O instituto do usufruto como instrumento de planejamento hereditário

Resumo: O tema que ora se apresenta à comunidade acadêmica tem por foco o instituto do usufruto como planejamento em vida para efeitos depois dela. Para delimitação do tema restringiu-se o âmbito de investigação desse assunto às considerações sobre a vida familiar e o patrimônio nela existente. O assunto é relevante e atual. Justifica-se pela falta de observância, uso, ou desconhecimento, pelas pessoas, acerca deste instituto. A problemática existente é o desacordo quanto aos bens que restaram da vida do ente falecido que causam disputas familiares, demonstrando, assim, que a utilização do usufruto é capaz de sanar esse feito. Deste modo, o objetivo geral é apresentar argumentos favoráveis e práticos em comparação aos meios de destinação de herança utilizados no ordenamento jurídico brasileiro. Optou-se pelo método de pesquisa bibliográfica para descrever os institutos abordados. Ao fim, pode-se concluir que o instrumento do usufruto é pouco utilizado pelas pessoas, haja vista outros instrumentos propostos pelo ordenamento, do quais são eficazes, porém produzem efeito apenas para depois da vida. O usufruto é capaz de direcionar bens em vida, decisão que pode ser discutida com os herdeiros para que depois da morte obtenham-se questões pacificas quanto a vontade do ente falecido[1].

Palavras-chaves: Direito de Família. Sucessões. Usufruto.

Abstract: The present study shown to the academic community has as its focus the Institute use as life planning for effects after life. For delimitation of the topic was restricted the scope of investigation of this subject the considerations on family life and her heritage. The theme is relevant and current and is justified by the lack of compliance with, use, or ignorance, by people about this Institute. The existing problem is disagreement about the remaining assets of the deceased loved one's life that cause family quarrels, thus demonstrating that the use of the usufruct is able to remedy this. Therefore, the overall objective is to present the case and practical as compared to destination means of inheritance used in the Brazilian legal system. We opted for the bibliographical research method to describe the institutes. At the end, it can be concluded that the Institute use is little used by people, other instruments proposed by the, which are effective, but produce an effect only for afterlife. The enjoyment is able to direct assets in life, that decision can be discussed with the heirs to that after death get peaceful issues as the will of the deceased entity.

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Keywords: Family law. Successions. Usufruct.

Sumário: Introdução. 1 Desenvolvimento; 1.1 Princípios norteadores basilares; 1.2 Usufruto como planejamento hereditário e gestão de bens; 1.3 Direito real de usufruto; 1.3.1 Abordagem histórica; 1.4 Características do usufruto; 1.4.1 Quanto a exclusão do instituto 1.5 Direito hereditário frente as obrigações tributarias; 1.6 Testamento como distribuição de planejamento sucessório; 1.7 Doação de bens como planejamento sucessório positivado; Considerações finais.

"O planejamento não diz respeito a decisões futuras, mas às implicações futuras de decisões presentes" – Peter Drucker 

INTRODUÇÃO

Tratar sobre qualquer assunto direcionado ao pós-morte é um grande tabu na sociedade, especificamente dentro dos núcleos familiares, haja vista a dificuldade que as pessoas possuem em aceitar a despedida diante de um ente querido, quiçá tratar de assuntos relacionados às consequências desse desenlace.

Os motivos se justificam, num primeiro momento, pela dor que será enfrentada, pelo medo que muitos familiares diante de seus ascendentes e descendentes têm em abordar um assunto que, de regra, nada tem de complicado. Entretanto, em razão das relações morais que nos foram impostas, a preocupação em parecer pensar apenas no “patrimônio” é tolerável e compreensível, gerando assim, problemas futuros para os familiares herdeiros.

A morte, sendo consequência natural da vida, traz à tona muitos conflitos antes inexistentes e despercebidos pelos familiares sobretudo quando o ente falecido possuía patrimônio ou bens que não foram direcionados a ninguém em vida por nenhum instrumento jurídico, o que passa a ser objeto de ações judiciais e, em inúmeros casos, conflitos e atritos entre família. Os familiares passam a descaracterizar a ligação sanguínea e se constituem verdadeiros inimigos na disputa judicial.

Para regular a situação quanto aos bens, o Direito dispõe acerca de alguns ramos como Direito Real, do qual se respalda num conjunto de normas que atribuem valores a bens corpóreos e incorpóreos vinculados a pessoa que exerce sua titularidade e concebe todos os direitos previstos na lei. A disposição de bens para terceiros poderá ser estruturada, entre outros meios, pela figura do usufruto, instituto do Direito Real sobre coisa alheia que acarreta em inúmeras consequências. A utilização do usufruto é tida em engrade escala, já que o bem carrega consigo seu valor econômico e no núcleo familiar atua como garantia, in casu, de doações de pais para filhos, assegurando a própria sobrevivência.

1. DESENVOLVIMENTO

É da natureza da existência humana diversos medos e temores que circundam a vida social, sejam estes advindos de mitos ou verdades. Desde o desenvolvimento da comunicação entre grupos e da compreensão que o ser possui como ciclo natural da vida, alguns fatores como nascer, crescer, reproduzir e morrer, a morte, como etapa final da vida, parece pertencer ao mais enigmático ciclo.

De acordo com Rodrigues[2],

“No conjunto de modificações que o homem sofre no decorrer de sua existência, há duas mudanças que se destacam predominantemente sobre as outras: o nascimento e a morte. Rechaçada como tabu na vida cotidiana, a morte está, não obstante, presente em todos os momentos, na mitologia, no ritual, no inconsciente” (RODRIGUES, 1986).

