O modelo gerencial de administração pública e sua aplicação no Brasil: a mudança de paradigma na administração pública brasileira e a concretização dos princípios do direito administrativo

Resumo: O presente artigo visa o exame da mudança de paradigma na administração pública. Para tal, parte-se da análise do modelo administrativo burocrático, influenciado pelas concepções da modernidade, com o intuito de averiguar a sua insuficiência e suprir as necessidades da população. Deste modo, estuda-se o modelo gerencial como a superação do modelo burocrático, enfatizando seu compromisso com o cidadão e o seu distanciamento das concepções do paradigma anterior. Por subseqüente, aborda-se a relevância dos princípios na concretização de um modelo gerencial de administração pública. Por fim, versa-se sobre a necessidade de uma ampla participação popular no espaço público para a prática idônea de atos administrativos.

Palavras-chave: Administração pública. Modelo gerencial. Modelo burocrático. Princípios.

Abstract: This article aims to examine the paradigm shift in public administration. To this end, we start from the analysis of the bureaucratic administrative model, influenced by conceptions of modernity, in order to ascertain its failure and the needs of the population. Thus, we study the management model as overcoming the bureaucratic model, emphasizing its commitment to the citizens and their distance from the conceptions of the previous paradigm. For subsequent addresses the relevance of the principles in the implementation of a management model of public administration. Finally versa over the need for a broad popular participation in public space to practice meet for administrative acts.

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Keywords: Public administration. Management model. Bureaucratic model. Principles.

Sumário: Introdução. 1. A administração pública burocrática 2. A administração pública gerencial 3. A concretização dos princípios do direito administrativo. 4. A participação popular no aperfeiçoamento dos atos administrativos. Considerações finais. Referências bibliográficas.

INTRODUÇÃO

No presente trabalho, serão alvos de análise os modelos de administração pública, quais sejam, o burocrático e o gerencial. Tais modelos serão expostos em seus problemas e suas vantagens, seus acordos e desacordos e serão confrontados em uma análise dialética para o melhor entendimento do assunto.

É importante registrar as especificidades de cada modelo de administração pública, ressalvando os percalços que ambos passaram para se firmarem como os modelos mais convenientes e mais úteis para cada momento histórico apurando quais interesses estavam e estão sendo protegidos.

Cumpre salientar que a reforma da administração pública, ou seja, a mudança do modelo burocrático para o modelo gerencial se deu no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Tal reforma foi sugerida desde 1995 e se apresenta como a segunda reforma, já que a primeira foi a burocrática de 1936.

A atual reforma se embasa na proposta de administração pública gerencial, como uma tentativa de solução à crise estatal dos anos 80 e à globalização da economia, isto é, a globalização através de seus efeitos políticos, sociais e econômicos fez surgir a necessidade do Estado de redefinir funções administrativas, as quais foram postas em questão com a expansão do capitalismo global.

O pacto reformista democrático de 1994 combinado com a eleição do presidente Fernando Henrique Cardoso e com a instituição do plano real deu novos ares à política nacional, permitindo ao país reformular diversos aspectos da administração pública e aprimorar a governabilidade da nação.

Após a análise dos modelos de administração pública e da transição do modelo burocrático para o gerencial, é preciso que se faça uma abordagem dos princípios que sustentam a administração pública e como eles são imprescindíveis para a organização do Estado.

É válida a ressalva que o modelo de administração pública vigente em um determinado contexto social condiz com os interesses de classes sociais específicas, as quais buscam a todo o momento legitimar suas ideologias através de atos administrativos. Entretanto, o modelo de administração pública que vale para uma sociedade também é aquele que combina com os interesses coletivos.

Portanto, princípios como o da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência serão tratados como verdadeiros condões para a concretização dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, os quais concretizarão tais preceitos através de uma ampla participação democrática.

1 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BUROCRÁTICA

O modelo burocrático[1] é procedente da superação de um paradigma, na busca de uma nova forma de organizar a administração pública, com a finalidade de superar os problemas e as ineficácias do modelo antecedente e com o escopo de dotar a administração pública de maior qualidade, agilidade e eficiência.

A administração pública burocrática foi responsável por substituir a administração patrimonialista. Esta definiu as monarquias absolutistas, nas quais o monarca constantemente confundia o público e o privado (BRESSER-PEREIRA, 1996, p. 4). Neste momento histórico já é perceptível uma administração desafinada com o interesse público, uma vez que, em tal contexto absolutista, se prioriza os interesses privados das autoridades.

