O instituto das medidas de proteção à criança e adolescente consagradas pelo art. 98 da Lei 8.069/90 como instrumento para fomento do direito fundamental à alimentação adequada do pubescente

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Resumo: O presente tem como finalidade a demonstração da concretização do direito humano à alimentação adequada (DHAA) que foi inserido no texto constitucional como direito fundamental, tendo como sustentáculo o direito humano do homem de gozar de uma vida digna, incluindo a segurança alimentar e nutricional em relação às crianças e adolescentes. A lei 8.069/90, que dispõe sobre os direitos dos infantes demonstra que a preocupação com a segurança alimentar e nutricional vai muito além dos programas públicos já disponíveis no corpo social, mas existem institutos legais que viabilizam o acesso à alimentação adequada, como por exemplo as medidas de proteção, instrumento tema deste trabalho, com enfoque na acessibilidade emergencial a alimentos adequados de crianças e adolescentes. [1]

Palavras-chave: Direito à Alimentação. Estatuto da Criança e do Adolescente. Medidas de Proteção.

Sumário: 1 Comentários Preliminares; 2 Direito Humano à Alimentação Adequada: Aspectos Caracterizadores; 3 Garantias Judiciais do acesso à alimentação adequada de crianças e adolescentes; 4 A problemática das medidas de proteção elencadas no art. 98 da Lei 8.069/90 e a efetividade do direito à alimentação adequada de crianças e adolescentes; 5 Considerações Finais

1 COMENTÁRIOS PRELIMINARES

A fome é considerada o maior óbice ao desenvolvimento mundial; desde os primórdios das civilizações há narrativas da necessidade e dificuldade que o homem enfrentava para subsistir e suprir seus desprovimentos nutricionais. Neste ínterim, faz-se imprescindível aprazar Josué de Castro, um dos intelectuais brasileiros mais renomados, haja vista seus estudos a cerca da fome e acoplando tais conceitos à realidade brasileira de forma poética e melancólica. Segundo o referido autor (CASTRO, 2011, p.5), após rigorosos estudos, a fome, diferentemente de outras endemias, é suscetível de cura, dependendo, no entanto, da ação do Estado para o fornecimento dos alimentos adequados para cada região, atentando-se para as peculiaridades das mesmas.

Neste ínterim, o autor supracitado, analisando sobre a ótica histórica da população brasileira, especificamente em relação a má distribuição de renda que desde a era colonial persiste, define a fome a partir dos seguintes conceitos: individual ou coletiva; endêmica ou epidêmica; parcial ou total, subdividindo-a ainda em áreas territoriais, quais sejam: Amazônia, Nordeste Açucareiro, Sertão Nordestino, Centro-Oeste e Extremo Sul, concluindo portanto a remediação encontra-se em considerar as regiões individualmente com suas qualidades históricas, geográficas, econômicas e sociais. Diante disso, o estudo da fome deve ser conferido da seguinte maneira:

“(…) o objetivo é analisar o fenômeno da fome coletiva – da fome atingindo endêmica ou epidemicamente as grandes massas humanas. Não só a fome total, a verdadeira inanição que os povos de língua inglesa chamam de starvation, fenômeno, em geral, limitado a áreas de extrema miséria e a contingências excepcionais, como o fenômeno muito mais freqüente e mais grave, em suas conseqüências numéricas, da fome parcial, da chamada fome oculta, na qual, pela falta permanente de determinados elementos nutritivos, em seus regimes habituais, grupos inteiros de populações se deixam morrer lentamente de fome, apesar de comerem todos os dias. É principalmente o estudo dessas coletivas fomes parciais, dessas fomes específicas, em sua infinita variedade, que constitui o objetivo nuclear do nosso trabalho” (CASTRO, 2011, p. 152).