Quando um monarca falecia, sua sucessão ocorria de forma imediata pelos seus filhos tidos como herdeiros diretos do trono vacante. Contudo, nos dias atuais, a problemática de suceder hereditariamente tornou-se mais complexa, haja vista os critérios que a lei impõe para que, obrigatoriamente, seja observada sua transmissão. A temática torna-se relevante quando as pessoas que dispõem de bens móveis e imóveis falecem e não planejam ou não direcionam seus bens para seus entes. Uma das causas desta consequência é o medo ou temor simplesmente em falar da morte, entendida como “uma dupla fatalidade, uma externa e outra interna, a relação de vida/morte é assim, simultaneamente, certa (a prazo) e incerta (a cada instante)”.[3]

Em observância o Código Civil de 2002, é de suma importância destacar que o direito de família é preceituado como ramo do Direito Civil, do qual é dividido em dois grandes livros: Direito Existencial e Direito Patrimonial. O primeiro veda, inclusive, por nulidade absoluta uma possível convenção/acordo entre as partes, sendo baseado na pessoa humana. O segundo é direcionado ao patrimônio, do qual segue as normas de ordem privada.

No direito contemporâneo, inúmeras mudanças ocorreram principalmente no Direito de Família, haja vista a mudança das relações sociais, econômicas e políticas da época que refletiram na família no sentido de se buscar relações pessoais e efetivas nos ideais de pluralismo, solidarismo, democracia, igualdade, liberdade e humanismo, identificando a presença de valores e princípios direcionados para a proteção da pessoa humana nas relações jurídico-familiares[4].

1.1 Princípios basilares norteadores

Como ensejo a família, deve-se destacar a aplicação de alguns princípios que dão norte para compreender a aplicação da palavra família diante das modificações ao longo do tempo, do qual muitos estão, inclusive, aplicados e previstos na Constituição Federal de 1988. A começar pelo Princípio da Unidade Familiar onde a solidariedade social está prevista na Constituição Federativa do Brasil, de forma objetiva, em seu artigo 3, I, afim de construir uma sociedade livre, que incide nas relações familiares e seus membros há de haver solidariedade entre si nas relações pessoais.

Tartuce[5] traz o ensinamento de que ser solidário significa responder pelo outro, remetendo a ideia de direito das obrigações; quer apontar, ainda, que é preocupar-se com a outra pessoa e conseguinte a solidariedade tem caráter afetivo, moral, social, espiritual, etc. No que se trata do Princípio da Solidariedade, um dos princípios mais antigos das relações pessoais, é aquele amplamente reforçado no núcleo familiar “os que podem mais, ajudam os que não podem, o que representa a distribuição de riqueza entre os parentes, sob o fundamento do princípio de solidariedade que deve existir dentre os familiares”.[6]

O próximo princípio a ser tratado é o Princípio da Igualdade Entre os Filhos, determinado pelo artigo 227, § 6 da Constituição de 1988, que esclarece que os filhos – havidos dentro do casamento ou não, ou por adoção – terão os mesmos direitos e qualificações, sendo vedado qualquer ato discriminatório sob a filiação, reafirmado pelo artigo 1.596 do Código Civil. Na mesma linha de pensamento, para complementar, tem-se o Princípio da Igualdade Entre os Cônjuges e Companheiros, que existe para haver isonomia constitucional, pois, assim como há igualdade no tratamento entre filhos, deve haver igualdade entre os cônjuges, sejam homens e mulheres de qualquer caráter de relacionamento conjugal.

E entre outros princípios que poderiam ser citados, destaca-se o Princípio da Função Social da Família que, contemporaneamente trazido por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona[7], esclarece que “a principal função social da família e sua característica de meio para realização de nossos anseios e pretensões, não é mais a família um fim em si mesmo, mas sim, o meio social para a busca de nossa felicidade na relação com o outro”. A família é o que dá ensejo à existência da sociedade.

Logo, no direito familiar, com a passagem do tempo, retirou-se a concepção individualista e tradicional que vigorava no século XIX. Cabe enaltecer que todo princípio é norma. Assim, toda norma jurídica existente exige fundamento de validade constitucional e dada lição de Gustavo Tepedino[8], os valores

“Informam toda disciplina familiar, definindo a nova tábua de valores em que surgem três traços característicos em matéria de filiação: a) a funcionalização das entidades familiares à realização da personalidade de seus membros, em particular dos filhos; b) a despatrimonialização das relações entre pais e filhos; c) a desvinculação entre a proteção conferida aos filhos e a espécie de relações dos genitores” (TEPEDINO, 2004).

Dentro desta célulamater, como era chamada a família no período militar, é natural que ocorram relações de uso ou trocas de bens móveis e imóveis, principalmente de pai/mãe para os filhos na medida em que se tornam adultos e passam a gerir a própria vida, muitas vezes com os bens em nome dos genitores.

Na relação familiar, o ensejo de valor de cada partícipe, sua importância no laço familiar é dada pela família do qual os laços de afinidade se desenvolvem e a Constituição garante essa valoração cumprindo seu papel maior. Muito observada em todo o ordenamento jurídico, até mesmo pelo princípio da dignidade humana, cabe ao Estado a sua proteção, em que a família protegida pelo mesmo, independente da espécie, desenvolve laços de amor, afeto em comum, o que repercute no âmbito social com pessoas mais humanas e ideais sólidos que contribuem para com a pessoalidade do partícipe e o desenvolvimento da coletividade.

1.2 Usufruto como planejamento hereditário e gestão de bens

Ordinariamente, os bens daqueles que atravessam a morte são transmitidos, em regra, aos seus herdeiros e sucessores. É sabido que um procedimento de inventário demanda tempo para seu término e pode se prolongar com demandas no curso do desenvolvimento, seja for vícios, dissabores familiares e até mesmo demanda burocrática.

