O imposto territorial rural e a função social da propriedade rural

Resumo: O estudo inicia-se pela conceituação e classificação do Imposto Territorial Rural, bem como da função social da propriedade, passando por breve histórico. Em seguida, partindo da interpretação da Constituição de 1988, o tema proposto é explorado em uma visão sistemática abrangente, não olvidando a legislação que promove a regulamentação da função social da propriedade. Destarte, a preocupação maior será uma exegese que não se limite só à legislação tributária, mas a ela se chegue após estudar todo o sistema normativo em que se insere o princípio da função social e as regras que lhe dão corpo. Por fim, o trabalho concentrar-se-á na função social da propriedade imóvel e a interação desse princípio com o Imposto Territorial Rural.

Palavras-chave: Propriedade. Função. Social. ITR

Abstract: The study begins by the definition and classification of the Rural Territorial Tax, as well as the social function of property, through brief history. Then, on the interpretation of the Constitution of 1988, the theme will be explored in systematic comprehensive vision, not olvidando legislation that promotes regulation of the social function of property. Thus, the major concern is an exegesis that is not limited only to tax law, but it is reached after studying the whole regulatory system in which the principle of social function and the rules that you embody. Finally, the work will focus on the social function of property ownership and the interaction of that principle with the Rural Territorial Tax.

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Keywords: Ownership. Function. Social. ITR

Sumário:  Introdução; 1 A primeira grande reformulação do imposto territorial rural; 2 A mudança realizada no imposto territorial rural no ano de 1996; 3 O imóvel rural para efeito do imposto territorial rural; 4. Delegação da capacidade tributária e o imposto territorial rural;4.1 Uma breve abordagem a cerca do conflito entre o imposto territorial rural e o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana; 5  Breve histórico da função social da propriedade; 6 A função social da propriedade e o imposto territorial rural; 6.1 A progressividade do imposto territorial rural e a função social da propriedade rural; Considerações finais; Referências bibliográficas

Introdução

O imposto sobre a propriedade da terra foi instituído no Brasil pela Constituição Republicana de 1891, vigorando em âmbito estadual. A responsabilidade dos estados pela cobrança e administração do imposto foram mantidas nas Constituições de 1934, 1937 e 1946. Em 1961, com a promulgação da Emenda Constitucional nº.5, o ITR foi transferido aos municípios e, em 1964, com a Emenda Constitucional no. 10, ocorreu a transferência para a competência da União. A promulgação do Estatuto da Terra em 1964 impôs funções extra-fiscais ao imposto que passa, em princípio, a auxiliar as políticas públicas de desconcentração da terra.

A seguir, serão descritas brevemente as mudanças ocorridas nas três fases que sucederam à implantação do Estatuto da Terra. Esta retrospectiva histórica permite que sejam analisadas as razões que levaram às principais modificações.

Após a promulgação do Estatuto da Terra (Lei no. 4504, 30 de novembro de 1964), a cobrança do ITR tornou-se responsabilidade do INCRA. a alíquota básica era de 0,2%, corrigida por coeficientes relacionados à dimensão, localização, condições sociais e produtividade, o que determinava uma carga tributária dada pelo valor da terra nua. Dadas as faixas de variação de cada coeficiente, a alíquota variava de 0,24% a 3,456%. Entretanto, verificou-se que os objetivos que pautaram o desenho do imposto estavam longe de ser alcançados.  Concluía-se, assim,  que o ITR nunca chegou a constituir uma boa fonte de receita e tampouco conseguiu promover as mudanças desejadas no meio rural. Dado o pequeno impacto do ITR (e tributos paralelos) sobre o lucro e taxa de retorno dos imóveis rurais e, dado o não cumprimento das obrigações fiscais por grande parte dos contribuintes, pode-se inferir que o referido imposto não contribui e dificilmente contribuirá para alterar as relações econômico-sociais na agricultura brasileira.

 Do ponto de vista de categorias de imóveis, o ITR apresenta incoerências, ao tributar mais pesadamente o minifúndio do que o latifúndio que, em inúmeros casos,  trata a empresa rural com mais rigor do que os latifúndios. A razão de tais inversões decorre da sistemática de cálculo do imposto que não discrimina o contribuinte segundo categoria de imóveis (minifúndio, empresa rural e latifúndio).

A categorização de imóveis rurais adotada pelo INCRA para definir minifúndios, empresa rural e latifúndios não tinha contrapartida na realidade.

A pretendida variação de alíquotas legais não era observada. Isto se deve ao fato de os coeficientes de dimensão, localização, condições sociais e produtividade não se adequarem à realidade da estrutura rural brasileira.

O sistema de atualização do valor da terra nua, nos anos entre recadastramento, segundo índice de correção monetária, não reflete o comportamento da base tributária no tempo”.  Enfim, o quadro que se estabelecia nos anos 70, resumidamente apresentado acima, evidencia uma série de problemas com a implementação do ITR. Nessa época, em virtude da importância dos problemas operacionais, responsáveis por grandes distorções, questões de natureza mais estrutural não ocupavam o espaço devido nas discussões. Acreditava-se, e estas crenças ainda persistem, que os problemas envolvidos com o ITR são apenas de ordem operacional.

O Imposto Territorial Rural (ITR), tem por objetivo auxiliar as políticas públicas de desconcentração da terra. Entretanto, observou-se um grau elevado de evasão que atingiu sua eficácia como instrumento de política fundiária.

Diante de uma situação onde há terra ociosa, como ocorre no Brasil, o modelo teórico desenvolvido mostra que o uso do ITR como único instrumento tributário não é capaz de implementar o esquema ótimo. Henry George foi o primeiro autor que atribuiu o desemprego e os baixos salários a uma escassez artificial de terras e ao mau funcionamento do mercado. Essa escassez, segundo o autor “seria o resultado de uma distribuição desigual das terras públicas e de atividades especulativas”.

 Deste modo, George propõe a utilização do imposto sobre a propriedade da terra para dinamizar o mercado de terras, sendo capaz de induzir ao pleno uso do solo, sem distorcer os incentivos marginais.

A propriedade da terra, teria, segundo o autor, duas finalidades básicas. De um lado pode ser utilizada para a produção agrícola mas, por outro, é usada para fins  especulativos, considerando seu valor como colateral, em uma economia com mercado de crédito imperfeito, ou como ativo financeiro, que se valoriza principalmente em momentos de inflação alta.

 Assim, usar apenas o ITR é adequado quando a informação do governo é completa ou quando não há, em equilíbrio, terra ociosa; caso contrário, pode-se implementar o modelo de tributação como uma combinação entre o ITR e outro tributo.

1 A primeira grande reformulação do Imposto Territorial Rural.

As modificações mais importantes ocorreram no artigo 49 do Estatuto da Terra, segundo o qual, “as normas gerais para a fixação do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural passam a obedecer a critérios de progressividade e regressividade, levando-se em conta os seguintes fatores: o valor da terra nua; a área do imóvel rural; o grau de utilização da terra na exploração agrícola, pecuária e florestal; o grau de eficiência obtido nas diferentes explorações; a área total, no País, do conjunto de imóveis rurais de um mesmo proprietário; a classificação das terras e suas firmas de uso e rentabilidade”.

Houve mudança na alíquota, que tornou-se uma função do grau de utilização da terra (GUT) e do grau de eficiência da exploração (GEE).

Em 1990, o nível arrecadado corresponde à insignificante quantia de US$ 20,30 por imóvel rural. A carga tributária correspondeu a 25% de um salário mínimo/ano em janeiro de 1992.

A área declarada aproveitável era muito menor que a real, com os maiores proprietários declarando algo em torno de 50% e os menores 94%. E a declaração da produtividade era ainda mais irreal, com casos, aceitos pelo INCRA, em que a produtividade era mais de dez vezes superior ao valor esperado calculado pelo IBGE. O impacto diferenciado do esquema de cobrança do ITR sobre pequenos e grandes proprietários pode ser entendido no contexto do modelo do capítulo.

Alguns esquemas que usam apenas o ITR têm o efeito desejado em pequenos produtores. Para os grandes proprietários que operam com terra ociosa, torna-se necessária a utilização de um outro instrumento, como por exemplo o ICMS.

O grande problema encontrava-se em questões operacionais, principalmente na complexidade do cálculo do imposto e no descontrole administrativo. Os altos níveis de evasão eram atribuídos à ineficiência do órgão arrecadador. E, como conseqüência destas constatações, a administração do ITR passa para a Secretaria da Receita Federal em 1990.

2 A mudança realizada no Imposto Territorial Rural no ano de 1996.

Diante dos problemas detectados, foi feita uma reformulação em dezembro de 1996 que, dentre outras modificações, determinou: o aumento da alíquota dos imóveis grandes e improdutivos – o limite máximo de 4,5% para a propriedade acima de 15 mil hectares passou para 20% sobre propriedades acima de 5 mil hectares; a simplificação das faixas de cobrança de 12 para 6; o fim da diferenciação regional das alíquotas; o valor declarado pelo proprietário, para efeito do pagamento do ITR, seria considerado em caso de desapropriação.As alíquotas diferenciam-se apenas pelo grau de utilização e pela área total do imóvel.

Pode-se verificar que há uma acentua da progressividade no tamanho da propriedade e regressividade no grau de utilização, modificada de forma que os imóveis produtivos foram privilegiados.

Ocorre que mesmo após a melhoria de uma série de problemas operacionais, o ITR ainda continuou pouco efetivo. Essa situação caracterizou a incapacidade do governo em aplicar corretamente um esquema de taxação e com isso mitigar os altos graus de evasão e sub-tributação.

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 A necessidade de uma avaliação do imposto sobre terra decorre de sua importância como instrumento de política agrária, principalmente no Brasil.

 A agricultura de países como o Brasil é caracterizada por uma série de imperfeições que fazem com que o preço da terra seja mais alto que o valor descontado dos fluxos de receita provenientes da atividade agrícola e que o tamanho dos estabelecimentos seja aumentado.

Com isso, observa-se equilíbrios em que grandes propriedades improdutivas convivem com famílias rurais de baixa renda para as quais o preço artificialmente elevado da terra inviabiliza a utilização de todo o seu potencial produtivo.

O ITR constitui um instrumento importante para combater a proliferação de mais terras improdutivas esse objetivo, podendo representar uma melhoria significativa na distribuição de terras, além de financiar outras políticas de combate à pobreza rural.

3 Imóvel rural para efeito do Imposto Territorial Rural.

É considerado imóvel rural a área contínua  formada de uma ou mais parcelas de terras do mesmo titular, localizada na zona rural do município, ainda que, em relação a alguma parte da área, o declarante detenha apenas a posse.

O conceito de zona urbana, por sua vez, está contido no artigo 32, §§ 1º e 2º do CTN, a partir do qual, a contrario sensu, pode-se extrair o conceito de zona rural:

"§1º Para os efeitos deste imposto (IPTU), entende-se como zona urbana a definida em lei municipal, observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos dois dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público:

I – meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;

II – abastecimento de água;

III – sistema de esgotos sanitários;

IV – rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar;

V – escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado".

4 Imóveis rurais imunes e isentos do imposto territorial rural.

Imunidade é a dispensa constitucional do pagamento do tributo. Isenção, por sua vez, é a dispensa legal do pagamento do tributo.

Os imóveis rurais imunes são:

 A pequena gleba rural, desde que a explore o proprietário, titular do domínio útil ou possuidor a qualquer título que não possua outro imóvel rural ou urbano. É considerada pequena gleba rural o imóvel com área igual ou inferior a: 100 ha, se localizado em município compreendido na Amazônia Ocidental ou no Pantanal mato-grossense e sul-mato-grossense;  50 ha, se localizado em município compreendido no Polígono das Secas ou na Amazônia Ocidental; 30 ha, se localizado em qualquer outro município; O imóvel rural pertencente à União, aos Estados, ao Distrito Federal ou aos Municípios; O imóvel rural pertencente à autarquia ou fundação instituída e mantida pelo Poder Público, desde que vinculado às suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes; e o imóvel rural pertencente à instituição de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, desde que vinculado às suas finalidades essenciais, atendidos os requisitos do art. 14 do CTN, com a redação dada pelo art. 1º da Lei Complementar 104/2001 e do art. 12 da Lei 9.532/97.

Já os imóveis rurais isentos do ITR são:

O imóvel rural compreendido em programa oficial de reforma agrária, caracterizado pelas autoridades competentes como assentamento, que, cumulativamente, atenda aos seguintes requisitos: seja titulado em nome coletivo; seja explorado por associação ou cooperativa de produção;a fração ideal por família assentada não ultrapasse os limites estabelecidos para a pequena gleba rural; e nenhum assentado possua outro imóvel rural ou urbano; O conjunto de imóveis rurais de um mesmo proprietário, titular do domínio útil ou possuidor a qualquer título, cujo somatório das áreas não ultrapasse os limites estabelecidos para a pequena gleba rural em cada região, desde que, cumulativamente, o proprietário, o titular do domínio útil ou o possuidor: o explore só ou com sua família, admitida ajuda eventual de terceiros (ou seja, o trabalho, remunerado ou não, de natureza eventual ou temporária, realizado nas épocas de maiores serviços); e não possua imóvel urbano.

5 DELEGAÇÃO DA CAPACIDADE TRIBUTÁRIA E O IMPOSTO TERRITORIAL RURAL.

Como já esclarecido a instituição do ITR é de competência da União, conforme prevê o art. 153, VI da CF/88. Entretanto, a fiscalização e a cobrança deste tributo poderão ser delegadas aos municípios, conforme redação do art. 153, § 4º, III que dispõe que o ITR: "será fiscalizado e cobrado pelos Municípios que assim optarem, na forma da lei, desde que não implique redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal."

Em decorrência do inciso III supra destacado, foi publicada a Lei 11.250, de 27/12/2005, prevendo a celebração de convênios entre a União e o Distrito Federal ou os Municípios que assim optarem, no intuito de delegar as atribuições de fiscalização, inclusive a de lançamento dos créditos tributários, e de cobrança do ITR, sempre observando a legislação federal de regência do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural. É importante destacar que a respectiva opção não poderá implicar redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal. Vejamos o que esclarece a citada lei:

“LEI Nº 11.250, DE 27 DE DEZEMBRO DE 2005

DOU 28/12/2005

Regulamenta o inciso III do § 4º do art. 153 da Constituição Federal.

O Presidente da República

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º A União, por intermédio da Secretaria da Receita Federal, para fins do disposto no inciso III do § 4º do art. 153 da Constituição Federal, poderá celebrar convênios com o Distrito Federal e os Municípios que assim optarem, visando a delegar as atribuições de fiscalização, inclusive a de lançamento dos créditos tributários, e de cobrança do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural, de que trata o inciso VI do art. 153 da Constituição Federal, sem prejuízo da competência supletiva da Secretaria da Receita Federal.

§ 1º Para fins do disposto no caput deste artigo, deverá ser observada a legislação federal de regência do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural.

§ 2º A opção de que trata o caput deste artigo não poderá implicar redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal.

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Art. 2º A Secretaria da Receita Federal baixará ato estabelecendo os requisitos e as condições necessárias à celebração dos convênios de que trata o art. 1º desta Lei.

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 27 de dezembro de 2005; 184º da Independência e 117º da República.”

A capacidade tributária ativa é delegável por meio de lei à terceira pessoa que poderá arrecadar o tributo em nome e por conta da pessoa política tributante ou poderá arrecadá-lo para implemento de suas atividades. Difere-se da competência tributária, que é indelegável até mesmo por meio de lei.

Segundo o artigo 119 do Código Tributário Nacional, o “sujeito ativo da obrigação jurídica tributária é a pessoa jurídica de direito público titular de competência para exigir o seu cumprimento”. Roque Carrazza afirma que este artigo é inconstitucional, pois não pode trazer tal limitação, assim, terceira pessoa também pode ser sujeito ativo do tributo através de delegação da capacidade tributária ativa.

5.1 Uma breve abordagem a cerca do conflito entre o Imposto Territorial Rural e o Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana.

Sem prévia definição por lei complementar, dirimindo o conflito de competência tributária entre a União e os Municípios (art. 146, I da CF), não seria possível o exercício dessa competência impositiva por qualquer uma das entidades políticas. De fato, pelo art. 153, IV, da CF, cabe à União tributar pelo ITR a propriedade territorial rural, enquanto que cabe ao Município tributar a propriedade predial e territorial urbana pelo IPTU.

Para afastar esse conflito de competência tributária entre a União e os Municípios, o Código Tributário Nacional, no § 1º do art. 32, assim prescreveu: “Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal, observando o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos dois dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público: I – meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; II – abastecimento de água; III – sistema de esgotos sanitários; IV – rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar; V – escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado. 2º. A lei municipal pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, indústria ou ao comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior’.

Como se verifica, o CTN adotou o critério geográfico para definição da zona urbana. Assim, zona urbana é aquela definida em lei municipal, observado o requisito mínimo da existência de 2 (dois) dos melhoramentos públicos referidos no § 1º, do art. 32 do CTN. A definição, por lei ordinária, de imóvel rural ou de imóvel urbano, segundo a destinação dada ao bem afronta o critério geográfico acolhido pelo CTN.

