Resumo: O fluxo cada vez mais elevado de transações comerciais e financeiras exige da economia uma dinâmica fluida e eficaz. Para tanto é de suma importância a participação dos Estados no combate ao fenômeno da bitributação internacional, ocorrido pelo exercício soberano do poder de tributar de cada Estado. O fenômeno é estudado desde a identificação de cada um de seus elementos caracterizadores até a análise das consequências negativas de sua ocorrência. Pulsa, portanto, a relevância da utilização de mecanismos de combate à dupla tributação internacional através de medidas por parte dos próprios contribuintes ou através do Estado, de forma unilateral e/ou bilateral, visando a supressão da evasão e elisão fiscal e demais chagas atribuídas ao fenômeno aqui estudado.
Palavras-chave: Direito Tributário. Dupla tributação internacional. Justiça fiscal. Tratados internacionais. Conflito de normas.
Abstract: The increasingly flow of the commercial and financial transactions requires of the economy a more fluid and effective dynamic. Therefore it is very important the participation of States in combating the phenomenon of international double taxation, held by the sovereign exercise of the taxing power of each state. The phenomenon is studied in its overview, with the identification of each of its characteristic elements, and emphasizing the negative consequences of its presence in the relations between states. Urges, so, the relevance of the use of mechanisms to combat double taxation through measures by the taxpayers themselves or through the state, unilaterally and / or bilaterally, aimed at abolition of tax avoidance and evasion and other wounds attributed to phenomenon studied here.
Keywords: Tax Law. International double taxation. Tax justice. International Treaties. Conflicting rules.
INTRODUÇÃO
O processo conhecido como globalização, em que, dentre as várias faces de atuação, pode ter na frente econômica o principal motivo de existência, é responsável direto pelo incremento das trocas comerciais estabelecidas entre os Estados atuantes no cenário internacional, pois através dele se amenizou gradualmente as barreiras físicas e virtuais tipicamente impostas quando do trato comercial entre países.
Neste contexto de intercâmbio econômico mundial, não tardaria a surgir meios de otimização das relações comerciais, tornando propício assim o surgimento dos tratados internacionais em matéria tributária como método de combate aos efeitos da bitributação internacional, fenômeno este causado pelo exercício soberano de cada ente internacional em seu poder de tributar.
Para estruturação deste estudo se utilizará o método dedutivo de pesquisa com base na análise bibliográfica ancorada nos princípios de direito que regem o ordenamento jurídico pátrio de forma a harmonizar a interpretação dos institutos à visão da Constituição Federal de 1988. Surgindo, então, a conceituação do fenômeno da bitributação e sua análise devida. Por fim, serão observados os mecanismos de combate à bitributação internacional, desde as medidas unilaterais, que em suma buscam amenizar os efeitos da múltipla tributação, quanto as figuras dos tratados internacionais em matéria tributária, analisando a sua concepção, a forma como interagem como o ordenamento interno e a sua relevância no combate à tal fenômeno.
1. BITRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL
O poder de tributar é reflexo direto da soberania de um Estado, que o exerce com a precípua necessidade arrecadatória de subsidiar a manutenção dos serviços que disponibiliza a seus cidadãos.
Por isto mesmo que o Estado não poderia deixar de tributar as operações internacionais de trocas de capitais, mercadorias e serviços, fontes relevantes de arrecadação (tendo em vista o crescimento do comércio e de investimentos estrangeiros).
Tal tributação é possível através do princípio da universalidade, ou world wide income, que estabeleceu a imputação dos rendimentos em bases universais, tornando fértil o campo de concorrência de pretensões impositivas legítimas, mesmo que indesejáveis sob o viés econômico.
1.1 Conceituação
O fenômeno da dupla tributação internacional pode ser conceituado como a situação em que há o concurso de regras tributárias emanadas de distintos Estados soberanos incidentes sobre um idêntico fato gerador, sob a caracterização de mesmos tributos, concentrado na figura do mesmo contribuinte em um mesmo intervalo temporal.
O próprio Comitê Fiscal da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) teceu precisas observações sobre a conceituação do fenômeno:
“O fenômeno da dupla tributação jurídica internacional pode definir-se de forma geral como o resultado da percepção de impostos similares em dois — ou mais — Estados, sobre um mesmo contribuinte, pela mesma matéria imponível e por idêntico período de tempo.”[1]
Do exposto se extrai a noção de que a dupla tributação internacional se reveste de elementos essenciais para sua configuração, quais sejam: (a) pluralidade de soberanias tributárias; (b) identidade do elemento material do fato gerador; (c) identidade do imposto; (d) identidade do sujeito passivo; e (e) mesmo período de tempo.
1.1.1 Pluralidade de soberanias tributárias
A soberania tributária é qualidade inerente a um Estado de pleno direito de exercitar e consolidar um sistema tributário autônomo. A sobreposição do exercício de normas tributárias entre diferentes Estados é elemento crucial na formação da dupla tributação. Sendo o caso de mais de dois Estados nos depararemos com a multi ou pluritributação.
1.1.2 Identidade do elemento material do Fato Gerador
Não havendo a incidência de impostos semelhantes sob o mesmo elemento material do fato gerador, ou seja, sob a ação ou situação material definida em lei que, realizada, dará existência à obrigação tributária, restará prejudicada a caracterização da dupla tributação.
1.1.3 Identidade do imposto
Para que seja configurada a bitributação é necessário que este elemento seja observado, ou seja, que ocorra a identidade dos impostos, ou mais corretamente, da semelhança dos impostos, visto que a diversidade dos ordenamentos em sobreposição é vasta, dificultando assim a acepção rigidamente idêntica entre os mesmos. É o que pondera NORONHA:
“Em consonância com a identidade material, os impostos que incidirão sobre o fato tributável devem ter natureza análoga. É indispensável observar que eles nunca serão idênticos, porquanto foram criados para atender às especificidades de ordenamentos jurídicos diversos. Entretanto, um mínimo de aproximação lhes é exigida, principalmente no que concerne à semelhança da base de cálculo ou ao efeito econômico desencadeado.”[2]
Lembrando que a caracterização do tributo se dá através da observância de suas três bases: elemento material, elemento subjetivo e elemento quantitativo, bem colacionado nas palavras de Bernado Ribeiro de Moraes[3], e é por isso que o elemento material do fato gerador não é capaz por si só de identificar o tributo em questão.
1.1.4 Identidade do sujeito passivo
Para a análise deste item mister se faz a distinção entre o conceito jurídico de pluritributação internacional e o conceito econômico do mesmo fenômeno.
Nas palavras de Getulio Borges da Silva:
“Conceito jurídico — é a imputação de um mesmo tributo a um mesmo contribuinte por dois Estados soberanos, tendo por base o mesmo fato gerador e o mesmo período de tempo como referência.
Conceito econômico — é a situação em que, uma mesma transação, rendimento singular ou elementos do capital, sofre tributação idêntica por parte de dois ou mais Estados soberanos durante o mesmo período de tempo, mas tendo como contribuintes pessoas diferentes.”[4]
A pesar da primeira conceituação ser a “geralmente considerada como atentatória aos princípios de justiça e da equidade e mais perniciosa do ponto de vista econômico, reclamando, assim, consideráveis esforços para solucioná-la”[5] a segunda já passa a permear alguns ordenamentos jurídicos como forma de flexibilizar o elemento da identidade do sujeito passivo, admitindo como tal os sócios de uma empresa e os cônjuges.
1.1.5 Identidade do período
Alguns autores tomam por óbvia e desnecessária a citação do elemento da identidade do período por já estar este conceito incluído na própria ideia do elemento material do fato gerador, mas tal entendimento não deve prosperar, visto a distinção pujante de conceitos, tal qual fundamenta, mais uma vez, em precisa inteligência, BORGES:
“A atitude de não incluir a identidade do período na definição de dupla tributação, dada a sua obviedade, pode resultar-lhe em prejuízo, não logrando comunicação sem equívoco, considerando que tal identidade é traço essencial da dupla tributação, o objeto definido, independentemente de os impostos serem de fato gerador instantâneo ou periódico.
Quanto ao entendimento de que o elemento material do fato gerador envolve a identidade do período, ou do elemento temporal, não se pode aceitá-lo. Trata-se de dois elementos distintos do fato gerador, o primeiro configurando-se na descrição da situação de fato que lhe serve de suporte, e o outro, na indicação do momento em que se considera concretizado.”[6]
Conclui-se portanto que a identidade temporal é fator essencial à configuração do fenômeno abordado.
1.2 Causas e consequências
Em seu livro, Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas, Heleno Tôrres ensina que:
“A causa prevalecente do problema da bitributação internacional deve-se às relações entre dois ou mais sistemas tributantes de estados soberanos, instigada por inevitáveis concursos de pretensões impositivas sobre um mesmo ato de produção de rendimentos, em base transnacional, pela incidência das normas do Estado da situação da fonte efetiva dos rendimentos (dos países onde se localizam as filiais de uma multinacional, por exemplo) e pelas normas do Estado de residência (do país onde se localiza a matriz, a sede, da multinacional).”[7]
Daí que para estabelecer sua competência internacional no que concerne aos impostos devidos, os Estados buscam nos elementos de conexão, ou seja, nos princípios da universalidade ou da territorialidade, sua justificação legal. Caso se baseiem no princípio da universalidade poderão adotar o critério da residência e/ou da nacionalidade e, em se tratando do princípio da territorialidade, adotarão o critério da fonte, mas é raro a adoção exclusiva de um único princípio para delimitação da competência tributária internacional.
Importante as possibilidades suscitadas por BORGES:
“Relativamente ao critério da nacionalidade, cite-se o caso de uma pessoa física que, ante sistemas diferentes de concessão da nacionalidade originária, detenha a nacionalidade de dois Estados, de um, por haver nascido no seu território — sistema do ius soli —, e de outro, por ser filha de nacionais seus — sistema do ius sanguinis —. Também uma pessoa jurídica pode ser considerada nacional de dois Estados, bastando, para isso, que, a fim de determinar a nacionalidade das pessoas jurídicas, um deles adote a teoria da sede social, e o outro, a teoria da origem, isto é, a do território de constituição da sociedade.
Em se tratando do critério da residência, uma pessoa física pode ser considerada residente de um Estado, porque nele mantém a sua residência habitual; de outro, porque nele se encontra o centro de suas atividades econômicas; de outro ainda, porque o visita periodicamente, dispondo, para isso, de um apartamento no seu território. De forma similar, uma pessoa jurídica pode ser considerada residente de um Estado pelo fato de haver nele sido constituída, e de outro, por encontrar-se no território desse o centro de direção e controle.
Quanto ao critério da fonte, por último, em seu nome pode também uma mesma pessoa ser cumulativamente tributada por dois Estados, se o conceituarem de modo diferente. É o que acontece, se uma pessoa presta serviços no território de Estado que conceitua a fonte como o local onde a atividade econômica se desenvolve, sendo, porém, paga por tais serviços por residente de outro Estado, que considera a fonte como o local onde é obtida a disponibilidade econômica ou jurídica da renda.”[8]
Do todo se exprime a ideia de que as causas da múltipla tributação internacional podem advir da identidade ou da discrepância dos elementos de conexão utilizados no regramento jurídico de cada Estado.
A despeito do fenômeno não estar eivado de antijuridicidade a bitributação internacional viola a concepção de justiça fiscal, onerando excessivamente os rendimentos globais de um contribuinte em desarmonia com o princípio tributário universal da capacidade contributiva. Além disso suas consequências se irradiam também no campo financeiro, cultural e sócio-político.
As atividades econômicas são sumariamente prejudicadas pela dupla tributação internacional por interferir no livro movimento dos capitais e de pessoas, dificultando a transferência de tecnologia e o intercâmbio de bens e serviços.
DORNELES[9] cita outros inconvenientes: (i) imposição de dificuldades ao fluxo de investimentos; (ii) encarecimento do custo do dinheiro; (iii) encarecimento e imposição de dificuldades na transferência de tecnologia; (iv) insegurança para os contribuintes; (v) neutralização por parte de um Estado da política fiscal de outro Estado.
O fenômeno é responsável ainda por um possível incremento involuntário à prática da evasão e elisão fiscal, visto que os contribuintes, na busca da economia de tributos, fazem uso de meios juridicamente indesejáveis para se proteger da dupla imposição tributária.