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O intuito é voltar-se para seus próprios bens possibilitando a continuidade patrimonial, distribuindo-os para os entes antes do término da vida.

A principal ferramenta – leia-se instituto – aqui defendido é o papel do usufruto como faculdade de planejamento sucessório para facilitar e adiantar o que é devido na herança, haja vista que a morte é fenômeno inevitável. Observada a cota-parte dos herdeiros necessários e observância ao próprio regime de casamento. Assim, a disposição dos bens na gestão pessoal do patrimônio pode ser feita em concordância familiar, acordos, discussões acerca dos bens, a fim de evitar atritos e uma disputa judicial futura. Ora, cada sucessor acordou com a disposição feita no agora presente, cabendo aceitar os efeitos futuros.

Contemporânea é a discussão sobre o abandono afetivo inverso, quando os filhos abandonam os pais na ocasião em que os ascendentes tornam-se idosos e necessitam amor e cuidado, desvinculando o lado afetivo e apropriando-se dos bens conquistados a duras penas pelos seus genitores. Para ampliar ainda mais o tema, a Assessoria de Comunicação do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, através do seu Diretor, Desembargador Jones Figueiredo Alves (PE), em 2013, publicou declaração que o abandono afetivo é “a inação de afeto ou, mais precisamente, a não permanência do cuidar, dos filhos para com os genitores, de regra idosos”. Entendimento este que serve de premissa para gerar indenização quanto ao dever de cuidado.

No mesmo sentido, um dos principais fundamentos jurídicos vem da própria Constituição Brasileira, que dispõe:

“Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.”

Ainda, o Estatuto do Idoso também dispõe do mesmo entendimento em seu artigo 3° (terceiro) que é obrigação da família prover requisitos que assegurem ao idoso direitos e garantias não só familiares como também comunitários. Esta realidade, de abandono e indenização, já faz presença na jurisprudência brasileira como no Recurso especial parcialmente provido (REsp 1159242/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012), que reconheceu o abandono afetivo e concedeu indenização por danos morais contra os filhos em razão da negligência contra os pais.

Pode-se entender que a indenização reitera uma realidade cruel e verdadeira na vida dos idosos e núcleos familiares, que assegura a existência do medo que os pais têm de estarem a mercê da insegurança de ceder todos os bens para os filhos e se encontrarem desprovidos. Esta é a razão pela qual o usufruto garante a distribuição de bens e proporciona a segurança jurídica que os bens cedidos retornem ao seu poder caso haja necessidade.

1.3 Direito Real de Usufruto

Esses atos, vindos da relação de confiança familiar, são também abordados pelo Direito, do qual recai sobre o Direito Real, vindo a ter duas classificações pela doutrina, como direitos reais de uso e de gozo e os direitos reais de garantias. Os primeiros versam sobre Direitos Reais de Fruição de Coisas alheias, do qual pertence o usufruto, objeto deste estudo, e o segundo versa sobre o pagamento de uma dívida, utilizado para cumprir uma obrigação adquirida.

Estando o Usufruto classificado dentro dos Direitos Reais, para fins meramente didáticos, os Direitos Reais, são postos como absolutos para que se diferencie dos direitos relativos, sendo que se estabelece um vínculo entre um titular de algo e a coisa. Sendo absolutos, pode-se dizer que seus efeitos são erga omnes pois são impostos a todos na ordem jurídica, razão pela qual justifica que o titular da coisa pode exigi-la contra terceiro ou qualquer outro que a detenha, bastando a simples prova de titularidade do bem.

1.3.1 Abordagem histórica

Conforme Plácido e Silva[9], a palavra “uso” possui o sentido de utilização, fruição, gozo que vem de alguma coisa. Para que não se perca seu sentido etimológico no âmbito jurídico, cabe destacar que a palavra “uso” possui diversas acepções como o uso comum, especial, legítimo, habitual etc. O uso equipara-se ao usufruto haja vista seu caráter temporário; a ambos instrumentos se aplicam as mesmas regras recaindo sobre coisas móveis e imóveis, com a ressalva que não seja consumível ou fungível. Quanto à habitação, instituto que é cedido de pais para filhos para uso, os mesmos autores dissertam que se refere ao local em que se mora ou reside, significando a morada de alguém: “Considera-se como direito real mostrando-se na feição de uma servidão pessoal estabelecida por atos intervivos ou causa mortis em caráter transitório e revogável” (SILVA, DE PLÁCIDO e; 2014, p. 679).

O surgimento do instituto do usufruto está entrelaçado com o direito de família, no qual, no casamento, a mulher não se tornava herdeira. Assim, para evitar situações problemáticas advindas do falecimento do marido, o mesmo designava bens, em vida, do seu patrimônio para que utilização da esposa, evitando que ela ficasse carente de bens e ficasse totalmente desprovida pela família do falecido.

Quanto ao conceito do usufruto, Carlos Roberto Gonçalves[10] refere-se ao clássico, vindo do Direito Romano, sendo aquele que é o direito de usar a coisa da qual pertence a alguém, inclusive, perceber os frutos de sua substância. Assim, o usufrutuário passa a ter direito de uso e gozo sobre a coisa alheia, ressaltando o lastro de caráter temporário que o usufruto possui, quando ocorre sua extinção, o nu-proprietário passa a ter domínio permanente da coisa. “O usufrutuário não recebe o ius abutendi, ou seja, o direito de alienar e consumir substância do bem, a qual fica reservada ao nu-proprietário, como é rotulado o dono da coisa nessa modalidade”.[11]

Alguns doutrinadores ressaltam a preservação da substância da coisa, característica essencial do usufruto, juntamente com o desmembramento, decorrente do princípio da elasticidade, quanto ao domínio:

“Onde de um lado fica com o nu-proprietário o direito a substância da coisa, a prerrogativa de dispor dela, e a esperança de recuperar a propriedade plena pelo fenômeno da consolidação, haja vista que o usufruto é sempre temporário. Pelo outro lado passam para as mãos dos usufrutuários o direito de uso e de gozo, tonando-se transitoriamente titular” (GONSALVES, 2015).

