O ingresso das convenções e as recomendações da OIT no ordenamento jurídico brasileiro

Resumo: O presente artigo busca retratar a importância da organização Internacional do Trabalho, bem como o ingresso das convenções e recomendações da OIT no ordenamento jurídico brasileiro, levando em consideração que tal fato derivou de um longo e árduo processo de internacionalização do Direito do Trabalho o qual sempre buscou uma justiça social com base em ideias relacionadas às relações laborais, na salvaguarda de direitos mínimos dos obreiros no que respeita à sua dignidade enquanto ser humano. Abordaremos, ainda, alguns aspectos conceituais e legais a respeito da temática abordada nesse ensaio, fazendo uma análise das convenções e recomendações da OIT dando ênfase ao seu processo de integração ao direito interno. *

Palavras-chave: Organização Internacional do Trabalho; Convenções; Recomendações, Integração; Direito do Trabalho.

Abstract: This article seeks to portray the importance of the International Labor Organization as well as the entry of ILO conventions and recommendations in the Brazilian legal system, taking into account that such a fact derived from a long and arduous process of labor law internationalization which always sought social justice based on ideas relating to labor relations, safeguarding minimum rights of workers in respect of their dignity as a human being. We will additionally present some conceptual and legal aspects of the theme addressed in this essay, making an analysis of the ILO conventions and recommendations emphasizing its integration into domestic law process.

Keywords: International Labor Organization; conventions; Recommendations Integration; Labor Law.

Sumário: Introdução. 1. Organização Internacional do Trabalho. 3. A Convenção 158 da OIT. 4. Os efeitos das Convenções e Recomendações da OIT. 5. As Convenções e Recomendações da OIT no Ordenamento Jurídico Brasileiro. 6. Considerações Finais. Referências.

INTRODUÇÃO

O presente artigo versa sobre a incorporação das convenções e recomendações da OIT no ordenamento jurídico do Brasil. Buscaremos, de início, dar um enfoque geral a respeito dessas convenções e recomendações bem como os seus efeitos no ordenamento jurídico nacional após o seu ingresso ao sistema normativo doméstico. A OIT será tratada em termos gerais de forma a facilitar a abordagem a respeito do tema.

Com o surgimento e a consolidação dos blocos econômicos, assiste-se a uma crescente integração econômica além de uma crescente diversidade normativa e legislativa, levando ao surgimento de uma problemática na qual o direito deverá dar respostas. É inevitável o declínio do poder dos Estados no sentido de impor regras no interior das fronteiras nacionais, fazendo com que os indivíduos escapem facilmente de sua jurisdição, tendo em vista um declínio cada vez maior de um controle por parte do Estado (FRIEDRICH; ARAÚJO, 2003).

Historicamente, é de bom alvitre enfatizar a importância da internacionalização lançada por Robert Owen, que, no século XIX, tentou disseminar pelo mundo a ideia de se ampliar a aplicação do Direito do Trabalho no sentido de uma uniformização em nível internacional, levando-se em conta que ao Estado cabe assegurar um mínimo se direitos irrenunciáveis. Nesse cenário, acrescente-se que a Revolução Francesa de 1789, buscava a adoção de uma filosofia liberal-individualista, na qual era valorizada a liberdade de contratar e em que haveria a prevalência do princípio da igualdade jurídico-política de todos os cidadãos (AMARAL DE SOUZA, 2006).

Owen defendia que deveria haver uma intervenção efetiva do Estado nas relações trabalhistas, em uma clara tentativa de garantir direitos básicos à classe trabalhadora, que sempre foi tida como a parte mais vulnerável nas relações de trabalho.

O ingresso da Convenção 158 será utilizada para exemplificar o tema abordado de maneira breve e generalizada a qual se refere se refere à cessação da relação de trabalho por parte do empregador.

A aplicação das convenções e recomendações da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no ordenamento jurídico brasileiro deverá sempre ser pautada pelo princípio da primazia da norma mais favorável ao ser humano. E, nesse caso, a parte favorável a que se está referindo é o trabalhador como sujeito de direitos e o mais vulnerável na relação jurídica laboral (MAZZUOLI, 2013).

A atividade essencial básica da OIT constitui-se, essencialmente, na confecção de convenções e recomendações internacionais do trabalho do trabalho. Estas consistem, primordialmente, em promover a justiça social e a igualdade entre os Estados, impedindo que haja quaisquer espécies de concorrência desleal entre os mesmos. Tendo em conta que as convenções e as recomendações se tratam de instrumentos distintos, convém sejam examinadas de maneira individualizada, ao menos em um primeiro momento (MAZZUOLI, 2013).

De salientar que até o ano de 2010, a OIT já havia aprovado 188 convenções e 199 recomendações, todas elas versando a respeito de temas significativos para o cenário da justiça trabalhista brasileira. As Convenções e Regulamentações são regido pela própria Constituição da OIT, na qual os Estados, as ratificando, se comprometem a cumprir e fielmente executar. Quando se refere à sua aplicação interna deve ser observado o princípio pro homini; ou seja, no caso da existência de conflitos entre as disposições internacionais e as de direito interno, deve-se sempre optar por aquela que for a mais favorável ao ser humano. Portanto, é sob esse aspecto que devemos compreender a integração das convenções e recomendações internacionais da OIT no Brasil (MAZZOULI, 2013).

1. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO

A OIT foi criada em 1919, como sendo uma parte do Tratado de Versalhes, o qual pôs fim à Primeira Guerra Mundial. Esse instrumento de tamanha importância se baseou no fato e na crença de que só se pode haver paz universal e permanente em havendo a justiça social, não podendo uma estar dissociada da outra.

A OIT apresenta uma estrutura tripartite, composta por representantes de governos e de organizações de empregados e de empregadores, sendo a única das agências dos sistemas da Nações Unidas com essa formação (OIT, Organização Internacional do Trabalho).

A OIT é responsável tanto pela formulação como pela aplicação das normas internacionais do trabalho (convenções e recomendações). Como toda norma internacional, elas não têm aplicação automática e imediata no ordenamento jurídico interno, devendo ser recepcionadas por nosso sistema normativo. Além de não poderem contrariar a nossa Lei Maior; devem passar por um procedimento legal, previsto em lei, que é a celebração pelo Presidente da República, passando pelo crivo do Congresso Nacional que deverá editar um decreto legislativo e, por fim, deverá ser promulgado um decreto Executivo por parte do Presidente da República. Temos exceções no que respeita aos decretos que versem sobre direitos humanos, os quais ingressam automaticamente na ordem jurídica interna, sendo recepcionados pela Constituição Federal com força de norma constitucional. Após serem ratificadas por decisão soberana de um país, as convenções passam a fazer parte do ordenamento jurídico (Art. 5º, §§ 2º e 3º, da CF/88).

Importante ressaltar que o Brasil está entre os membros fundadores da OIT, além de ter participado da Conferência Internacional do Trabalho desde a sua primeira reunião no ano de 1919. A OIT adotou seis convenções, sendo que a primeira delas tinha a sua importância devido ao fato de ser uma das principais reinvindicações do movimento sindical do final do século XIX e começo do século XX, por exemplo, o da limitação da jornada de trabalho a oito horas diárias e quarenta e oito semanais, além dos movimentos em favor da proteção à maternidade, da luta contra o desemprego, da definição da idade mínima de 14 anos para o trabalho na indústria e da proibição do trabalho noturno de mulheres e menores de 18 anos (OIT).

Em 1926, foi introduzida uma inovação importante: a criação de uma Comissão de Peritos, com o objetivo de supervisionar a aplicação das normas, bem como examinar os relatórios enviados pelos governos no que tange a aplicação das convenções por eles ratificadas a qual era composta por juristas independentes (OIT).

O primeiro diretor geral da OIT foi Albert Thomas, falecido em 1932, depois de ter assegurado uma forte presença da OIT em âmbito mundial. Ele foi sucedido por Harold Butler, que enfrentou uma época de grande crise econômica e depressão, com um desemprego em larga escala.

Nos seus primeiros 40 anos de existência, a OIT desenvolveu normas internacionais do trabalho, promovendo, ao mesmo tempo, a garantia da sua aplicação. Esse processo foi interrompido, temporariamente, com a eclosão da Segunda Guerra Mundial.

No ano de 1944, foi adotada a Declaração de Filadélfia como um anexo à sua Constituição e passou a representar a carta de princípios e objetivos da OIT. Com isso, antecipou-se em quatro meses a adoção da Carta das Nações Unidas (1946) e em quatro anos a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Foi reafirmada a ideia de que a justiça social só pode ser baseada na paz permanente, estabelecendo quatro paradigmas fundamentais, que até hoje constituem valores e princípios básicos da OIT: a) o trabalho deve ser fonte de dignidade; b) o trabalho não é uma mercadoria; c) a pobreza, em qualquer lugar, é uma ameaça à prosperidade de todos; d) todos os seres humanos têm o direito de perseguir o seu bem-estar material em condições e liberdade e dignidade, segurança econômica e igualdade de oportunidades (OIT).

A Organização das Nações Unidas (ONU) nasceu com o final da Segunda Guerra, tendo por objetivo manter a paz entre os Estados por intermédio do diálogo. Em seguida, em 1946, a OIT transformou-se em sua primeira agência especializada. Em 1969, a OIT, ao completar 50 anos, recebeu o Prêmio Nobel da Paz, sendo aclamada como “a consciência social da humanidade” pelo presidente do Comitê do Prêmio Nobel.

Podemos afirmar que a OIT desempenhou um papel importante na definição das legislações trabalhistas, assim como na elaboração de políticas econômicas, sociais e, especialmente, trabalhistas durante uma grande parte do século XX (OIT).

Em 1998, durante a Conferência Internacional do Trabalho, na sua 87ª sessão, surge a Declaração dos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho, que estabelece que todos os Estados-membros da OIT, apenas pelo simples fato de serem membros, bem como por terem aderido à sua Constituição, serão obrigados a respeitar esses direitos e princípios, tenham ou não ratificado as convenções a eles correspondentes.

Em 2008, por ocasião da 97ª sessão da OIT, foi adotado um importante documento: a Declaração sobre Justiça Social para uma Globalização Equitativa, que diz respeito à preocupação sobre o mundo globalizado e a grave crise financeira internacional, que eclodiu em setembro de 2008, apesar de já existir uma onda de desemprego antes dessa crise.

A OIT é estruturada em três órgãos, cada qual com suas atribuições específicas: I) o Conselho de Administração; II) a Conferência Internacional do Trabalho; III) a Repartição Internacional do Trabalho.

O Conselho de Administração é o órgão gestor da entidade, que se reúne três vezes ao ano na cidade de Genebra, Suíça. A Conferência Internacional do Trabalho constitui-se um fórum que se reúne anualmente para a discussão de temas variados. A Repartição Internacional do Trabalho é o órgão técnico-administrativo da OIT que possui um Diretor Geral eleito pelo Conselho de Administração. Entre as funções do RIT está a elaboração de estudos e pareceres, além da função de assessorar a aplicação das convenções e das recomendações.

2. A CONVENÇÃO 158 DA OIT

A Convenção 158 da OIT de 1982, denominada Convenção sobre Despedida, teve como objetivo a adoção de normas no que tange à cessação da relação de trabalho por iniciativa do empregador. Essa norma veio a coibir a despedida arbitrária, sem justa causa, pelo empregador, admitindo-se essa conduta, tão somente, em caso de má conduta ou inépcia do empregado ou fundada em necessidades específicas de funcionamento da empresa. Ela também prescreve outros motivos, mas que são proibidos pelo ordenamento jurídico interno do Brasil. A citada convenção estabelece o procedimento a ser seguido antes da consumação da despedida, além de recursos judiciais e administrativos colocados à disposição do trabalhador em caso de este ser dispensado. É atribuído, ainda, ao empregador o ônus de provar o motivo pelo qual se despede o empregado, sendo assegurado ao tribunal ou árbitro à livre apreciação da prova, por meio das quais poderão ordenar a reintegração do empregado bem como arbitrar uma indenização que seja razoável (BORJA, 2006).

A Convenção supramencionada atribui ao trabalhador a compensação em caso de despedida, que será calculada em função do tempo de serviço e valor salarial, prevendo-se, ainda, auxílio desemprego e outras prestações sociais em caso de velhice ou invalidez. Importante frisar a respeito de disposição que permite a denúncia da própria Convenção 158 ao término de dez anos de vigência a qual se estenderá pelo mesmo período de dez anos para membros que não a denunciarem oportunamente, regulando, enfim, os efeitos de nova convenção e de sua própria revisão, total ou parcial.

Pondere-se, contudo, que muitos dos diferentes dispositivos da Convenção 158 da OIT que foram propostos aos seus signatários têm uma integral, senão enorme, correspondência no direito do trabalho brasileiro, fato este que dispensa lei formal que os reproduza ou imite. Nesse diapasão, poderíamos afirmar que apenas aqueles não são correspondidos e carecem de reprodução por meio de uma norma elaborada pelo Congresso Nacional, mediante sanção do Chefe do Executivo federal, tendo em conta as normas da Constituição da República.

Contudo, a circunstância de ter sido essa Convenção aprovada pelo Congresso por meio do Decreto Legislativo 68, de 16/09/1992, e posteriormente ratificada pelo Presidente da República, que a promulgou por meio de edição do Decreto 1.855, de 10/04/1996, faz com que parte da doutrina afirme que as proposições jurídicas nela contidas já possuem força obrigatória no Brasil, sem que esta tenha sido reproduzida por meio de lei formal. Contudo tal entendimento, segundo o Supremo Tribunal Federal é equivocado, tendo em vista a necessidade de transformação, a supremacia da Constituição em face de atos internacionais e o caráter meramente propositivo da Convenção 158 da OIT (BORJA, 2006).

O Art. 17 da Convenção 158 da OIT estatui expressamente o direito dos seus signatários de denunciá-la dez anos após a sua entrada em vigor, devendo a citada denúncia se tornar efetiva um ano após a data do seu registro na Repartição Internacional do Trabalho. Esse prazo deverá ser reaberto novamente caso o denunciante não se pronuncie dentro do prazo. No que se refere ao exercício dessa faculdade, indagou-se em consulta, se o Presidente da República poderia denunciar a Convenção 158 da OIT, sem que antes houvesse tido uma autorização do Congresso Nacional. A resposta a essa indagação tem sido no sentido que sim, pois o próprio tratado admite que os seus signatários o denunciem. Além disso, a provação do seu texto pelo legislativo com essa cláusula já importa em habilitação prévia do Presidente para efetivar o distrato quando lhe convier. Significando com isso que o Presidente da República não necessita estar previamente autorizado pelo Congresso a agir no plano internacional, devendo a denúncia de tratados está incluída na regra geral. E isso faz com que se entre no rol das atribuições privativas do Poder Executivo (BORJA, 2006).

3. OS EFEITOS DAS CONVENÇÕES E RECOMENDAÇÕES DA OIT

Podemos citar dois efeitos que decorrem da aprovação de um tratado pelo Congresso: o Poder Executivo fica autorizado a ratificá-lo e habilitado a promulgá-lo passando a produzir, a partir daí, vigência no Brasil. De acordo com o entendimento pacífico do Supremo Tribunal Federal “o direito entrado pela via da recepção do tratado está no mesmo plano de igualdade que o internamente elaborado, não sendo superior a este” (Conflito de Jurisdição 4.663-SP, RTJ 48/76, esp. p. 77), submetendo-se à mesma competência jurisdicional, estadual ou federal, das normas legislativas. Importante mencionar que, para que o tratado ou a convenção internacional ter vigência no âmbito interno do país, eles deverão atender aos requisitos exigidos pelas leis ordinárias.

No Brasil, é a Constituição que regula a vigência em seu território dos tratados e convenções firmados pelo Presidente da República, os quais, uma vez aprovados (CF/88 Arts. 49, I, e 84, VIII), ratificados (CF/88, Art. 84, VIII) e promulgados (CF/88, Art. 84, IV), suas normas tornam-se obrigatórias para os seus signatários por ocasião da sua publicação. Isso não quer dizer que as normas internacionais incorporadas ao nosso ordenamento convertem-se em normas de direito interno ou em lei nacional, adquirindo as mesmas tão somente força e vigor no âmbito interno do Estado, devendo ser observada pelos cidadãos do Estado ao qual elas se incorporaram. Em outras palavras, o fato de a norma internacional ter se incorporado à ordem jurídica interna não a desliga de sua fonte nem tampouco da ordem normativa internacional à qual ela continua a pertencer, não passando a ser dispositivo do direito interno e não estando submetidos à hierarquia normativa do Estado nacional (BORJA, 2006).

Interessante é o entendimento do Supremo Tribunal Federal no sentido de não admitir o controle de constitucionalidade tendo como parâmetro as normas internacionais incorporadas ao nosso ordenamento interno, por ser injurídico e em razão da sua característica de “internacionalidade”, tal qual sucede a lei nacional por este tribunal declarada inconstitucional. Nesse aspecto, o Tribunal Superior apenas admite que a jurisdição nacional recuse aplicação àquelas normas que sejam incompatíveis com a Constituição, conhecendo, ainda a ação declaratória de inconstitucionalidade dos atos de direito interno que os incorporaram. No julgamento da ADI 1480- DF (RTJ 179/493) que teve como relator o Ministro Celso de Melo (Ementa, p. 495), foi reconhecida situação de paridade do tratado incorporado ou transformado em lei ordinária, no que se relaciona à sua validade, autoridade e eficácia, deixando claro, porém, que entre eles há uma mera relação de paridade normativa (BORJA, 2006).

Na sua essência, as convenções da OIT tinham por finalidade a proteção proporcional dos trabalhadores da indústria, somente atingindo os trabalhadores agrícolas posteriormente por ocasião de uma decisão da Corte Permanente de Justiça Internacional, em 1922. Algum tempo depois esse cenário evoluiu no sentido de se proteger também os trabalhadores, tanto públicos como privados, passando depois a alcançar ainda os autônomos e cooperados.

Essa ação normativa da OIT tem sido durante muito tempo “a pedra angular” de todo o sistema internacional de proteção do trabalhador.

Com a globalização, as convenções e recomendações da OIT vêm ganhado força a cada dia, tendo em vista que a internacionalização dos direitos humanos tem levado ao reconhecimento de direitos universais dos trabalhadores. Com isso, inúmeras convenções e recomendações da OIT passaram a ter valor cogente na prática, significando isso que os Estados devem ter obediência e observação a tais normas e respeitar os direitos que destas resultam, sob pena, até mesmo, de perderem o respeito da comunidade internacional (GONÇALVES NAZARÉ, 2010).

Não é difícil perceber que, por trás da globalização de caráter estritamente econômico, também existe outro lado que busca uma proteção do ser humano em âmbito mundial juntamente com a reconstrução de uma justiça social internacional.

Compete à Confederação Internacional do Trabalho elaborar e aprovar as normas que constituem a regulamentação internacional do trabalho bem como das questões conexas, sendo que essa atividade se realiza por meio de convenções e regulamentações. Os efeitos da adoção desses instrumentos internacionais no ordenamento jurídico nacional estão previstos na própria Lei Maior, que prevê que os Estados têm ampla autonomia para se filiarem ou não à Organização por ato voluntário e soberano (AMARAL DE SOUZA, 2006).

A conferência ainda adora, além das convenções, as recomendações que, ao contrário daquelas, não criam obrigações para os Estados-membros, além de serem aprovadas por maioria simples e dizer respeito, na maioria das vezes, a questões não incluídas na ordem do dia da conferência ou que não tenham sido objeto de alguma convenção. Na verdade, as convenções e as recomendações se consubstanciam naquilo a que a OIT denomina de “Código Internacional do Trabalho”, apesar de não se tratar propriamente de um código na acepção técnica da palavra, pois as suas normas integram a legislação nacional de cada um dos Estados-membros da OIT, na ordem em que as convenções são ratificadas e, somente depois, se transforma em leis, e as recomendações não precisam de ratificação (AMARAL DE SOUZA, 2006).

4. AS CONVENÇÕES E RECOMENDAÇÕES DA OIT NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

As convenções e recomendações internacionais da OIT, como todo tratado ou ato de organismo internacional, não ingressam de maneira automática no ordenamento jurídico brasileiro. Elas necessitam de submissão a todo um mecanismo legal para que ocorra a sua integração à esfera dos Estados, passando, com isso, a vigorar no ordenamento jurídico interno. No Brasil isso ocorre com a publicação do decreto dispondo a respeito de atos que passam a entrar vigorar.

O Art. 19 da Constituição da OIT estatui que os Estados devem submeter as convenções e recomendações ao crivo da autoridade competente em um prazo de doze meses, no sentido de serem adotas as medidas necessárias para a aprovação do texto. Esse prazo pode ser estendido por um período de 180 em circunstâncias excepcionais. No Brasil, a competência para a representação internacional é da União Federal, assim como a competência para legislar sobre direito do trabalho (Art. 22, II, CF/88). O Congresso Nacional é autoridade com competência para apreciar as convenções e recomendações com posterior sanção do Chefe do Executivo (GONÇALVES NAZARETH, 2009).

Após a aprovação pelo Congresso Nacional, a convenção deverá ser ratificada pelo governo brasileiro, depositando o instrumento de ratificação na Repartição Internacional do Trabalho (RIT). O Decreto Executivo deve ser publicado no Diário Oficial da União. Em seguida, deverá haver o depósito do instrumento de ratificação respectivo na OIT, o qual tem o dever de registrar a ratificação à Convenção da ONU, conforme Art. 102 da Carta das Nações Unidas. A convenção só passa a ter vigência no direito interno do Estado após 12 meses de sua ratificação (GONÇALVES NAZARTH, 2009).

Tem ocorrido alguns debates por parte da doutrina no que tange aos efeitos da ratificação, em virtude das discussões a respeito da prevalência das teorias monistas ou dualistas na esfera internacional.

A não aplicação das convenções que foram ratificadas gera a responsabilidade do Estado no âmbito internacional. Deve-se salientar que as normas internas que forem mais favoráveis ao empregado deverão sempre prevalecer em detrimento das convenções.

A OIT estabelece que uma convenção poderá ser denunciada pelo Estado dentro do prazo de dez anos a contar da sua entrada em vigor no ordenamento jurídico interno, sendo necessário que se faça um comunicado ao diretor geral da RIT nesse sentido. Cumpre esclarecer que ainda não foi pacificada no direto brasileiro a forma de integração das recomendações do OIT (GONÇALVES NAZARTH, 2009).

Como dito anteriormente, o ingresso das convenções da OIT dá-se por meio da sua ratificação pelos Estados-membros, passando, a partir daí, a integrar a legislação nacional. Uma comissão encarrega-se de examinar a aplicação das normas pelos países por meio de uma Comissão de peritos, no que tange a aplicação das convenções e recomendações da OIT, que recebe e avalia queixas, dando-lhes seguimento com a posterior produção de relatórios de memórias para discussão, publicação e difusão (GONÇALVES NAZARETH, 2009).