Por isso, o STF proclamou a inconstitucionalidade do art. 6º e seu parágrafo único da Lei Federal de nº 5.868, de 12-12-1972, que, para efeito de tributação pelo imposto territorial rural, consideravam como imóvel rural, independentemente de sua localização, aquele destinado à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal ou agroindustrial. Entendeu a Corte Suprema que a fixação de critério para definição de imóvel rural ou urbano é matéria que se insere no campo de normas gerais sobre tributação, pelo que somente a lei complementar poderia revogar a expressa disposição do CTN (RE 93.850-8-MG, Trib. Pleno, Rel. Min. Moreira Alves; JSTF, Lex 46, p. 91).

Aliás, a adoção do critério da destinação do imóvel impossibilitaria ao Município o cumprimento de sua missão de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade (art. 182 da CF), pois simplesmente desapareceria a fronteira entre as zonas rural e urbana. O território municipal ficaria constituído de imóveis urbanos e de imóveis rurais, de forma intercalada, impedindo ao Município de conferir a função social à propriedade imobiliária, pois esta, em relação ao imóvel rural, cabe apenas à União (art. 186 da CF).

Adotado o conceito geográfico do que seja zona urbana, por exclusão resulta o conceito de zona rural. Contudo, essa definição legal de zona urbana e, por exclusão, da zona rural, conquanto satisfatória do ponto de vista teórico, não afasta dois problemas de ordem prática.

O primeiro problema diz respeito à ausência de um marco divisor, objetivo e claro, quanto às divisas municipais, o que tem ensejado disputas de tributação pelo IPTU.

Na prática, a sala de um prédio poderia estar em um município, enquanto que um dos cômodos do mesmo prédio poderia estar situado em outro município. Com proceder à tributação do IPTU? Critério da preponderância? Critério da proporcionalidade? Qualquer que seja o critério adotado, pressupõe-se o prévio conhecimento da divisa.

O outro problema prático é o que diz respeito à tributação de área urbana cultivada, normalmente, à plantação de hortaliças que abastecem a população.

Isso acontece em função da progressiva urbanização dos municípios que compõem as Regiões Metropolitanas, empurrando os moradores de zonas rurais cada para locais cada vez mais distantes dos centros urbanos. Nem todos os agricultores abandonaram as suas terras ante a expansão urbana.

O ITR permite, ainda, 90% de desconto, sendo 45% pelo grau de utilização da terra (GUT) e 45% pelo grau de eficiência na exploração (GEE) – isso sem contar a imunidade instituída pela Constituição Federal em relação a pequenas glebas rurais exploradas pelo proprietário que não possua outro imóvel, nos termos da lei (art. 153, § 4º, II da CF).

O problema da tributação pelo IPTU, em lugar do ITR, nem sempre é de ordem jurídica, como acontece em alguns Municípios de tradição agrícola mas que, com o passar dos tempos, transformaram seus territórios em zonas urbanas, de conformidade com as normas do CTN.

O problema surge quando a questão extrapola o âmbito jurídico, isto é, o imóvel onde se cultivam as hortaliças, por exemplo, está dentro do perímetro urbano definido pela lei municipal, conformada com o § 1º do art. 32 do CTN.

Cumpre lembrar, em primeiro lugar, que a norma do § 1º do art. 32 do CTN não é auto-aplicável. Não basta a área estar abrangida de fato no perímetro delimitado pelo § 1º do art. 32 do CTN. Para que aquela área se torne juridicamente uma zona urbana é preciso que a lei do Município competente assim a declare. Basta que a lei municipal não declare, ou exclua dessa declaração de zona urbana, determinadas áreas tradicionalmente destinadas às atividades agropastoris, para que não sejam atingidas pelo IPTU, mas apenas pelo ITR, bem menos oneroso que o primeiro.

Em segundo lugar, em havendo declaração de zona urbana, sem respeito às áreas tradicionalmente tidas como ‘rurais’, nada impede, dentro do princípio da razoabilidade, que a lei municipal outorgue isenção, redução da base de cálculo ou de alíquotas, como, aliás, vem fazendo a imensa maioria dos municípios que enfrentam tais tipos de problemas decorrentes do crescente fenômeno da urbanização. É que, nesses casos, razões de política tributária e de política urbana, fundadas no interesse coletivo, levaram a Administração Pública a manter e incentivar o cultivo de hortaliças para o abastecimento da cidade com a um custo menor.

Se, por uma razão ou outra, a manutenção de atividade agropastoril no âmbito da zona urbana (às vezes não existe ou quase não existe zona rural em alguns municípios) representar contrariedade ao interesse público, o caminho jurídico correto seria o da desapropriação da ‘propriedade rural’ encravada no seio da zona urbana, mediante pagamento justo da prévia indenização em dinheiro. O confisco da ‘propriedade urbana’ pertencente a humildes agricultores, traduzido pela imposição de IPTU que extravasa os limites da capacidade contributiva, é inconstitucional (art. 150, IV da CF).

Não é razoável o Município tolerar a atividade agropastoril em um imóvel urbano de seu território, porque lhe convém sob o ponto de vista do abastecimento da cidade e da geração de riquezas, e, ao mesmo tempo, impor a seus proprietários um pesado tributo, próprio de imóvel de natureza estritamente urbana.

O uso da política tributária, para conciliar os interesses do proprietário, que explora atividade agro-pastoril na zona urbana, e do Município, que tolera tal atividade por ser de sua conveniência, encontra apoio na moderna doutrina do direito urbanístico, que incorpora, em seu conceito, a relação cidade-campo.

As propriedades encravadas na zona urbana onde são exercidas as atividades agropastoris, por razões de políticas tributária e urbana, podem ser excluídas da definição de zona urbana pela lei municipal competente.