Há de considerar que VENOSA (2003. p.423) destacou o “usufruto como um direito real e transitório que concede a seu titular o poder de usar e gozar durante certo tempo, sob condição ou vitaliciedade de bens pertencentes a outra pessoa, a qual conserva as substâncias”.[12]

Na atualidade a utilização do usufruto, na prática, ocorre quase exclusivamente nas hipóteses de doação por ascendentes a descendentes com reserva vitalícia a aqueles. Silvio de Salvo Venosa (2003. p.423) pormenoriza que o usufrutuário não recebe o ius abutendi, ou seja, a possibilidade do direito de alienar e consumir substância do bem, cabendoo ao nu-proprietário, como é chamado o dono da coisa nessa modalidade.

O próprio Código Civil vigente traz o seu caráter temporário (artigo 1.410, I) do qual se extingue pela renúncia ou morte do usufrutuário, inclusive o mesmo é desconfigurado se houver determinação de ininterrupção.

Pela interpretação do Código Civil do ordenamento brasileiro, o usufruto está previsto no título VI. Sua aplicação inicia-se com a sobreposição em um ou mais bens, sejam móveis ou imóveis, no todo ou em partes. Quando se tratar de imóveis, seu registro deverá ser realizado, necessariamente, em Cartório de Imóveis.

O usufrutuário poderá administrar e perceber os frutos, sendo de direito natural a este cabe os frutos naturais, pendentes a começar pelo usufruto, sem despesas quanto a sua produção. “E, nesse conceito, não somente se inclui tudo o que venha a ser criado naturalmente pela coisa, como tudo o que dela se possa perceber, seja pelo trabalho, seja por outros meios”.[13]

O usufrutuário deverá arcar com as custas dos bens antes de assumir o usufruto, dando caução, fidejussória ou real. Caso ocorra deterioração no bem advinda do usufruto, não será obrigado a pagar a degeneração, porém lhe incumbem as despesas de conservação do bem e os tributos devidos da coisa usufruída. O usufrutuário é ainda obrigado a comunicar o dono diante de qualquer lesão produzida contra a coisa.

Segundo Venosa[14],

“O hoje designado nu-proprietário conserva a faculdade de dispor da coisa, mas não pode praticar nenhum ato que reduza ou embarace o uso e gozo do usufrutuário. Para garantir sua conservação e restituição ao final do prazo, o usufrutuário podia ser obrigado a prestar caução, com a finalidade de custear despesas ordinárias com a conservação da coisa” (VENOSA, 2003).

Tal caução perdurou no código atual, artigo 1.400, que ordena que a mesma, fidejussória ou real, se lhe exigir o dono, de velar-lhes pela conservação, e entregá-los findo o usufruto.

1.4 Características do usufruto

Ainda na aplicação prática, o usufruto tem sua natureza operacional no núcleo familiar, e seu caráter é alimentício. A partir do conceito de usufruto, podem-se estabelecer algumas características de suma importância para melhor compreensão do instituto. Características apontadas aos olhos de Paulo Nader[15], em que preliminarmente, aborda que embora o usufruto seja gratuito, nada obsta que por convenção das partes, passe a ter caráter oneroso. Logo, a gratuidade não é essência deste instituto:

a) Temporariedade: na falta de um termo de extinção, prevalece a vitaliciedade do direito. As partes têm liberdade para a fixação do prazo de duração, sendo certo que, ocorrendo a morte do usufrutuário antes do termo final, extinguir-se-á o direito sem que aos herdeiros caiba a complementação do tempo. Se o titular do usufruto for pessoa jurídica, o prazo de duração não poderá exceder de trinta anos. Consoante disposição do Artigo 1.921 do Código Civil, quando tratar-se de legado de usufruto, sem fixação de tempo, o entendimento é que fora deixado para a vida toda, portanto, se considera vitalício nesse caso.

b) Divisibilidade: o Usufruto pode ser distribuído para além de uma pessoa, mais de um único usufrutuário (artigo 1.411 Código Civil).

c) Inalienabilidade: para o nu-proprietário é permitida a venda ou a doação do bem via de regra é do seu próprio domínio, já para o usufrutuário é vedada esta possibilidade de alienação. Em contraponto, tendo em vista o caráter de subsistência que o usufrutuário está com a coisa, como pode aliená-la e comprometer seu direito? Se assim houvesse possibilidade, perderia sua eficácia e necessidade do instituto. Porém, nada obsta contra a alienação dos seus frutos. “Não se pode transferir o usufruto por alienação; mas o seu exercício pode ceder-se por título gratuito ou oneroso”, conforme Paulo Roberto Gonsalves (2015, p. 708 apud Marco Aurélio S. Viana. 2004, p. 63).

