI Campus de Erechim/RS. Pós-graduando em Direito Penal pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus