O Ministério Público e a sociedade civil construindo consenso para resolução de conflitos ambientais

Resumo: A construção de consenso para a resolução de conflitos relativos ao meio ambiente vem sendo cada vez mais empregada no Brasil e no mundo, desempenhando importante papel ao buscar, por meio de negociação, a gestão ambiental focada na sustentabilidade. O presente artigo aborda a experiência da Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Comarca de São Carlos, São Paulo, Brasil que,  utilizando o Inquérito Civil em conjunto com o Termo de Ajustamento de Conduta e a parceria com instituições do poder público, com organizações não governamentais e outras representações da sociedade civil, vem conseguindo resolver conflitos ambientais e traçar caminhos para o desenvolvimento sustentável.


Palavras-chave: Ministério Público; sociedade civil; construção de consenso; conflito ambiental.


Introdução


A existência de conflitos ambientais, na maioria das vezes está relacionada à necessidade de ajuste entre o uso e preservação de recursos naturais e o desenvolvimento. A sustentabilidade do planeta depende da compreensão do meio ambiente como um sistema, do qual seres humanos fazem parte e que deve permanecer em equilíbrio dinâmico. Da compreensão de que a busca pela gestão ambiental, envolvendo desenvolvimento, resolução de conflitos, minimização de problemas e impactos, preservação e recuperação local a local, passo a passo, vai resultar ao longo do tempo, numa soma de regiões recuperadas e não degradadas. (De Mio, 2007).


No Brasil, como em outros países, ocorre divergência entre as necessidades de desenvolvimento econômico e social e a capacidade do meio ambiente em suportar estes desenvolvimentos sem ser degradado, de forma a atender múltiplos interesses, gerando conflitos.


A resolução de conflitos ambientais é complexa, pois a negociação não tem como objeto o próprio meio ambiente, mas a adoção de medidas destinadas a sua recuperação e a forma de adoção destas medidas (Fink e Souza, 2000).


Os conflitos ambientais podem ser considerados favoráveis ao desenvolvimento sustentável, pois sua existência demonstra que diferentes setores da sociedade, com visões diversificadas, estão dialogando e se contrapondo ao buscar a satisfação de suas necessidades e garantia de sua qualidade de vida, intimamente ligada à qualidade do meio ambiente.


Resolução de Conflitos Ambientais


Os tempos atuais são marcados pela idéia de comunidade e pela realidade de lutas violentas entre interesses em constante mudança, confrontação e diálogo (Schnitman e Littlejohn,1999). As teorias a respeito da resolução de conflitos baseiam-se na aceitação do fato de que seres humanos são capazes de resolver seus interesses divergentes (Highton e Álvarez, 1999).


A resolução de conflitos ambientais para a efetivação do desenvolvimento sustentável deve ser realizada por meio da negociação, com a participação da sociedade civil. O Princípio 17 da Declaração de Joanesburgo, reconhece a importância da ampliação da solidariedade humana e considera urgente a promoção do diálogo e a cooperação entre as civilizações e pessoas do mundo, a despeito de raça, deficiências, religião, idioma, cultura ou tradição (United Nations, 2002).


 A resolução de conflitos ambientais, mediante negociação e tendo como objetivo o desenvolvimento sustentável é mais viável em um sistema político e legal amplo que legitime e reforce o processo de negociação fundamentado em política ambiental que estimule o diálogo e a construção de consenso (Cunha, 2001; Hettewer, 1991; Dotson, 1993).


A construção de consenso caracteriza-se por prática estruturada para capacitar as pessoas a aprenderem a aprender e a superar a diversidade de contextos sociais. A partir do momento em que as diferenças podem ser minimizadas, o desenvolvimento do conflito se reduz e cresce a habilidade de compreensão dos diversos pontos de vista levando à geração de novas possibilidades durante o processo de negociação (Schnitman, 1999).


A resolução de conflitos ambientais com avanços progressivos e retomadas sucessivas das discussões, função do avanço da conscientização dos diferentes setores, da melhoria técnica e tecnológica, do diálogo e entendimento entre os negociadores,  dos progressos institucionais, implica em conceber a construção do desenvolvimento sustentável como um processo gradual (Cunha, 2001).


Resolução de Conflitos Ambientais no Brasil


A construção de consenso para resolver conflitos ambientais tem se apresentado como abordagem viável e amplamente utilizada internacionalmente, mesmo com a complexidade de ligações entre questões econômicas, políticas e sociais; incertezas científicas e soluções que requerem a participação de diferentes setores da sociedade, que devem buscar, não apenas a construção de consenso, mas o cumprimento das obrigações − e responsabilidades acordadas (Cunha, 2001; Scott e Trolldalen, 2001).


Nos países desenvolvidos, as ações que partem das necessidades reais da sociedade, com a participação da mesma na busca das soluções, respeitando suas características culturais e sociais, são as que apresentam os melhores resultados e verdadeiras mudanças, que a longo prazo, repercutem no bem estar e melhoria da qualidade de vida dos envolvidos (Díaz, 2001).


Nos países em desenvolvimento, entre eles o Brasil, os impasses ambientais são minimizados pela sociedade civil carente de mobilização e organização, devido em grande parte à ausência de tradição de lutas por direitos individuais e coletivos, e muitas vezes, pela ausência de respeito aos direitos humanos básicos.


Neste contexto, a sociedade civil brasileira conta com a atuação do Ministério Público dos Estados e Federal, representados pelas Promotorias e Procuradorias de Justiça do Meio Ambiente, instituições do poder público, amparadas legalmente para a defesa do meio ambiente com base na construção de consenso.


O Ministério Público passou a defender os interesses relativos ao meio ambiente a partir de 1981, com a Política Nacional do Meio Ambiente, que conferiu à instituição, a legitimidade para propor Ação Civil Pública ambiental, encaminhando ao Poder Judiciário, a resolução dos conflitos.


Em 1985, a Lei da Ação Civil Pública reforçou a atuação do Ministério Público ao prever o Inquérito Civil como instrumento exclusivo da instituição (Visconti, 2003; Goulart, 2000). O Inquérito Civil é um procedimento administrativo presidido pelo Promotor de Justiça e tem a finalidade de colher elementos elucidativos do dano ou perigo de dano a interesses difusos ou coletivos, entre eles o meio ambiente, por meio de requisição de informações e notificações. Representa o registro das etapas de negociação realizadas para a resolução de cada conflito.


Durante o desenvolvimento do Inquérito Civil o Promotor de Justiça pode celebrar o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), instrumento introduzido no direito brasileiro em 1990, por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente. No mesmo ano, o Código de Defesa do Consumidor alterou a Lei de Ação Civil Pública acrescentando que os órgãos públicos legitimados ¾ entre eles o Ministério Público ¾ poderiam tomar dos interessados, Termo de Ajustamento de Conduta às  exigências legais, conferindo ao TAC eficácia de título executivo extrajudicial.


O Termo de Ajustamento de Conduta é um instrumento legal  mediante o qual, o responsável pelo dano assume o dever de adequar a sua conduta às exigências legais, dentro de prazo pré-definido e acordado entre as partes, sob pena de sanções fixadas no próprio termo, confirmando o acordo celebrado entre as partes envolvidas no conflito.


A resolução de conflitos ambientais sem a interferência do Poder Judiciário se desenvolve em menor tempo e custo dos processos, além de resultar em comprometimento e conscientização (De Mio, 2005). E na maioria das vezes os conflitos ambientais requerem técnicas de resolução nem sempre disponíveis no Poder Judiciário (De Mio, 2005; Bingham, 2004).


O Ministério Público e a Construção de Consenso em São Carlos – SP


O Município de São Carlos–SP situa-se na região central do Estado de São Paulo, distando aproximadamente 240 km da Capital e conta com população de 212.956 habitantes, distribuídos em área territorial de 1.114 km2 (IBGE, 2007).