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d) Conservação da forma e substância: o domínio da coisa limita-se a sua preservação, onde deve ser feita de forma responsável, conservando a coisa que pertence – de direito, ao nu-proprietário -, ou arcará com sua reparação, caso haja. Deve usar a coisa como se fosse sua, respeitando as limitações e cuidados necessários a sua manutenção e integralidade. Atrelado a esta característica cabe observar que “o usufrutuário pode obter da coisa toda utilidade que ela proporciona, devendo, porém, respeitar sua própria existência e, de maneira geral, observar também sua destinação econômica”.[16] Logo, mesmo que seja por período delimitado no tempo, pode o usufrutuário utilizar a coisa completa sem restrições desde que a preserve.

e) Posse do usufruto: para exercer os direitos de fruição e de gozo, o usufrutuário deve ter em sua posse o bem afim de administrá-lo e a ele é designada a posse indireta, “Podendo fruir da coisa, aufere seus frutos naturais e civis. O usufrutuário pode, por tanto, ceder a coisa a terceiros, dá-la em locação de comodato, ou qualquer outro negócio atípico para essa finalidade”.[17]

Importante sobressair a respeito da constituição do usufruto, onde recai sobre bens móveis e imóveis, entretanto, seu tratamento recai de forma diferente em cada um. Os bens móveis completam-se com a tradição do bem, e os bens imóveis completam-se com o devido registro em cartório público. “Exige transcrição imobiliária no respectivo registro, averbando-se junto a matricula, quando se tratar de bens imóveis, possuindo direito de sequela, acompanhando o bem onde quer que se encontre”.[18]

Doutrinariamente, há ainda outras formas de constituição quanto ao direito real, sendo estas aquelas advindas por força da lei. Tratando de forma estabelecida por ela, possui a intenção de garantir a relação jurídica, principalmente dentro do núcleo familiar. O Código Civil traz (artigo 1.689) que o pai e a mãe são usufrutuários dos bens dos filhos, cabendo a eles administrá-los quando estiverem sob sua autoridade.

Pode ser constituído também através da declaração de vontade, que pode ser instituída intervivos ou causa mortis. O ato intervivo o proprietário dispõe seus bens de acordo com sua livre vontade, em conformidade com seu interesse, atentando a sua própria sobrevivência. Quando versar sobre causa mortis, poderá fazê-lo por testamento, como se tratará mais adiante.

A terceira hipótese recai sobre a usucapião, tratada no artigo 1.238 e 1.242 do Código Civil[19]:

“O primeiro cuida da usucapião extraordinária, que independe de título e boa-fé e se perfaz com a posse, contínua e sem oposição, durante quinze anos. A usucapião ordinária, de posse ininterrupta e incontestada, por dez anos, além de título e boa-fé. Em ambos os casos o possuidor deverá estar investido do ânimo de usufrutuário” (NADER, 2016).

A quarta possibilidade é a advinda por sentença judicial, constante do Código Processual Civil. Neste caso, cabe ao juiz, na execução, entender o que for menos prejudicial ao devedor; por exemplo, concede ao credor a possibilidade do usufruto até cessar a obrigação contraída, ato realizado por declaração do magistrado.

Então, parte do entendimento da doutrina ressalta a não possibilidade de edificar o usufruto por sentença, pois nesse ato o juiz, ouvindo as partes, fará uma declaração e não sua constituição propriamente dita[20], pois

“Não pode o juiz declarar usufruto contra o interesse e vontade do dono, salvo hipótese de execução, no usufruto sobre empresa ou imóvel. Contudo no processo executório não há atos decisórios de conhecimento, somente atos materiais satisfativos do credor. O usufruto determinado na execução é de direito processual e não material” (VENOSA, 2003).

Acentua-se ainda que as pessoas interessadas no instituto observem sua realização de fato por quem possui sua capacidade postulatória, que conclua o ato, e não apenas prometa o seu cumprimento e não o faça. Não se pode “confundir a instituição de usufruto com a promessa de constituição de usufruto. Essa promessa somente gera direito pessoal, não tendo a lei possibilitado seu estado de direito real, como o compromisso de compra e venda”.[21]

Destarte, para uma compreensão ampla, tendo em vista seu nascimento, seus efeitos e duração, há de se falar na sua extinção.

1.4.1 Quanto a exclusão do instituto

Quanto à extinção, o código é taxativo e traz o rol de hipóteses onde se extingue com o cancelamento no Cartório de Registro de Imóveis quando ocorrer a morte ou renúncia do usufrutuário, pelo fim do termo da sua duração, quando houver a extinção da pessoa jurídica, cessar o motivo que deu causa ao usufruto. Extingue-se também pela destruição da coisa, pela sua consolidação e até mesmo pelo não uso da coisa em que recai.

Prevista no Código Civil, cabe observar os artigos 1.410 e 1.411, sobre a extinção do usufruto, sendo: I – Pela renúncia ou morte do usufrutuário: poderá o seu titular renunciar livremente a qualquer tempo, sem ônus, e sua morte quando o titular for pessoa física, seu direito cessara com a morte do titular; II – Pelo termo de sua duração: uma das características do usufruto é a temporariedade, do qual poderá ser estabelecida de forma vitalícia ou temporária. As partes podem estabelecer o tempo da sua duração livremente, já que a lei não dispõe de ressalvas ou tempo mínimo/máximo de duração; III – pela extinção da pessoa jurídica, em favor de quem o usufruto foi constituído, ou, se ela perdurar, pelo decurso de trinta anos da data em que se começou a exercer: no momento em que extinguir a pessoa jurídica, não existem razoes para o usufruto continuar existindo. O legislador porém, para não deixar uma lacuna aberta estabeleceu o prazo máximo de 30 anos para sua duração a contar a partir do dia em que começou o uso da coisa.

As demais possibilidades de sua extinção são: IV – pela cessação do motivo de que se origina: no núcleo familiar, a título exemplificativo, o pai entrega seu imóvel em usufruto para que seu filho desempregado utilize com sua esposa; porém, no momento em que o filho retorna ao mercado de trabalho devolve a casa ao seu genitor, cessando o usufruto como condição resolutiva; V – pela destruição da coisa: como já mencionado anteriormente, quando a coisa se perder, extingue-se o seu direito. O que precisa ser mencionado é que a perda deve ser total, pois se a deterioração for parcial, ela subsiste e caberá sua restituição; VI – pela consolidação: ocorre quando há uma consolidação, confusão, em uma só pessoa titular; VII – por culpa do usufrutuário, quando aliena, deteriora, ou deixa arruinar os bens, não lhes acudindo com os reparos de conservação; e VIII – Pelo não uso, ou não fruição.

