O meio ambiente do trabalho e os princípios da prevenção e precaução

Resumo: O tema do presente artigo é a meio ambiente do trabalho e os princípios da prevenção e da precaução. Explanação sobre o conceito de princípios, bem como, especificamente dos princípios da prevenção e da precaução. Legislação aplicável e importância desses princípios. Conceituação de meio ambiente do trabalho. Aplicabilidade dos princípios da prevenção e precaução no meio ambiente do trabalho. A importância de tal aplicação para segurança dos trabalhadores e populações externas.


Palavras-chave: Meio ambiente do trabalho. Princípios da prevenção e precaução.


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Abstract: The theme of this paper is the working environment and the principles of prevention and precaution. Explanation on the concept of principles, and specifically the principles of prevention and precaution. Applicable Law and importance of these principles. Conceptualization of the work environment. Applicability of the principles of precaution and prevention in the work environment. The importance of such application for worker safety and external populations.


Keywords: Working Environment. Principles of precaution and prevention.


Sumário: Introdução. 1. Delimitação conceitual dos princípios da prevenção e da precaução. 2. Os princípios da prevenção e da precaução no meio ambiente do trabalho.  Conclusão.


INTRODUÇÃO


O meio ambiente do trabalho, dentro da conceituação de meio ambiente, está inserido no meio ambiente artificial. É o local onde o trabalhador exerce suas funções laborativas e onde passa grande parte de sua vida. Não necessariamente o ambiente de uma empresa ou fábrica, mas o local onde se trabalha, que pode ser externo como o caso dos agricultores ou em máquinas como carros e ônibus.


Proteger o meio ambiente do trabalho significa proteção aos trabalhadores mas também à saúde das populações externas aos estabelecimentos de labor, posto que um meio ambiente poluído por indústrias, por exemplo, afeta o meio ambiente interno e externo.


Daí entender-se importante o estudo e a aplicação dos princípios da prevenção e da precaução no âmbito do meio ambiente do trabalho. Necessário é distinguir tais princípios, sabendo-se que a prevenção diz respeito aos danos previsíveis, e a precaução aos danos sobre os quais ainda não há certeza científica.


O presente trabalho visa refletir, brevemente, sobre o conceito e aplicação de tais princípios no meio ambiente do trabalho.


1 Delimitação conceitual dos princípios da prevenção e da precaução


“Princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explicito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes” de um ordenamento jurídico (CARRAZZA, 1997, p. 31). Harger (2001, p. 16) conceitua princípios como sendo:


“normas positivadas ou implícitas no ordenamento jurídico, com um grau de generalidade e abstração elevado e que, em virtude disso, não possuem hipóteses de aplicação pré-determinadas, embora exerçam um papel de preponderância em relação às demais regras, que não podem contrariá-los, por serem as vigas mestras do ordenamento jurídico e representarem os valores positivados fundamentais da sociedade.”


Vide, ainda, a definição de princípio realizada por Lopes (1999, p. 55), para quem constitui:


“mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele; disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe


confere à tônica e lhe dá sentido harmônico”


Assim, pode-se considerar que os princípios jurídicos são diretrizes gerais do ordenamento jurídico que constituem normas jurídicas cogentes com alto grau de abstração, que se prestam a fundamentar as demais normas, orientar a interpretação dessas bem como integrar as eventuais lacunas deixadas por elas.


Observa-se que os princípios possuem função multifacetada. Nesse sentido, Rocha (1999, p.46) destaca as sábias palavras do jurista espanhol F. de Castro ao afirmar que “a função de ser “fundamento da ordem jurídica”,  com “eficácia derrogatória e diretiva”, sem dúvida a mais relevante, de enorme prestígio no Direito Constitucional contemporâneo, a seguir, a função orientadora do trabalho interpretativo e, finalmente, a de “fonte em caso de insuficiência da lei e do costume”. 


O ordenamento jurídico ambiental brasileiro tem como pilares diversos princípios, dentre eles os da prevenção e da precaução. Milaré (2005, p. 165) comenta “que há juristas que se referem ao princípio da prevenção, enquanto outros reportam-se ao princípio da precaução. Há, também, os que usam ambas as expressões, supondo ou não diferença entre elas”. Apesar de aparentemente terem o mesmo significado, são princípios distintos, mesmo que sutilmente, que possuem relação entre si de gênero e espécie. Como bem destaca Sirvinskas (2008, p.57):


“entendemos que a prevenção é gênero das espécies precaução e cautela, ou seja, é agir antecipadamente. Prevenção, como se pode notar, tem o significado de antecipar o fato. Já cautela significa a atitude ou cuidado que se de ter para evitar danos ao meio ambiente ou a terceiros. O conceito de prevenção é mais amplo do que precaução ou cautela.” 


