Resumo: O presente artigo tem como finalidade a análise da possibilidade e eficiência de uma redução da maioridade penal. Atualmente com a existência de uma grande discussão política, social e jurídica a respeito dessa redução, o presente trabalho vem para ajudar a entender os reflexos que tal medida poderá trazer. Para aprofundar tal assunto faz-se importante introduzir com aspectos gerais relativos à imputabilidade e responsabilidade penal, sendo, também, de grande relevância apresentar a PEC171/93 e seu real objetivo perante a sociedade. Ainda se mostra necessário trazer os aspectos constitucionais sobre a redução da maioridade penal. E, por fim, o principal objetivo da presente pesquisa é demonstrar a viabilidade da redução da maioridade penal levando em consideração a caótica situação do sistema carcerário brasileiro, bem como trazer a justiça restaurativa como uma possível aliada no combate à criminalidade juvenil.
Palavras-chave: Jovem infrator. Sistema carcerário. Redução da maioridade. Direito.
Sumário: Introdução. 2. Redução da maioridade penal. 2.1. Responsabilidade penal do adolescente: antecedentes históricos. 2.2. A maioridade em outros países. 2.3. Imputabilidade e responsabilidade penal. 2.4. Causas de exclusão da imputabilidade. 3. A PEC 171/93 e o seu caráter simbólico. 4. A constitucionalidade da redução da maioridade penal. 5. O jovem infrator e o sistema carcerário brasileiro. Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
Atualmente muito se discute sobre a redução da maioridade penal como alternativa para a diminuição da criminalidade brasileira. Criou-se uma acepção na sociedade brasileira que essa redução da maioridade penal seria a solução para o problema da criminalidade enfrentada pelo país.
Acontece que tal medida vai gerar reflexos em vários setores, sendo, portanto, necessário analisar a proporção e alcance desses reflexos, permitindo, assim, saber se a redução da maioridade penal é mesmo viável.
Partindo dessa premissa, o presente artigo tem como objetivo, após uma breve exposição introdutória sobre o assunto, analisar, de forma crítica, o reflexo da redução da maioridade penal no atual sistema carcerário brasileiro.
O presente trabalho será dividido em quatro capítulos. O primeiro cuidará de mostrar uma visão geral sobre o tema, começando com os antecedentes históricos sobre a responsabilização dos adolescentes no Brasil, tendo como referência os códigos penais brasileiros. Em seguida, passará a analisar a maioridade penal adotada em outros países. Logo após, será analisado o conceito de imputabilidade e responsabilidade penal, sendo de grande importância para o tema entender tais institutos. O primeiro capítulo também demonstrará as causas de exclusão da imputabilidade, mostrando seus critérios e efeitos.
O segundo capítulo terá como base central a análise da PEC 171/93, discutindo o seu caráter simbólico para o direito, ou seja, um projeto de emenda constitucional que no seu interior não tem o objetivo de resolver a criminalidade, mas sim de passar uma imagem para a sociedade de que o Estado está fazendo algo, bem como de transferir a solução dos conflitos sociais para o futuro.
Em seguida, o terceiro capítulo tratará sobre a constitucionalidade da redução da maioridade penal. Por intermédio dele, ficará claro se a Constituição Federal de 1988 permite ou não a alteração da maioridade penal.
Por fim, o último capítulo discorrerá sobre a problemática do tema. Nele, será analisado se diante da falta de estrutura carcerária que o Brasil tem hoje, a medida de reduzir a maioridade tem ou não o condão de diminuir os índices de infrações praticadas por menores.
2 REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
2.1 Responsabilidade penal do adolescente: antecedentes históricos
A responsabilidade penal do adolescente brasileiro se manifestou de várias formas ao longo do tempo. Durante o período colonial regiam no Brasil as Ordenações, primeiro as Ordenações Afonsinas, posteriormente as Ordenações Manuelinas, e, por último, as Ordenações Filipinas. Durante esse período a punição do jovem infrator começava cedo, pois a maioridade penal iniciava-se aos 7 (sete) anos, mas a punição não era plena aos infratores dessa idade, passando a ter total capacidade de punição aos 21 anos, conforme afirma a promotora de justiça Janine Borges Soares em seu artigo:
“De acordo com as Ordenações Filipinas, a imputabilidade penal iniciava-se aos sete anos, eximindo-se o menor da pena de morte e concedendo-lhe redução da pena. Entre dezessete e vinte e um anos havia um sistema de "jovem adulto", o qual poderia até mesmo ser condenado à morte, ou, dependendo de certas circunstâncias, ter sua pena diminuída. A imputabilidade penal plena ficava para os maiores de vinte e um anos, a quem se cominava, inclusive, a pena de morte para certos delitos”.
O primeiro código vigente no país foi o Código Penal do Império, de 1830, em que adotou a maioridade penal aos 14 (quatorze) anos; contudo, esse mesmo código penal também adotou o critério biopsicológico para punição de jovens entre 7 (sete) e 14 (quatorze) anos, ou seja, havia possibilidade de punição para os jovens entre 7 (sete) e 14 (quatorze) anos, desde que tivesse agido com discernimento. Nesse caso o jovem infrator era recolhido à casa de correção pelo tempo que o juiz achasse necessário, desde que não ultrapassasse 17 (dezessete) anos. Nesse contexto, Liberati (2012, p. 41) ensina:
“Pelo Código Criminal do Império, os menores de 14 anos estavam isentos da imputabilidade pelos atos considerados criminosos por eles praticados. Os infratores que tinham menos de 14 anos e que apresentassem discernimento sobre o ato cometido eram recolhidos às Casas de Correção, até que completassem 17 anos. Entre 14 e 17 anos, estariam os menores sujeitos à pena de cumplicidade (2/3 do que cabia ao adulto infrator) e os maiores de 17 e menores de 21 anos gozavam de atenuante da menoridade”.
O Código Penal Republicano, de 1890, estabeleceu a maioridade penal aos 9 (nove) anos. Contudo, o jovem infrator entre 09 (nove) e 14 (quatorze) anos era submetido à análise de discernimento. Conforme Araújo, citado por João Vieira de Araújo (1896, p. 286), lecionou na época:
“O código penal no art. 27 §§ 1º e 2º estabelece a plena irresponsabilidade do menor de 9 anos, idade que constitui uma presumpção juris et de jure da falta de intenção criminosa (art. 24). Depois no § 2º estabelece a presumpção juris tantum, admitindo prova em contrário, para os maiores de 9 anos e menores de 14, que obrarem sem discernimento. O sistema do código se completa em relação à idade com a disposição do art. 42 § 11 que declara como circunstância atenuante "ser o delinqüente menor de 21 anos"; e com a do art. 65 que dispõe que "quando o delinqüente for maior de 14 e menor de 17 anos, o juiz lhe aplicará as penas da complicidade”.
Entretanto, o artigo do Código Penal da República que lecionava sobre a maioridade penal foi revogado em 1921, pela Lei nº 4.242/21 (BRASIL, 1921), que passou a estabelecer em seu artigo 3º, parágrafos 16 e 20, a seguinte redação:
“Art. 3.º […]
§ 16.º O menor de 14 annos, indigitado autor ou cumplice de crime ou contravenção, não será submettido a processo penal de nenhuma especie; a autoridade competente tomará sómente as informações precisas, registrando-as, sobre o facto punivel e sua autoria, o estado physico, mental e moral do menor, e a sua situação social, moral e economica dos paes, ou tutor, ou pessoa sob cuja guarda viva. […]
§ 20.º O menor indigitado autor de crime ou contravenção, que contar mais de 14 annos e menos de 18, será submetido a processo especial, tomando ao mesmo tempo, a autoridade competente, as precisas informações, a respeito do estado physico, mental e moral delle, e da situação social, moral e economica dos paes, tutor ou pessoa encarregada de sua guarda”.
Com isso, passou a não punir, de nenhuma forma, os menores de 14 (quatorze) anos, submetendo aqueles com idade entre 14 (quatorze) e 18 (dezoito) anos a um tratamento especial. Após essa revogação, existiu a necessidade de criar um diploma jurídico que regulamentasse esse processo especial, sendo instituído em 1º de dezembro de 1926, pelo Decreto nº 5.083, o Código de Menores (BRASIL, 1926).
Por fim, o Código Penal de 1940 (BRASIL, 1940), mesmo com a reforma de 1984, utilizou o critério biológico, determinando, assim, uma presunção legal de discernimento e fixou a maioridade aos 18 anos.
Sobre esse período ensina Nelson Hungria (1983, p. 289-290):
“Inspirado principalmente por um critério de política criminal, colocou os menores de 18 anos inteira e irrestritamente à margem do direito penal, deixando-os apenas sujeitos às medidas de pedagogia corretiva do Código de Menores. Não cuidou da maior ou menor precocidade psíquica desses menores, declarando-os por presunção absoluta, desprovidos das condições da responsabilidade penal, isto é o entendimento ético-jurídico e a faculdade de autogoverno”.
E continua:
“Ao invés de assinalar o adolescente transviado com o ferrete de uma condenação penal, que arruinará, talvez irremediavelmente, sua existência inteira, é preferível, sem dúvida, tentar corrigi-lo por métodos pedagógicos, prevenindo sua recaída no malefício”.
Nesse mesmo sentido o próprio Código Penal na parte de exposição de motivos dispõe:
“Manteve o projeto a inimputabilidade penal ao menor de 18 (dezoito) anos. Trata-se de opção apoiada em critérios de Política Criminal. Os que preconizam a redução do limite, sob a justificativa da criminalidade crescente, que a cada dia recruta maior número de menores, não consideram a circunstância de que o menor, ser ainda incompleto, e naturalmente antissocial na medida em que não é socializado ou instruído. O reajuste do processo de formação do caráter deve ser cometido à educação, não à pena criminal. De resto, com a legislação de menores recentemente editada, dispõe o Estado dos instrumentos necessários ao afastamento do jovem delinquente, menor de 18 (dezoito) anos, do convívio social, sem sua necessária submissão ao tratamento do delinquente adulto, expondo-o à contaminação carcerária”.
Ademais, vale destacar que a legislação especial à qual o menor está submetido nos dias de hoje é a Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990) e não mais o Código de Menores.
2.2 A maioridade em outros países
A maioridade penal se revela diferentemente nos países pelo mundo. O Brasil, como supracitado, atualmente adota a maioridade aos 18 (dezoito) anos de idade.
Uma pesquisa feita pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) analisou 53 (cinquenta e três) países e percebeu que 42 (quarenta e dois) deles, sem contar com o Brasil, adotam a maioridade penal aos 18 anos ou mais, ou seja, 79% estabelecem uma responsabilização penal aos 18 (dezoito) anos.
Com isso, percebe-se que, apesar da grande discussão que permeia a assunto, a maioria dos países também adota os 18 (dezoito) anos como idade para a responsabilização penal.
Cabe ressaltar, ainda, que existe muita confusão em relação a alguns países que adotam a maioridade penal inferior à idade supracitada. Muitos países acolhem a expressão penal nos diplomas especiais que cuidam da responsabilidade juvenil, fazendo crer que o país adota uma maioridade penal menor que a maioria dos países.
Como exemplo tem-se a Alemanha, que alega adotar como idade penal os 14 (quatorze) anos, pois a responsabilidade juvenil começa com essa idade. Contudo, dos 14 (quatorze) até os 18 (dezoito) anos o jovem responderá perante um diploma especial, parecido com o Estatuto da Criança e do Adolescente adotado no Brasil. Com isso, verifica-se que a maioridade penal adotada não é os 14 (quatorze) anos, mas sim os 18 (dezoito).
No Brasil, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, a responsabilidade do menor começa aos 12 (doze) anos. A diferença é que o Brasil não adota a nomenclatura penal em nenhum diploma jurídico relacionado à responsabilização de adolescentes, criando, assim, uma concepção equivocada de que no Brasil não existe responsabilidade para o jovem infrator.
Ao contrário do que muitos pensam, existem seis modalidades de sanções estabelecidas no Estatuto da Criança e do Adolescente, fazendo com que o jovem infrator seja responsabilizado por seus atos, mas de maneira pedagógica e preventiva, não podendo, então, confundir inimputabilidade com impunidade. Nesse sentido preceitua Daniele Comin Martins (2004, p. 67):
“O Estatuto da Criança e do Adolescente positivou uma política funcional voltada à proteção integral da criança e do adolescente baseada em mecanismos não mais repressivos, mas pedagógicos e de respeito à condição peculiar de desenvolvimento dos sujeitos de direitos que tutela. Fixou-se uma Justiça de caráter preventivo, nos termos do artigo 4.º, caput, do ECA, que prevê como dever do Poder Público assegurar-se o direito da criança e do jovem à convivência e desenvolvimento no meio familiar”.
2.3 Imputabilidade e responsabilidade penal
Antes de analisar o conceito de imputabilidade e responsabilidade penal é necessário entender algumas premissas sobre o atual conceito de crime. A doutrina ensina que o conceito de crime pode ser dividido em três critérios, sendo eles: critério material ou substancial, no qual crime, segundo Cleber Masson (2015, p. 192), seria “toda ação ou omissão humana que lesa ou expõe a perigo de lesão bens jurídicos penalmente tutelados”. O segundo critério seria o legal, sendo aquele fornecido pelo legislador, encontrando tal conceito no art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, Decreto-Lei nº 3.914, de 9 de dezembro de 1941 (BRASIL, 1941), preceituando:
“Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativamente ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, penas de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativamente ou cumulativamente”.
E, por último, e de mais valia para o presente trabalho, o critério analítico, também chamado de formal ou dogmático. Por esse critério o crime seria, segundo a doutrina majoritária, a composição de três elementos: fato típico, ilicitude e culpabilidade. Nesse sentido, Assis Toledo (1994, p. 80), conforme citado por Rogério Greco (2010, p. 137), ensina:
“Substancialmente, o crime é um fato humano que lesa ou expõe a perigo bens jurídicos (jurídico-penais) protegidos. Essa definição é, porém, insuficiente para a dogmática penal, que necessita de outra mais analítica, apta a pôr à mostra os aspectos essenciais ou os elementos estruturais do conceito de crime. E dentre as várias definições analíticas que têm sido propostas por importantes penalistas, parece-nos mais aceitável a que considera as três notas fundamentais do fato-crime, a saber: ação típica (tipicidade), ilícita ou antijurídica (ilicitude) e culpável (culpabilidade). O crime, nessa concepção que adotamos, é, pois, ação típica, ilícita e culpável”.
Como visto acima, a culpabilidade é um dos elementos do conceito analítico de crime. Essa culpabilidade pode ser definida como o juízo de reprovabilidade que incide sobre o fato típico e ilícito praticado pelo agente, dividindo-se também em outros três elementos: a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduto diversa. Sendo que para o presente artigo se faz necessário e importante a análise da imputabilidade.
A imputabilidade, segundo Cleber Masson (2015, p. 504), “é a capacidade mental, inerente ao ser humano de, ao tempo da ação ou omissão, entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento”. Complementa o autor:
“Dessa forma, a imputabilidade penal depende de dois elementos: (1) intelectivo: é a integridade biopsíquica, consistente na perfeita saúde mental que permite ao indivíduo o entendimento do caráter ilícito do fato; e (2) volitivo: é o domínio da vontade”.
Reforçando a ideia supracitada Sanzo Brodt (1996, p. 46), citado por Rogério Greco (2010, p. 377), assevera:
“A imputabilidade é constituída por dois elementos: um intelectual (capacidade de entender o caráter ilícito do fato), outro volitivo (capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento). O primeiro é a capacidade (genérica) de compreender as proibições ou determinações jurídicas. Bettiol diz que o agente deve poder ‘prever as repercussões que a própria ação poderá acarretar no mundo social’, deve ter, pois, ‘a percepção do significado ético-social do agir’. O segundo, a ‘capacidade de dirigir a conduta de acordo com o entendimento ético-jurídico. Conforme Bettiol, é preciso que o agente tenha condições de avaliar o valor do motivo que o impede à ação e, do outro lado, o valor inibitório da ameaça penal”.
Com isso, verifica-se que imputabilidade é aptidão de uma pessoa ser responsabilizada por sua conduta, na medida em que tinha consciência de sua conduta e, mesmo assim, age de acordo com sua vontade. Verificando tal capacidade, o sujeito ativo tem a obrigação de responder perante o ordenamento jurídico por um fato típico, ilícito e culpável caracterizando, desse modo, a responsabilidade penal.
2.4 Causas de exclusão da imputabilidade
A imputabilidade analisada no tópico anterior pode ser excluída em algumas hipóteses. Essas possibilidades estão previstas nos artigos 26, 27 e 28 do Código Penal, sendo elas: menoridade, doença mental, desenvolvimento mental incompleto, desenvolvimento mental retardado e embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior.
