O impacto do consumo dos produtos de origem animal na proteção ao direito fundamental ao meio ambiente equilibrado

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Resumo: O presente artigo visa oportunizar o debate acerca da prevalência de uma visão biocêntrica para a preservação do meio ambiente, bem como observar as questões éticas e ambientais pertinentes ao consumo de produtos de origem animal. O direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado deve ser tratado como prioridade, pois dele derivam todos os demais direitos, uma vez que a sua proteção está intimamente relacionada à proteção do direito a vida. Não existem dúvidas de que o estilo de vida adotado pelo homem moderno, baseado principalmente no consumismo e na exploração, é irresponsável do ponto de vista ético, e também não possui meios de se sustentar por muito tempo. Além das crises econômicas e sociais que vem ocorrendo cada vez com mais frequência, um dos principais pontos de derrocada do sistema capitalista é o meio ambiente. Devido as nossas práticas predatórias, os recursos naturais do planeta estão ficando cada vez mais escassos e o ecossistema está saturado. Existem diversos estudos científicos demonstrando que um dos principais problemas ambientais enfrentados pela humanidade diz respeito aos impactos causados pelo excesso no consumo de produtos de origem animal, pois a cadeia produtiva de tais itens é uma das maiores atividades poluidoras tanto das águas, quanto do ar e do solo. É necessária uma análise dos impactos causados pelo comportamento do homem atual, tanto por uma questão moral, quanto por questões ligadas diretamente a sobrevivência humana, pois a degradação ambiental afeta a todos e fere o direito fundamental coletivo a um meio ambiente equilibrado.

Palavras-chave: Consumo. Direitos Fundamentais. Meio Ambiente

Abstract: The aim of this study is to deliver the debate about the prevalence of a biocentric point of view for the environmental preservation, likewise observe the ethical matters and environmental related to the consumption of products of animal origin. The fundamental right to an ecologically balanced environment must be treated with priority, because it’s from it that all the other rights come from, since it’s protection is within related with the protection of the right to live. There is no doubt that the way of life adopted by modern man, based most likely on consuming and exploring, it’s irresponsible in an ethical way, and also doesn’t have ways to sustain itself for too long. Besides economics and social crisis that have been happening more often, one of the crucial defeating points of the capitalism is the environment. Because of lately predatory practices, natural resources of the planet are arriving on a stage of scarcity and the ecosystem is saturated. Many studies indicates that the main environmental problem faced by mankind is about the impacts caused by exceeded consumption of animal origin products, because the productive chain of these items is of one the most polluting activities for water, air and soil. It’s mandatory a profound analysis of the impacts caused by current human behavior, as a moral issue and as well as an issue directly connected with human survival, because environmental degradation affects us all and wounds the collective fundamental right to a balanced environment.

Key-word: Consumption. Fundamental Rights. Environment.

Sumário: Introdução. 1. Direito ambiental como alicerce dos demais direitos. 2. O papel da pecuária na degradação ambiental. 3. O impacto do consumo de carne sobre as outras espécies – questões éticas. 4. Responsabilidade individual sobre o meio ambiente. Considerações finais. Referências.

INTRODUÇÃO

O Direito ao meio ambiente equilibrado difere dos demais direitos humanos em alguns aspectos.

O primeiro deles é a questão da universalidade. O princípio da universalidade dos Direitos Humanos defende a aplicação dos Direitos Fundamentais de maneira geral e irrestrita, tendo como fundamentação a dignidade da pessoa humana. Em virtude de alguns destes direitos tidos como basilares entrarem em conflito com aspectos sociais e culturais devido às diferenças entre os povos do globo, tal conceito vem sendo cada vez mais relativizado, porém no que diz respeito a proteção ambiental podemos afirmar que o princípio da universalidade está presente, uma vez que não existe direito individual, cultural ou social que possa se sobrepor ao direito coletivo a vida.

Devemos observar que a preservação do meio ambiente está intimamente ligada a nossa sobrevivência como espécie. Sem um meio ambiente equilibrado não há de se falar em direitos sociais, ou civis. Se não tivermos como manter nossas vidas, nenhuma das outras conquistas humanitárias será importante.

Portanto o direito ao meio ambiente equilibrado constitui direito fundamental da máxima importância, tanto para quem habita o planeta quanto para quem ainda irá habitar.