 Desde 1997, a Promotoria de Justiça do Meio Ambiente de São Carlos–SP  vem resolvendo os  conflitos ambientais priorizando a construção de consenso, utilizando o Inquérito Civil e o Termo de Ajustamento de Conduta.


Devido à abrangência e complexidade do tema ambiental, a Promotoria de Justiça atua em parceria com técnicos e representantes de diversas instituições do poder público, como: a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB) e o Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais (DEPRN), instituições ligadas à Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo; as Secretarias da Prefeitura Municipal;  a Universidade de São Paulo (USP); a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), além das Organizações Não Governamentais (ONGs) e outras representações da sociedade civil.


Apoiada pelos representantes das instituições parceiras, a Promotoria de Justiça do Meio Ambiente definiu como prioridades, dentro de um Planejamento Estratégico iniciado em 2001, a proteção e recuperação da vegetação e dos recursos hídricos da Comarca. Estes objetivos têm sido alcançados por meio do projeto e construção da estação de tratamento de esgoto, atualmente em fase final de implantação; da reposição de vegetação nativa em áreas de preservação permanente (APP) e em áreas de reserva legal, inclusive com averbação das mesmas; além da garantia da manutenção dos maciços florestais de cerrado ainda existentes.


Com essa atuação, de acordo com levantamento realizado no período de 2001 a 2005, 63% dos conflitos ambientais foram solucionados por meio de construção de consenso e assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), com o comprometimento dos responsáveis pelos danos na sua reparação, evitando-se os desgastes da intervenção judicial.


Além disso, a sociedade civil, percebendo a resolução gradativa dos conflitos ambientais, busca, cada vez mais, na Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Comarca, a resposta para seus problemas e equívocos, resultando em crescente prevenção, conscientização e sensibilização pela causa ambiental (De Mio, 2005).


Considerações Finais


A implementação efetiva do desenvolvimento sustentável necessita de diversas ações, entre elas a gestão ambiental baseada na construção de consenso para resolução de conflitos ambientais.


Essa estratégia vem sendo empregada, principalmente nos países desenvolvidos, em que a sociedade organizada participa ativamente da resolução destes conflitos, o que nem sempre ocorre nos países em desenvolvimento, em que a sociedade ainda é pouco mobilizada e estruturada para encaminhamento e resolução de seus problemas.


No Brasil, a construção do consenso para a resolução de conflitos ambientais pode ser implementada pelo Ministério Público Federal e dos Estados, por meio das Procuradorias e Promotorias de Justiça, instituições amparadas legalmente, e que contam com dois instrumentos efetivos, o Inquérito Civil (IC) e o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).


Na Comarca de São Carlos, Estado de São Paulo, essa estratégia vem sendo empregada desde 1997 pela Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, com a maioria dos conflitos ambientais resolvidos por meio de Inquérito Civil e Termos de Ajustamento de Conduta, que juntos representam instrumentos efetivos para a resolução de conflitos ambientais.


Apesar da abrangência e complexidade do tema ambiental, as dificuldades para resolução de conflitos são minimizadas pela atuação do Ministério Público em parceria com representantes de instituições de gestão e fiscalização ambiental do poder público, de ONGs e da sociedade civil, que juntos constroem consenso e traçam caminhos para a gestão ambiental como foco no desenvolvimento sustentável.


 


Referências Bibliográficas

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Informações Sobre os Autores

Geisa Paganini de Mio

Pós Doutoranda do Departamento de Hidráulica e Saneamento Universidade de São Paulo – Escola de Engenharia de São Carlos

Edward Ferreira Filho

Promotor de Justiça – Assessor Jurídico da Procuradoria Geral de Justiça Ministério Público do Estado de São Paulo

José Roberto Campos

Professor Titular do Departamento de Hidráulica e Saneamento Universidade de São Paulo – Escola de Engenharia de São Carlos


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