1.5 Direito hereditário frente às obrigações tributárias

Para que os atos sejam válidos e passem a ter eficácia no âmbito jurídico deve-se efetuar a devida transmissão e registro, procedimento este em que o Estado cobra uma taxa chamada de Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação –ITCMD, a qual varia de estado para estado. A compreensão, se o cidadão tem condições de doar, terá condições de arcar com a despesa da transmissão para o Estado. Na doação, o tributo é determinado pela Constituição Federal.

Seguindo as orientações da Secretaria do Estado da Fazenda (via site eletrônico), observa-se que os governos estaduais, são responsáveis pelo recolhimento de três impostos que fazem parte da vida dos brasileiros: o Imposto sobre Circulações de mercadorias e sobre serviços de transportes e de comunicação – ICMS, o Imposto sobre Veículos Automotores – IPVA e o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCMD. Este último é arrecadado tanto de pessoas jurídicas quanto físicas, vindo de heranças ou doações. Este imposto é declarado e calculado pelo próprio sujeito passivo, onde deve antecipar o pagamento, sem prévio exame da autoridade administrativa, e que a extinção do crédito tributário ainda dependerá de homologação pela Fazenda Pública.

No Estado de Santa Catarina[22], o sistema de apuração e declaração pertinentes a heranças e doações é pioneiro no Brasil por ser totalmente informatizado, de modo que todo procedimento pode ser realizado e enviado online. O acesso é livre e não dispõe de prévio cadastramento e ocorre via site da Secretaria do Estado da Fazenda.

1.6Testamento como distribuição de planejamento sucessório

Finda a noção de usufruto como instrumento de distribuição de herança, cabe então introduzir o papel do testamento, também utilizado com instrumento de distribuição de bens, no qual “pelo testamento também pode o testador deixar a nua-propriedade a determinado herdeiro ou legatário e o usufruto a outro, ou vice-versa, ou então aquinhoar com usufruto um beneficiário da deixa testamentária e a nua-propriedade a outro”.[23]

A respeito da sucessão testamentária, o testamento retrata a principal forma de expressão na causa mortis e por ser designada como ato de última vontade. O testamento também é o instrumento utilizado, e adequado, para dirigir uma vontade pessoal, realizada em vida, projetada para depois dela.

Ainda que no Brasil, na prática, existem vários fatores que influenciem este instituto não ser utilizado pelas pessoas em grande escala, a principal causa da sua não utilização é o medo de falar na própria morte, pois isto causa receio no planejamento sucessório[24],

“Sobretudo quando se trata de uma pessoa próxima, é talvez o golpe mais violento que a existência dirige ao homem. Ela significa uma terrível ameaça ao grupo humano e exige alterações substanciais da vida, sobretudo quando é inesperada. A morte de uma pessoa adulta significa normalmente dor e solidão para as pessoas que sobrevivem a ela: verdadeira chaga que põe em risco a vida social” (RODRIGUES, 2013).

 Destaca-se também a falta de patrimônio que o povo possui, ou por acreditarem que a sucessão ocorre de forma natural, já prevista em lei, e que a partir deste ponto as questões de herança já estão resolvidas, acreditando o que quando “o legislador determina uma ordem de sucessores, a ser estabelecida, no caso de o falecido não ter deixado testamento, ou quando, mesmo perante a existência de ato de ultima vontade, este não puder ser cumprida”[25], toda matéria de bens possuídas será pacificamente resolvida e distribuída. Porém, desconhecem a matéria e que a legislação é sempre taxativa. Quando sua aplicação em caso concreto, é muito mais ampla e complexa, principalmente pelo sentimento dos familiares.

 Maria Helena Diniz (2009, p. 175) conceitua o testamento como sendo o “ato personalíssimo e revogável pelo qual alguém, de conformidade com a lei, não só dispõe, para depois da sua morte, no todo ou em parte, do seu patrimônio, mas também faz outras estipulações”.[26] Com a morte como curso natural da vida, criou-se, por ser seu último estágio, o último ramo do Direito Civil: a sucessão.[27]

“O direito das sucessões disciplina, portanto a projeção das situações jurídicas existentes, no momento da morte, da desapropriação física da pessoa, a seus sucessores. A primeira ideia, com raízes históricas, é de que a herança transfere-se dentro da família. Daí, então, a excelência da ordem de vocação hereditária inserida na lei: a chamada sucessão legitima” (DINIZ, 2009).

É importante citar a abordagem do Direito contemporâneo da criação de novas formas de testamentos, a qual cogita a criação de um testamento de valores aos herdeiros, conhecido como testamento ético[28]:

“O testamento ético se presta a transmitir os familiares valores, éticos, morais, espirituais, de condutas, conselhos e experiências que possam ser objetos de reflexão àqueles que se destinam. É um documento onde se dá mais relevância aos valores morais que os patrimoniais” (FARIA, 2014).

 O testamento ético pode ser utilizado até mesmo para orientar os herdeiros, nas famílias que possuem relevante patrimônio, que pode advir um litigio familiar, sendo o objeto do testamento ético fazer as partes refletirem ou orientá-las sobre a divisão dos bens. Cessa o conflito de acordo com a vontade do testador.