Nesta diapasão, é interessante ressaltar outra peculiaridade no tocante ao direito ao meio ambiente equilibrado, pois ele está muito além de uma conquista individual, ou de um determinado grupo ou gênero, ele abrange a todos os humanos e também as outras espécies,  sem distinção, além de ser conectado a uma ampla noção de consequência, pois os danos causados no presente afetam independentemente de vontade as futuras gerações. Neste sentido disse Hans Jonas (2006), “Nas tuas opções presentes, inclui a futura integridade do ser humano entre os objetos da tua vontade”.

Por fim a última peculiaridade atinente à busca pelo direito ao meio ambiente equilibrado está ligada ao poder de cada pessoa na efetivação deste direito.

Diferentemente de outros direitos fundamentais como os direitos civis, e sociais, em que é primordialmente necessária a atuação do governo através de políticas públicas para que sejam garantidos, no caso da preservação ao meio ambiente o poder de garantia está nas mãos de cada individuo, ainda que em pequena escala. Com relação a esta característica este estudo busca demonstrar que o consumo individual excessivo de produtos de origem animal está interferindo no equilíbrio do planeta de forma global colaborando com o ciclo de degradação trazido pela pecuária, consequentemente afetando o direito coletivo ao meio ambiente equilibrado e por conseguinte todos os demais direitos. A boa notícia é que para revertermos este quadro dependemos apenas de mudanças de hábitos e boa vontade.

1. DIREITO AMBIENTAL COMO ALICERCE DOS DEMAIS DIREITOS

O mau uso do ambiente afeta a fruição de praticamente todos os direitos fundamentais inclusive o direito a vida. Uma em cada quatro mortes de crianças menores de cinco anos em todo o mundo é atribuída a ambientes considerados insalubres. Todos os anos, riscos ambientais – como poluição do ar, água não tratada, falta de saneamento e higiene inadequada – tomam a vida de 1,7 milhão de crianças entre zero a cinco anos de acordo com estudo da OMS “Herdando um Mundo Sustentável: Atlas sobre a Saúde das Crianças e o Meio Ambiente” (NAÇÕES UNIDAS, 2012).

Dependemos do equilíbrio ambiental para criar condições satisfatórias de saúde desonerando assim preventivamente os sistemas de saúde pública, dependemos também para obtenção de matéria prima para atividades geradoras de empregos, para nos alimentarmos, para construirmos nossas edificações, para exercermos nossa identidade cultural, e até mesmo para o lazer.

A proteção ao meio ambiente é a base para a efetivação dos demais direitos. A primeira vista pode parecer radicalismo um pensamento como este observando um mundo tão carente de políticas públicas voltadas para a saúde, para a geração de empregos, e inúmeros outros problemas e necessidades imediatas, entretanto para que se efetivem os direitos sociais e civis de maneira adequada é preciso sanar a base dos problemas, e neste caso a proteção ao meio ambiente é medida imperiosa.

De acordo com Mauro Grun (2012) “as desigualdades sociais caminham em igualdade com o nível de degradação do meio ambiente”. Um estudo realizado pelo instituto Pure Earth (2017) demonstra que as doze cidades mais poluídas do mundo se localizam em países subdesenvolvidos ou emergentes. Portanto resta clara a ligação entre meio ambiente equilibrado, práticas sustentáveis e boas condições de vida.

Devido aos níveis de degradação que encontramos hoje, não é mais viável privilegiar direitos sociais de maneira imediata, quando isso implicar em degradação ambiental no futuro, pois as consequências de atitudes como esta costumam se mostrar desastrosas.

Neste sentido temos exemplos como a Tragédia de Bhopal (BRASIL DE FATO, 2016) em 1984 na Índia, considerada a maior tragédia ambiental de todos os tempos, e que decorreu em razão da conduta dos responsáveis tanto do governo quanto da própria empresa em privilegiar a economia em detrimento ao meio ambiente permitindo o funcionamento de uma fábrica absurdamente poluidora em uma zona residencial, tal atitude custou a vida de cerca de 10 mil pessoas, causando efeitos colaterais em outras 500 mil. Ao tentar garantir empregos para a população as custas do desequilíbrio ecológico, a conta foi alta.

Casos como este nos mostram que o cuidado preventivo com o ambiente é a atitude mais sensata a ser tomada, pois de forma reflexa toda vez que ocorre um desastre ou um desequilíbrio ambiental os direitos humanos fundamentais das pessoas envolvidas são afetados, e acaba havendo um retrocesso generalizado.