As convenções da OIT constituem-se tratados multilaterais abertos possuindo natureza normativa, sendo elaboradas sob os auspícios da Conferência Internacional do Trabalho. Elas possuem por objetivo a regulamentação do trabalho em âmbito internacional, além de regular outras questões conexas. A própria Constituição da OIT poderá autorizar a Conferência Internacional do Trabalho a dotar convenções, recomendações e até resoluções. Como já referido anteriormente, o conjunto normativo das convenções e das recomendações da OIT é denominado “Código Internacional do Trabalho”, sendo que os demais documentos figuram como anexos (MAZZOULI, 2013).

A diferença entre as convenções e as recomendações da OIT é apenas formal, no sentido de que, materialmente tanto a convenção como a recomendação podem tratar dos mesmos assuntos ou das mesmas temáticas. Em sua essência, esses instrumentos são semelhantes aos demais tratados e declarações internacionais de proteção dos direitos humanos, levando-se em consideração que versam a respeito da proteção do trabalho e do trabalhador, além de tratar de inúmeras matérias conexas ao tema em epígrafe. Contudo, formalmente, ambas se diferenciam, visto que as convenções são tratados internacionais que devem ser ratificados pelos Estados-membros da Organização como condição de eficácia e aplicabilidade no ordenamento jurídico doméstico. Por outro lado, as recomendações não são tratados e apresentam como finalidade apenas sugerir ao legislador de cada um dos países-membros da OIT mudanças na sua legislação no que concerne às questões que disciplina (MAZZOULI, 2013).

Sob o prisma da natureza das suas normas, as convenções da OIT podem ser classificadas em: autoaplicáveis, de princípios e promocionais. As chamadas autoaplicáveis são aquelas que não precisam ser regulamentadas. As convenções de princípios são as que traçam as diretrizes normativas para os Estados para que estes as desenvolvam em seus respectivos ordenamentos jurídicos. As convenções promocionais traçam objetivos a serem alcançados a médio e longo prazos (ZIMMERMAN NETO, apud GONÇALVEZ NAZARETH, 2009).

Em geral, as convenções da OIT têm por objeto temas ligados ao direito do trabalho. No entanto, a partir da década de 1960, elas vêm apresentando uma tendência em versar sobre temas gerais. Isso vem ocorrendo em decorrência do fato de as desigualdades sociais entre os Estados está inviabilizando a aceitação das disposições de conteúdo mais pormenorizado. Por essa razão, a partir de 1970, muitas convenções começaram a consubstanciar tão somente princípios gerais. Isso gerou uma necessidade de se adotar, também, recomendações complementares com disposições mais detalhadas (SUSSEKIND, apud GONÇALVEZ NAZARETH, 2009).

As convenções que forem ratificadas passam a constituir fonte formal de direito, gerando, para os cidadãos, direitos subjetivos, que poderão ser aplicados de imediato. Isso se não se tratarem de normas meramente programáticas, haja vista que estas ficam condicionadas às possibilidades fáticas e jurídicas para que passem a ter efeitos concretos de aplicabilidade. Nos países que adotam a teoria monista, a aplicação de imediato das convenções que venham a ser ratificadas possui maior possibilidade jurídica de ser concretizadas no que concerne às relações entre o direito interno e o internacional (MAZZOULI, 2013).

As convenções que não forem retificadas constituem fonte material de direito, servindo como modelo ou mera fonte de inspiração para o legislador infraconstitucional. As convenções da OIT, “no que tange à natureza de suas normas e seus objetivos, podem ser classificadas em quatro tipos: a) convenções de uniformização; b) convenções de princípios; c) convenções de igualdade de direitos; e d) convenções de igualdade de procedimentos” (RODRIGUEZ, apud MAZZOULI, 2013).

Os termos convenção e tratado são expressões sinônimas, sendo o termo tratado no direito internacional visto como uma expressão genérica, e encontrando-se outros significados para esse mesmo termo na doutrina, tais como, convenção, protocolo, convênio, declaração, modus vivendi, ajuste, compromisso, entre outros.

As convenções da OIT podem ser consideradas tratados multilaterais abertos. Isso por que eles podem ser ratificados por indeterminado número de Estados, com a única ressalva de que devem ser esses Estados sejam membros da OIT. Não se deve olvidar, porém, que cada um deles poderá ratificar uma convenção da OIT a qualquer tempo, mesmo quando da elaboração da convenção referido Estado não fosse um membro da entidade.

As convenções da OIT não derivam de transações diretas entre os Estados, mas insurgem-se de resoluções e debates na esfera da OIT. Inicialmente são aprovadas, depois oficializadas e, posteriormente, são examinadas por cada um dos Estados individualmente, nisso residindo a sua diferença dos tratados (GONÇALVES NAZARETH, 2010).

A Constituição Federal de 1988 regula o processo de celebração de tratados e atos internacionais (de maneira geral) em dois dos seus dispositivos. O primeiro deles dispõe que:

“Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional […].”

O segundo estatui que:

“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: [...]

VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional; […].”

Nesse caso, o Chefe do Executivo assina o acordo, enviando, em seguida, o texto para o Congresso Nacional, que deverá resolver definitivamente a respeito dos termos desse acordo a que se está sendo submetido. Nesse passo, haverá quatro opções para o Congresso Nacional, além da aprovação ou rejeição, a aprovação sob reservas ou a aprovação com desabono às reservas do Executivo.