À luz do exposto, é imperioso dizer que a fome trata-se não somente da ausência de alimento, mas da falta dos nutrientes necessários para um equilíbrio alimentar, que alcança o desenvolvimento pessoal e coletivo da sociedade, destarte, é indispensável que o Ente Estatal disponha de políticas públicas capazes de não somente matar a fome instantânea, não obstante a nutrir o indivíduo e sanar suas disfunções alimentares. Nesse sentido, nasce a definição de Segurança Alimentar, tema desta pesquisa.

Precedentemente, insta discorrer sobre o histórico instituto no Brasil, que é elevadamente meritório para o desenvolvimento social, com o intuito de entender tal significância. Precipuamente, a expressão Segurança Alimentar ganha enfoque no Brasil após a I Conferência Internacional Alimentar e Nutricional em 1986, intensificando as discussões, haja vista a consagração do Direito à Alimentação Adequada (DHAA) ao rol de direitos fundamentais em 1948, no qual o Brasil se achava membro, alargando o conceito com a I Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional em 1994, promovida pelo CONSEA, com a seguinte definição: “trata-se do acesso universal aos alimentos, o aspecto nutricional e, conseqüentemente, as questões relativas à composição, à qualidade e ao aproveitamento biológico” (BRASIL, 2003, p.11).

Sucessivamente, em 1995, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA), é extinto, prescindindo o Conselho da Comunidade Solidária, deslocando o centro das discussões da Segurança Alimentar para a questão da pobreza. Conquanto, em 1996, o Brasil participa da Cúpula Mundial de Alimentação, realizada pela FAO, trazendo consigo o conceito a seguir:

“A Segurança Alimentar e Nutricional significa garantir, a todos, condições de acesso a alimentos básicos de qualidade, em quantidade suficiente, de modo permanente e sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, com base em práticas alimentares saudáveis, contribuindo, assim, para uma existência digna, em um contexto de desenvolvimento integral da pessoa humana” (BRASIL, 1996, p.4)

Nesse sentido, em 2001 é criado o projeto fome zero, constituído pelo instituto da cidadania, que visava erradicar a fome que submetia cerca de 54 milhões de pessoas à situação de insegurança alimentar, sendo o mesmo programa o responsável por eleger Luiz Inácio Lula da Silva à presidente da república no ano de 2002. Tal equipamento tornou-se importante para o aumento dos debates relacionados à segurança alimentar e nutricional, envolvendo os órgãos, institutos, sindicatos e outros para a questão da fome. Assim, o Instituto da Cidadania reiterou o conceito consagrado pela Cúpula Mundial de Alimentação, acrescentando, todavia, definições próprias, como se observa a seguir:

“[…] a garantia do direito de todos ao acesso a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente e de modo permanente, com base em práticas alimentares saudáveis e sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais nem o sistema alimentar futuro, devendo se realizar em bases sustentáveis. Todo o país deve ser soberano para assegurar sua segurança alimentar, respeitando as características culturais de cada povo, manifestadas no ato de se alimentar. É responsabilidade dos Estados Nacionais assegurarem este direito e devem fazê-lo em obrigatória articulação com a sociedade civil, cada parte cumprindo suas atribuições específicas” (INSTITUTO CIDADANIA, 2001, p.15).

Consequentemente, como marco da SAN em território nacional faz-se imperioso citar a criação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), através da Lei 11.346/2006, com a finalidade de assegurar o direito humano à alimentação adequada afamada pela Declaração dos Direitos do Homem em 1948. Esse compilado legal traz princípios, definições, diretrizes, objetivos do sistema supracitado, com o intuito de através da participação estatal e social, formular e implantar programas e ações que visem a solidificação da Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil. Sequencialmente, tem-se o mais imprescindível símbolo do DHAA em território nacional, qual seja, a implementação de tal direito no rol de direitos fundamentais, a saber, ao art. 6º da Constituição Federal, elevando-o a essencialidade e coagindo o Estado à fornecê-lo, como poderá ser verificado posteriormente.