Neste tipo de administração o Estado não era percebido como ente representante da coletividade, mas sim como propriedade do monarca. O empreguismo, o nepotismo e outras formas de apropriação abusiva imperavam nessa conjuntura absolutista. Entretanto, esse tipo de administração foi se tornando descompassada com os interesses do capitalismo industrial.

Da necessidade de um modelo da administração pública que superasse a confusão entre o público do privado, bem como a confusão entre o político do administrador público, nasceu a administração burocrática moderna, de cunho legalista e racionalista (BRESSER-PEREIRA, 1996, p. 4). Desse modo, atribuiu-se à administração pública as características da modernidade, almejando dotá-la de qualidade, agilidade e eficiência.

Nesta ótica é válido registrar que para o funcionário patrimonial, a própria gestão da administração pública se apresenta como assunto de seu próprio interesse. Como afirma o escritor brasileiro Sergio Buarque de Holanda “as funções, os empregos e os benefícios que deles aufere relacionam-se a direitos pessoais do funcionário e não a interesses objetivos” (2006, p.146).

A administração burocrática clássica foi abraçada porque se mostrava superior à administração patrimonialista do Estado. Contudo, o pressuposto de eficiência em que se baseava não se revelou real, pois a partir do momento em que o Estado liberal do século XIX cedeu lugar ao Estado social e econômico do século XX, observou-se que não assegurava nem baixos preços para os serviços públicos, nem rapidez. Na verdade, a administração burocrática é morosa e cara.

No entanto, cabe destacar que o fato de se ter uma administração burocrática não era um problema tão grave assim. No Estado liberal, o Estado era pequeno, sua função principal era garantir a propriedade e o cumprimento dos contratos. Porém quando o Estado liberal passou para o grande Estado social e econômico o problema da eficiência se tornou um problema crucial. Sobre a mudança de perspectiva do Estado sobre os serviços públicos, a jurista Maria Sylvia Zanella di Pietro certifica que:

“Em primeiro lugar, o fato de que o Estado, à medida que foi se afastando dos princípios do liberalismo, começou a ampliar o rol de atividades próprias, definidas como serviços públicos, pois passou a assim considerar determinadas atividades comerciais e industriais que antes eram reservadas à iniciativa privada. Trata-se dos serviços comerciais e industriais do Estado” (2010, p. 100-101).

Do mesmo modo as organizações burocráticas têm como pretensão reproduzir o conjunto de relações sociais determinados pelo sistema econômico dominante. Neste pensamento, a administração pautada nesses moldes representa nada mais nada menos que a protelação dos interesses de determinados particulares em desfavor do interesse público, utilizando-se de uma estrutura legal e racional.

Antes de se instalar uma reforma gerencial na administração pública brasileira, a administração burocrática era extremamente rígida, arcaica. Tal administração, por ser centralizada, privilegiava de forma exagerada a administração direta ao invés de se preocupar também com a administração indireta. (BRESSER-PEREIRA, 1996, p. 8).

No próprio cotidiano dos cidadãos brasileiros era possível constatar o fracasso do modelo burocrático em satisfazer as demandas sociais e por via de conseqüência o interesse da coletividade. A morosidade e o excesso de formalismo em diversos institutos e procedimentos, oriundos da influência da modernidade, conformam um obstáculo para que a população busque satisfazer os seus interesses, fortalecendo as relações de domínio social em favor das classes dominantes.

Ademais, quando a Constituição Federal de 1988 contemplou um modelo burocrático de administração pública apenas reagiu ao clientelismo que assolou o país nos anos da década de 80. Mas também não deixou de ser uma afirmação dos privilégios corporativistas e patrimonialistas, os quais não guardam nenhuma compatibilidade com os princípios da administração pública. Quanto a isso o professor Bresser-Pereira relata que:

“A dimensão cultural da reforma significa, de um lado, sepultar de vez o patrimonialismo, e, de outro, transitar da cultura burocrática para a gerencial. Tenho dito que a cultura patrimonialista já não existe no Brasil, porque só existe como prática, não como valor. Esta afirmação, entretanto, é imprecisa, já que as práticas fazem também parte da cultura.” (1996, p. 24).