O princípio da prevenção é tomado como aquele que impõe a adoção das medidas mitigatórias de danos ambientais passíveis de precisa previsão. Como bem define Antunes (2008, p. 45):


“O princípio da prevenção aplica-se a impactos ambientais já conhecidos e dos quais se possa, com segurança, estabelecer um conjunto de nexos de causalidade que seja suficiente para identificação de impactos futuros. Com base no princípio da prevenção, o licenciamento ambiental e, atém mesmo, os estudos de impacto ambiental podem ser realizados e são solicitados pelas autoridades públicas. (..) O licenciamento ambiental, na qualidade de principal instrumento apto a prevenir danos ambientais, age de forma a evitar e, especialmente, minimizar e mitigar os danos que uma determinada atividade causaria ao meio ambiente, caso não fosse submetida ao licenciamento ambiental.”


Já o princípio da precaução determina que não deve ser postergada a utilização de medidas eficazes e economicamente viáveis de prevenção da degradação ambiental nas hipóteses em que não se tiver absoluta certeza científica de que a ação não implicará danos sérios ou irreversíveis ao meio ambiente. Com propriedade, ao comentar acerca desse princípio, Milaré (2005, p. 167) afirma que “a incerteza científica milita em favor do meio ambiente, carregando-se ao interessado o ônus de provar que as intervenções pretendidas não trarão consequências indesejadas para o meio ambiente”. Rodrigues (2002, p. 150), por sua vez, destaca que “tem-se utilizado o postulado da precaução quando  pretende-se evitar risco mínimo ao meio ambiente, nos casos de incerteza científica acerca de sua degradação”.


Diante da conceituação de ambos os princípios, é inegável a sua estreita relação de continência, ao tempo em que não se pode negar a sua tênue distinção. O fato, porém, é que os princípios da prevenção e da precaução, sejam eles entendidos como expressões sinônimas ou distintas mas inter-relacionadas, apresentam-se como normas basilares do direito ambiental, ao passo que impõem que se deve priorizar medias prévias de proteção ambiental ante a usual impossibilidade de reparação efetiva do meio ambiente. Nesse sentido, Milaré (2005, p. 166), ao comentar acerca dos objetivos do direito ambiental, afirma que “sua atenção está voltada para momento anterior ao da consumação do dano –  o do mero risco. Ou seja, diante da pouca valia da simples reparação, sempre incerta e, quando possível, excessivamente onerosa, a prevenção é a melhor, quando não a única, solução.”


É no âmbito da prevenção/precaução que se destacam os estudos de impacto ambiental, os processos de licenciamento prévio e também as medidas punitivas, como forma de “estimulante negativo contra a prática de agressões ao meio ambiente” (FIORILLO, 2009, p. 55).


Feitas essas considerações acerca dos princípios da prevenção e da precaução, abordar-se-á a sua aplicabilidade no meio ambiente do trabalho.


2 Os princípios da prevenção e da precaução no meio ambiente do trabalho


Como exposto, os princípios da prevenção e da precaução apresentam-se como instrumentais de todo o arcabouço principiológico do direito ambiental. O meio ambiente do trabalho, como aspecto do conceito amplo de meio ambiente, por óbvio, não poderia prescindir da influência desses dois princípios. Com efeito, “o meio ambiente, inclusive o do trabalho, é correlacionado diretamente na Constituição Federal ao bem objeto de direito sobre o qual incide o interesse da coletividade: a saúde humana” (DINIZ, 2009, p. 236) e toda a legislação constitucional, infraconstitucional, aliadas “às convenções internacionais, ratificadas no Brasil, procuram dar substrato para que o ambiente de trabalho apresente cada vez menos riscos e gere, por consequência, cada vez menos danos” (DINIZ, 2009, p. 237).


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A constituição federal, ao tratar especificamente da saúde, deixa claro caráter preventivo das políticas públicas afetas às questões a ela relacionadas. Evidencia que as normas programáticas constitucionais impõem caráter preventivo não só às políticas públicas diretamente relacionadas ao meio ambientemas também àquelas que com ele se relacionam mesmo que de maneira transversa:


“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.(…)


Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:(…)


II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;”


A Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, em seu capítulo V, dispõe sobre as normas de segurança e a medicina do trabalho. De uma forma geral, esse capítulo se dedica a estabelecer a necessidade de obediência dos empregados e empregadores a todas as normas legais e infralegais que tratem da segurança do trabalhador bem como da obrigação do Estado de regular, coordenar e fiscalizar a aplicação dessa normatização. Nesse capítulo verificam-se dispositivos que tratam de medidas que se prestam à prevenção de acidentes ou de enfermidades físicas e mentais relacionadas ao ambiente laborativo, a exemplo da realização de exames admissionais, periódicos e demissionais; do regramento da estrutura física das edificações onde será desenvolvido o ambiente de trabalho; do fornecimento de equipamentos de proteção individual; do estabelecimento de critérios mínimos de iluminação e conforto térmico para os trabalhadores, dentre outros.