Em relação às crianças e adolescentes, ainda sobre o prisma da dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais e sociais enxertados na Constituição de 1988, é garantia destes indivíduos gozar das mais elevadas possibilidades de desenvolvimento social, isso porque sua situação de vulnerabilidade é mais crônica, haja vista a não formação completa de sua personalidade, de suas qualidades físicas e mentais, dentre outros aspectos peculiares que permeiam estes cidadãos. Neste ínterim, a Lei n° 8.069 de 1990 é criada, dispondo sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, tratando inclusive, como se verá posteriormente, da alimentação adequada destes impúberes como forma de facilitar seu desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, sendo responsabilidade da família, da sociedade e do Estado tal diretriz.

2 DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA: ASPECTOS CARACTERIZADORES

O direito humano à alimentação adequada (DHAA) encontra-se no rol de elementos inalienáveis e imprescritíveis dos direitos fundamentais, ganhando respaldo em vários documentos internacionais, sobretudo a Declaração dos direitos do Homem (1948), tendo como fito de que a distância da fome é elemento para que os outros direitos fundamentais sejam efetivados. O documento supramencionado dispõe que “todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle” (ONU, 1948).

O âmago do direito supramencionado tem como sustentáculo o princípio da dignidade da pessoa humana, sendo anterior ao próprio direito garantido, este cânone supera todas as barreiras políticas para garantir ao homem o gozo de sua liberdade com qualidade e segurança. Com efeito, é rudimento próprio do ser humano, “destacado de qualquer requisito ou condição, não encontrando qualquer obstáculo ou ponto limítrofe em razão da nacionalidade, gênero, etnia, credo ou posição social” (RANGEL, 2015, p.5). Portanto, combater a fome é obrigação do Estado, e este a cumpre por meio do fornecimento, da previsão ou de condições favoráveis para o indivíduo elevar-se a um status de segurança alimentar e nutricional, como forma de efetivação da dignidade do homem.

A concepção de segurança alimentar e nutricional, apesar de ser um conceito inovador, possui encorpado significado, no qual, todos sem distinção, devem ter garantidas as condições para adquirir alimentos básicos de qualidade para si e para sua família, de maneira que possuam quantidade suficiente para se manterem sem prejudicar as outras áreas que necessitam de aplicação econômica da família e que também são fundamentais para a concretização da dignidade da pessoa humana, podendo assim o indivíduo desenvolver-se de forma sadia e digna no corpo social. É imprescindível sublinhar que o Estado não deve só proteger o direito à alimentação adequada, mas colocá-la como prioridade nas políticas realizadas pelo mesmo a fim de garantir o desenvolvimento pessoal do cidadão e o crescimento do próprio Ente Estatal. Tal garantia, apesar de ter sido contemplada pela Declaração dos Direitos Humanos (1948), foi ratificada de forma minuciosa e pormenorizada no Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais, Políticos e Culturais (1966) especificamente no art. 11 do dispositivo, nestes termos:

“1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a nível de vida adequado para si próprio e sua família,inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento. 2. Os Estados Partes do presente pacto, reconhecendo o direito fundamental de toda pessoa de estar protegida contra a fome, adotarão, individualmente e mediante cooperação internacional, as medidas, inclusive programas concretos, que se façam necessárias para: a) melhorar os métodos de produção, conservação e distribuição de gêneros alimentícios pela plena utilização dos conhecimentos técnicos e científicos, pela difusão de princípios de educação nutricional e pelo aperfeiçoamento ou reforma dos regimes agrários, de maneira que se assegurem a exploração e a utilização mais eficazes dos recursos naturais; b) Assegurar uma repartição eqüitativa dos recursos alimentícios mundiais em relação às necessidades, levando-se em conta os problemas tanto dos países importadores quanto dos exportadores de gêneros alimentícios”. (ONU, 1996, s,p)