Neste diapasão, passa-se a análise da superação do modelo burocrático para o da administração pública gerencial, descrevendo a crise do primeiro e as promessas do novo modelo, sustentando a busca pela satisfação dos interesses públicos na desestruturação de modelo embasado na racionalidade e na legalidade que se revelou insuficiente no que concerne a contemplação dos interesses dos cidadãos.

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2 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA GERENCIAL

O modelo burocrático de administração pública entrou em crise devido às conjunturas políticas, econômicas e sociais do país. Tal modelo não conseguiu se sustentar devido aos problemas inerentes ao mesmo, quais sejam, morosidade no atendimento, entraves às demandas sociais, prestação cara de serviços públicos, dentre outros. Com isso, entra em cena um novo modelo de administração pública com o intuito de resolver essas falhas, ou seja, o modelo gerencial.

A reforma gerencial de 1995 vem à tona com o intuito de pôr fim às práticas clientelistas e patrimonialistas do antigo modelo, isto é, instalar uma administração pautada nos “princípios da nova gestão pública” (new public management). Tal reforma veio trazer mudanças sólidas para a sociedade, ao invés de trazer mudanças institucionais com pouca significância, as quais são mais que comuns no contexto político da América Latina (BRESSER-PEREIRA, 1996, p. 6).

A reforma envolveu a delimitação mais precisa da área de atuação do Estado; a distinção entre as atividades do núcleo estratégico; a separação entre a formulação de políticas e sua execução; maior autonomia para as atividades executivas exclusivas do Estado que adotarão a forma de “agências executivas”; maior autonomia para os serviços sociais e científicos que o Estado presta; a descentralização dos serviços sociais para estados e municípios etc. Sobre a descentralização administrativa a jurista Maria Sylvia Zanella di Pietro informa que:

“A descentralização administrativa ocorre quando as atribuições que os entes descentralizados exercem só têm o valor jurídico que lhes empresta o ente central; suas atribuições não decorrem, com força própria, da Constituição, mas do poder central. É o tipo de descentralização própria dos Estados unitários, em que há um centro único de poder, do qual se destacam, com relação de subordinação, os poderes das pessoas jurídicas locais.” (2010, p. 411).

Com a reforma gerencial se utilizou os “contratos de gestão”. Tais contratos definem os indicadores de desempenho a serem alcançados pelas instituições. Também se abraçou como estratégia de gerenciamento a idéia da “Gestão pela qualidade total” que utiliza vários critérios empresariais adequados ao gerenciamento público por adotar vários quesitos de excelência além das simples taxas de juros. (BRESSER-PEREIRA, 1999(b), p. 8).

O primeiro requisito para que uma reforma seja possível é o acolhimento de uma demanda social real, principalmente aquela que influencia o cotidiano dos cidadãos. Além disso, é preciso que se abra um amplo debate nacional para que as propostas da reforma sejam amplamente divulgadas e discutidas. Nesse ponto a mídia também desempenha um papel relevante na realização de reformas desse porte.

Na época, as elites brasileiras, os altos funcionários, intelectuais, jornalistas e a opinião pública apoiaram a reforma gerencial da administração pública brasileira. Segundo as pesquisas de opinião da época, 75% da população aprovaram a emenda constitucional da reforma e por volta de 80% dos altos funcionários públicos aprovaram tanto a emenda como quanto o “Plano diretor da reforma do aparelho de Estado”. (BRESSER-PEREIRA, 1999(b), p. 9).

O pesquisador Luiz Carlos Bresser-Pereira enquanto um dos realizadores da reforma gerencial procurou também o apoio dos governadores, dos secretários administrativos e dos deputados estaduais para que esta mesma reforma fosse implantada nas principais cidades de país. Organizações sociais foram criadas em várias localizações do país para melhorar o funcionamento dos serviços públicos. Sobre tais organizações Maria Sylvia Zanella di Pietro coloca que:

Organização social é qualificação jurídica dada a pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, instituída por iniciativa de particulares, e que recebe delegação do Poder Público, mediante contrato de gestão, para desempenhar serviço público de natureza social. Nenhuma entidade nasce com o nome de organização social; a entidade é criada como associação ou fundação e, habilitando-se perante o poder público, recebe a qualificação; trata-se de título jurídico outorgado e cancelado pelo poder público.” (2010, p. 496).

De forma resumida cabe esclarecer que a reforma gerencial da administração pública brasileira lançada em 1995 foi um avanço nas três dimensões previstas pelo plano diretor: a institucional, a gerencial e a cultural. Isto é, foram criadas novas instituições, novas práticas gerenciais começaram a ser adotadas e nasceu uma nova visão da administração pública.