O Presidente da República edita mensagem ao Congresso Nacional, que será apresentada ao presidente da Câmara dos Deputados, devendo este elaborar um projeto de Decreto Legislativo. Esse decreto será encaminhado à Comissão de Constituição Justiça e Redação, que irá analisar o projeto no que tange aos aspectos da sua constitucionalidade, legalidade, juridicidade e técnica legislativa. Lembrando que a única hipótese em que o Congresso resolve definitivamente a respeito de um “tratado” é apenas no caso em que há rejeição do texto. Caso o Congresso aprove o texto, haverá o envio do referendo legislativo ao Presidente da República que irá ratificar ou não a assinatura do “tratado” em ato puramente discricionário (GODINHO, 2010).

O Decreto Legislativo será numerado e publicado, ficando o Presidente autorizado a ratificá-lo. A partir desse momento, o Estado estará a ele vinculado definitivamente e de forma irretratável, devendo haver a sua publicação no Diário Oficial da União. Daí em diante, o “tratado” estará oficialmente internalizado, apresentando valor jurídico tanto em âmbito nacional (com o ato Executivo) como internacional (que ocorre com a aprovação e publicação do Decreto Legislativo) (GODINHO, 2010).

Com o advento da Sociedade das Nações a da OIT, disciplinado de início pelo Tratado de Versalhes e depois pela Constituição da OIT de 1969, foram introduzidas importantes mudanças na elaboração, na conclusão e na aplicação de suas normas pelos Estados. De acordo com MIRKINE-GUETZÉVITCH,

“[…] segundo o artigo 45 do Tratado de Versalhes estabelece-se um procedimento especial para os projetos de convenção emanados da Conferência Internacional do Trabalho. Aprovados por dois terços dos membros da Conferência, os projetos de convenção devem ser apresentados a todos os Estados para ratificação, ainda que os representantes destes países tenham votado contra a adoção do projeto” (MIRKINE-GUETZÉVITCH, apud BORJA, 2006, p. 15-16).

Essa ressalva parecia contrariar o processo de elaboração dos tratados que tinham início por meio de convenções diplomáticas conduzidas com exclusividade pelo Poder Executivo dos Estados, tendo o seu fim por meio do exame de suas cláusulas com consequente aprovação do Poder Legislativo. Pelo fato de esse novo modo de agir no que tange aos referidos atos internacionais dever apresentar compatibilidade com a supremacia e a soberania das constituições nacionais dos Estados, o Tratado de Versalhes submeteu a aplicação das convenções da OIT à mediação do direito interno assim como às condições suspensivas ou resolutivas de obrigatoriedade de suas proposições.

Nesse sentido, a Constituição da OIT de 1969, mantém essa orientação determinando, em seu Art. 14, que:

“§ 1º a agenda de todas as reuniões da Conferência será estabelecida pelo Conselho de Administração, devendo ser considerada qualquer sugestão referente à agenda, tanto do governo de qualquer dos Membros, quanto de qualquer representante de organização, reconhecida para os fins do artigo 3, ou por qualquer organização internacional pública”.

O Tratado de Versalhes atribuiu uma classificação sui generis à iniciativa das proposições que forem submetidas à deliberação da Conferência (órgão legislativo de maior hierarquia da OIT), limitando, com isso, significativamente os seus efeitos (BORJA, 2006).

O Tratado de Versalhes dispõe a respeito dessa classificação o seguinte:

“Art. 405. Se a conferência se pronunciar pela aceitação de propostas relativas a um assunto em ordem do dia, terá de determinar se essas propostas deverão tomar a forma:

a) de recomendação a ser submetida ao exame dos membros, a fim de realizá-la como lei nacional ou de outra forma;

b) ou de projeto de convenção, a ser ratificado pelos membros.”

A Constituição da OIT mantém essa classificação no seu Art. 19, além de deixar à Conferência a atribuição de qualificar as propostas como convenções ou recomendações. No que se refere aos efeitos jurídicos da convenção, a Constituição da OIT e o Tratado de Versalhes prescrevem que ela será comunicada a todos os membros, não apenas com objetivo de ser por eles ratificada, mas também para a decretação de leis e outras medidas (Art. 19 § 5º, a, da Constituição da OIT). Caso o consentimento da autoridade competente seja concedido, o Membro fará comunicação ao diretor geral, que tomará as medidas necessárias, tornando efetivas às suas disposições (Art. 19, § 5º, d, da Constituição da OIT). Entretanto, a ratificação não deve ter efeito derrogatório de lei, sentença, laudo, costume ou de acordo que venha a assegurar aos trabalhadores condições mais favoráveis dos que as de uma convenção ou recomendação.

A Norma 405 do Tratado de Versalhes deu ensejo a diversas reações a respeito dos novos procedimentos da assembleia, no sentido de se tratar de tendência monista, normativa e internacionalista (BORJA, 2006). Isso porque, o Tratado de Versalhes adotou uma concepção dualista da relação do direito internacional com o direito interno.

Clovis Bevilaqua manifestou-se, oportunamente, a respeito do Art. 405 do Tratado de Versalhes, tendo atuado como Consultor Jurídico do Ministério das Relações Exteriores, opinando no sentido de que, “atendendo às circunstâncias especiais de cada povo, nem obrigam as recomendações, nem tampouco os projetos de convenção, como esclarece a alínea 8ª” (BEVILAQUA apud BORJA, 2006, p. 18).

O jurista conclui o parecer dizendo:

“1º) Que os projetos de convenção votados pela Conferência Internacional do Trabalho são levados ao conhecimento dos Governos de cada país, e estes, se acharem conveniente a sua adoção, combinarão com os outros países que pensarem do mesmo modo, dentre os representantes na Conferência, a transformação dos projetos em convenções, segundo as normas usuais, que, entre nós, são a aprovação pelo Congresso, e a troca de ratificação pelo Poder Executivo, que publicará o ato internacional

2º) Que nenhum dos Estados representados na Conferência, e muito menos os que a ela não compareceram, está obrigado a promover a aprovação desses acordos internacionais, nem tampouco a aceitá-los. Afinal são meras sugestões da Conferência” (BEVILAQUA, apud BORJA, 2006, p. 18).

