A tradição e o preciosismo na Ciência e na vivência são dois fatores que evoluem com o homem. Khun, em sua lógica sobre paradigma, já defendia que “certos exemplos da prática científica atual – tanto na teoria quanto na aplicação – estão ligados a modelos conceptuais de mundo dos quais surgem certas tradições de pesquisa”. Foi justamente o físico Thomas S. Khun quem utilizou o vocábulo paradigma como um termo científico em seu livro “A Estrutura das Revoluções Científicas”, em 1962.
Nessa perspectiva, paradigma deve ser entendido como um modelo, padrão ou norma, algo que serve como parâmetro de referência, modelo para uma conduta em determinada área, um método de direcionamento, uma estrutura considerada ideal para ser seguida. Um paradigma representa, pois, um entendimento, um acordo aceito por todos para seguir, interpretar ou entender alguma coisa. Assim, ao ser admitido, um paradigma serve como critério de verdade, validação e reconhecimento nos meios onde é adotado.
O ser humano possui uma insatisfação nata, onde sempre há a necessidade de se buscar a inovação ou um melhor conhecimento. Nesta exploração constante, é que surgem novos desejos, novas necessidades, novas Ciências e até novas profissões.
A quebra de um paradigma é uma tarefa árdua para aqueles que buscam inovar e evoluir no pensamento, costumando ser de difícil aceitação. Geralmente, apenas depois de inúmeros testes e provas é que se dá o convencimento da ideia defendida. E mesmo depois de comprovada, ainda existem aqueles que não se dão por satisfeitos. Na comunidade científica, isso não é diferente, pois como já dizia Albert Einstein: “é mais fácil quebrar a molécula de um átomo do que o preconceito”. Afinal, toda mudança traz inseguranças e incertezas.
A aceitação cultural das premissas do paradigma cartesiano-newtoniano (alusão à René Descartes e Isaac Newton), característico da visão de mundo ocidental nos últimos trezentos anos, gerou diversos reflexos na sociedade e nas Ciências, inclusive na Medicina. Com efeito, à guisa de ilustração, podemos citar dentre outros: a visão do corpo humano como um conjunto de órgãos funcionando de modo complementar, ignorando-se o indivíduo que o carrega (o corpo sendo tratado como uma máquina composta por peças e o paciente sendo considerado um objeto de estudo); a transformação do médico em uma figura fungível; a extrema fragmentação das especializações; a ênfase no racionalismo e na fria objetividade; o desvinculamento de valores humanos superiores; a mercantilização da saúde inserida em uma abordagem cada vez mais competitiva (paciente sendo considerado um objeto de lucro); o desprezo pelos aspectos psicológicos da doença, etc.
Todavia, no século XXI, esse paradigma vem perdendo espaço para o denominado paradigma holístico, que visa um desenvolvimento capaz de se voltar para o todo, para a transcendência; tratando o ser humano não de modo fragmentado, mas sim de forma integral. Um exemplo disso é a Psicologia Transpessoal.
Em minha opinião, hodiernamente outra mudança de paradigma que começa a chamar atenção é a do profissional conhecido como “médico-advogado”.
De fato, a fusão entre profissões e o exercício concomitante delas é um desses preconceitos que aos poucos vem sendo derrubados pela própria evolução da Humanidade. Atualmente, a graduação universitária em apenas uma área do conhecimento acaba não sendo por vezes suficiente, fazendo-se preciso buscar outra formação acadêmico-profissional, visando um maior desenvolvimento profissional e intelectual dentro dos padrões sociais.
Nesse sentido, um crescente número de médicos (muitos com anos de carreira) vem buscando novamente os bancos universitários para cursar Ciências Jurídicas movidos pelos mais diversos propósitos. Uns querem estudar por distração, outros por curiosidade. Uns querem cuidar de suas próprias questões jurídicas (v.g.: aluguel de seus imóveis ou para não serem “enganados” por advogados inescrupulosos), outros desejam mudar de profissão. Entretanto, há aqueles que pretendem exercer as duas profissões ao mesmo tempo: a de médico e a de advogado, pelos mais variados motivos, incluindo sobrevivência financeira. Tais profissionais têm enfrentado certa dose de discriminação e preconceito, sendo pejorativamente alcunhados de “Doutor Flex” (em referência ao carro bicombustível) e sofrendo com o descrédito de colegas de profissão que se dedicam exclusivamente a Medicina ou a advocacia, e de seus próprios pacientes/clientes.
Creio que se trata de uma tendência cada vez mais contemporânea e irreversível, sendo indício daquilo que os alemães denominam Zeitgeist, “espírito do tempo”.
Direito e Medicina têm muito em comum, ambos são retratos do tempo histórico, lugar e cultura de um povo. E o médico é um profissional que zela pelo bem maior protegido pelo Direito: a vida.
Ao médico-advogado meu total respeito e desejo de sucesso!
Informações Sobre o Autor
Francisco Carlos Távora de Albuquerque Caixeta
Advogado/PA. Bacharelado em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e pós-graduando em Direito Médico com capacitação para o ensino no magistério superior pela Escola Paulista de Direito (EPD).