XAVIER aponta:
“O fenômeno da elisão fiscal internacional assenta, assim, num duplo pressuposto: a existência de dois ou mais ordenamentos tributários, dos quais um ou mais se apresentam, face a uma dada situação concreta, como mais favoráveis que o outro ou outros; a faculdade de opção ou escolha voluntária pelo contribuinte do ordenamento tributário aplicável, pela influência voluntária na produção do fato ou fatos geradores em termos de atrair a respectiva aplicação.”[10]
Daí que o contribuinte pode se posicionar para que quando pratique fatos jurídicos imputáveis tributariamente, o faça de maneira a reduzir ao máximo ou até mesmo eliminar a ocorrência da bitributação internacional, mesmo que para isso exceda a utilização de tais meios, desde que ainda legais, estando portanto configurada a prática da elisão fiscal.
Já a evasão fiscal é caracterizada pela fraude à lei tributária, através da mutação dos elementos de conexão atribuídos pelo ordenamento jurídico ao qual está inserido por meio de atos ilícitos. Diferencia-se portante do mero abuso praticado na situação descrita acima.
1.3 Formas de combate à bitributação internacional
Ao fixarem suas normas tributárias, os Estados devem sempre atender ao cuidado de verificar a possibilidade de ocorrência do fenômeno aqui estudado, objetivando atenuar seus efeitos indesejados sem, contudo, abrir mão de sua política fiscal instrumental à sua economia e ao dirigismo econômico constitucional.
As medidas de enfrentamento à bitributação podem partir tanto do contribuinte, através de um planejamento tributário eficaz, quanto do Estado, por meio de medidas unilaterais ou bilaterais.
1.3.1 Planejamento tributário
Assunto de grande relevância na seara privada de atuação do Direito Tributário Internacional, o planejamento tributário consiste na estruturação e organização jurídica por parte do contribuinte de seus atos imputáveis tributariamente visando a economia de tributos.
É um processo de otimização da carga tributária, utilizado como um guia interpretativo dos sistemas tributários ao qual se debruça visando assegurar medidas seguras mais eficientes na tomada de decisões de negócios sujeitas à imposição tributária de mais de um Estado.
1.3.2 Medidas unilaterais
Objetivando minorar os efeitos da pluritributação internacional os Estados adotam, unilateralmente, medidas limitadoras do exercício de sua competência tributária.
NORONHA complementa:
“Com efeito, as medidas a serem adotadas pelo ente tributante devem encontrar-se em perfeita harmonia com os fins colimados por sua política fiscal, quais sejam: neutralidade fiscal interna, neutralidade fiscal externa e eficiência nacional. A primeira, inerente a países ex-portadores de capital, é compatível com o sistema de crédito de imposto. Já a neutralidade fiscal externa (neutralidade fiscal à importação), prevista para países importadores de capital, compatibiliza-se com o método da isenção.
Cabe verificar que, além do crédito de imposto e da isenção, existe o método da dedução, completando o rol de medidas unilaterais utilizadas para evitar a bitributação internacional.”[11]
1.3.2.1 Método da isenção
O método da isenção, na seara do Direito Tributário Internacional, consiste na limitação à aplicação do princípio da universalidade, deixando de considerar imputável rendimentos auferidos além dos limites fronteiriços do país, rendimentos estes que, não fosse a isenção que lhe recai, seriam afetados pelo elemento da estraneidade e configurando assim os requisitos para aplicação das prerrogativas tributárias.
Tal método comporta duas modalidades de aplicação, conforme NORONHA:
“a) a isenção integral (full exemption), que ocorre quando a renda estrangeira não é considerada para nenhum efeito, sendo excluída da base de cálculo do imposto, e b) a isenção progressiva (exemption with progression), na hipótese de o rendimento produzido alhures ser utilizado para o cálculo da alíquota progressiva que será utilizada na determinação do quantum debeatur do imposto devido.”[12]
1.3.2.2 Método da imputação ou do crédito do imposto devido
O método da imputação, ou tax credit, consiste na adoção pelo Estado de uma postura de tributação integral dos rendimentos do contribuinte, ficando mais evidente aqui a aplicação do princípio da universalidade, uma vez que se tributa o que o contribuinte aufere fora e dentro do país, dando-lhe porém o direito subjetivo à concessão de um crédito pelo imposto pago no Estado da fonte, podendo este crédito sofrer alguma limitação.
Na imputação integral o valor dos impostos pagos será deduzido em sua totalidade do que foi pago no país fonte do rendimento, mesmo sendo inferior, igual ou superior ao tributo devido no país de residência.
Na imputação ordinária o montante de impostos pagos no país da fonte será deduzido até o limite do valor devido em tributos no Estado de residência.
Saliente-se que o Brasil adota o critério do crédito ordinário, previsto nos art. 103 e 395 do RIR/99.
1.3.2.3 Método da dedução e da redução de alíquota
No método da dedução há a situação de que os impostos pagos em outros Estados são considerados como despesas e, por isto, podem ser deduzidos da base de cálculo do imposto a ser pago em seu país de origem.
Já no método da redução de alíquota, responsável apenas por uma atenuação no fenômeno da bitributação internacional, consiste, em breves palavras, na redução da alíquota aplicada em determinados rendimentos de origem externa.[13]
Conclui-se portando que ambos os métodos são pouco impactantes em sua finalidade de combater a multitributação internacional, assim como os demais métodos unilaterais de atuação Estatal, como bem acentua BORGES:
“Ainda que as medidas unilaterais destinadas a evitar ou a eliminar a dupla tributação internacional sejam mais facilmente adotadas, na prática elas se mostram inadequadas e insuficientes para tal mister. O sacrifício unilateral que envolvem, o seu caráter limitado, no sentido de que geralmente visam apenas a alguns impostos, a grande diversidade dos atuais sistemas tributários, assim como a sua crescente complexidade, demonstram a impropriedade e a insuficiência das referidas medidas como meio de prevenção ou eliminação da dupla tributação internacional, cumprindo, assim, fazer uso de convenções internacionais.”[14]
Convém, portanto, uma análise mais detalhada sobre os tratados internacionais em matéria tributária visando o combate ao fenômeno da bi ou múltipla tributação internacional, feita no próximo capítulo.
2. DOS TRATADOS INTERNACIONAIS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA PARA EVITAR A BI OU MÚLTIPLA TRIBUTAÇÃO
Data de 1899 o primeiro tratado internacional para evitar a dupla tributação e evasão fiscal, tendo sido firmado entre o Império Austro-Húngaro e a Prússia com a finalidade de tornar o comércio entre os dois países mais fluido e, quando do surgimento de controvérsias, possibilitar uma base de resolução ágil entre as duas jurisdições.
O tema da bitributação internacional e seus consequentes tratados não surgiu recentemente mas veio a participar da história mais ativamente com o incremento do intercâmbio econômico entre as nações com vista a amenizar as barreias que impedem o maior fluxo de capitais, de transferência de tecnologias e expansão das economias mundiais. É em 1921 que o Comitê Financeiro da Sociedade das Nações (predecessora da ONU) lança estudos mais consistentes a respeito do assunto.
É neste contexto que se lança a ideia da globalização, vendida principalmente como um projeto de integração cultural, a “aldeia mundial”, mas que incentivava principalmente a adoção mais aprofundada do modelo neoliberal de economia como meio de expandir o poder de ramificação das empresas multinacionais em um regime de livre mercado favorável a uma ampla concorrência.
Daí ser a dupla ou múltipla tributação internacional um dos pontos mais relevantes do Direito Tributário Internacional na atualidade, pois sua complexidade inerente e as múltiplas frentes de atuação para resolução deste fenômeno indesejado, tais como o campo econômico, político, social e jurídico fazem com que diversas inteligências se debrucem sobre o tema visando um manejo eficiente do fenômeno, seja por parte do Estado, em seu interesse de tributar, mas que ao mesmo tempo tem interesse em manter a economia fluindo, seja por parte das empresas que buscam uma carta tributária menos onerosa e facilitadora das trocas comerciais.
Os tratados ou acordos internacionais se mostraram, ao decorrer do tempo, como o mecanismo mais fecundo para neutralização da bitributação e seus efeitos indesejáveis. Daí a adoção em massa pelos Estados nacionais de tais mecanismos ao firmarem acordos de comprometimento, voltando suas vontades ao combate do referido fenômeno e respectivos reflexos, visando o desenvolvimento comercial entre eles, e a busca por maior lucratividade e entrada de capitais em seus países.[15] Postura a que se assemelha Agostinho Torroli Tavolaro:
“Foram os tratados bilaterais para evitar a dupla tributação internacional (TDT), no entanto, a ferramenta mais utilizada pelos diferentes países, havendo alcançado número próximo a 2000, projetando mesmo ALEX EASSON que, mantido o mesmo ritmo assinatura de TDT, chegar-se-á a 16000 TDT no ano 2050, razão porque põe a indagação sobre sua necessidade, indagação esta a que demos resposta pela negativa quanto ao Brasil.
De se lembrar que o Brasil tem em vigor, até a presente data, 25 (vinte e cinco) TDT.”[16]
2.1. Os tratados no direito brasileiro
De suma importância a discussão sobre a interação entre o Direito pátrio e os tratados internacionais, como se dá a relação de um acordo firmado por nosso país e as leis que nele imperam, definindo-se, por fim, diretrizes de resolução de conflitos que venham a surgir.
Para tanto é interessante frisas o papel de duas teorias que buscam explicar a relação entre os tratados e o direito interno: o monismo e dualismo. A primeira tece entendimento no sentido de que a ordem jurídica internacional e nacional são unidas, dando origem ao Direito como um todo, ou seja, a ordenação extranacional e intranacional são manifestações da unidade do Direito. Já a teoria dualista trilha caminho distinto, apartando as duas manifestações, aludindo à independência de cada conjunto de ordenamentos, o pátrio e o internacional, onde cada um regerá situações específicas e cada um terá seu âmbito de atuação.
Cabe frisar que tais teorias não são precisas em suas delimitações, visto que quando da análise fática dos movimentos de comunicação entre as mais diferenciadas normas se perceberá que o nível de interação transborda as conceituações puras das citadas teorias, seja a monista ou a dualista. Conclui-se, portanto, que a distinção tem maior relevância no campo didático, uma vez que na esfera fática enfrentará maiores desafios à sustentação de suas bases teóricas.
Foram firmados no Brasil os seguintes tratados[17]:
“Alemanha (Dec. nº 76.988, de 6-1-1976); Argentina (Dec. nº 87.976, de 22-12-1982); Áustria (Dec. nº 78.107, de 22-07-1976); Bélgica (Dec. nº 72.542 de 30.07.1973); Canadá (Dec. nº 92.318, de 23-1-1986); Chile (Dec. no. 4.852 / 2003); China (Dec. nº 762, de 19.02.1993); Coréia (Dec. nº 354, de 2-12-1991); Dinamarca (Dec. nº 75.106, de 20-12-1974); Equador (Dec. nº 75.717, de 11-02-1988); Espanha (Dec. nº 76.975, de 02-1-1976); Filipinas (Dec. nº 241, de 25-10-1991); Finlândia (Dec. nº 2465, de 19.01.1998);
França (Dec. nº 70.506, de 12-5-1972); Holanda (Dec. nº 355, de 02.12.1991); Hungria (Dec. nº 53, de 8-3-1991); Índia (Dec. nº 510, de 27-04-1992); Itália (Dec. nº 85.985, de 06-05-1981); Japão (Dec. nº 61.899, de 14-12-1967); Luxemburgo (Dec. nº 85.051, de 18-08-1980); Noruega (Dec. nº 86.710, de 09.12.1981); Portugal (Dec. nº 4012 /2001); República Tcheca (Dec. nº 43, de 25.02.1991); República Eslovaca (Dec. nº 43, de 25.02.1991); Suécia (Dec. nº 77.053, de 19-1-1976).”
2.1.1 A recepção pelo ordenamento jurídico brasileiro
No Brasil há um certo rito pelo qual se estabelece um Tratado Internacional. A começar pelas trativas entre os Estados ou Entes Internacionais envolvidos no acerto convencional sobre uma matéria em comum. Segundo o ordenamento pátrio essa prerrogativa é exercida pelo chefe do Executivo, o Presidente da República, que também pode delegar a outra pessoa por meio de Cartas de Plenos Poderes, conforme abaixo:
“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (…)
VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional.[18]
É através desse preceptivo que se permite o firmamento de acordos, protocolos, entre outros atos, que virão a ser devidamente validados após o referendamento do Congresso Nacional que, segundo o art. 49, inciso I da Constituição da República Brasileira é de sua competência exclusiva referendar tratados internacionais que envolvam encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.
Interessante a ressalva de Bianca Castelar de Faria:
“Do texto constitucional fica evidente que a Constituição da República Federativa do Brasil não exige a edição de uma lei específica para a recepção das normas de tratados internacionais. Uma conclusão mais apressada poderia, inclusive, levar o intérprete a admitir que o Brasil é um país que adota a doutrina monista.
Mas, a rigor, a prática brasileira, no que tange à incorporação de normas externas, sempre foi de promulgar os tratados internacionais, mesmo diante do fato de que tal exigência jamais constou de qualquer das Constituições do Brasil. Na verdade, “o decreto de promulgação não constitui reclamo constitucional: ele é um produto de uma praxe tão antiga quanto a Independência e os primeiros exercícios convencionais do Império.”
Essa tradição, por seu turno, parece ter-se originado a partir da Constituição de 1824, que exigia a sanção imperial para a entrada em vigor dos decretos e resoluções da Assembleia Geral, comando que era aplicado analogicamente aos atos internacionais. Costume que perdura até a presente data, já que a Constituição de 1988 em nenhum momento determina expressamente a promulgação de tratados internacionais, não obstante o parágrafo 3°, de seu art. 60, preveja que a emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, enquanto seus artigos 65 e 66 estabelecem que os projetos de lei deverão ser enviados à promulgação, após a aprovação de ambas as casas do Congresso, nos prazos indicados nos parágrafos do art. 66. Não bastasse isso, o inciso IV, do art. 84, estabelece que a promulgação de leis é de competência privativa do Presidente da República, sem, contudo, fazer qualquer referência aos tratados, acordos ou atos internacionais.”[19]
Ante a explanação se percebe a praxe de referendamento pelo Congresso Nacional que, após aprovar o tratado através de Decreto Legislativo, faz seguir o texto para a ratificação do Executivo. Daí segue a troca dos instrumentos de ratificação e finalmente o tratado é promulgado, em Diário Oficial, pelo Presidente da República através do decreto que dará conhecimento aos brasileiros da celebração do tratado.
Surge, naturalmente, as questões sobre que seguimento teórico segue o Brasil, se o monista ou o dualista e, para além disso, as dúvidas sobre a resolução de conflitos que eventualmente venham a surgir e requeiram o pronunciamento do Estado sobre que legislação aplica, se a do tratado ou do ordenamento interno. Buscaremos resolvê-las a seguir.
2.1.1.1 Os conflitos no âmbito constitucional
Primeiramente é válido fazer uma breve análise sobre a possibilidade de caracterização constitucional dos tratados internacionais de direito tributário. O parágrafo 2º do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 dispõe:
“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.[20]
Em leitura rápida e superficial facilmente caberia o entendimento de que os TDT (Tratados de Direito Tributário) se pigmentariam do verniz constitucional, ou seja, que suas disposições teriam força constitucional. Acontece, que tal dispositivo constitucional se refere a regramentos sobre direitos humanos, de forma que fica prejudicado o entendimento que buscar alçar à categoria constitucional os Tratados Internacionais de Direito Tributário.
É de se notar que o referido dispositivo daria azo a uma imensa controvérsia doutrinária. Neste diapasão que veio a ser emendada a Constituição com a Emenda nº 45, de 8 de dezembro de 2004, através de seu art. 5º, § 3º, como forma de dirimir as controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais sobre a hierarquia e recepção dos tratados:
“Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”
Fica a sensação, correspondente à realidade, de que, no âmbito constitucional, haverá um certo teor vago de normatividade respectivamente aos tratados que não dirimam sobre direitos humanos, concluindo-se que tais tratados remanescentes quando conflitarem com o ordenamento pátrio terão sua solução definida pela aplicação dos métodos de solução de antinomia tradicionais ou pelo monismo moderado, sendo este um critério cronológico de resolução de conflitos entre normas.
2.1.1.2 Análise dos tratados ante o artigo 98 do Código Tributário Nacional
Prescreve o art. 98 do CTN: os tratados e as convenções internacionais revogam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha.
Há um lapso constitucional em tratar expressamente sobre o conflito entre normas de direito internacional e de direito interno. Ao se debruçar sobre o estudo que busque solucionar um conflito entre nomas chegar-se-á a uma dupla possibilidade contextual: quando o tratado é posterior à lei interna; e quando a lei interna é posterior ao tratado.
Na primeira situação prevalecerá a aplicação do tratado, seja pela abordagem do critério cronológico, seja pelo prisma da especialidade. Já na segunda situação, onde a lei interna é posterior ao tratado, há de ser prevalente a regra “lex posterior generalis non derrogat priori speciali”, ou seja, a lei geral sucessiva não derrogará a lei especial precedente.