Este instrumento, considerado um dos mais importantes para a realização do direito humano à alimentação adequada, tem como fito garantir que tais conquistas não sejam meramente observadas, mas que os Estados cumpram e apliquem em seu território o que ficou pactuado. O direito à alimentação tem como aspectos vinculantes a quantidade adequada para os níveis sociais e econômicos do Estado; a segurança alimentar e nutricional possível e disponível para todos, tendo sua utilização de forma que as gerações posteriores também desfrutem deste direito;os alimentos nutritivos e suficientes para suprir as necessidades fisiológicas de cada indivíduo para que seu desenvolvimento físico e mental seja saudável levando em consideração as características pessoais de cada um; alimentos em bom estado de conservação e que não sejam alterados ou contaminados; que o cidadão tenha viabilidade para adquirir os alimentos no tange à comercialização e distribuição e a realidade econômica de cada grupo ou coletividade para adquirir os alimentos necessários para sua estadia digna, priorizando aqueles menos favorecidos socialmente.Neste mesmo sentido, Nascimento declara que:

“Os Estados precisam cumprir certas obrigações que podem ser classificadas em três níveis, para garantir o direito humano a uma alimentação adequada: respeitar, proteger e realizar, de forma que a obrigação de realizar está imbricada com aquelas de facilitar e de fazer efetivamente (ONU, 1999). Ou seja, ‘respeitar’ o acesso à alimentação adequada; ao ‘proteger’ devem se assegurar de que as empresas ou particulares não impeçam o acesso à alimentação adequada; e, ao ‘realizar’ (facilitar), o Estado Parte deve procurar desenvolver atividades que fortaleçam o aceso e a utilização pela população dos recursos e meios de vida, incluindo a segurança alimentar. Se acontecer de um indivíduo ou grupo ser incapaz de ter acesso, por razões que não lhes dizem respeitos, o Estado tem a obrigação de realizar (fazer efetivo) diretamente esse direito; inclusive, àquelas vítimas de catástrofes naturais ou de outra ordem”. (NASCIMENTO, s.d, s.p)

Com efeito, estas concepções não podem sucumbir haja vista a dependência e necessidade do homem em ter qualidade de vida no meio em que se encontra. No Brasil, o direito à alimentação adequada não foi somente introduzido na Constituição Federal de 1988 como foi elevado ao status de direito fundamental através da Emenda Constitucional Nº 64/2010, podendo ser encontrado no caput do art. 6º da Carta Magna, in verbis, “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL, 1988).

Observar o DHAA na Carta Maior significa que o Estado está obrigado a fornecer, prover e dar condições a todos os seus cidadãos de terem uma subsistência digna, visando o desenvolvimento pessoal do indivíduo e também o social e o fazendo através de políticas públicas que viabilizem o acesso à alimentação adequada, analisando quais instrumentos serão usados, quais as formas de distribuição mais eficazes para diminuir as desigualdades em todos os sentidos no contexto social para que cada indivíduo possua condições de ter sua dignidade alcançada como cidadão haja vista que o direito à alimentação adequada não está relacionada somente com a erradicação da fome, mas também com todos os âmbitos organizacionais do Estado, seja na política, nos planos desenvolvimentistas, na organização da sociedade em sim e as desproporções que emergem do meio social.

Neste diapasão, o DHAA possui três aspectos delimitadores indispensáveis para a efetiva aplicação do referido direito, são eles: disponibilidade, acessibilidade e adequação (RANGEL, 2015, p. 11). A disponibilidade diz respeito ao fácil alcance dos alimentos necessários por um indivíduo quando este o requerer, isto é, o alimento adequado precisa estar disponível ao homem de forma que consiga obtê-lo com facilidade, pode ser por meio do próprio plantio, pelos recursos naturais como pesca e caça, além da comercialização dos alimentos. A acessibilidade, por sua vez, refere-se às condições econômicas e físicas do ser para adquirir os alimentos adequados de maneira que não comprometa as demais necessidades do indivíduo e sua família, ou seja, até mesmo aquelas pessoas que vivem em comunidades longínquas ou os idosos e crianças, dentre outros obstáculos que podem dificultar o acesso à alimentação saudável, devem ser contemplados por tal garantia. Por fim, o alimento adequado leva em consideração as condições concernentes ao próprio indivíduo no que tange à sua idade, gênero, seu grau de esforço no dia a dia, a saúde, dentre outras características que exigem certo tipo de alimentação atendendo então as necessidades alimentares do homem.

