Resumo: Será analisada neste estudo a inversão do ônus da prova prevista no art.6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor aplicada no procedimento célere dos Juizados Especiais Cíveis (Lei nº 9.099/95). Em especial, será abordado o momento processual da inversão e as divergências doutrinárias. Por fim, será sugerido o momento mais adequado em prol da duração razoável do processo e facilitação dos direitos do consumidor, com base na práxis jurídica da seara dos Juizados Especiais Cíveis.
Palavras-chave: inversão do ônus da prova, consumidor, momento adequado, facilitação dos direitos, duração razoável do processo, práxis jurídica, juizados especiais cíveis.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por finalidade a análise da técnica processual de inversão do ônus da prova nas relações de consumo no âmbito do rito do Juizado Especial Cível. Almeja-se expor a discussão sobre o momento processual adequado para a decisão do juiz sobre a concessão da inversão quando presente os requisitos da verossimilhança das alegações do consumidor e sua hipossuficiência face ao fornecedor, conforme o disposto no inciso VIII do artigo 6º do CDC.
Ponto de maior divergência, o momento adequado para o juiz inverter o ônus da prova no processo, expõe-se, primeiramente, os posicionamentos existentes no âmbito da Justiça Comum. Após, faz-se análise da regra geral quanto ao momento da inversão no rito dos Juizados Especiais, o que sugere a base para a crítica (des)construtiva mediante confrontação dos argumentos e define-se um posicionamento para tal questão, segundo entendimento de que melhor condiz com a interpretação teleológica da Lei 8.078/90 e a celeridade do rito da Lei 9.099/95, também amparado pela Constituição Federal no que concerne a garantia a razoável duração do processo (art.5º, LXXVIII).
Ainda nesse ínterim e superado conceitos básicos, enfrenta-se no dia-a-dia da prática forense, não raro, o seguinte questionamento: em que momento deve ocorrer a inversão do ônus da prova do CDC no Juizado Especial Cível? E ainda, se o momento adequado sugerido pelo presente estudo é o mais próximo ao ideal à rima da celeridade processual?
Utilizando a praxis do JEC e a experiência profissional na condição de Juiz Leigo, tentar-se-á neste trabalho elucidar as questões controvertidas e apoquentar sobre as questões pacíficas que cercam o tema, sugerindo soluções sem a pretensão de esgotar a matéria.
1. O MOMENTO PROCESSUAL (ADEQUADO) PARA INVERSÃO NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL
1.1 Correntes Doutrinárias
Entre tantas polêmicas sobre a inversão do onus probandi, a que realmente divide a doutrina está relacionada ao momento adequado para que o juiz conceda a inversão do ônus ao consumidor. Existe muita controvérsia na doutrina e na jurisprudência consoante a tal problemática. O fato de a lei não ter especificado expressamente divide opiniões.
No que concerne o âmbito da Justiça Comum há correntes que defendem ser a declaração do ônus da prova uma regra de juízo e não de procedimento, consequentemente, não se exige um momento próprio para a decisão, podendo esta ficar reservada para o momento da sentença. Essa primeira corrente é composta por Sérgio Cavalieri Filho, Nelson Nery Júnior, Kazuo Watanabe, Ada Pellegrini, entre outros.
Em contrapartida, há os que entendem ser adequada para a inversão a ocasião inicial do processo, momento do despacho liminar de conteúdo positivo; outros na fase do saneamento do processo. Todos aqui elencados partem do pressuposto que deva existir a obrigatoriedade prévia do juiz de inverter o ônus da prova por se tratar de decorrência do princípio do contraditório e da ampla defesa, o que possibilita dar às partes condições de defesa dentro do processo, sob pena de violação do artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal. Esta segunda corrente, integrada por Antônio Gidi, Carlos Roberto Barbosa Moreira, João Batista de Almeida, Tereza Arruda Alvim, Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, Rizzatto Nunes, entre outros.
