O impeachment e a crise de legitimidade das instituições

Resumo:  Passados 26 anos da Constituição de 1988 a democracia brasileira vive um impasse. Como efetivar os direitos fundamentais? O golpe de 1964 e o tortuoso processo de redemocratização revelam algo mais que um tempo de lutas pela liberdade. A Justiça Social parece cada dia mais distante do povo. Ao mesmo tempo a classe dominante não vislumbra desenvolver o país a partir das premissas de oportunidade e capacidades humanas que permitam a superação da pobreza, a educação de qualidade, e o combate à miséria e ao debate profícuo. Prefere-se apostar em ações de pobreza de espírito, sem que se ofereça alternativas de unam norte e sul, leste e oeste em torno do projeto nacional que contemple a diversidade. Portanto a política como campo de legitimidade e ética está contaminada por grupos econômicos e clãs financiadores e beneficiários de campanhas milionárias que ajudaram a eleger representantes hoje ilegítimos. Assim a fonte da corrupção está na raiz da simbiose público-privado que mantém os “donos do poder” com o status quo do passado e do presente. Ao mesmo tempo em que se aposta no impeachment como instrumento de manter as desigualdades. Portanto como campo jurídico-político trata-se de mecanismo imediatista, os que apostam na medida extrema sem que se comprove a materialidade de atos praticados lesivos ao patrimônio público no exercício do mandato e se observe a lei 1079/50, §4º, § 9º e seguintes, bem como a Constituição Federal de 1988. Nesse diapasão analisaremos neste artigo a relação entre o impedimento e a crise de legitimidade das instituições relacionado aos interesses de grupos em detrimento das regras democráticas. 

Palavras-chave: Impeachment; Cordialidade; Autoritarismo; Democracia.

Abstract: After 26 years of the 1988 Constitution Brazilian democracy is at a standstill. How to enforce fundamental rights? The 1964 coup and the tortuous democratization process show more than a time of struggle for freedom. The Social Justice seems increasingly distant day the people. At the same time the ruling class does not see develop the country from the opportunity of premises and human capacities to overcome poverty, quality education, and the fight against poverty and the rich debate. It is preferred to bet on poverty of spirit actions, without the provision of alternative unite north and south, east and west around the national project that considers diversity. Therefore politics as legitimacy and ethics field is contaminated by economic groups and clans funders and beneficiaries of millionaire campaigns that helped elect representatives today illegitimate. Thus the source of corruption is at the root of the public-private symbiosis that holds the "power brokers" with the status quo of the past and present. While that bet on impeachment as a tool to maintain inequalities. So as legal and political field it is immediate mechanism, betting on extreme measure without which proves the materiality of acts injurious to public assets while in office and stated the law 1079/50, paragraph 4, § 9 and following, as well as the Federal Constitution of 1988. In this vein we analyze in this article the relationship between the prevention and the crisis of legitimacy of the institutions related to interest groups at the expense of democratic rules.

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Keywords: Impeachment; Friendliness; Authoritarianism; Democracy.

Sumário: 1. Introdução. 2. O impeachment como instrumento político-jurídico. 3. O conflito de classes: autoritarismo x democracia. Conclusão.

1. INTRODUÇÃO 

A crise ronda os poderes pelo País adentro, desde a famigerada lista de políticos investigados por supostos atos de corrupção, empresários ligados à empreiteiras. Ao mesmo tempo se apontam culpados, se discute a extensão da responsabilidade por atos de improbidade administrativa ao longo de décadas de governos de direita, centro e esquerda. Indaga-se até onde se vai a culpa daqueles que prometem “maravilhas” em períodos eleitorais e acabada a eleição demagogicamente buscam culpar até mesmo os santos pela crise. Não reconhecem a mentira política como um mal que aflige nossa democracia. Ao mesmo tempo descontentes ávidos por mudança para manter seu poder econômico querem trocar “seis por meia-dúzia” num fulminante impeachment e como se fosse possível passando pela soberania popular num passe de mágica se colocaria no trono o seu candidato preferido mas que nem sempre próximo do desejo da maioria. Ou seja, primeiro se retira quem não se deseja depois se volta ao velho “Pão e Circo” dos domingões e do futebol.

2. O IMPEACHMENT COMO INSTRUMENTO POLÍTICO-JURÍDICO

À luz da questão em análise vejamos inicialmente o entendimento do significado do termo impeachment: 

“[…] processo político-criminal instaurado por denúncia no Congresso para apurar a responsabilidade, por grave delito ou má conduta no exercício de suas funções, do presidente da República, ministros do Supremo Tribunal ou de qualquer outro funcionário de alta categoria. 

[…] este mesmo processo, no nível estadual, em que é apresentada denúncia à Assembleia Legislativa com o fim de destituir o governador do seu cargo; 

[…] processo semelhante, no nível municipal, em que se apresenta denúncia à Câmara de vereadores com a finalidade de destituir o prefeito.