3 GARANTIAS JURÍDICAS DO ACESSO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

O direito da Criança e do Adolescente emerge com alguns documentos como a Declaração de 1924 sobre as crianças e adolescentes; o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, dentre outros, mas ganha enfoque internacional com a Convenção sobre os direitos das crianças e dos adolescentes, discutido pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1989, se tornando a Carta Magna para as crianças de todo o mundo.

Tal cânone define o que é o termo ‘criança’, dispondo em seu art. 1° o que segue: “Considera-se criança todo ser humano com menos de 18 anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes”; traça diretrizes e bases para os Estados, a Sociedade e a Família de como proceder para garantirem o pleno desenvolvimento do menor, determinando em seu art. 27 que os Estados devem reconhecer o direito de toda criança a um nível de vida adequado ao seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social, incluindo a alimentação adequada.

No que tange às relações humanas americanas, salta aos olhos gizar sobre o que prevê o importante Pacto de San José da Costa Rica, de 1969, alinhavado pela convenção de direitos humanos dos Estados americanos signatários. Em seu art. 19, determina que “Toda criança tem direito às medidas de proteção que a sua condição de menor requer por parte de sua família, da sociedade e do Estado”. Isso fez com que os países pertencentes a esta convenção desenvolvessem projetos de leis e programas que viabilizassem o crescimento de todas as áreas da vida infantil, permitindo o pleno gozo da vida ás crianças e adolescentes.

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O Brasil, como seguidor de todas as declarações acima citadas, tem como preceito legal maior ao direito da criança e do adolescente o art. 227 da CF/88, nestes termos, “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Assim, percebe-se a preocupação e a necessidade de proteger os direitos dos impúberes, como forma basilar de se construir uma sociedade igualitária, justa e solidária.

Conjuntamente ao preceito constitucional supracitado e também a fim de regulamentar o mesmo, é criada a Lei 8.069 de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, prevendo ainda a proteção integral á este grupo vulnerável. Já em sede de conceituação, o art. 1° da referida lei determina que se considere criança a pessoa até 12 anos de idade completos, ao passo que o adolescente é aquela entre 12 e 18 anos de idade, podendo se estender até 21 anos nos casos excepcionados em lei.

Ainda nesse sentido, o dispositivo legal aludido determina sobre a responsabilidade estatal, impondo que seja assegurado aos infantes todas as oportunidades e facilidades que lhe permitam o pleno desenvolvimento, haja vista que gozam de todos os direitos inerentes á dignidade da pessoa humana consubstanciado aos direitos especiais trazidos pela lei; instaurando ainda que o Poder Público deve dar absoluta prioridade à efetivação dos direitos inerentes a condição humana, englobando consigo o direito à alimentação, conforme lição do art. 4° do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Com efeito, o Estado tem o dever de produzir meios que viabilizem a efetivação dos direitos da criança e do adolescente, como todo expandido não se trata de mero direito social, mas sim de uma garantia fundamental, que diz respeito à dignidade da pessoa humana e que vai além dos cuidados familiares, pelo contrário, toda a sociedade e o poder público devem estar unidos com afinco aspirando a concretização da vida dos indivíduos aqui estudados.