Essas propriedades, se incluídas na definição de zona urbana como permite o § 1º do art. 32 do CTN, devem merecer incentivos fiscais como isenção, redução base de cálculo ou da alíquota, ou ainda, desconto especial do IPTU.

Em caso de contrariedade à política urbana do município, as áreas de cultivos encravadas na zona urbana devem ser desapropriadas mediante pagamento prévio da justa indenização em dinheiro.

Implícita está a faculdade de os proprietários dessas áreas promoverem o loteamento urbano dessas propriedades, o que é uma hipótese possível mas pouco provável, em razão da vocação agrícola desses proprietários.

6 Breve histórico da função social da propriedade.

Antes de iniciarmos a exposição sobre o que vem a ser a chamada função social da propriedade, deve-se esclarecer que o princípio da função social tem como pressuposto necessário a propriedade. Daí, é de bom alvitre cuidar simultaneamente, do liame existente entre função social e direito de propriedade.

O Código de Napoleão qualificou o direito de propriedade, na esfera privada, como o "direito de gozar e dispor das coisas da maneira mais absoluta, desde que delas não se faça uso proibido pelas leis e regulamentos" (art. 436).

De sua vez, a aplicação do princípio da função social da propriedade descaracteriza o acerto dessa velha concepção civilista, imantando o direito de propriedade com um dever de agir, e não apenas uma obrigação de não fazer (função social ativa). Assim, a propriedade, modernamente, converteu-se em poder-dever voltado à destinação do bem a objetivos que transcendem o simples interesse do proprietário.

Porém, não se confunde a função social com as limitações da propriedade contidas no direito civil, tampouco com as limitações administrativas. Mesmo sendo inválido afirmar que se resumem a prestações de não fazer, as limitações constituem condição de exercício do direito. Já a função social está ligada aos deveres inerentes ao exercício da propriedade, convertendo-se em "elemento da estrutura e do regime jurídico da propriedade".

As limitações administrativas têm fundamento não na função social da propriedade mas no poder de polícia, e são externas ao direito de propriedade, interferindo tão-somente no exercício do direito, enquanto a função social interfere no conceito e na estrutura do direito de propriedade. Mesmo a desapropriação, instituto bastante associado à função social, com ela não se pode baralhar, ainda que o descumprimento desta possa implicar a decretação de desapropriação.

Compulsado-se as obras de direito agrário é que melhor se remonta o retrospecto da função social da propriedade. Percebe-se que a evolução do instituto andou de mãos dadas com o desenvolvimento do direito de propriedade.

Com base na obra do ilustre professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás Benedito Ferreira Marques, “As origens do princípio da função social” podemos verificar que foi Aristóteles, o primeiro a entender que aos bens se deveria dar uma destinação social. Depois, a idéia só foi impulsionada por Tomás De Aquino. O conceito tomista de propriedade possuía três planos distintos na ordem de valores.

No primeiro deles, o homem teria um direito natural ao apossamento de bens materiais, dada sua natureza de animal racional, como forma de manter sua própria sobrevivência.

No segundo, considerou-se que o homem não poderia refletir apenas acerca de sua sobrevivência imediata, como ocorre com os animais irracionais, porque deveria pensar também no amanhã, pois, para que fosse verdadeiramente livre, precisaria estar ao abrigo das surpresas econômicas.

Num terceiro plano, permitir-se-ia o condicionamento da propriedade em razão do momento histórico de cada povo, desde que não se chegasse a negá-lo. Embora a propriedade consistiria num direito natural, o proprietário não poderia abstrair-se do dever do zelar pelo "bem comum".

Em seguida, operaram-se várias fases da evolução do conceito de direito de propriedade, até que o Código de Napoleão o fixasse com características quase absolutas, conforme dispunha o já transcrito art. 436. E foi com base nessa clássica definição francesa que os códigos civis que se sucederam buscaram inspiração, inclusive o brasileiro. Porém, foi com Duguit, escorado no pensamento positivista de Comte, que o direito de propriedade se despiu do caráter subjetivista que o impregnava, para ceder espaço à idéia de que a propriedade era, em si, uma função social."

Deve-se registrar, ainda, a influência das teorias marxistas a apregoar a coletivização da propriedade individual.

No Brasil, desde a concessão das chamadas sesmarias, já havia preocupação com o cumprimento da função social, pois os sesmeiros deveriam cultivar a terra e daí tirar-lhe aproveitamento econômico. Também as Ordenações Manoelinas e Filipinas já se ocupavam de questões ligadas ao uso do solo e a técnicas agrícolas.Após a independência, a Constituição de 1824 não se dedicou especificamente ao tema, afirmando o direito de propriedade "em toda sua plenitude", ressalvada uma "única" exceção: o uso público indenizado do bem, quando legalmente necessário (art. 179, XXII).

 Sob o governo republicano da Constituição de 1891, pouco se evoluiu, salvo na parte em que prevista a desapropriação por necessidade ou utilidade pública. Outrossim, muito influenciado pelo Código de Napoleão, o Código Civil de 1916 não incrementou a função social da propriedade, limitando-se a regular genericamente os casos de necessidade e de utilidade pública, para fins de desapropriação(art. 590 e §§1º e 2º), e de requisição de bens por autoridade pública (art. 591 e par. único).

A seguir, a função social só ganhou algum espaço na Constituição de 1934, cujo artigo 113, n. 17,estabelecia que o direito de propriedade não poderia ser exercido contra o interesse social ou coletivo,na forma da lei. Nenhum desenvolvimento se fez sentir na Constituição de 1937, mas a Constituição de 1946 condicionou o uso da propriedade ao "bem-estar social" (art. 147), dando então margem a regulamentação por meio da Lei 4.132, de 10/09/62, que até hoje cuida dos casos de desapropriação por interesse social.

Os trabalhos legislativos culminaram com a aprovação da desapropriação por interesse social na CF/46.