No caso da cadeia de produção pecuária nos deparamos com um exemplo claro de interesses econômicos e direitos sociais sendo colocados como prioridade ante os direitos coletivos, pois mesmo sendo demonstrado em diversos estudos que a pecuária é uma atividade amplamente prejudicial ao meio ambiente e as demais espécies, nos mostramos mais preocupados em satisfazer nosso apetite individual além de manter os empregos e lucros gerados por esta prática, do que em pensar nas consequências danosas trazidas pela cadeia produtiva de animais de corte.

2. O PAPEL DA PECUÁRIA NA DEGRADAÇÃO AMBIENTAL

Em primeiro lugar devemos salientar que a atividade pecuária em si não é o cerne do problema ambiental enfrentado no mundo, pois analisando profundamente observamos que o principal erro está na maneira com que consumimos sem nos importarmos com os resíduos e consequências geradas.

O consumo nos moldes que vemos hoje é sabidamente prejudicial ao ambiente em que vivemos, e isso em todas as esferas, desde a forma como nos alimentamos, passando pelo consumo de bens não duráveis, chegando à forma com que construímos nossas edificações, não temos a preocupação com o que é gerado a partir do que usamos.

No tocante ao consumo de carne, com o advento das produções em massa os preços dos produtos de origem animal se tornaram mais atraentes, contando ainda com a explosão capitalista e a consequente disseminação da cultura norte americana aos demais países, ter carne na mesa todos os dias passou a ser sinônimo de sucesso e status social. Segundo Ribeiro e Corção (2013).

“Entendemos que tanto o gosto pela carne, quanto seu consumo sejam uma construção histórico-cultural. Para além das questões fisiológicas, ressaltamos seu consumo enquanto exibição de poder econômico e, portanto, projeção social.”

 Somando tais fatores aos mitos propagados pela mídia que fizeram com que a proteína animal fosse considerada um alimento altamente saudável, chegamos ao montante de 86.400 bovinos, 86.400 suínos, e 15.552.000 aves por dia (IBGE, 2015). Porém a verdade é que ter carne na mesa todos os dias também se tornou sinônimo de doenças e de degradação ambiental.

A criação e produção de animais de corte podem ser consideradas uma das maiores práticas poluidoras e exploradoras do meio ambiente nos dias de hoje, portanto quanto mais consumimos produtos de origem animal, mais poluímos e degradamos nossos recursos naturais. De acordo com Gary Francione (p. 65, 2015) são necessários 100 mil litros de água doce para que se produza um quilo de carne bovina, o que confere a pecuária o gasto de 90% da água potável do mundo.

Para nós que vivemos no Brasil, pode parecer distante a ideia de um mundo sem água, entretanto para cerca de 748 milhões de pessoas ao redor do globo esta já é uma realidade (UNICEF, 2017), e nós colaboramos com ela ao consumirmos produtos de origem animal, pois além do gasto elevado de água, a atividade poluí os rios e mares através do lançamento de dejetos de porcos, galinhas e bovinos, contaminando todo o ecossistema.

O consumo de carne ou derivados animais também está acabando com as áreas de florestas e matas nativas, devido às derrubadas para implantação de pastos e plantações de grãos que servem de alimento para o gado, neste sentido existe ainda a questão da poluição do ar, segundo Francione (p. 66, 2015), 30% do metano produzido no mundo, advém dos gases emitidos por bovinos destinados à pecuária, estes números são superiores aos gases poluentes emitidos por todos os meios de transporte do mundo, muito embora não seja um consenso entre o meio científico a colaboração ou não do homem para a aceleração do aquecimento global, existem estudos demonstrando que o metano é um dos principais gases causadores do efeito estufa, portanto ao colaborarmos com a cadeia produtiva da pecuária estamos contribuindo para a piora da qualidade do ar que respiramos.

Ademais a indústria da carne que deveria suprir as necessidades do apetite humano, ironicamente, afeta o aumento da fome ao redor do mundo, pois a maior parte dos grãos produzidos no planeta é para o consumo de animais de corte, de acordo com um estudo publicado pela universidade de Cornell (PIMENTEL, 1997), caso houvesse a destinação de metade destes grãos para a população humana poderíamos erradicar a fome em escala global.