Observando as palavras de Tartuce[29], o testamento é ato unilateral, gratuito ou benévolo, pois não existem vantagens para o autor da herança se não ao seu beneficiário. Assim sendo, não há nenhuma contra prestação para aquisição dos bens advindos do testamento. É um negócio causa mortis, pois seus efeitos serão aplicados somente após a morte, e antes dela é ineficaz. Ainda, é um ato revogável, em consonância com a aplicação do Código Civil, onde o testador pode modificá-lo a qualquer tempo. E, para finalizar, o autor ainda preceitua que o testamento é ato personalíssimo por excelência, pois em um único documento encontra-se uma única vontade por pessoa; do contrário, um testamento conjuntivo, por exemplo, é nulo.

Para melhor entendimento do tema há de se falar quanto às modalidades dos testamentos de acordo com a classificação de Flávio Tartuce (2015). Para o autor, Testamento Público é aquele que traz maior segurança jurídica para o ato, pois é lavrado pelo tabelião que recebe as declarações do testador, observando os requisitos essenciais trazidos pelo artigo 1.864 do Código Civil. O testamento Particular, também chamado de hológrafo, é aquele escrito pelo próprio testador. A despeito de ser uma forma mais fácil de ser concretizada, não possui a mesma segurança do Testamento Público, haja vista inúmeros fatores que podem influenciar nas dúvidas da validade do termo como a livre vontade do testador.

Embora muito conhecido o papel do testamento, o mesmo torna-se inócuo diante da tentativa de gerir os bens entre os sucessores, no âmbito do planejamento sucessório, pois seu efeito será para depois da morte, em paralelo com o usufruto, vale relembrar, que este dispõe os bens em vida como antecipação, de uso e gozo, na distribuição testamentária o sucessor adquire a propriedade e posse para uso e gozo, porém depois da vida do antecessor.

1.7 Doação de bens como planejamento sucessório positivado

Tratando-se sobre a distribuição de patrimônio, há de se abordar, superficialmente, a doação de bens. Através do doção, o doador cede seus bens um donatário, assim como o testamento a doação é um ato unilateral de vontade e benévolo.

A luz do Código Civil, artigo 544, cabe destacar que as doações a ascendentes, descentes, ou de um cônjuge para outro, pode ser considerada adiantamento do que é devido em herança. Realizando um apontamento histórico, o Código Civil de 1916 trazia que ‘a doação de pais aos filhos importava em adiantamento da legitima”. Entretanto, com a atualização do código, incluíram-se ascendentes, descendentes e cônjuge. Quando ocorrer o inventário, a doação de ascendente a descendente deverá ser colacionados no processo; se não for disposto, poderá perdê-lo, salvo se o doador dispensar esta colação. Destaque para julgado do Superior Tribunal de Justiça, que entendeu ser nula a doação entre cônjuges no regime de comunhão universal devido a impossibilidade do objeto. (STJ, AR 310/PI, Rel. Min. Dias Trindade, segunda seção, j. 26.05.1993, DJ 18.10.1993, p. 21.828). Em suma, a doação implica na perda do bem, pois doar provoca desfazimento do bem de nome próprio para terceiro. A importância do usufruto, frete a doação, é permanecer com a propriedade e dispor o seu uso para outrem, como já explanado, podendo reaver o bem a qualquer tempo, se houver interesse.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A conceptualização do usufruto não é estabelecida no Código Civil vigente no ordenamento, ficando a doutrina responsável pelo seu conceito. Embora esteja positivado no Direito das Coisas, o instituto é muito amplo e envolve matérias como Direito de Família, Obrigações, Sucessões, etc.

A própria Constituição vigente preocupou-se em elencar o direito à herança nos direitos fundamentais (artigo 5º, XXX). Logo, o instituto obtém uma função social, coma dar continuidade à vida humana, haja vista que os bens do “de cujus” projetam-se aos herdeiros de forma automática nos termos da lei, o que não causa interrupção quanto à titularidade do patrimônio.

Gerir os bens em vida é essencial a todo indivíduo que pensa e planeja a continuação de sua família, fornecendo-lhe assistência no momento mais difícil que as pessoas enfrentam: a morte do ente querido. O direito à herança perpétua à família, através de vários princípios, garante sua sobrevivência, a propriedade e reflexos econômicos.

Para realizar a gestão dos bens na constância da vida, o usufruto é o instituo que se mostra eficaz na construção deste pensamento pela disposição dos bens para com seus herdeiros em vida, fazendo com de que estes mesmos bens retornem a seu dono em caso de sua vontade, in casu, para que um pai não fique desprovido e abandonado pelos filhos.

No próprio instituto surgem duas figuras importantes para compreensão do tema, sendo o nu-proprietário e o usufrutuário, em que a disposição da coisa, no direito de uso e gozo, se tratando de um direito sobre coisa alheia de forma temporária que pode ocorrer de forma vitalícia. O usufrutuário que recebe a concessão do uso não pode vender o bem ou aliená-lo de forma permanente, mas nada obsta que o seu exercício seja alienável. Há possibilidade de conceder o instituto de forma simultânea, ou seja, para mais de uma pessoa ao mesmo tempo, o qual pode ser, se possível, acrescida ou melhorada desde que em concordância com o nu-proprietário. A destinação do usufruto é a disposição do bem móvel ou imóvel para uso e gozo do usufrutuário.

Para extinção do usufruto, a lei dispõe de algumas formas possíveis em observância ao sujeito, objeto, etc. Os dispositivos legais trazem um rol exemplificativo. Por fim, o usufruto serve também de caráter alimentar, mas principalmente assistencial para uso próprio do usufrutuário ou em disposição de terceiro.