 Então, editado o Estatuto da Terra (Lei 4.504, de 30/11/64), seu artigo 2º expressamente tratou da função social do imóvel rural. Daí por diante, a expressão "função social" foi incorporada nas Constituições posteriores, até se chegar à atual Constituição de 1988. Nesta, a inspiração mais próxima, segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, deve-se à doutrina social da Igreja Católica, especialmente às Encíclicas “Mater et Magistra”, do Papa João XXIII, e “Populorum Progressio”, do Papa João Paulo II, nas quais se associou a propriedade a uma função social, ou seja, à função de servir como instrumento para a criação de bens necessários à subsistência de toda a humanidade.

6 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E O IMPOSTO TERRITORIAL RURAL.

Ultrapassadas todas essas questões relevantes anteriormente levantadas a cerca do Imposto Territorial Rural, temos base e fundamento para adentrarmos mais profundamente no tema central deste trabalho, que é a função social da propriedade rural.    

A função social da propriedade recebeu importantes contribuições da Constituição de 1988. Mas, nem bem analisadas as implicações da atual Constituição em relação à antiga legislação civil, veio a lume o novo Código Civil (Lei 10.406, de 10/01/2002), que promoveu significativas mudanças acerca da matéria.

6.1 A progressividade do Imposto territorial rural e a função social da propriedade rural.

Como é de conhecimento geral, a progressividade do ITR não tem função fiscal ou arrecadatória, mas sim função extrafiscal, servindo como instrumento garantidor da função social da propriedade, estando prevista no 153, VI, § 4º, I da CF/88.

A alíquota do imposto varia de 0,03% até 20% em função da área do imóvel e do grau de utilização. A alíquota cresce na medida em que diminui a proporção da área utilizada, em relação á área total do imóvel, de sorte que para um imóvel com área superior a 5.000 hectares, com até trinta por cento utilizada, o imposto tem alíquota de 20%, o que significa dizer que em cinco anos, se persisti a situação, o imóvel estaria confiscado. Deste modo o tributo teria efeito confiscatório, e sua constitucionalidade poderia ser questionada em face do art.150, inciso IV, da CF, que veda à União, aos Estados e Município, utiliza tributo com efeito confiscatório. 

Preambularmente, insta esclarecermos que a expressão "função social da propriedade rural" é muito criticada pelos estudiosos do direito agrário. Defendem eles que a expressão utilizada pelo Constituinte não satisfaz plenamente as preocupações com a total dimensão do problema agrário, o qual não se resume só à questão da propriedade, pois engloba também a função social da posse e dos contratos agrários.

Argumenta-se que a expressão genérica "função social da terra" ou "função social do imóvel rural",  seriam espécies a "função social da posse agrária" e a "função social dos contratos agrários". Ocorre que essa discussão  que exorbita o campo da função social do imóvel rural.

 A posse de imóvel rural não mais pode ser encarada como simples exercício de um dos poderes inerentes ao domínio, mas sim como um comportamento em relação à coisa que tenha por pressuposto o cumprimento da função social. Essa nova concepção de posse agrária vem contaminando a jurisprudência dos tribunais estaduais, não sendo raro encontrar assentado em acórdãos que "não se concebe mais a posse como mera emanação do domínio. O poder fático sobre a coisa (posse), a partir do regramento constitucional, se caracteriza pelo uso econômico do bem". Ressalte-se, porém, não serve esse raciocínio de incentivo a invasões de terra praticadas a pretexto de fazer cumprir a função social.

Conforme nossa jurisprudência pátria, podemos observar:

“O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente (CF, art. 5º, XXIII), legitimarse- á a intervenção estatal na esfera dominial privada, observados, contudo, para esse efeito, os limites, as formas e os procedimentos fixados na própria Constituição da República. O acesso à terra, a solução dos conflitos sociais, o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem elementos de realização da função social da propriedade.” (ADI 2.213-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 23/04/04)

Não houve maior preocupação da Constituição com a concretização das normas que dispõem acerca do princípio da função social da propriedade, salvo em relação aos imóveis rurais e, com menor intensidade, em face dos imóveis urbanos. Enfocando os imóveis urbanos, o tratamento um pouco mais específico que a Constituição lhes reservou não impediu fosse o tema tratado com alto grau de abstração.

Dispõe o art. 182, §2º, da CF/88, que a "propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor." (CF, art. 182, §2º). Desse modo, restou ao legislador municipal ampla margem de poder para dizer como será cumprida a função social.

A Constituição também cuida da edição de leis municipais específicas (no §4º do mesmo artigo) que poderão regulamentar exigências menos genéricas – se comparadas às previsões do plano diretor – , nos termos definidos na recente Lei 10.257, de11/07/2001, sob pena de serem aplicadas as sanções previstas nos incisos I a IV do mesmo parágrafo 4º do art. 182 da CF/88.

No tocante aos imóveis rurais, entretanto, a Constituição foi menos generosa para com o legislador. De início, percebe-se que só a União Federal possui competência material para promover a desapropriação por descumprimento da função social do imóvel rural (caput do art. 184), bem como para legislar sobre os requisitos a serem atendidos (caput do art. 186). E dessas restrições, com base na teoria dos poderes implícitos, pode-se extrair outra: só a União detém atribuição para fiscalizar e controlar a observância da função social do imóvel rural.

Conforme consta do artigo 2º da Lei 8.629, de 25/02/93, a atribuição para ingressar no imóvel rural,em nome da União, para fins de levantamento de dados, é realizada por intermédio de "órgão federal competente" (§2º do art. 2º), tarefa essa que vem sendo observada por uma autarquia federal,no caso, o INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Nada indica, porém, essa competência de controle tenha sido dada com exclusividade à União, motivo pelo qual se afigura válida a possibilidade de delegação a Estados-membros, Distrito Federal ou a municípios.