O citado dispositivo, ou seja, o Art. 19, § 5º, da Constituição da OIT conclui que a ratificação das convenções não gera, ipso facto, a sua incorporação ao direito interno dos Estados-membros, sejam eles signatários ou não. Isso deixa claro que, no sistema da OIT, a ratificação dá eficácia às convenções como ato de direito internacional, porém não a transforma em fonte de produção de normas do referido direito. Isso fica claro levando-se em consideração que as disposições das convenções que não forem adotadas pelas Conferências da Organização poderão vir a ser transformadas em normas de direito interno ou internacional. Isso significa que, os membros da OIT não são obrigados a reproduzir em normas legislativas as proposições da Convenção, as quais poderão ser implementadas por outras maneiras. Deve-se, contundo, sempre lembrar que não se podem ser adotadas, em nenhum caso, regras mais favoráveis aos trabalhadores, caso essas normas já existam (Constituição da OIT, Art. 19, § 8º).

As Convenções da OIT possuem uma caraterística peculiar no que se refere ao seu método negocial distinto das demais convenções multilaterais em geral, que reside no fato de não serem produzidas em foro único. Em outras palavras, na negociação dessas convenções há a participação de outras representações além dos plenipotenciários estatais, tais como os representantes dos empregadores e trabalhadores. A diferença negocial entre as convenções da OIT das demais está no fato de elas não serem discutidas, aprovadas e assinadas somente por representes dos Estados contratantes, mas também por representantes dos empregadores e dos trabalhadores. Vale salientar que o termo mais apropriado a ser utilizado deveria ser “adesão” e não “ratificação” das convenções, já que estas não são firmadas pelos representantes dos Estados que as adotam, mas apenas pelo Presidente da reunião (à Conferência Internacional do Trabalho) e pelo Diretor Geral do bureau. Isso se dá pelo fato de que, em princípio, só se ratifica o que anteriormente se assinou; e isso não é o caso das convenções da OIT, onde não houve assinatura anterior (dos plenipotenciários dos Estados), existindo apenas, tecnicamente, a possibilidade de adesão ao texto convencional (MAZZUOLI, 2013).

Para que uma convenção internacional tenha vigência no plano internacional do trabalho, é necessário que um número determinado de Estados (previsto, normalmente na própria convenção) a ratifique; também tem de haver, posteriormente, o decurso de um prazo determinado. A convenção deve se encontrar em vigor no plano internacional no momento de sua ratificação para poder surtir efeitos no plano interno dos Estados. Isso ocorre com quaisquer tratados internacionais. Nesse sentido, as convenções internacionais do trabalho só terão vigência interna depois de já estarem vigorando no plano internacional, não se concebendo que um tratado internacional venha a ter vigência no plano interno, se nem sequer estiver vigorando em âmbito internacional, não existindo, portanto, como ato jurídico perfeito (MAZZOULI, 2013).

Em regra, o prazo estabelecido para que as convenções internacionais do trabalho tenham início, será de doze meses do registro de ao menos duas ratificações no bureau internacional do trabalho (SUSSEKIND, apud MAZZOULI, 2013). Quando em vigor no plano internacional, a convenção terá caráter cogente e obrigará todos os Estados-partes em relação à OIT no prazo de doze meses posteriormente à data em que for registrada a referida convenção. Não obstante poder ser denunciadas dentro do prazo de dez anos, as convenções da OIT apresentam vigência indeterminada, sendo caracterizadas como tratados permanentes.

No que se reporta às recomendações, da mesma forma que as convenções, estas deverão ser debatidas pela Conferência Geral da OIT com o intuito de poderem ser aceitas. Nesse sentido Constituição da OIT dispõe:

“Art. 19: Se a conferência se pronunciar pela aceitação de propostas relativas a um assunto na sua ordem do dia, deve decidir se estas propostas tomarão a forma:

a) de uma convenção internacional;

b) de uma recomendação quando o assunto tratado, ou um de seus aspectos não permitir a adoção imediata de uma convenção.”

Há, como mencionado anteriormente, algumas polêmicas a respeito da aceitação das recomendações por parte dos Estados. Estas tomam a forma de verdadeiras sugestões se lege ferenda às nações, na forma de programa a ser realizado ou um objetivo a ser perseguido. Modernamente, a OIT vem aprovando recomendações com o objetivo de apontar caminhos para as convenções que apresentam tão somente mero conteúdo principiológico. Apesar disso, algumas recomendações estão ganhando, ultimamente, importante influência na comunidade internacional, como é o caso da Recomendação nº 119 que trata a respeito do fim da relação laboral (GONÇALVES NAZARETH, 2009).

A respeito das recomendações, Martins assevera que:

“Recomendação é uma norma da OIT em que não houve número suficiente de adesões para que ela viesse a se transformar numa convenção. Para tanto passa a ter validade a penas como sugestão do Estado, como mera indicação, de modo a orientar o seu direito interno. Ela não é ratificada pelo Estado-membro, ao contrário do que ocorre com a convenção, mas é submetida à autoridade competente no direito interno” (MARTINS, apud GONÇALVES NAZARETH, 2009, p. 6).

Diante dessas considerações, pode-se inferir que a recomendação ingressa em nosso ordenamento jurídico interno como uma mera fonte material de direitos. Isso por que ela não cria direitos e obrigações para os seus signatários, sendo a sua efetividade considerada bastante precária. No mais, como ocorre com as convenções, as recomendações devem ser aprovadas pela Conferência da OIT em duas sessões seguidas para que possa entrar em vigor (GONÇALVES NAZARETH, 2009).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos concluir que, no que se refere às convenções e recomendações da OIT celebradas pelo Estado brasileiro, depois de adotadas na Conferência da OIT, estas deverão seguir, basicamente, o mesmo trâmite interno dos demais tratados internacionais. A diferença está na dispensa da formalidade quanto à assinatura no sentido de que a Conferência para garantir a sua autenticidade adota apenas duas assinaturas: a do Presidente a do Secretário-geral da Conferência. Afora isso, a integração das convenções da OIT ao direito brasileiro dá-se tal qual qualquer outro tratado, respeitando, outrossim, as regras gerais do Direito dos Tratados bem como das normas internas estatuídas na Constituição Federal dispostas nos Arts. 84, VIII, e 49, I, que tratam, respectivamente, da competência do Presidente da República no que tange aos tratados, e do Congresso Nacional, para referendá-los, com a posterior ratificação do Chefe do Executivo (MAZZUOLI, 2013).

