O “leading case” e os limites dos julgamentos no STF em caso de reconhecimento de repercussão geral

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Resumo: Breve exame acerca de limitação do Supremo Tribunal Federal ao “leadingcase em caso de reconhecimento de repercussão geral.


Palavras-chave: Repercussão geral. Recurso Extraordinário. Limites.


Sumário: 1. Introdução; 2. Desenvolvimento; 3. Conclusão; Referências bibliográficas.


1. Introdução


O presente trabalho tem como objetivo investigar eventual limitação e submissão do Supremo Tribunal Federal ao “leading case”em que reconhecida a existência de repercussão geral da matéria objeto do recurso extraordinário.


2. Desenvolvimento


A Emenda Constitucional n.° 45/2004 promoveu inúmeras alterações no texto da Constituição Federal, e, entre outros pontos, introduziu, com a inclusão do §3° no art. 102, a necessidade de demonstração, nos termos da lei, da existência de repercussão geral como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário.


Impende referir que o recurso extraordinário tem previsão no texto da Carta Magna, nos moldes de seu artigo 102, inc. III, sendo destinado ao reexame de decisões judiciais que afrontariam, essencialmente, o texto da Constituição Federal.


Como guardião da Carta Política, por força do art. 101 da Constituição Federal, ao Supremo Tribunal Federal foi atribuído o julgamento desses recursos.


Cite-se:


Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: […]


III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:


a) contrariar dispositivo desta Constituição;


b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;


c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.


d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) […]


§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”


Portanto, à luz do texto constitucional, para julgamento de recurso extraordinário, tornou-se necessária a demonstração da existência de repercussão geral, circunstância que foi objeto de regulamentação pela Lei 11.418/2006.


A referida lei ordinária introduziu novos dispositivos no Código de Processo Civil e por força do art. 543-A do Codex, passou-se a exigir efetivamente a existência desse requisito especial para que a Suprema Corte aprecie o mérito do recurso extraordinário, devendo, pois, o recorrente demonstrar, em preliminar, a existência de questão relevante do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico e que a pacificação da matéria não é relevante apenas aos litigantes, mas que a questão ultrapassa os limites subjetivos da lide.


Com efeito, é indispensável demonstrar que a questão muito mais do que relevante para as partes litigantes, transcende os limites subjetivos de lide e que refletirá decisivamente em número expressivo de litígios.


Conforme ensina Marcus Vinicius Rios Gonçalves:


A lei valeu-se aqui de um conceito vago, que deve ser integrado pelo julgador. A repercussão geral transmite a ideia de que a questão constitucional deva refletir não apenas os interesses das partes, mas de um grande número de pessoas, que afete a vida de uma faixa substancial da sociedade, ou que diga respeito a valores cuja preservação interessa a toda ou a boa parte da coletividade. O acréscimo desse requisito ao recurso extraordinário visa afastar o exame de questões de somenos, que digam respeito as próprias partes, que correspondam valor cuja proteção interessa a comunidade social, de uma maneira geral”. (GONÇALVES, 2009, PÁG. 166).


Não é demais referir que a previsão desse requisito especial se coaduna a própria natureza da Suprema Corte e limita a sua atuação aos casos verdadeiramente relevantes, do ponto de vista constitucional.


Impende ressaltar, por outro lado, que, da mesma forma que o recurso especial, dirigido ao Superior Tribunal de Justiça, o recurso extraordinário é recurso objetivo, em que a situação fática das partes não é rediscutida, mas apenas as teses jurídicas e as matérias de direito que envolvem o exame do pedido inicialmente formulado.


A propósito, ensinam Luiz Guilherme Marinoni e Sergio Cruz Arenhart:


Conclui-se, então, que tais recursos objetivam propiciar a correta aplicação do direito objetivo. Não se discute, portanto, em recurso especial e extraordinário, matéria de fato ou apreciação feita pelo tribunal inferior a partir da prova dos autos (Súmula 279 do STF e Súmula 7 do STJ). O âmbito de discussão aqui se limita, exclusivamente, à aplicação dos direitos sobre o fato, sem mais se discutir se o fato efetivamente existiu ou não”. (ARENHART e MARINONI, 2006, folha 569).


Pois bem, além da necessidade de repercussão geral, o Código de Processo Civil instituiu o regime do julgamento dos recursos repetitivos, onde, em sendo caso de inúmeros recursos com o mesmo objeto, apenas alguns, representativos da controvérsia, são remetidos ao Tribunal para apreciação. Apesar da inexistência de vinculação expressa em lei, como regra, os casos em que reconhecida a existência de repercussão geral serão submetidos a sistemática dos recursos repetitivos.


Em adotada a sistemática dos recursos repetitivos, o Código de Processo Civil determina que os Tribunais de origem selecionem àqueles representativos da controvérsia e os remetam ao STF para verificação da existência de repercussão geral. Os demais, aguardam o julgamento dos processos remetidos e serão reapreciados novamente após o julgamento do Supremo.


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Desse modo, reconhecida a existência de repercussão geral, passa, então, o Supremo Tribunal Federal a apreciar as teses jurídicas e questões objetivas debatidas nos autos e, uma vez decididas, essas terão efeitos vinculantes aos demais processos.


Como regra, em atenção ao princípio da demanda, próprio do direito processual civil, o Supremo Tribunal Federal deveria exercer seu julgamento limitado ao processo em que se dá a discussão e aos limites em que a matéria é lhe apresentada naquele feito.


Entretanto, essa tradicional limitação não se coaduna a nova sistemática instituída para julgamento dos recursos extraordinários, pois não faria sentido o sobrestamento de vários processos, com questões subjetivas totalmente diversas, e que, mesmo assim, deveriam se submeter ao sucesso do processo considerado representativo da controvérsia. Ou, por outro lado, essa forma de julgamento acabaria por não atingir seu fim, que é a pacificação célere dos conflitos, pois a necessidade de similitude de questões subjetivas inviabilizaria os julgamentos.


Diante disso, o Supremo Tribunal Federal vem atuando de forma diversa, o que é plenamente justificado, pois a matéria foi considerada relevante para litigantes diversos daqueles envolvidos nos autos – repercussão geral – e a decisão poderá, como mencionado, influenciar decisivamente outros feitos, que, inclusive, estariam sobrestados.


Expõe Luciano Felício Fuck, que o Supremo Tribunal Federal vem sendo bastante cauteloso quando do julgamento do mérito da repercussão geral, especialmente em razão de inúmeros processos sobrestados, aguardando a solução da controvérsia.


Refere o autor, ainda, que o STF não está adstrito ao “leading case” em que apreciada a repercussão geral, mas pode decidir a questão em outro feito, como meio de acelerar a solução dos litígios que aguardam o seu pronunciamento.


Luciano Felício Fuck cita como exemplo, o RE n.° 565.714/SP em que apreciada a possibilidade de utilização do salário mínimo como indexador ou base de cálculo. Apesar do recurso em que reconhecida a repercussão geral se referir a situação fática de policiais militares do Estado de São Paulo, o STF também apreciou a questão sob o ponto de vista trabalhadores vinculados ao regime da CLT e regimes jurídicos diversos.


Cita, igualmente, o RE 579.951/RN, da relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, onde se discutiu a constitucionalidade do nepotismo no serviço público e cujo julgamento teve grande repercussão, diante da atenção da sociedade para o assunto em voga.


Na hipótese, o caso que levou a matéria a julgamento em plenário se referia a motorista terceirizado e secretaria municipal. Essa era a situação fática, o “leading case” originador da discussão. Entretanto, ante a evidente relevância social, foi apreciada a constitucionalidade do nepotismo em todos os cargos da administração pública, dando origem, inclusive, a Súmula Vinculante n.° 13.


O caso de exame do nepotismo é bastante esclarecedor, demonstrando a necessidade da Corte Constitucional extravasar os limites do processo em que realizado o julgamento, indicando que a necessidade de pacificação social autoriza essa desvinculação com o “leading case”.


Veja-se, pois, que muito mais do que julgar a lide trazida a seu conhecimento, o Supremo Tribunal Federal, na condição de guardião da Constituição Federal, acaba por se pronunciar sobre questão jurídica muito mais abrangente, e, com isso, pacifica número muito mais amplo de relações jurídicas, fim próprio do Direito.


Com efeito, a decisão que o Supremo Tribunal Federal muito mais do que julgar a lide em que se reconheceu a repercussão geral, será decisiva para outros feitos, que também restarão decididos após a manifestação da Corte.


A necessidade de não vinculação ao “leading case”, pois, se mostra mais evidente quando se pensa na existência da multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia.


Nesse caso, apenas alguns são escolhidos como representativos da controvérsia e neles é que se examinará a existência de repercussão geral, enquanto os demais restam sobrestados até o exame final da matéria. E essa decisão final vinculará todos os julgados, mesmo que eles sequer sejam remetidos ao Supremo Tribunal Federal e os Ministros não examinem as razões recursais, sendo possível, inclusive, a retratação do tribunal de origem, após o julgamento do STF, em se verificando que a decisão recorrida é contrária ao entendimento fixado pela Corte Constitucional (art. 543-B, §3°, do CPC).


Desse modo, o Supremo Tribunal Federal deverá, uma vez reconhecida a existência de repercussão geral, examinar a questão jurídica da forma mais ampla possível, não se submetendo aos limites do “leading case”, sob pena de restar inviabilizada e distorcida a própria razão de ser dessa nova sistemática de julgamento, que preza pela celeridade processual e instituiu a isonomia nas decisões judiciais.


3. Conclusão


Portanto, se conclui que, efetivamente, o Supremo Tribunal Federal não está vinculado ou adstrito ao “leading case” e que nem poderia ser diferente, devendo examinar a questão jurídica sem a necessidade de observância das particularidades do processo em que reconhecida a repercussão geral.


 


Referências bibliográficas:

ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do Processo de Conhecimento. 5° Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

FUCK, Luciano Felício. O Supremo Tribunal Federal e a Repercussão Geral.Publicado na REVISTA DE PROCESSO (ED. RT) 181/9, mar/2010. Material da Aula 4ª da Disciplina: Direito Constitucional Aplicado, ministrada no Curso de Pós-Graduação Televirtual de Direito Público–Anhanguera-Uniderp | Rede LFG, 2011.

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil. Volume 2. 5º Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.


Informações Sobre o Autor

Angela Roberta Kruger

Procuradora da Fazenda Nacional. Pós-graduanda em Direito Público pela UNIDERP.


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