Para entender as causas de exclusão da imputabilidade se faz necessário mencionar os três critérios para avaliação da inimputabilidade, sendo: o critério biológico, o qual presume de forma absoluta a inimputabilidade quando verificado no agente uma causa de exclusão da imputabilidade. Em seguida, existe o critério psicológico, o qual não se importa com as características do indivíduo, mas sim com a sua capacidade de entender e de determinar-se de acordo com esse entendimento no momento da prática do ato ilícito. E, por fim, o critério biopsicológico, sendo esse uma fusão dos critérios citados acima, no qual se analisam as características do agente, mas também o seu entendimento sobre o fato ilícito e determinação em relação a esse entendimento no momento da conduta.
Para o presente artigo é de grande valia a análise da causa de exclusão da imputabilidade denominada menoridade. O artigo 27 do Código Penal estabelece: “Art. 27 – Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial” (BRASIL, 1984).
Diante disso, percebe-se que para se verificar a inimputabilidade em relação aos menores de 18 anos foi adotado pelo atual código penal o sistema biológico, ou seja, existe uma presunção absoluta de que menores de 18 anos não possuem o elemento intelectivo ou volitivo, não importando sua inteligência ou desenvolvimento perante a sociedade. Nesse diapasão ensina Cleber Masson (2015, p. 505):
“O Código Penal, em seu art. 26, caput, acolheu como regra o sistema biopsicológico”. […]
“Excepcionalmente, entretanto, foi adotado o sistema biológico no tocante aos menores de 18 anos (CF, art. 228, e CP, art. 27), bem como o sistema psicológico, em relação à embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior (CP, art. 28, § 1º)”.
Com isso, o efeito da inimputabilidade em relação aos menores de 18 anos é a submissão a uma legislação especial, sendo no atual cenário jurídico, como mencionado em tópicos acima, a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).
3 A PEC 171/93 E SEU CARÁTER SIMBÓLICO
A PEC 171/93 é um projeto de emenda à Constituição que foi apresentado à época pelo deputado federal pelo Distrito Federal Benedito Domingos. Tal projeto tem como finalidade a alteração do artigo 228 da Constituição Federal da República de 1988, reduzindo a maioridade penal de 18 (dezoito) anos para 16 (dezesseis) anos.
A PEC 171/93 passou por vários arquivamentos e sucessivos desarquivamentos, sendo que no ano de 2015 voltou a ser holofote dos debates políticos e jurídicos.
Em 19 de agosto de 2015 a proposta de emenda à Constituição de número 171/93 foi aprovada em segundo turno pela Câmara dos Deputados com um total de 320 votos pelo sim e 152 votos pelo não.
Tal projeto de emenda traz como solução para a diminuição da criminalidade a redução da maioridade penal. Contudo, percebe-se que essa solução não se mostra tão viável em combater a verdadeira causa do problema, seria como aquele ditado popular que diz: “tampar o sol com a peneira”.
Essa PEC 171/93 se mostra como um grande exemplo de legislação simbólica, na qual a sua grande essência não está em resolver o problema da criminalidade juvenil, mas sim passar uma imagem para a sociedade de que o Estado está fazendo algo, bem como de transferir a solução dos conflitos sociais para o futuro. Nesse diapasão Pedro Lenza (2010, p. 72), tendo como base o trabalho de Marcelo Neves, afirma:
“Além de ter o objetivo de confirmar valores de determinados grupos, a legislação simbólica pode ter o objetivo de assegurar confiança nos sistemas jurídico e político.
Diante de certa insatisfação da sociedade, a legislação-álibi aparece como uma resposta pronta e rápida do governo e do Estado.
Busca a legislação-álibi dar uma aparente solução para problemas da sociedade, mesmo que mascarando a realidade”.
Com isso, o intuito do legislador não é resolver o problema da criminalidade, mas sim mostrar que está fazendo algo para a sociedade. Tais legislações simbólicas não trazem eficiência para o país, apenas mascaram a realidade vivida e transferem o problema para o futuro.
As leis precisam ter um estudo criminológico sobre as suas possiblidades de eficácia e sobre seus efeitos, pois a maioria das leis criminais causa repercussão quando criadas, mas com o tempo passa a não ter efeitos, gerando, assim, uma desconfiança da população sobre as normas brasileiras. Nesse sentido ensina Lélio Braga Calhau (2013, p. 04):
“A qualidade da resposta ao crime não depende prioritariamente da coerência do sistema legislativo criminal. Esperar a resposta somente das leis penais é o que caracterizamos como leis penais simbólicas. Elas existem, causam repercussão quando são sancionadas, mas na prática seus efeitos são irrisórios (quando não prejudicam a harmonia do sistema). No Brasil, são raras as leis criminais que são precedidas de estudos criminológicos científicos”.
Como dizia Montesquieu, “leis inúteis enfraquecem as leis necessárias”. Passamos atualmente por uma inflação legislativa com várias leis simbólicas, tendo uma visão que basta criar leis que o problema se resolve. Contudo, deve-se mudar esse atual cenário jurídico, criando, então, mecanismos para que as leis já existentes tenham eficácia.
4 A CONSTITUCIONALIDADE DA REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
A Constituição Federal da República de 1988 em seu artigo 228 legisla sobre a maioridade penal, in verbis: “Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”.
Com a grande polêmica envolvendo a redução da maioridade penal, discute-se muito a constitucionalidade dessa redução.
A Constituição Federal de 1988 estabelece em um de seus títulos os direitos e garantias fundamentais, tendo como uma subdivisão os direitos e garantias individuais. Segundo Pedro Lenza (2010, p. 741), “direitos fundamentais são bens ou vantagens prescritos na norma constitucional, enquanto as garantias são instrumentos através dos quais se assegura o exercício dos aludidos direitos (preventivamente) ou prontamente os repara, caso violados”.
Cabe ressaltar que os direitos fundamentais não se restringem apenas àqueles que se encontram no referente título. Os direitos fundamentais podem ser enxergados ao longo da Constituição, de forma expressa ou como forma de princípios constitucionais, bem como em tratados internacionais dos quais o Brasil seja signatário.
Nesse sentido, leciona Pedro Lenza (2010, p. 738) que “lembrando, desde já, como manifestou o STF, corroborando a doutrina mais atualizada, que os direitos e deveres individuais e coletivos não restringem ao art. 5.º da CF/88, podendo ser encontrado ao longo do texto constitucional”.
Esse entendimento foi determinado de forma expressa pelo próprio artigo 5º, §2 da Constituição Federal de 1988, in verbis:
“Art 5º- Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”:(…)
“§2- Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
Diante disso, verifica-se que a Constituição Federal, ao determinar a maioridade aos 18 (dezoito) anos, consequentemente, estabelece um direito fundamental individual em seu contexto, qual seja, a garantia de que o menor da idade supracitada seja responsabilizado de forma especial.
A localização do dispositivo que trata da maioridade penal não descaracteriza a sua natureza de direito individual fundamental, sendo apenas uma melhor forma de organização da Constituição.
Nesse diapasão, percebe-se que o poder constituinte originário quis dar uma maior proteção aos adolescentes, responsabilizando-os de uma forma especial. Devido a isso, a maioridade penal no Brasil se caracteriza como direito fundamental individual e, portanto, é tida como cláusula pétrea. Nessa direção, Luiz Alberto Araújo (2001, p. 32) relata:
“A interpretação sistemática leva a inclusão da regra do artigo 228 nos direitos e garantias individuais, como forma de proteção. E, como há capítulo próprio da criança e do adolescente, nada mais correto do que a regra estar inserida no seu capítulo específico, embora se constitua em extensão das regras contidas no artigo quinto, objeto de imutabilidade”.
As cláusulas pétreas são limitações materiais criadas pelo poder constituinte originário, ou seja, determinados assuntos contidos na Constituição não podem sofrer alteração pelo poder constituinte derivado; essas limitações podem estar expressas ou implícitas na Constituição. Nesse contexto prescreve Machado (2005, p. 240) que
“o núcleo intangível ou cerne imodificável da Lei Maior, sendo garantias de perenidade de determinados valores. Nada mais são do que limitações materiais ao poder de reforma e podem ser encontrados expressa ou implicitamente na Constituição”.
Esta imutabilidade se encontra prevista no artigo 60, §4, CF/88, impossibilitando a alteração por emenda constitucional da forma federativa de Estado; o voto, secreto, universal e periódico; a separação dos poderes e, por fim, os direitos e garantias individuais.
Portanto, não há dúvidas que o legislador derivado está impossibilitado de fazer alteração em relação à maioridade penal, pois o artigo 228 da Constituição se caracteriza como cláusula pétrea. Contudo, existem doutrinadores que entendem que a maioridade penal pode ser alterada pelo poder constituinte derivado. Nesse sentido, Rogério Greco (2010, p. 381) leciona:
“Apesar da inserção no texto de nossa Constituição Federal referente à maioridade penal, tal fato não impede, caso haja vontade política para tanto, de ser levada a efeito tal redução, uma vez que o mencionado art. 228 não se encontra entre aqueles considerados irreformáveis, pois não se amolda ao rol das cláusulas pétreas elencadas nos incisos I a IV, do §4, do art. 60 da Carta Magna”.
Diante do exposto acima, não merece prosperar tal entendimento, pois como foi explicado, apesar da maioridade penal não estar disciplinada no artigo 5ª da CF, trata-se de um direito individual e, portanto, contido no inciso IV, §4 do art. 60 da Constituição Federal.
Ademais, cabe ressaltar que além da impossibilidade material constante na tentativa de alterar a maioridade penal, ocorre uma inconstitucionalidade formal no projeto de emenda 171/93.
O projeto de emenda constitucional 171/93 trazia em sua redação original uma proposta muito radical, ou seja, pretendia reduzir a maioridade penal de 18 (dezoito) para 16 (dezesseis) anos. Verificando que tal projeto era radical e poderia não ter apoio dos 3/5 dos legisladores necessários para aprovação, criou-se uma emenda substitutiva, ou seja, uma emenda mais branda que substituía o texto principal.
Nessa emenda substituta permitia a criminalização de maiores de 16 (dezesseis) anos que praticassem crimes com violência ou grave ameaça, crimes hediondos, homicídio doloso, lesão corporal grave ou seguida de morte, tráfico de drogas, terrorismo, tortura e roubo qualificado. Tal emenda foi votada e rejeitada no dia 01/07/2015.
No dia seguinte a Câmara dos Deputados aprovou uma emenda sobre o mesmo assunto com algumas modificações, chamada de emenda aglutinativa. Essa emenda diminuiu o rol de crimes em que haveria a criminalização de adolescentes, suprimindo, então, lesão corporal grave, tráfico de drogas, terrorismo, tortura e roubo qualificado.
Percebe-se que a emenda rejeitada um dia antes englobava a que foi posteriormente aprovada, ou seja, rejeitou um projeto substancialmente idêntico ao aprovado, sendo que tal conduta é proibida pela Constituição Federal em seu artigo 60, parágrafo 5º, que não traz dúvida ao consignar: “A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa”, não restando dúvida que a redução da maioridade penal além de estar maculada por um vício material, também se encontra eivada por um vício formal.
E importante destacar também a incongruência do projeto de emenda aprovado pela Câmara dos Deputados. Tal projeto de emenda criou uma regra de imputabilidade, ou seja, para determinados delitos o jovem tem discernimento do caráter ilícito de sua conduta, já para outros delitos não tem o mesmo entendimento. Trata-se, portanto, de uma aberração jurídica o projeto de emenda constitucional que pretende reduzir a maioridade penal.