As Normas Regulamentadoras –NR, aprovadas pela Portaria n° 3.214/78, esmiúçam essas disposições da CLT e tem como meta especificá-las ao máximo. Apresentam caráter eminentemente preventivo. Destaca-se dentre elas a NR n° 02, que prevê inspeções prévias nas instalações de estabelecimentos antes do início de suas atividades e ainda quando submetidas essas instalações a modificações substanciais.  Como bem destaca Diniz (2009, p. 240), “não deixa a inspeção, guardadas as especificidades de cada um, de possuir certa semelhança com o estudo prévio de impacto ambiental”. O Estudo Prévio de Impacto Ambiental – EIA para a implementação de empreendimentos e projetos efetivamente ou até potencialmente poluidores é uma imposição constitucional.  “A experiência jurídica brasileira, no entanto, demonstra que a norma constitucional tem suscitado muitas dúvidas e divergências no que se refere a sua adequada compreensão” (ANTUNES, 2008, p. 277). Assim, difícil é afirmar categoricamente que se trata de instituto preventivo e de precaução que presta a tutelar com eficiência prática o meio ambiente do trabalho, dadas as peculiaridades desse aspecto do meio ambiente e o fato de ter sido o EIA um instituto pensado especialmente para o meio ambiente em seu aspecto natural.


 A Política Nacional de Meio Ambiente, instituída pela Lei nº 6938/81, escolheu como um dos instrumentos de gestão ambiental as ações preventivas a serem realizadas pelo Estado, dentre elas a avaliação de impactos ambientais para a instalação de obras ou atividades potencialmente poluidoras. Milaré (2005, p. 482) ressalta que a avaliação de impacto ambiental:


“pode ser implementada tanto para projetos que envolvam execução física de obras e processos de transformação como para políticas e planos que contemplem diretrizes programáticas, limitadas ao campo das idéias, neste caso denominada Avaliação Ambiental Estratégica”.


Nos termos do art. 1º, III, da Resolução CONAMA 237/97, a Avaliação de Impacto Ambiental, por ela denominada de “Estudos Ambientais”, é gênero do qual são espécies todos os estudos para análise da licença ambiental, tais como: relatório ambiental, plano e projeto de controle ambiental, relatório ambiental preliminar, diagnóstico ambiental, plano de manejo, plano de recuperação de área degradada e análise preliminar de risco. Essas outras espécies de Estudos Ambientais poderão ser requisitadas na hipótese de não se exigir o EIA.


Nesse contexto, a inspeção prevista na NR n° 02 pode ser considerada como uma medida de avaliação de impacto sobre o ambiente do trabalho, funcionando como mecanismo de prevenção e também de precaução, na medida em que pode se prestar a apontar situações em que não se tenha certeza científica quanto aos possíveis danos ao ambiente infortunístico e determinar a aplicação de medidas mitigatórias.


Percebe-se, pois, que a legislação focada no meio ambiente do trabalho no ordenamento jurídico brasileiro não prescinde – e nem poderia- dos princípios ambientais da prevenção e da precaução. Em verdade tem-se que “a abordagem preventiva é mais adequada à defesa do ambiente, na medida em que o dano ambiental implica sempre um custo social elevado e deve, sempre que possível, ser evitado” (DINIZ, 2009, p. 248) e isso também se aplica na íntegra o meio ambiente do trabalho.


É importante destacar a necessidade de regramento normativo específico para tutelar cada um dos aspectos do meio ambiente, uma vez que cada um deles traz peculiaridades que, muitas vezes, tornam inócuos alguns institutos preventivos e de precaução que se prestam satisfatoriamente a proteger outros aspectos. Nesse sentido, afirma-se a necessidade de amadurecer e tentar, ao máximo, especificar a legislação de proteção de cada um dos aspectos do meio ambiente em consonância especial com os princípios instrumentais da prevenção e da precaução.


Conclusão


O dano ambiental, por essência, tem natureza de ser dificilmente reparado ou de até ser irreparável. Essa constatação refere-se aos diversos aspectos do conceito de meio ambiente, dentre eles o do meio ambiente do trabalho. Nesse contexto, o ordenamento jurídico brasileiro vale-se dos princípios da prevenção e da precaução como principais diretrizes a conduzir a política protetiva do meio ambiente.


Como não poderia deixar de ser, a legislação focada no meio ambiente do trabalho foi elaborada sob a influência normativa desses princípios e, apesar de ainda não estar em estado suficiente de maturidade, procura atender às especificidades de seu objeto de tutela. 


 


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Informações Sobre o Autor

Paulo de Tarso Souza de Gouvêa Vieira

Procurador Federal. Professor Universitário. Bacharel em Direito pela UFPE, Especialista em Direito Público pela Universidade Maurício de Nassau – PE e Mestrando em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA


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