Destarte, insta salientar que o direito à alimentação da criança e do adolescente relaciona-se intrinsecamente com a sua vida e sua saúde, tendo em vista sua incapacidade de prover-se de maneira só, é o que preleciona o art. 8, §3° da Lei 8.069/90, in litteris, “incumbe ao Poder Público propiciar apoio alimentar à alimentante e à nutriz que dele necessitam”, devendo o ente estatal preocupar-se com a nutrição pré e pós parto, fornecendo de maneira satisfatórias os nutrientes necessários à sobrevivência e segurança alimentar do neonato e a mantença nutricional da mãe, se assim não puder manter-se sozinha.

Como ápice da proteção estatal no que se refere ao direito processual, tem-se as medidas protetivas, elencadas nos arts. 98 a 102 do Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo pilares do instituto o reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de direitos, que devem ser processados de forma prioritária e integral e a responsabilização primária e solidária do poder público pela plena efetivação dos direitos assegurados aos infantes, abarcando as três esferas de governo, que devem possibilitar a execução de programas por entidades não governamentais e a aplicação de projetos governamentais capazes de efetivarem os direitos.

4 A PROBLEMÁTICA DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO ELENCADAS NO ART. 98 DA LEI 8.069/90 E A EFETIVIDADE DO DIREITO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

O art. 4º da Lei 8.069 de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) determina que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos inerentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, como já tratado exaustivamente ao correr do texto. Concomitantemente, o mesmo cânone legal traz em seu art. 98 sobre as medidas de proteção, asseverando que tais medidas serão aplicadas sempre que um dos direitos reconhecidos naquela lei for ameaçados ou violado, por ação ou omissão do Estado; por falta ou omissão dos pais ou responsáveis ou por sua conduta. Nesse ideário, percebe-se que a intervenção do Estado é importante, inclusive, quando se relaciona com a alimentação adequada do infante.

Nesse prisma, conforme lição de Azevedo e Guerra (1998, p.16), “a negligência se configura quando os pais (ou responsáveis) falham em termos de atendimento às necessidades de seus filhos (alimentação, vestuário, etc.) e quando tal falha não é resultado das condições de vida além de seu controle”, destarte, a inobservância do dever em cheque pode assumir diversas faces, desde a inobservância de um cuidado até o abandono, momento em que o Estado através de suas instituições, devem assumir o papel a fim de suprir às vulnerabilidades do menor, isso se faz através do conselho tutelar ou ainda qualquer ator social que tenha como função zelar pelos direitos das crianças e adolescentes. Importante é salientar que se leva em consideração as condições familiares socioeconômicas, no qual auferindo que não há a possibilidade de subsistência dos indivíduos, deve propiciar a inclusão dos mesmo em programas sociais e públicos que viabilizem o acesso à alimentação adequada e, consequentemente, a segurança alimentar e nutricional.

Diante disso, a constatação de vulnerabilidade em relação à alimentos do menor desencadeia urgência aos procedimentos públicos, haja vista a urgência que consagra o estatuto da criança e do adolescente, o que permite a aplicação das medidas protetivas. Sequencialmente, o art. 101 do ECRIAD, dispõe que verificadas as hipóteses previstas no art. 98, poderá a autoridade competente, dentre outras medidas, a inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio á família, à criança ou adolescente; sendo ainda pertinente discriminar que é aplicável ao pais ou responsáveis o encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família (art. 129/ECRIAD).Com efeito, o objetivo das medidas de proteção não é destituir o pátrio poder, mas sim fortalecer os vínculos familiares, através da inclusão das famílias aos equipamentos públicos disponíveis para sanar as necessidades do pupilo, inclusive em relação à alimentação. O Plano Nacional de Convivência Familiar (s.d, p. 38) ensina que

“Os programas de apoio familiar devem perseguir o objetivo de fortalecera família, a partir de sua singularidade, estabelecendo de maneira participativa, um plano de trabalho ou plano promocional da família que valorize sua capacidade de encontrar soluções aos problemas encontrados, com apoio técnico-institucional, abarcando, entre outras, a dimensão de superação das vulnerabilidades sociais decorrentes da pobreza, incluindo as condições de habitabildade, segurança alimentar, trabalho e geração de renda.” (BRASIL, s.d., p.38).