Pelo exposto, no que tange o artigo 98 do Código Tributário Nacional, a resolução de um conflito entre um Tratado Internacional de Direito Tributário toma contornos especiais, chegando-se à ideia de que os TDT teria, certas vezes, supremacia hierárquica sobre a lei interna, vez que se encontram em relação de especialidade em relação a esta.
Tal entendimento encontra respaldo em Alberto Xavier:
“Ora a matéria tributária situa-se precisamente no cerne dos direitos e garantias constitucionais, pois não só a própria Constituição assim o considera (art. 150, “caput”, da Constituição Federal), como atinge de pleno direitos e garantias, como a propriedade privada, a liberdade de comércio e a proibição do confisco. Apesar de expresso apenas no que concerne a “direitos e garantias” não vemos razão para restringir a superioridade hierárquica dos tratados a este terreno, já que ela decorre de outros elementos do sistema, como a existência de cláusula geral de recepção plena, a necessária participação do Chefe do Poder Executivo na sua celebração e a determinação expressa do art. 98 do Código Tributário Nacional.”[21]
Uma vez que os TDT buscam evitar a dupla tributação internacional e combater a evasão através da cooperação entre Estados, de se esperar que os referidos tratados não criem novas obrigações tributárias nem ampliem as que já existem, assim como devem manter as garantias dos contribuintes ou demais normas de direito interno, apontando para a disponibilização de possibilidades resolutivas perante o concurso de pretensões impositivas dos Estados e seus residentes.
Por isto que, observando esses critérios, o TDT será tido como lei tributária em sentido formal toda vez que tratar de matérias abrangidas pelo artigo 97 do CTN[22], onde se localiza o conteúdo abalizador do princípio da legalidade.
Conclui-se com Daniel D'Agostini:
“Portanto, cuida-se que havendo conflitos de normas oriundas de tratado tributário e a norma interna, se este observar os requisitos formais de formação e ainda respeitar as garantias do contribuinte e a legalidade tributária, este prevalecerá sobre o ordenamento interno, se constituindo em norma de aplicabilidade plena, em observância ao disposto no artigo 98 do CTN e pelos arts. 5º, § 2º, e 150, caput, da CF/88[…]”.[23]
2.1.1.3 O posicionamento do STF
De todo o exposto nos tópicos anteriores chega-se ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal que, ao decorrer dos anos, oscila entre entendimentos não tão claros, mas que, atualmente pode ser sintetizado no mais recente posicionamento da corte em que há a prevalência do princípio cronológico, visto que ambos os instrumentos normativos, o interno e o internacional, são tidos como leis ordinárias, em detrimento ao princípio da especialidade, ou seja, a despeito do art. 98 do CTN o STF adota atualmente apenas o critério cronológico para dirimir eventuais conflitos entre TDT e norma interna.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De todo o exposto, no presente trabalho foi possível verificar como se dá o surgimento do fenômeno da bitributação ou múltipla tributação internacional, entendendo-se que o ocorrido se dá pelo exercício soberano e legal de cada Estado em efetuar suas prerrogativas tributárias.
Para além disso foi efetuado uma contextualização no campo do Direito Internacional através da análise de seus princípios cardeais a serem aplicados no estudo presente.
Foi abordado a estruturação de requisitos para a ocorrência da bitributação internacional e, quando da sua ocorrência as táticas combativas possíveis de serem aplicadas pelos Estados, sejam elas originadas nos próprios contribuintes, por medidas unilaterais por parte dos Estados ou bilaterais, sendo estas últimas alvo de maior detenção no trabalho.
Tidas como as medidas mais eficazes ao combate da pluritributação internacional as medidas bilaterais foram convertidas no estudo dos tratados internacionais em matéria tributária visando o combate do fenômeno.
Finalizamos o trabalho com a abordagem dos tratados internacionais de direito tributário onde foram alavancadas as possibilidades de interação destes instrumentos com o ordenamento jurídico pátrio, observando-se as particularidades ante o Código Tributário Nacional, a Constituição e a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal.
Assim, espera-se ter alcançado o objetivo maior do trabalho em se elucidar, de maneira geral, o mundo orbitante em torno das relações entre Estados visando uma maior integração econômica no processo maior chamado globalização através das mais variadas interações soberanas em busca de maior fluidez no trato internacional tributário.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Paraíba. Técnico em Secretariado da Assessoria Jurídica da Defensoria Pública da União na Paraíba.
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