5 O JOVEM INFRATOR E O SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO
O Brasil funda sua política criminal na aplicação de sanções. Desde os primórdios se discute a finalidade das penas, surgindo, desde então, algumas teorias para explicar tal finalidade.
Segundo Luigi Ferrajoli (2002, p. 204) as teorias podem ser absolutas ou relativas, senão vejamos:
“São teorias absolutas todas aquelas doutrinas que concebem a pena como um fim em si próprio, ou seja, como ‘castigo’, ‘reação’, ‘reparação’ ou, ainda, ‘retribuição’ do crime, justificada por seu intrínseco valor axiológico, vale dizer, não um meio, e tampouco um custo, mas sim um dever ser metajurídico que possui em si seu próprio fundamento. São, ao contrário, ‘relativas’ todas as doutrinas utilitaristas, que consideram e justificam a pena enquanto meio para realização do fim utilitário da prevenção de futuros delitos. Cada uma destas duas grandes classes de doutrinas viu-se, por sua vez, dividida em subgrupos. As doutrinas absolutas ou restritivas foram divididas tendo como parâmetro o valor moral ou jurídico conferido à retribuição penal. As doutrinas relativas ou utilitárias, por seu turno, são divididas entre teorias da prevenção especial, que atribui o fim preventivo à pessoa do delinquente, e doutrinas da prevenção geral, que ao invés, atribuem-no aos cidadãos em geral. Por derradeiro, a tipologia das doutrinas utilitaristas foi recentemente enriquecida com uma nova distinção, qual seja aquela entre doutrinas de prevenção positiva e doutrinas de prevenção negativa, dependendo do fato da prevenção – especial ou geral – realizar-se positivamente, por meio da correção do delinquente ou da integração disciplinar de todos os cidadãos, ou, negativamente, por meio da neutralização daquele ou da intimidação deste”.
As teorias absolutas defendem a retribuição do castigo provocado, ou seja, a pena serve para que o infrator seja castigado pelo que fez, retribuindo, assim, o mal sofrido pela vítima. Nesse sentido tem a lição de Roxin (1997, p. 81-82): “A teoria da retribuição não encontra o sentido da pena na perspectiva de algum fim socialmente útil, senão em que mediante imposição de um mal merecidamente se retribui, equilibra e expia a culpabilidade do autor pelo fato cometido”.
As teorias relativas, também chamadas de utilitaristas, tutelam a prevenção de delitos, não a retribuição do castigo. Essas teorias se dividem em prevenção geral e prevenção especial. A prevenção geral busca o controle da violência de forma geral, intimidando e amedrontando as pessoas, fazendo com que os indivíduos não pratiquem crimes e aqueles que praticaram não voltem a delinquir. Cezar Bitencourt (2003, p. 77) relata: ”A prevenção geral fundamenta-se em duas ideias básicas: a ideia da intimidação, ou da utilização do medo, e a ponderação da racionalidade do homem”.
A prevenção especial tem como objetivo o próprio infrator, ou seja, evita-se a reincidência do delinquente, bem como se busca a ressocialização do mesmo. Nessa acepção leciona novamente Cezar Bitencourt citado por Rogério Greco (2010, p. 466): “A prevenção especial não busca a intimidação do grupo social nem a retribuição do fato praticado, visando apenas àquele indivíduo que já delinquiu para fazer com que não volte a transgredir as normas jurídico-penais”. Juarez Cirino dos Santos (2005, p. 7) reforça o explanado acima:
“Por um lado, a prevenção especial negativa de segurança social através da neutralização (ou da inocuização) do criminoso, consiste na incapacitação do preso para praticar novos crimes contra a coletividade social durante a execução da pena; por outro lado, a prevenção especial positiva de correção (ou de ressocialização, ou de reeducação etc.) do criminoso, realizada pelo trabalho de psicólogos, sociólogos, assistentes sociais e outros funcionários da ortopedia moral do estabelecimento penitenciário, durante a execução da pena – segundo outra fórmula antiga: penitur, nepeccetur”.
Ademais, cabe ressaltar que ao longo do tempo surgiram doutrinadores defendendo a junção das teorias apresentadas acima, chamadas de mistas. Essas teorias estabelecem que a pena deva ter seu caráter retributivo, mas também busquem a prevenção dos delitos. Nesse diapasão, discorre novamente Cirino dos Santos (2007, p. 463-464):
“Representam uma combinação das teorias isoladas, realizada com o objetivo de superar as deficiências de cada teoria, mediante a fusão das funções declaradas ou manifestadas de retribuição, de prevenção geral e de prevenção especial da pena criminal”.
O Código Penal brasileiro em seu artigo 59 preceitua que a fixação da pena será aplicada conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime, adotando, então, segundo Rogério Greco (2010, p. 466), “a teoria mista ou unificadora da pena”.
Apesar de o Código Penal brasileiro trazer que a pena terá seu caráter de prevenção de delitos, não é o que se enxerga atualmente. É sabido que o sistema carcerário brasileiro está falido, não alcançando qualquer objetivo almejado. A Suprema Corte brasileira, em 2015, sob a relatoria do Min. Marco Aurélio, manifestou que o sistema prisional se encontra em um Estado de Coisas Inconstitucional. O juiz federal Márcio Cavalcante (2016, p. 28) explica o que se entende por Estado de Coisas Inconstitucional, senão vejamos:
“O Estado de Coisas Inconstitucional ocorre quando verifica-se a existência de um quadro de violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais, causando pela inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a conjuntura, de modo que apenas transformações estruturais da atuação do Poder Público e a atuação de uma pluralidade de autoridades podem modificar a situação inconstitucional.