Deveras, as medidas protetivas são um instrumento legal importantíssimo para a promoção do DHAA, haja vista sua urgência em erradicar a vulnerabilidade das crianças e adolescentes, possibilitando a inserção imediata das famílias nos equipamentos públicos disponíveis ao Estado para a efetivação do DHAA, como por exemplo o programa Bolsa Família, os Bancos de Alimentos, os Restaurantes Populares, dentre outros, trazendo os indivíduos a uma situação de segurança nutricional. Através da aplicação das medidas, o Estado cumpre seu dever em relação ao zelo com o direito das crianças e adolescentes juntamente com os programas já inseridos no corpo social com a finalidade de promoverem a solidificação do direito fundamental à alimentação adequada consagrado pela Constituição Federal.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Notório é gizar que a fome é um problema desde os primórdios da sociedade, o homem desde seu nascimento sempre lutou por sua subsistência, conseguindo meios para a mesma. Com a vivência em sociedade, tal concepção tornou-se relativamente mais difícil. Nesse sentido, o direito à alimentação adequada emerge dispondo que a alimentação equilibrada diz respeito ao principio da dignidade da pessoa humana que se encontra intrínseco a sua própria natureza de ser humano, devendo, portanto, o Estado desenvolver políticas que viabilizem o acesso aos alimentos devidamente nutridos, salienta-se ainda que essa garantia é abraçada pela declaração dos direitos do homem, de 1948.

As crianças e os adolescentes, como os indivíduos mais vulneráveis na sociedade, necessitam de uma proteção especial, nesse sentido, vários foram os esforços para garantirem os direitos das crianças e dos adolescentes, sendo o clímax em âmbito nacional a sanção do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que dispõe e consagra direitos inerentes a estes indivíduos fragilizados por sua condição, inserindo os direitos fundamentais como o direito à vida, à saúde, à educação e alimentação, trazendo em seu texto institutos e soluções que viabilizem a cessação da vulnerabilidade existente, verbi gratia, as medidas de proteção elencadas no art. 98 da Lei 8.069/90.

Tal regulamento determina a prioridade no processamento de procedimentos inerentes à crianças e adolescente, o que possibilita a efetivação do direito à alimentação adequada de forma muito mais célere, através de seus mais variados objetivos, quais sejam, a inserção dos infantes e sua família à programas públicos e comunitários que erradiquem a vulnerabilidade e a valorização das relações familiares.

 

Referências
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BRASIL. Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
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______. Plano de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. DF, Brasília: SDH, s.d. Disponível em:<http://www.sdh.gov.br/assuntos/criancas-e-adolescentes/programas/pdf/plano-nacional-de-convivencia-familiar-e.pdf>. Acesso em: 22 mai. 2017.
_______. A Segurança Alimentar e Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada no Brasil: indicadores e monitoramento da Constituição de 1988 aos dias atuais. DF, Brasília: CONSEA, 2010. Acesso em: 13 jan. 2017.
________. Política nacional de alimentação e nutrição. 2 ed. rev., Brasília: Ministério da Saúde, 2003.
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RANGEL, Tauã Lima Verdan. Direito à alimentação adequada e desenvolvimento humano: a possibilidade de justiciabilidade da temática e a concreção da dignidade da pessoa humana. Foz do Iguaçu: CONINTER, 2015.
 
Nota
[1] Artigo vinculado ao Projeto de Iniciação Científica intitulado "O direito humano à alimentação adequada (DHAA) em uma ótica regionalizada: os impactos da Política Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional em Cachoeiro de Itapemirim-ES, à luz dos equipamentos públicos de alimentação”.


Informações Sobre os Autores

Kemelly de Souza Rosa

Acadêmica de Direito do Instituto de Ensino Superior do Espírito Santo (IESES) – Unidade Cachoeiro de Itapemirim

Tauã Lima Verdan Rangel

Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES


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