O modelo burocrático de administração pública entrou em colapso quando o poder estatal se fragilizou e a ideologia das privatizações se fez mais presente junto com a escassez dos recursos públicos. Portanto, nesta circunstância se fez necessária a reforma gerencial, a qual foi responsável por fornecer mais flexibilidade aos regulamentos e processos burocráticos e conferiu mais autonomia às agências governamentais. (BRESSER-PEREIRA, 1999(a), p. 6).

Após essa apreciação, passa-se para o exame da concretização dos princípios que orientam a administração pública, tais como o princípio da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência com o intento de averiguar a ineficiência do modelo burocrático para tal e, da mesma maneira, atribuir ao modelo gerencial a capacidade em satisfazê-los por intermédio do princípio da ampla participação popular que se configura como essencial em qualquer democracia.

3 A concretização dos princípios do direito administrativo

Os princípios são responsáveis por dar maior coesão ao ordenamento jurídico, ou seja, são verdadeiros parâmetros que auxiliam os juristas a interpretarem o Direito, para que o mesmo apresente harmonia. Cumpre asseverar que os princípios também são normas jurídicas (GRAU, 2006, p.49).

O direito administrativo apresenta diversos princípios, porém iremos destacar apenas os mais clássicos, dentre os quais podemos citar: o princípio da legalidade, o da impessoalidade, o da moralidade, o da publicidade e o da eficiência, este último com maior ênfase para o entendimento do presente trabalho.

O princípio da legalidade está previsto em nossa Constituição da República no artigo 5º, inciso II que declara que: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Percebe-se a importância desse preceito, uma vez que todos os atos da administração pública deverão estar respaldados na lei, senão do contrário, não será levada em consideração sua validade. Sobre tal tema o administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello sustenta que:

“Para avaliar corretamente o princípio da legalidade e captar-lhe o sentido profundo cumpre atentar pra o fato de que ele é a tradução jurídica de um propósito político: o de submeter os exercentes do poder em concreto – o administrativo – a um quadro normativo que embarque favoritismos, perseguições ou desmandos” (2006, p. 96).

O princípio da impessoalidade, o qual deve ser analisado sob duas óticas distintas. A primeira é em relação aos administrados, isto é, a administração pública não pode discriminar gratuitamente os seus cidadãos, somente pode o fazer quando houver relevante interesse público. Pode-se extrair esse comportamento do caput do artigo 5º da CF/88, uma vez que todos devem ser tratados de forma isonômica.

A segunda ótica diz respeito à própria administração pública, ou seja, a responsabilidade pela prática dos atos da administração não deve ser atribuída ao agente público e sim à pessoa jurídica, qual seja, a administração pública direta ou a indireta, conforme o disposto no artigo 37, § 6º da Carta Magna. A impessoalidade é essencial no modelo gerencial, uma vez que o tratamento sem distinções pode tornar a administração pública mais eficiente para seus administrados.

Já o princípio da moralidade (preceito fundamental de qualquer ordenamento jurídico) condena qualquer conduta contrária aos bons costumes, à lei e que desrespeite os valores fundamentais de uma determinada sociedade. Cabe ao poder judiciário controlar os atos da administração, para que esta sempre se paute na moralidade.

O jurista brasileiro Hely Lopes Meirelles comenta o princípio da moralidade de forma clara e concisa quando diz que “a moralidade do ato administrativo juntamente com a sua legalidade e finalidade, além de sua adequação aos demais princípios, constituem pressupostos de validade sem os quais toda atividade pública será ilegítima” (2006, p. 89).

O princípio da publicidade significa que a administração pública deve dar transparência aos atos que pratica, pois nenhum ato pode ser sigiloso. Tal princípio admite algumas exceções, como por exemplo, quando o conteúdo da informação for resguardado pelo direito à intimidade (conforme disposto no artigo 37, § 3º, inciso II da nossa Carta Política).

Por fim o princípio da eficiência, o qual declara que a administração pública deve reger seus atos sempre almejando a otimização de resultados, tem em vista o aprimoramento dos serviços e das atividades prestadas. Tal preceito deu motivo para a transição do modelo burocrático para o modelo gerencial.

Efetivados todos esses princípios, podemos afirmar que a administração pública está bem encaminhada no que concerne a produção de atos e no que diz respeito à concretização do interesse público, uma vez que os bens coletivos serão tratados como prioridade. Ademais, se os mesmos forem postos em prática, o modelo gerencial conseguirá cumprir suas promessas, quais sejam, eficiência e celeridade.

4 A PARTICIPAÇÃO POPULAR NO APERFEIÇOAMENTO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS

Feita essa abordagem principiológica, cabe agora adentrar no tema referente a ampla participação popular. Primeiramente cabe ressaltar que a participação administrativa significa todas as formas de interferências de terceiros na realização da função administrativa do Estado (MODESTO, 2010, p. 2).

Cumpre destacar que essa participação de terceiros na administração pública visa a satisfação dos interesses coletivos, ou seja, o que se sugere no debate é a superação da democracia participativa pela democracia representativa, ou seja, uma real participação no espaço público. Sobre a importância da participação da sociedade civil nos regimes democráticos, o professor Bresser-Pereira aduz:

“O Estado se torna forte, logra poder, quando consegue vencer a resistência de sociedades. Está claro que esta não é a abordagem que estou propondo. Este tipo de relação foi verdadeira no passado, mas perdeu grande parte de seu poder explicativo na medida em que o regime democrático foi se universalizando e a sociedade civil assumiu um poder crescente. A democracia pode ser ainda incompleta. Oligarquias de vários tipos ainda existem. Mas agora é a sociedade civil, independente do Estado, que determina ou busca determinar a organização do Estado e do mercado, e não o contrário.” (BRESSER-PEREIRA, 1999(a), p. 73).

O modelo burocrático se tornou incompatível com o projeto de modelo gerencial de administração pública que o nosso regime democrático elegeu para si, isto é, a burocracia adotada pelo Estado nos procedimentos administrativos era uma contradição com a idéia de fomento a intervenção popular na administração pública. Sobre tal assunto o pesquisador Bresser-Pereira declara:

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“A tecnoburocracia surge como classe nas grandes organizações privadas e também no interior do aparelho do Estado. À medida que isso ocorre, o Estado tende a ganhar uma relativa autonomia em relação à sociedade civil. Essa, entretanto, não é uma tendência que possa prevalecer no longo prazo, na medida em que existe nela um elemento autoritário incompatível com os valores democráticos prevalecentes no mundo contemporâneo.” (BRESSER-PEREIRA, 1995, p. 103).

Portanto, se faz imprescindível a ampla participação popular para a execução, fiscalização e observância dos atos que são praticados pela administração pública, a qual se pauta também no princípio da supremacia do interesse público, isto é, os interesses coletivos como prioridades sociais.

A ausência de participação direta e indireta dos cidadãos na administração pública e na própria vida política de uma nação produz grandes transtornos para uma sociedade, dentre os quais, podemos destacar a apatia política, a abulia política e finalmente a acracia política.

A apatia política decorre da falta de estímulo para a ação cidadã, relaciona-se mais diretamente à falta de informação sobre os direitos e deveres dos cidadãos. A apatia política também é conseqüência da falta de participação ativa dos cidadãos e da falta de informação dos mesmos para com seus direitos e deveres (MODESTO, 2010, p. 2).

Já a abulia política significa o descrédito, o ceticismo que o cidadão nutre na participação enquanto agente transformador da realidade. Por último temos a acracia política, a qual diz respeito à impossibilidade de participação das pessoas na vida nacional, uma vez que as próprias não detêm escolaridade para tal.

Tais patologias políticas devem ser enfrentadas de forma radical, uma vez que são responsáveis pela degradação do espaço político da sociedade. Entretanto, o enfrentamento dessas situações não exige medidas mirabolantes e extremas, apenas demanda providências simples, como por exemplo, podemos destacar a intervenção contínua do cidadão na administração pública.

Não seria preciso a criação de novos instrumentos processuais de resolução garantista, mas sim uma preocupação mais ativa com os interesses coletivos e sociais, ou seja, as medidas para o aprimoramento da administração pública perpassam por providências perfeitamente realizáveis e executáveis por decisões infraconstitucionais e administrativas.