Por outro lado, no que se reporta ao caso das convenções da OIT no ordenamento jurídico interno, algumas peculiaridades vêm causando divergência na doutrina. Nesse ponto, é sabido que, na Teoria Geral do Direito dos Tratados, a submissão dessas convenções à autoridade interna competente para que o referende não é obrigatória; essa faculdade, portanto, é um ato discricionário do Presidente da República, que tem o poder de decidir se irá ou não submeter o texto do tratado assinado ao crivo da autoridade interna competente (SUSSEKIND, apud MAZZOULI, 2013).

Essa autoridade irá verificar a viabilidade de o país se engajar ou não em definitivo ao tratado que fora assinado anteriormente; e essa questão será levada a cabo pelo Chefe do Executivo. O ato da autoridade interna não vincula o Chefe do Executivo, que poderá aprovar ou não o texto. A referida ratificação pelo Chefe do Executivo, também facultativa (ou discricionária).

A polêmica que surge no que tange às convenções da OIT, é meramente processualista e não é seguida na sua totalidade, o que vem gerando dúvidas quanto à aplicação do Art. 19 § 5º, b, da Constituição da OIT. Os Estados-parte nas convenções internacionais do trabalho devem submeter a convenção ao crivo da autoridade competente.

As convenções da OIT submetidas ao Congresso Nacional para a devida aprovação, e sendo por esta aprovada, deverão ser as mesmas, obrigatoriamente, que foram ratificadas pelo Presidente da República, conforme o disposto no Art. 19 § 5º alíneas b e d da Constituição da OIT. Esses dispositivos tratam de uma exceção no Direito Internacional Público. Eles facultam ratificação pelo Chefe do Executivo, o que não ocorre, de ordinário, no caso de tratados internacionais em geral (MAZZUOLI, 2013).

A Conferência deverá, em qualquer caso, ingressar em uma tentativa de se criar um direito uniforme, promovendo a universalização das normas da Justiça Social. Deve-se, também, buscar a prioridade pela aplicação da convenção, em decorrência de sua maior hierarquia e eficácia jurídica. A adoção da recomendação, nesse sentido, passa a ser usada apenas “quando o tema ou um dos seus aspectos não seja considerado conveniente ou apropriado para ser, no momento, objeto de uma convenção” (Art. 19, § 1º, da Constituição da OIT). Além disso, a recomendação tem sido utilizada em larga escala para detalhar com as suas disposições, as convenções de princípios (AMARAL DE SOUSA, 2006).

Em conclusão, existem apenas diferenças quanto aos efeitos jurídicos entre as convenções e as recomendações, não havendo, contudo, distinção material entre ambas. É essencial ter em mente que as convenções possuem força coercitiva, são objeto de ratificação pelos Estados-membros e devem ser submetidas à autoridade competente para legislar a respeito da matéria a que se refere. As recomendações não passam de meras sugestões de matérias relevantes, às quais não chegaram a ser alçadas ao nível de convenção e que poderão ser adotadas por quaisquer fontes diretas e autônomas do direito do trabalho (AMARAL DE SOUSA, 2006).

 

Referências
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe (Coord.). Elementos de Direito Internacional Público. Barueri, SP: Manole, 2003.
BORJA, Célio. Dossiê. Incorporação de normas internacionais ao direito brasileiro. CEBRI – Centro Brasileiro de Relações Internacionais, v. 1, Ano 5, 2006. Disponível em: <www.cebri.org/midia/…/incorporacaodenormasinternacionais.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2016.
FRIEDRICH, Tatyana Scheila; Araújo, Leonardo A. Título III. In: BACELLAR FILHO, Romeu Felipe (Coord.). Elementos de Direito Internacional Público. Barueri, SP: Manole, 2003.
GODINHO, Thiago José Zanini. Elementos de Direito Internacional Público. São Paulo: Atlas, 2010.
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Integração das convenções e recomendações internacionais da OIT no Brasil e sua aplicação sob a perspectiva do princípio pro homine. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 43, 2013. Disponível em: <http://portal.trt15.jus.br/documents/124965/1488681/Rev.43_art.4/94b0e824-e2ae-4456-90bb-3922c1aeef35>. Acesso em: 15 jun. 2016.
NAZARETH, Gleydson Gonçalves. As convenções e recomendações de direitos humanos da OIT e sua aplicação no Direito brasileiro. Jus Navegandi, 2010. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/17891>. Acesso em: 5 maio 2016.
OIT. Organização Internacional do Trabalho. História, s.d. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/content/hist%C3%B3ria>. Acesso em: 15 jun. 2016.
SOUZA, Zoraide Amaral de. A Organização Internacional do Trabalho – OIT. Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VII, n. 9, dez, 2006, p. 425-465. Disponível em: <http://fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista09/Artigos/Zoraide.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2016.
Nota
* Artigo final da disciplina de Constitucionalidade do Direito Ambiental e Internacional, ministrada pelo Prof. Dr. Luís Sales do Nascimento, na Universidade Católica de Santos em junho de 2016.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Patricia Sarmento Rolim

 

Advogada. Mestranda em Direito Ambiental – UNISANTOS/SP. Doutoranda Ciências Jurídicas e Sociais – UMSA/Argentina

 


 

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