Mesmo em posse de todos estes dados, infelizmente o que vem ocorrendo é um aumento mundial gradual do consumo de proteínas animais, países que no passado eram vegetarianos passaram a ingerir carne por influencia ocidental, como é o caso da Índia.

Um ponto crucial para que isso aconteça é o lobby operado por empresas que exercem atividade pecuária no sentido de expor na mídia apenas o que interessa, sem salientar os impactos ambientais causados, outro aspectos são as questões econômicas e sociais, pois o dinheiro trazido pela pecuária é a principal fonte de renda de diversos grupos sociais, como também produto essencial no que diz respeito ao comércio internacional. Porém se degradarmos o ambiente a ponto dos danos serem irreversíveis questões econômicas passarão a não ter mais tanta importância.

Existem muito mais pessoas passando fome e sede ao redor do globo, para as quais a diminuição da atividade pecuária seria excelente, do que funcionários da indústria da carne correndo risco de perderem seus empregos.

Chegamos ao momento em que devemos fazer uso da humildade conforme descrita por Potter (1998) e analisarmos a possibilidade de estarmos vivendo de forma equivocada, invertendo valores e privilegiando direitos de uma minoria em detrimento de toda a coletividade e dos demais seres da Terra.

Os paradigmas sobre o consumo de produtos de origem animal devem ser quebrados, pois a atividade pecuária, além de trazer degradação, não está de acordo com a visão biocêntrica necessária para nossa evolução como espécie, bem como para o equilíbrio do ecossistema. Neste sentido a análise das implicações éticas trazidas pelo consumo de carne além dos impactos causados sobre os outros seres é fundamental.

3. O IMPACTO DO CONSUMO DE CARNE SOBRE AS OUTRAS ESPÉCIES- QUESTÕES ÉTICAS

O avanço da pecuária está acabando com as áreas de mata existentes no planeta, isso reflete diretamente na diminuição do número de praticamente todos os animais silvestres e selvagens. Ao continuarmos consumindo produtos de origem animal estamos escolhendo acabar com as demais espécies de animais que em tese não possuem utilidade prática para a raça humana.

O que define atualmente a nossa perspectiva sobre animais, que devem ser preservados ou não, são meramente as nossas questões culturais. Os argumentos utilizados para que seja permitido matar este ou aquele animal não tem lógica ou noção de causa e efeito. Comemos porcos sem nos importarmos com o fato de que são mais inteligentes e emotivos que cachorros, nos derretemos por imagens de bebês foca, mas acreditamos ser justo matá-los a pauladas para vestir sua pele. Este tipo de pensamento não faz sentido, não cabe dentro da visão biocêntrica baseada no respeito ao todo que se pretende adotar no mundo moderno, condizente com a evolução moral da sociedade e que sabemos ser necessária para nossa própria preservação.

Ressalte-se que na maioria das vezes o homem sequer se dispôs a estudar o comportamento, a importância e a organização social de outras espécies antes de simplesmente dizima-las. As plantas e os animais são, por natureza, auto sustentáveis e possuem funções para o equilíbrio do ecossistema, as árvores mortas servem de adubo para as outras, assim como as abelhas realizam a polinização de flores, os pássaros contribuem para o aumento das árvores espalhando suas sementes entre inúmeros outros exemplos,  já os homens que se auto intitulam donos do planeta são os únicos seres que vivem de forma a explorar e depois simplesmente descartar o que não serve mais deixando uma pegada ambiental completamente maléfica. Ironicamente acreditamos que o que nos difere dos demais seres da criação é a capacidade de pensar a longo prazo e ter consciência sobre as consequências de nossas ações.

Conforme Peter Singer (2010) a raça humana age de acordo com uma mentalidade especista, privilegiando nossos interesses de maneira a escravizar, explorar e tolher direitos das demais espécies. Não podemos considerar ético catalogar os outros seres apenas de acordo com a finalidade que elas aparentemente possuem para nós.

Da mesma forma não é ética a ideia de sobre termos o direito de dominar completamente os demais seres, por sermos supostamente mais fortes e mais inteligentes. Pensamentos como este originaram a escravidão, os ideais nazistas e foram responsáveis pela inclusão dos aborígenes australianos como parte da fauna, sem direitos civis até 1967 (HITCHCOCK, 1994). Ao contrário, a evolução da ética humana deve fazer com que as diferenças sejam cada vez mais relativizadas, abarcando o maior número de seres no conceito de igualdade, neste sentido diz Bentham (1979, p. 63).