Voltando à Constituição, percebe-se que o art. 185 estabelece zona de imunidade à desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, mesmo que a função social não esteja sendo observada, em relação: (a) à pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra; e (b) à propriedade produtiva.

A conceituação de pequena e média propriedade rural só veio a ser estabelecida com o art. 4º da Lei 8.629/93, pelo qual ficou assentado que pequena propriedade é aquela com área compreendida entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais e média propriedade é o imóvel rural de área superior a 4 (quatro) e até 15 (quinze) módulos fiscais.Critica-se a dimensão dessa imunidade expropriatória em relação à grande propriedade produtiva,dizendo que a produtividade é apenas um dos elementos da função social, motivo pelo qual não basta ser produtivo o imóvel rural para que seja considerado cumpridor do princípio.

Contudo, defende Celso Ribeiro Bastos a opção da Constituição, afirmando que parcelar "a propriedade produtiva é prenúncio quase certo de diminuição da produção com conseqüente degradação dos níveis sociais já atingidos."  Desse modo, mesmo que sem o aplauso de toda doutrina pátria, o fato é que essa imunidade expropriatória da terra produtiva foi expressamente consagrada pela Constituição, que previu ainda a edição de lei que garanta tratamento especial ao imóvel rural produtivo, fixando normas para o cumprimento dos requisitos da função social (par. único do art. 185).

 Neste ponto, cabem breves digressões em torno dos pressupostos a serem observados no atendimento da função social do imóvel rural.  A começar das regras enumeradas pelo art. 186 da Constituição, o imóvel rústico deverá simultaneamente satisfazer os seguintes requisitos: (a) aproveitamento racional e adequado; (b) utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; (c) observância das disposições que regulam as relações de trabalho; (d) exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

De conseguinte, fala-se que o preenchimento da função social do imóvel rural exige a presença simultânea de requisitos espalhados em três óticas: (a) econômica, ligada à "produtividade" do imóvel rural, ou seja, seu aproveitamento racional e adequado; (b) social, abraçando as disposições que regulam as relações de trabalho e as que contemplam o bem-estar dos que exploram a terra(incluídos aí não só os proprietários e trabalhadores, mas os que detém a posse direta do imóvel); (c)ecológica, relacionada com a preservação do meio ambiente, concebido como direito fundamental de terceira geração, garantido-o à presente e futuras gerações.

Por óbvio, a Constituição, no caput do art. 186, previu que esses requisitos fossem fixados por lei, de modo a atender às peculiaridades da região onde se situa cada imóvel rural. E essa tarefa foi confiada à Lei 8.629/93.Em linhas gerais, o esquema legislativo de fixação dos critérios de cumprimento da função social do imóvel rural, conforme estabelecidos pela Lei 8.629/93.

 O reconhecimento da produtividade da gleba exige sejam atingidos, cumulativamente, nos termos do art. 6º da Lei 8.629/93: (a) um percentual mínimo de 80% do grau de utilização da terra (GUT), e; (b)um percentual igual ou superior a 100% do grau de eficiência da exploração econômica (GEE).

O cálculo do índice do GUT considera a área efetivamente utilizada do imóvel, em cotejo com a área potencialmente utilizável, excluídas, desse último conceito, por força do art. 10 da Lei 8.629/93, as áreas ocupadas por construções e instalações, excetuadas aquelas destinadas a fins produtivos, como estufas, viveiros, sementeiros, tanques de reprodução e criação de peixes e outros semelhantes; as áreas comprovadamente imprestáveis para qualquer tipo de exploração agrícola, pecuária, florestal ou extrativa vegetal; as áreas sob efetiva exploração mineral; as áreas de efetiva preservação permanente e demais áreas protegidas por legislação relativa à conservação dos recursos naturais e à preservação do meio ambiente.

De sua vez, o GEE é obtido por meio da aplicação de sistemática de cálculo que leva em consideração a destinação econômica da gleba em face de índices de rendimento considerados medianos, de acordo com a região onde se localiza o imóvel.

Assim, determina o art. 6º, §2º, da Lei 8.629/93, que, para os produtos vegetais, divide-se a quantidade colhida de cada produto pelos respectivos índices de rendimento estabelecidos pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea (inciso I); para a exploração pecuária, divide-se o número total de Unidades Animais (UA)do rebanho, pelo índice de lotação estabelecido pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea (inciso II).

 Então, a soma dos resultados obtidos na forma anterior é dividida pela área efetivamente utilizada e multiplicada por 100 (cem), determinando-se assim o grau de eficiência na exploração (GEE) do imóvel rural. Dessa forma, um imóvel com níveis de exploração econômica mais eficientes que aqueles relativos à média exigida pelos órgãos oficiais poderá obter um percentual superior a 100% de GEE.

Nada obstante, não há registro de que o Poder Público venha respeitando a regra do art. 11 da Lei 8.629/93, que mesmo antes da alteração determinada pela MP 1.577/97, já exigia que, na fixação dos parâmetros, índices e indicadores que informam o conceito de produtividade fosse ouvido também o Conselho Nacional de Política Agrícola.

De outro lado, mostra-se razoável a Lei 8.629/93, ao não retirar a qualificação de propriedade produtiva do imóvel que, por razões de força maior, caso fortuito ou de renovação de pastagens tecnicamente conduzida, devidamente comprovados pelo órgão competente, deixar de apresentar, no ano respectivo, os graus de eficiência na exploração, exigidos para a espécie (art. 6º, §7º).

 Assim, os danos à produtividade decorrentes de esbulho da área podem ser considerados albergados por essa norma legal, como já reconheceu o STF. Pela ótica social, considera a lei que a terra, mesmo produtiva, poderá estar desatendendo à função social se quem a explora o faz com desrespeito às leis trabalhistas, às disposições dos contrato sagrários, bem como se não forem observadas as normas de segurança do trabalho ou provoca conflitos e tensões sociais no imóvel (§§4º e 5º do art. 9º da Lei 8.629/93).