O STF reconheceu que o sistema penitenciário brasileiro vive um “Estado de Coisas Inconstitucional”, com uma violação generalizada de direitos fundamentais dos presos. As penas privativas de liberdade aplicadas nos presídios acabam sendo penas cruéis e desumanas.
Vale ressaltar que a responsabilidade por essa situação deve ser atribuída aos três Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), tanto da União como dos Estados-Membros e do Distrito Federal.
A ausência de medidas legislativas, administrativas e orçamentárias eficazes representa uma verdadeira “falha estrutural” que gera ofensa aos direitos dos presos, além da perpetuação e do agravamento da situação”.
Diante disso, verifica-se que o sistema carcerário brasileiro se encontra em grande colapso, com uma alimentação precária, falta de acompanhamento médico e psicológico, instalações desumanas e degradantes, superlotação, entre outras. Com o sistema penitenciário nessa situação percebe-se facilmente que colocar mais pessoas na prisão não será uma alternativa eficaz no combate à criminalidade, uma vez que o índice de reincidência é imenso.
Partindo desse pressuposto, fica evidente que colocar um jovem infrator, em pleno desenvolvimento, no mesmo local destinado a delinquentes maiores de idade, não constitui medida viável no combate à criminalidade, pois tal medida não serviria para ressocializar, mas sim para tornar jovens infratores em delinquentes profissionais. Na mesma linha de raciocínio se encontra Adriana Loche e Antônio Leite (2002, p. 256), vejamos:
“É justamente esse escopo reeducativo, ressocializador, que parece inexistir nas propostas de redução da imputabilidade penal. Ora, reduzida a idade para a submissão ao Código Penal, adolescentes estarão sujeitos às sanções penais, que, em sua maioria, são pena privativa de liberdade, cumpridas no caótico e desumano sistema carcerário brasileiro. […] Além disso, querer submeter mais pessoas – no caso, os jovens maiores de 14 ou 16 anos, conforme proposta – a esse sistema não denota nenhuma preocupação com sua ressocialização, ficando evidente que se busca apenas a retribuição vingativa e castigatória àquela pessoa que violou uma norma social de conduta”.
Segundo pesquisa realizada pela secretária de Direitos Humanos da Presidência da República em um levantamento de 2012 constatou que a maior incidência de delitos praticados por adolescente está relacionada ao patrimônio e ao tráfico de drogas.
Em virtude dos tipos de delitos praticados por jovens infratores percebe-se que isso ocorre devido a uma falha estrutural do poder público em relação às políticas públicas destinadas às pessoas carentes.
O Brasil é um país que reconhecidamente não assegura direitos básicos à grande parte da população, tais como saúde, educação, cultura e lazer. Diante disso, muitos dos adolescentes carentes encontram no crime o seu meio de vida. Nesse contexto, Garofalo (1997, p. 103) relata:
“Os assaltantes, em sua quase totalidade, são indivíduos rudes, semianalfabetos e pobres, quando não miseráveis. Sem formação moral adequada, eles são párias da sociedade, nutrindo indisfarçável raiva e aversão, quando não ódio, por aqueles que possuem bens de certo modo ostensivos, especialmente automóveis de luxo e mansões, símbolos inquestionáveis de um status econômico superior.
Esse sentimento de revolta por viver na pobreza não deixa de ser um dos fatores que induz o indivíduo ao crime (contra o patrimônio especialmente), adquirindo, não raro, um sentido de violência delinquencial muito grande. De fato, assaltantes adultos ou jovens, agindo isoladamente ou em quadrilhas, não se apiedam das vítimas, matando-as, às vezes, pelo simples esboço de um gesto qualquer de pavor ou de instintiva e desarmada defesa.
Esse ódio ou aversão contra os possuidores de bens age como verdadeiro fermento, fazendo crescer o bolo da insatisfação, do inconformismo e da revolta das classes mais pobres da sociedade, que se tiverem a temperar o bolo algum hipertensor da violência e agressividade humanas, infalivelmente as levarão ao cometimento de alentado número de atos antissociais, desde a destruição de uma simples cabine telefônica até à perpetração dos crimes mais bárbaros, dando números maiores às altas taxas de criminalidade, que parecem incluir-se na categoria das deseconomias de aglomeração, como um particular custo pago pelo habitante das grandes cidades palas vantagens da urbanização.
Nesses casos, a repressão policial tem valor limitado, pois combatendo uma parte maior ou menor dos efeitos, não tem o condão de eliminar as causas.
E as causas todas emanam, principalmente, da má distribuição de riquezas e do conluio do poder público com o poder econômico, permitindo que este caminhe paralelamente com ele, como seu subgerente na condução dos destinos de um país”.
Partindo dessa premissa, verifica-se que o combate à criminalidade juvenil deve ser dado de outras formas e não com a redução da maioridade penal. Sem dúvida, o principal meio de combate a essa criminalidade seria o investimento em políticas públicas, tais como educação, esporte e lazer nas comunidades, escolas em tempo integral, ou seja, investindo em políticas públicas que antecedem a entrada do jovem no mundo do crime.
No dia 10 de novembro de 2016 a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, em participação ao 4º Encontro do Pacto Integrador de Segurança Pública Interestadual e da 64ª Reunião do Colégio Nacional de Secretários de Segurança Pública (Consesp), em Goiânia/GO, disse: “Um preso no Brasil custa R$ 2,4 mil por mês e um estudante do ensino médio custa R$ 2,2 mil por ano. Alguma coisa está errada na nossa Pátria amada”. Com esse discurso fica evidente que a ministra quer mostrar que o Brasil precisa investir mais em educação, para não precisar investir em presídios.
Cabe ainda salientar que seria também de grande valia para esse problema a implementação efetiva do Estatuto da Criança e do Adolescente, criando centros de recuperação de jovens infratores com o real objetivo de ressocializar, oferecendo educação, esporte, oficinas de artes e cursos profissionalizantes.