 “(…) [H]ouve um tempo – lamento dizer que em muitos lugares ele ainda não passou – no qual a maior parte da nossa espécie, sob a denominação de escravos, foram tratados pela lei exatamente no mesmo pé que, por exemplo na Inglaterra, as raças animais inferiores ainda são tratadas hoje. Pode vir o dia em que o resto da criação animal adquira aqueles direitos que nunca lhes deveriam ter tirados, se não fosse por tirania. (…) Pode chegar o dia em que se reconhecerá que o número de pernas, a pele peluda, ou a extremidade do os sacrum constituem razões igualmente insuficientes para abandonar um ser sensível à mesma sorte. Que outro fator poderia demarcar a linha divisória que distingue os homens dos outros animais? Seria a faculdade de raciocinar, ou talvez a de falar? Todavia, um cavalo ou um cão adulto é incomparavelmente mais racional e mais social e educado que um bebê de um dia, ou de uma semana, ou mesmo de um mês. Entretanto, suponhamos que o caso fosse outro: mesmo nesta hipótese, que se demonstraria com isso? O problema não consiste em saber se os animais podem raciocinar; tampouco interessa se falam ou não; o verdadeiro problema é este: podem eles sofrer?

Não podemos esquecer ainda a questão do sofrimento pertinente aos animais de abate. Não é preciso ser cientista para refutar a versão cartesiana de que os animais seriam seres autômatos, desprovidos de sentimentos e incapazes de raciocinar (FRANCIONE, 2015), qualquer um que tenha observado um animal, ainda que por um curto período de tempo, sabe que eles são capazes de demonstrar uma imensa gama de sentimentos bastante semelhantes aos nossos inclusive, portanto é necessária a reflexão no sentido de observar porque consideramos justo escravizá-los apenas para nosso próprio consumo, tendo em vista que existem alternativas viáveis para a maioria dos produtos de origem animal, em especial as carnes.

O compromisso de entrega de um mundo ecologicamente equilibrado as futuras gerações também deve incluir o repasse de valores morais e éticos baseado em uma visão biocêntrica, com a existência de respeito por todas as espécies.

Fritz Jahr (1927) já havia proposto um imperativo bioético: “Respeita, em princípio, cada ser vivo como uma finalidade em si e trata-o como tal, na medida do possível”. Na medida em que evoluirmos e passarmos a entender a importância de todos os seres para o equilíbrio ambiental e também que todos possuem funções dentro de seus grupos, devemos consequentemente repensar o consumo de produtos de origem animal, tanto por questões ecológicas e de preservação, quanto por compaixão.

4. RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL SOBRE O MEIO AMBIENTE

O imperativo Bioético de Hans Jonas (2006) "Age de tal maneira que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida humana autêntica, ou ainda, não ponhas em perigo a continuidade indefinida da humanidade." é essencial para a compreensão de nosso papel no tocante a proteção ambiental. Devemos observar que por menor que seja a ação individual, se todas as pessoas do mundo resolverem praticá-la também, os estragos podem ser grandes, portanto cada um deve fiscalizar as próprias atitudes e realizar as mudanças necessárias para o cumprimento do compromisso de entrega de um planeta equilibrado para as próximas gerações.

Se não refrearmos nosso consumo pode ser que no futuro as mudanças de estilo de vida propostas neste artigo sejam obrigatórias, sujeitando os descumpridores as sanções. Antes do advento do Código Civil de 1916 (BRASIL, 1916) por exemplo, quem poluísse um rio não sofria nenhuma punição no Brasil, afinal ninguém imaginava que as ações individuais trariam tamanha degradação, atualmente temos 23,3% (SOS MATA ATLÂNTICA, 2015) de nossas águas poluídas e somente neste momento estamos caminhando para termos a consciência de não degradar, e é o mesmo com as medidas aqui propostas, chegará um tempo em que para os ricos comerem carne, não existirão mais florestas, o consumo de água será racionado, muitas espécies terão sido extintas, e etc. Seria muita falta de racionalidade se resolvêssemos esperar chegar a este ponto para depois agirmos, entretanto é isso mesmo que vem acontecendo.