O último dos requisitos, mas nem por isso menos importante, a ser brevemente analisado diz respeito à utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente.

De efeito, considera-se adequada a utilização dos recursos naturais disponíveis quando a exploração se faz respeitando a vocação natural da terra, de modo a manter o potencial produtivo da propriedade (§2º do art. 9º da Lei 8.629/93).

 E por preservação do meio ambiente deseja a lei a manutenção das características próprias do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais, na medida adequada à manutenção do equilíbrio ecológico da propriedade e da saúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas (§3º do art. 9º da Lei 8.629/93).

 Assim, na fixação dos requisitos da função social do imóvel rural, a lei há de observar uma razoabilidade interna que permita a eleição de critérios adequados tanto sob a ótica econômica quanto ecológica, daí o motivo de a Constituição mencionar, em ambos os casos, a questão da adequabilidade.

 Destarte, a fixação do GUT e o GEE não pode perder de rumo a vedação à exploração econômica depredatória. É preciso saber se os parâmetros de produtividade que vêm sendo fixados pelos órgãos do Executivo não estão trabalhando com padrões por demais genéricos, ou que não levem em consideração certas peculiaridades ligadas à localização dos imóveis rurais.

Essa importante questão, aliás, sujeita-se ao controle judicial não só para verificar se o "núcleo essencial" do direito de propriedade está sendo preservado, diante de eventuais imposições concretamente inatingíveis, mas principalmente para que não se exijam graus de exploração econômica mais elevados que a própria capacidade de regeneração natural do imóvel rural.

CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Diante de tudo que fora exposto, fica de alguma forma mais claro que o tributo em questão não tem atingindo uma de suas finalidades, já que sabemos que o principal intuito de estabelecer a cobrança do ITR não é a arrecadação de meios financeiros, e sim utilizá-lo como forma de política agrária.

Um dos motivos de atribuir ao ITR à competência da União Federal deveu-se especialmente à possibilidade de sua utilização como instrumento de “revolução agrária”, mas diante de todos os problemas anteriormente apresentados, não é isso que observamos, pelo contrário, por ter um cálculo relativamente difícil, exigindo na sua feitura de conhecimento especializado, a arrecadação deste tributo se mostra extremamente difícil, tornando complicado o disciplinamento estatal da propriedade rural e conseqüentemente dificultando o combate aos latifúndios improdutivos.

Mesmo que não houvesse nenhum problema na administração do imposto, o modelo atual da forma que se encontra demonstra a incapacidade do ITR para combater os altos níveis de evasão e sub-tributação. A discussão sobre a eficácia do ITR precisa ser redirecionada. Além de considerar os aspectos operacionais, vitais para a obtenção dos resultados desejados, a abrangência do instrumento em um ambiente como o da agricultura brasileira também precisa ser questionada.

Deve-se destacar ainda que uma expressiva parcela dos proprietários rurais são isentos ou imunes ao pagamento do ITR, o que frustra eventual expectativa de elevação na arrecadação do ITR pelos Municípios.

E, como visto anteriormente, os municípios que mais se beneficiariam com este formato são aqueles com população entre 5 mil e 10 mil habitantes (0,09%), seguidos pelos municípios com população entre 10 mil e 20 mil habitantes (0,08%) e por aqueles com população entre 20 mil e 100 mil habitantes (0,07%).

Com o advento da Lei 11.250/2005, os municípios que optarem pela cobrança e fiscalização do ITR, devem estar atentos, pois a União estará transferindo uma responsabilidade que é sua, por excelência e, devido ao caráter extrafiscal do ITR, os municípios não obterão um efetivo incremento na captação de receita e ainda terão que criar mecanismos que tornem viável tal pretensão, aumentando seus custos com o desenvolvimento de sistemas e com a contratação e capacitação de novos fiscais.

 

Referências bibliográficas
DINIZ, Maria Helena: Dicionário Jurídico, Saraiva, São Paulo, 1998.
Função social da propriedade e preservação ambiental”, Boletim dos Procuradores da República, n.19, p. 10-18, nov. 1999.
“IPTU Progressivo” – Advogados de SP dizem que o IPTU PROGRESSIVO é inconstitucional. Revista Consultor Jurídico, 25 de junho de 2002 .Disponível em: http://conjur.estadao.com.br/static/text/12138,1. Material da 1ª aula da Disciplina Sistema Constitucional Tributário: Impostos em Espécie, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual de Direito Tributário – UNISUL – REDE LFG.
MACHADO, Hugo de Brito: Curso de direito tributário, Malheiros, São Paulo, 2007.
_________: O conceito de Tributo no Direito Brasileiro, Forense, Rio de Janeiro,1988.
_________: Comentários ao Código Tributário Nacional, 1º v., Atlas, São Paulo, 2003.
"O papel do Poder Judiciário na efetivação da função social da propriedade". In: Cadernos Renap – Rede Nacional dos Advogados e Advogadas Populares n. 2, nov. 2001.
SILVA, José Afonso da: Curso de direito constitucional positivo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 276.


Informações Sobre os Autores

Fabio Santos de Lima

Bacharel em Direito pela UEPB, especialista em Direito Tributário pela UNISUL e assessor jurídico do TJ/PB

Daniel Ferreira de Lira

Bacharel em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba, Especialista em Direito Processual Civil e Direito Tributário pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), Mestrando em Desenvolvimento pela UEPB/UFCG, professor das disciplinas de Direito Processual Civil e Teoria Geral do Processo do Centro de Ensino Superior Reinaldo Ramos (CESREI), professor da Disciplina de Direito Processual Civil e Juizados Especiais da UNESC Faculdades, professor de cursinhos preparatórios para concursos e para o Exame da OAB . Advogado Militante e Palestrante


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