Tendo em vista a vulnerabilidade do adolescente e que a maior incidência de delitos praticados por adolescentes tem relação com o patrimônio, a justiça restaurativa também se mostra como boa alternativa para a diminuição da criminalidade no âmbito da delinquência juvenil. Esse tipo de solução de conflitos surgiu como resposta alternativa ao problema da criminalidade em face da crise do atual sistema de punição adotado pelos Estados.
De acordo com Nestor Filho, Paulo Vasques e Ugo Frugoli (2014, p. 60), a
“justiça restaurativa procura restabelecer, da melhor maneira possível, o status quo ante, visando à reeducação do infrator, à assistência à vítima e ao controle social afetado pelo crime. Gera a sua restauração, mediante a reparação do dano causado pelo crime”.
A justiça restaurativa não busca somente punir o infrator, mas procura também estabelecer um diálogo entre os envolvidos buscando uma reparação ao dano ocorrido. Com isso, verifica-se que é de grande valia a utilização de tal instrumento nos conflitos envolvendo jovens infratores, pois além da restauração do conflito, busca-se a ressocialização do adolescente, conscientizando, educando e integrando a sociedade. Nesse sentido, Damásio de Jesus em um artigo publicado na revista do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, em 2008, relata: “A experiência de muitos países que adotaram práticas restaurativas tem mostrado serem elas extremamente eficazes no trato de adolescentes infratores”.
O Estatuto da Criança e do Adolescente tem a total possibilidade de aplicar a justiça restaurativa. Em seu artigo 126 dispõe:
“Antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, o representante do Ministério Público poderá conceder a remissão, como forma de exclusão do processo, atendendo às circunstâncias e consequências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional”.
E complementa em seu parágrafo único: “Iniciando o procedimento, a concessão da remissão pela autoridade judicial importará na suspensão ou extinção do processo”.
Diante disso, percebe-se que o instituto da remissão poderia facilmente ser utilizado na aplicação da justiça restaurativa perante jovens infratores. Para isso seria necessário apenas que membros do ministério público e magistrados buscassem a participação e o diálogo entre os envolvidos, buscando a reparação do dano e a ressocialização do jovem infrator. Novamente nessa direção argumenta Damásio de Jesus (2008, [s.p.]) em seu artigo mencionado acima:
“Esse instituto pode ser utilizado como meio para adoção de práticas restaurativas, desde que as autoridades dela encarregadas (membro do Ministério Público, antes do processo, e o Juiz de Direito, durante o procedimento) promovam a participação do adolescente, de seus familiares e, inclusive, da vítima, na busca de uma efetiva reparação dos danos e de uma responsabilização consciente do menor infrator”.
Com isso, o jovem infrator que está em pleno desenvolvimento não será corrompido pelo sistema prisional e terá a possibilidade de entender e reparar o mal que causou voltando, então, ao convívio social.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para se chegar ao âmago do presente trabalho, foram desenvolvidos aspectos gerais sobre o tema. Foram demonstrados primeiramente os antecedentes históricos da responsabilização penal dos adolescentes nos diversos diplomas jurídicos brasileiros adotados até o presente momento. Foi verificado também que, mesmo com grande discussão sobre o tema, a maioria dos países adota os 18 anos como idade para a responsabilização penal. Ainda no primeiro capítulo, foi desenvolvido o conceito de imputabilidade penal, sendo a capacidade de uma pessoa ser responsabilizada por sua conduta, no momento em que tinha consciência do seu ato e mesmo assim age de acordo com a sua vontade. Foi mostrado também que o Código Penal brasileiro traz algumas hipóteses que excluem a imputabilidade, sendo de grande importância para o trabalho a causa de exclusão denominada menoridade, a qual adota o critério biológico, preceituando que existe uma presunção absoluta de que menores de 18 anos não possuem o discernimento de seus atos, não importando sua inteligência ou desenvolvimento perante a sociedade.
No capitulo segundo, foram trazidos aspectos sobre a PEC 171/93, mostrando que apesar de ser um projeto apresentado em 1993, ainda se encontra em bastante discussão no mundo jurídico e social. Foi discutido também o caráter simbólico da PEC, demonstrando que tal projeto não tem o objetivo de resolver a criminalidade, mas sim de mostrar para a sociedade que o Estado está fazendo algo, bem como transferindo a solução desse conflito social para o futuro.
Posteriormente, o presente artigo analisou a constitucionalidade da redução da maioridade penal, ficando claro que a Constituição Federal de 1988 não permite a alteração da maioridade, pois o artigo 228 da CF apesar de se encontrar no capítulo da criança e do adolescente trata-se de um direito fundamental, proibindo, então, qualquer emenda tentando reduzir a idade de 18 anos. Neste capítulo verificou-se também que a PEC 171/93 está maculada por um vício formal, tendo, portanto, que ser extirpada do ordenamento jurídico brasileiro.
Por fim, o último capítulo trouxe a problemática do tema. Por todo o exposto, percebe-se claramente que a redução da maioridade penal reforçaria o caótico sistema penal brasileiro, não resolvendo ou diminuindo, portanto, o problema da criminalidade. O Estado precisaria buscar alternativas para o problema da delinquência juvenil e uma dessas alternativas seria a justiça restaurativa, na qual não busca somente retribuir o mal pelo mal, mas procura também estabelecer um diálogo entre os envolvidos buscando uma reparação ao dano ocorrido, sem precisar entrar em um sistema prisional e sair pior do que entrou.
Informações Sobre o Autor
Marcos Vinicius Nobre Musial
Advogado. Pós-graduado em Ciências Criminais pela Faculdade Estácio de Sá em parceria com o Complexo de Ensino Renato Saraiva – CERS