Portanto, a ampla participação popular, ou seja, o exercício de cidadania em uma democracia participativa leva ao fortalecimento dos interesses comuns, leva à consolidação de uma identidade nacional e isto acabará por refletir na prática dos atos da administração pública. O cientista político italiano Norberto Bobbio afirma o seguinte:

“Que a democracia direta não seja suficiente se torna claro quando se considera que os institutos de democracia direta no sentido próprio da palavra são dois: a assembléia dos cidadãos deliberantes sem intermediários e o referendum. Nenhum sistema complexo como é o de um Estado moderno pode funcionar apenas com um ou com outro, e nem mesmo com ambos conjuntamente.” (BOBBIO, 2000, p. 65).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após toda essa análise do modelo burocrático e do gerencial, da mudança de paradigma, da concretização dos princípios que regem a administração pública, da necessidade de participação popular no que diz respeito aos atos administrativos, é patente que o modelo administrativo brasileiro sofreu mudanças sólidas e isso acabou por refletir até mesmo na política nacional.

É válido destacar que a adoção do modelo burocrático por um determinado tempo acabou por ser satisfatório para os interesses de determinadas classes sociais e por isso se sustentou durante esse lapso temporal. Entretanto, mudanças na política nacional demandaram um novo modelo de administração pública, mais eficiente e otimizador de resultados, ou seja, o modelo gerencial.

Mudanças na ordem internacional, como a própria globalização dos mercados e a expansão do capitalismo mundial influenciaram a transição do modelo burocrático para o modelo gerencial, o qual passou a ser mais condizente com a realidade nacional, isto é, com o princípio da supremacia do interesse público.

Cumpre asseverar que não somente a mudança de paradigma administrativo foi responsável pelo aperfeiçoamento dos atos administrativos, mas também a própria instituição de princípios como o da legalidade, o da impessoalidade, o da moralidade, o da publicidade e o da eficiência em nossa Constituição Federal de 1988. Vale lembrar também o princípio da supremacia do interesse público, preceito fundamental que está por detrás de todos os atos da nossa administração pública.

Destacou-se também a necessidade do fortalecimento da participação popular para a concretização desses princípios e para a solidificação de uma democracia capaz de prezar pelos interesses mais essenciais para a sociedade. Ademais a ampla participação popular também serve para evitar problemas graves como a apatia política, a abulia política e a acracia política.

Por fim, clama-se pela participação ativa do cidadão na vida política e administrativa como forma de aprimoramento dos atos administrativos e como meio de superar o modelo democrático representativo, isto é, substituí-lo pelo modelo democrático participativo.

 

Referências
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. 10º edição. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 23. Ed. São Paulo: Atlas, 2010.
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 4º edição. São Paulo: Malheiros, 2006.
HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. 26 ed. São Paulo: Companhia da Letras, 2006.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32º edição. São Paulo: Malheiros: 2006.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 21º edição. São Paulo: Malheiros, 2006.
MODESTO, Paulo. Participação popular na administração pública: mecanismos de operacionalização. Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, Instituto de direito público da Bahia, nº 2, abril/maio/junho, 2005. Disponível na internet: www.direitodoestado.com.br. Acesso em: 22 de maio de 2010.
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Estado, Sociedade Civil e Legitimidade burocrática. Lua Nova – Revista de Cultura e Política, nº. 36, 1995: 85 – 104.
_____.Sociedade Civil: sua democratização para a reforma do Estado. In: Luiz Carlos Bresser-Pereira, Jorge Wilheim and Loudes Sola, orgs., Sociedade e Estado em transformação. UNESP/ENAP, 1999(a): 67-116.
_____.Reflexões sobre a reforma gerencial brasileira de 1995. In.: Revista do Serviço Público, 50(4), 1999(b).
_____.Da administração pública burocrática à gerencial. Revista do Serviço Público, 47 (1) janeiro 1996.
WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva – volume 2. São Paulo: UNB, 2004.
 
Notas:
 
[1] De início, para uma melhor compreensão da matéria, é válido citar nesta nota explicativa as características da burocracia, a qual teve como Weber seu comentador mais conhecido. Segundo o sociólogo alemão a burocracia se caracteriza por: I – ter competências oficiais fixas; II – ser regida pelo princípio da hierarquia de cargos; III – apresentar uma administração baseada em documentos; IV – ter a atividade oficial guiada por uma atividade especializada; V – ter do funcionário uma plena força de trabalho quando o cargo está desenvolvido; VI – possuir uma administração dos funcionários guiada por regras gerais (2004, p. 203-204).


Informações Sobre o Autor

Alexandre José Trovão Brito

Graduado em Direito pela Unidade de Ensino Superior Dom Bosco UNDB. Advogado


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