[…] na verdade, segundo seus matizes semânticos, corresponde a: desacreditamento, descredenciamento, despojamento, apeamento etc, e na acp. Jur impedimento, destituição […]”.  (HOUAISS, 2001, p. 1578)

A lei 1079/50 dispõe sobre os crime de responsabilidade:

“Art. 4º São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal, e, especialmente, contra:

[…] V – A probidade na administração;

Art. 9º São crimes de responsabilidade contra a probidade na administração:

[…] não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição;

[…] proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decôro do cargo”. (BRASIL, Lei 1079/50).

A administração pública é regida pelos princípios do art. 37, caput da carta Magna entre os quais a impessoalidade, publicidade, legalidade, moralidade e eficiência. No entanto a crise de legitimidade institucional se revela próxima da “cordialidade constitucional” que aposta mais na prática da lei para o povo e as benesses aos amigos do Rei. Especialmente pela cultura patrimonialista, personalista, e clientelista que regem as relações público-privadas nos negócios. (HOLANDA, 1995). Assim, moralidade e eficiência se tornaram palavras utópicas na história republicana e na vida política brasileira. 

Mas vejamos mais a fundo acerca do instituto do impeachment e seus desdobramentos a partir dos artigos seguintes: 51, inciso I; 85, I a VII e parágrafo único; 86, § 4º e 102, I, b. Todos da Constituição Federal de 1988:

“Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados:

I. autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado.

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

I. a existência da União;

II. o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;

III. o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

IV. a segurança interna do país;

V. a probidade na administração;

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VI. a lei orçamentária;

VII. o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

§ único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.

Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por 2/3 da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o STF, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade;

§ 4º – O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções

Art. 102. Compete ao STF, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I – processar e julgar, originariamente:

b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o vice-presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios ministros e o procurador-geral da República”. (BRASIL, CRFB/1988)

Assim uma vez admitida os crimes praticados à luz da lei 8.429/92 por agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício do mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional conforme previsão dos art. 1º, 2º, 3º, 9º, 10 e 11 da lei especial supracitada estaria por exemplo o Presidente sujeito a abertura, processo e julgamento de Impeachment pela violação as normas e regras norteadoras do exercício da função. O que não configura materialidade para o impeachment a responsabilidade por atos praticados anteriormente ao exercício do mandato.

No entanto diante da crise de legitimidade que assola ás instituições e começa no financiamento privado de campanha, como discernir hoje quem é beneficiário de campanhas milionárias e quem é santo para depois de eleito não agradar seus padrinhos e apadrinhados? Só a Justiça pode ajudar a desvendar esse mistério. Mas certamente não são poucos os beneficiários, é aguardar o listão do Ministério Público Federal e as investigações para que quem for “santo” que atire a primeira pedra. 

3. O CONFLITO DE CLASSES: AUTORITARISMO X DEMOCRACIA

Enquanto se discute os culpados e possíveis crimes de corrupção na Petrobrás. Observa-se uma tendência de setores organizados em fazer um julgamento sumário pelo descontentamento com o resultado das eleições e rapidamente fazer a justiça com as próprias mãos típico do passado autoritário que permanece presente na sociedade brasileira fruto da ditadura civil-militar de 1964-1985. Ao invés de deixar que o Judiciário faça sua parte sem pressão e dentro da legalidade.

Aposta-se no Impeachment como saída rápida para se possível alimentar o ódio de classes, especialmente culpando os pobres pelas escolhas democráticas nas urnas, como se o povo democraticamente não fosse capaz de avançar nas mudanças que o País precisa. No entanto esses setores descontentes não estão preocupados em dar oportunidades e capacidades aos desprovidos  dos direitos fundamentais básicos. E alimenta-se o velho ódio entre riqueza e pobreza, numa utopia entre “civilidade e barbárie” nos trópicos.

CONCLUSÃO

Certamente se a mesma classe dominante com seus fartos recursos apostassem em educação de qualidade nosso país teria outra realidade social e política. Mas os “donos do poder” colhem hoje justamente os frutos da sua opção por manter e perpetuar a velha política do “Pão e Circo”. Especialmente nos domingões e meios de semana e tudo acaba em “cerveja e futebol”. Portanto vislumbram a solução “coelho na cartola” como caminho para manter seus privilégios. Ao mesmo tempo em que se fala no impeachment não se discute um plebiscito sobre a reforma política que ponha fim inclusive ao financiamento privado de campanha fonte da corrupção. Curiosamente a indignação com a corrupção de setores da sociedade não parece ser a mesma quanto aos envolvidos com mandato no legislativo, centra-se muito mais na figura do executivo. Portanto a questão da crise de legitimidade da representação e das instituições é que está em debate. Ao mesmo tempo em que o STF poderia sinalizar com mudanças por meio do julgamento da ADI 4650 que discute a disciplina do financiamento privado de campanha está suspenso devido a pedido de vistas do Ministro Gilmar Mendes há cerca de um ano. 

Em síntese as instituições não representam o povo. 

 

Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em 01 de mar. 2015.
_______. Lei nº 1079, de 10 de abril de 1950. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l1079.htm>. Acesso em 01 de mar. 2015.
_______. Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8242.htm>. Acesso em 01 de mar. 2015. 
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Ed. Objetiva, 2001.

Informações Sobre o Autor

Afonso Soares de Oliveira Sobrinho

Doutor em Direito – FADISP. Mestre em Políticas Sociais – UNICSUL. Advogado


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