É imprescindível fazer menção a outros institutos que versam sobre distribuição de patrimônios frente ao papel do usufruto, como o testamento e doação. Ambos, indiscutivelmente importantes e aplicáveis no ordenamento jurídico brasileiro, contudo não aplicáveis ao intuito de prevenção de litígios de herança por herdeiros como no papel que exerce o usufruto. Torna-se indubitável que o testamento produz efeitos para depois da morte; este é motivo de sua existência. A doação no mesmo pensamento, esmaece perante o usufruto porque transfere a propriedade e todos os direitos aos sucessores.

Nada obstante, o usufruto supera estes institutos diante da incerteza dos pais cederem seus bens e ficarem desprovidos pelos próprios filhos, caso da doação, ou ainda planejar sucessão testamentaria e ter uma lide judicial razão da qual os herdeiros não harmonizam os interesses entre si. É proveniente que a decisão seja norteada em observância ao princípio da autonomia da vontade, advindo do direito contratual, no qual a família age com liberalidade para estabelecer entre si um contrato, minimamente verbal, deliberando quanto ao tema e quanto aos efeitos na ordem jurídica.

Destarte, o usufruto presta um pacto familiar no que diz respeito à herança, aviva as relações interpessoais no momento delicado da morte do ente, no qual todos passam a conhecer sua vontade; também garante oportunidades de os familiares pleitearem interesses decididos e acordados em vida com o legitimo dono dos bens, reprimindo a possibilidade que o(s) genitor(es) possa(m) sofrer o abandono afetivo inverso. Este é o escopo do usufruto: dar segurança para quem dispõe de seus bens e fazer gestão em vida, planejando, decidindo na constância da vitalidade.

 

Referências
DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família e o novo código civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral do Direito Civil. Ed. 24. São Paulo: Saraiva, 2009.
FARIA. Mario Roberto Carvalho de. Novas “formas de testamento”. Revista IBDFAM n. 10. Abr. 2014.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA F°, Rodolfo. Novo curso de Direito Civil. Direito de Família. Ed. 2.São Paulo: Saraiva, 2012.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil esquematizado, v. 2.coordenador Pedro Lanza. – Ed. 3. – São Paulo: Saraiva, 2015.
NADER. Paulo. Curso de Direito Civil, volume 4: direito das coisas. – 7. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016.
PAPALIA. Diane E. Desenvolvimento humano. Ed. 7. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
RODRIGUES. Jose Carlos. O tabu do corpo. Ed. 4. Rio de Janeiro: Dois Pontos, 1986.
SILVA, de Plácido e. Vocabulário jurídico – 30. Ed. – Rio de Janeiro: Forense. 2013.
TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3 Edição atualizada. – Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
TEPEDINO, Gustavo et. al. Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: Volume único. Ed. 5. – Rio de Janeiro: Forense, 2015.
VENOSA. Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. Volume 5. Ed.3. São Paulo: Atlas, 2003.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito das Sucessões. Ed. 14. São Paulo: Atlas, 2014.
 
Notas
[1]Trabalho orientado pela Prof. Rutineia Rossi Advogada. Mestre em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá, RJ. Especialista em Administração Pública pela UNOESC, campus de Joaçaba/SC. Especialista em Direito do Consumidor e Direito Empresarial pela UNOPAR. Pós-Graduanda em Advocacia Trabalhista pela Anhanguera Educacional. Docente com vínculo na FACC – Faculdade Concórdia..

[2]RODRIGUES. Jose Carlos. O tabu do corpo. p. 49.

[3]PAPALIA. Diane E. Desenvolvimento humano. p.217.

[4]MAMA. Guilherme Calmom Nogueira da. Direito civil: Família. p. 82.

[5]TARTUCE. Flávio. Tratado de direito civil. p. 1111.

[6]GAMA. Guilherme Calmon Nogueira da. A constituição de 88 e as pensões. p. 84.

[7]GAGLIANO, Pablo Stolze. Direito de família. p. 98.

[8]TEPEDINO, Gustavo.Temas de Direito Civil. p. 393-394.

[9]SILVA. DE PLACIDO e. Vocabulário jurídico. p. 1430.

[10]GONSALVES. Carlos Roberto. Direito civil esquematizado. p. 707.

[11]VENOSA. Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. p. 424.

[12]VENOSA. Silvio de Salvo. Op., Cit., p.423.

[13]SILVA. De Plácido e. Vocabulário Jurídico. p. 1334.

[14]VENOSA. Silvio de Salvo. Op. Cit. p. P424.

[15]NADER. Paulo. Curso de direito civil. Direito das coisas. P. 454.

[16]VENOSA. Silvio de Salvo. Op., Cit., p. 425.

[17]VENOSA. Silvio de Salvo. Op., Cit., p. 426.

[18]VENOSA. Silvio de Salvo. Op., Cit., p. 426.

[19]NADER. Paulo Op., Cit., p. 454.

[20]VENOSA. Silvio de Salvo. Op., Cit., p. 429.

[21]VENOSA. Silvio de Salvo. Op., Cit., p. 429.

[22]Secretaria de Estado da Fazenda. Disponível em: <http://www.sef.sc.gov.br/servicos-orientacoes/diat/itcmd-heran%C3%A7as-e-doa%C3%A7%C3%B5es>. Acessado em: 18 dezembro 2017.

[23]VENOSA. Silvio de Salvo. Op., Cit., p. 429.

[24]RODRIGUES. Jose Carlos. O tabu do corpo. p. 52.

[25]VENOSA. Silvio de Salvo. Op., Cit., p. 5.

[26]DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. p. 175.

[27]VENOSA. Silvio de Direito civil: Direito das Sucessões. p. 4.

[28]FARIA, Mario Roberto Carvalho de. Novas “formas” de testamento. p. 14.

[29]TARTUCE. Flávio. Manual de direito Civil. p. 1416 – 1417.


Informações Sobre o Autor

Natanael Gerondi

Acadêmico de Direito na FACC Faculdade Concórdia


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