A questão principal no que diz respeito ao uso de itens de origem animal é que abandonar o consumo não traz nenhuma dificuldade, pois existem alternativas viáveis de origem vegetal, ao contrário de outras atividades poluidoras das quais ainda não podemos abrir mão completamente, como meios de transporte, produtos industrializados, e alguns produtos químicos, diminuir ou não o consumir carne, é uma prática bastante fácil e que colabora mais do que todas as outras atitudes tidas como sustentáveis na atualidade.

No caso da água, especificamente o benefício da troca de proteína animal por vegetais, traria níveis gigantescos de economia. De acordo com o relatório da ONU “water a shared responsibility 2006” (2006), para produzirmos um quilo de batatas consumimos cerca de 160 litros de água, já para a produção da mesma quantidade de carne bovina são gastos 15.977 litros, no caso da carne suína são gastos 5.906 litros.

Temos interesse em saber se estamos comprando carros certificados como menos poluentes, tentamos economizar água tomando banhos rápidos, evitamos jogar óleo de cozinha na rede de esgoto, reciclamos lixo, entretanto tais ações são praticamente inócuas perto do benefício que haveria para o meio ambiente se simplesmente parássemos de comer carne.

A atividade pecuária é uma via de mão dupla, pois afeta praticamente todas as camadas do meio ambiente de forma global, entretanto a solução para o problema está centrada no nível individual. Deixar individualmente de colaborar com o consumo de itens de origem animal seria a prova de que a atitude de cada um pode transformar o mundo sem depender de grandes revoluções ou de ações do governo. É a autonomia da vontade da sociedade sendo colocada em prática de maneira direta.

Porém para que isso aconteça devemos nos conscientizar de que somos parte do problema e passar a priorizar o bem da coletividade, em detrimento de nosso próprio apetite, tomando medidas efetivas no tocante a preservação ambiental, ainda que isso implique em sacrifícios individuais e modificações de ordem econômica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sabemos que a continuidade do consumo e do modo de vida capitalista nos moldes em que conhecemos não possui mais capacidade de se sustentar por muito tempo, principalmente por razões ambientais. O planeta está sobrecarregado e todas as pessoas que participam da cadeia de consumo são responsáveis por isso. Diante da situação de degradação ambiental que temos atualmente, é premente que cada um de nós tome as atitudes necessárias para a preservação do direito ao meio ambiente equilibrado e consequentemente do mundo que habitamos.

Nesta diapasão, é essencial trazer a reflexão sobre a questão da pecuária, pois conforme apontado por um grande número de estudos esta atividade é uma das principais colaboradoras dos problemas ambientais que enfrentamos hoje e que tendem a piorar no futuro, caso não haja diminuição na produção de animais de corte.

A atividade pecuária está intimamente ligada à poluição e consumo excessivo de água potável, a poluição dos mares, o efeito estufa, a derrubada das matas e o consequente desaparecimento de outras espécies.  Além disto, no tocante a questão social a criação de animais de corte reflete as contradições do capitalismo e seus abismos, pois alimentos que poderiam sanar a fome de milhões de pessoas são utilizados para alimentar gado, colaborando com a desigualdade que acaba por tolher de forma reflexa a fruição da maioria dos outros direitos humanos, tidos como fundamentais.

Acreditamos que o que torna a humanidade especial perante as demais espécies é a capacidade de pensar no futuro e nas consequências de suas ações, porém no que diz respeito à questão ambiental ainda não tomamos consciência que chegamos ao limite e se não começarmos a de fato utilizar nossa capacidade de pensar nos efeitos do que temos causado não devemos sobreviver nem até o próximo século. Por isso é de suma importância que cada indivíduo reveja suas práticas, seja responsável e modifique o que for notoriamente danoso ao meio ambiente, já que dependemos dele para sobreviver.

O debate sobre o consumo de produtos animais é bastante amplo e envolve muitas outras questões além do direito ao meio ambiente equilibrado, porém a experiência adquirida pela humanidade ao priorizar interesses individuais, ou econômicos em prejuízo ao direito ao ecossistema balanceado se mostra danosa em boa parte dos casos.

Devemos criar um relacionamento de troca com a Terra ao invés de continuarmos sendo parasitas em nosso próprio planeta. Para isso a mudança de hábitos é fundamental.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

Charize de Oliveira Hortmann

Advogada pós graduada em Filosofia e Direitos Humanos pela PUC-PR


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Equipe Âmbito Jurídico

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