O aprofundamento dos argumentos e contra-argumentos dos defensores de uma ou outra teoria não é pertinente para o tema proposto. Mas interessa a indicação de sua existência com objetivo de estabelecer premissas e parâmetro para inversão do ônus da prova no âmbito do Juizado Especial.
Portanto, nesse primeiro momento, resta claro que as discussões gravitam em torno da justiça comum, pois procedimento padrão com fases bem definidas. Sendo que perante a justiça especializada (Juizados) não haveria, em tese, controvérsia em razão do procedimento simplificado. Não obstante, tendo como referencia esta suposta “pacificação” do tema que o presente trabalho circunda.
1.2. A inversão na fase probatória do JEC. Crítica (des)construtiva
Na esfera do Juizado Especial Cível essa matéria, regra geral pelos doutrinadores, não apresenta muita controvérsia.
O argumento é defendido pela maioria dos doutrinadores, teóricos e alguns práticos, como o advogado e juiz leigo Mario Cesar Portinho Vianna[1], em artigo publicado na Revista dos Juizados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – inclusive, trabalho fundamental para criação (crítica) do presente estudo.
Assim sintetiza, vejamos:
“[…]Face às características e princípios que regem o Juizado Especial – oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade (art. 2o da Lei nº 9.099/95), praticamente confundem-se em um só momento as etapas de proposição, admissibilidade e produção da prova. Por essa razão considera-se haver um único momento indicado para a determinação da inversão do ônus da prova: na audiência de instrução, quando, após ser renovada a proposta de conciliação, inexitosa essa, é recebida a contestação e delimitado o objeto da prova. Esse momento antes de iniciar a instrução é, certamente, o momento ideal para que o Juiz inverta o ônus da prova e determine ao fornecedor a produção de provas que originalmente não lhe competiriam. Feito isso, nesse momento, não haverá prejuízo à defesa do fornecedor, pois o juízo estará dando ao demandado a oportunidade de desincumbir-se do seu ônus durante a instrução processual. Ademais, para evitar cerceamento de defesa é necessário que essa determinação do Juiz seja feita formalmente para que de forma inequívoca o fornecedor tenha ciência do encargo probatório que lhe é atribuído no feito, não sendo admissível que o Juiz apenas “previna”, como querem alguns doutrinadores, que “poderá” inverter o ônus quando do julgamento.”
Ainda, partindo-se da idéia do “momento adequado” da inversão quando iniciada a fase instrutória, continua Vianna:
“[…] admite-se, também, a exemplo da Justiça Comum, que caso a inversão não tenha-se dado antes de iniciada a instrução e, no decorrer dessa, ou mesmo após, e até mesmo em outro grau de jurisdição, venha a se verificar a necessidade de que tivesse ocorrido, que seja então determinada. Nesse caso, deverá ser oportunizado ao fornecedor nova oportunidade de produzir prova, até mesmo reabrindo-se a instrução se já encerrada.”[2]
Essa é a regra geral.
Abre-se um parêntese acerca da última citação. Nota-se a presença da morosidade incompatível com o JEC ao reabrir a instrução. Claro que nos casos de omissão da inversão seria inevitável a reabertura da instrução pelo reconhecimento superveniente da hipossuficiência a critério do julgador, entretanto, isso só vem corroborar a importância de se inverter em outros momentos prévios à instrução para que não dependa exclusivamente deste momento processual.
Não obstante, o presente trabalho visa criticar de forma construtiva sugerindo “novos” momentos (e também “adequados”) para inversão dentro do rito simplificado dos Juizados. Porém, necessário (des)contruir a regra geral ou o senso comum teórico, com bases na praxis jurídica diversificadas e peculiares, compatibilizando, assim, as técnicas processuais de inversão do ônus da prova nas relações de consumo e o juizado especiais cíveis, de modo que garanta uma duração razoável do processo, sem prejuízo ao devido processo legal e facilitação à defesa dos direitos do consumidor.
Levando-se em consideração o dito acima (reabertura da instrução e morosidade), tornou-se corriqueiro na seara dos juizados uma praxe que atenta quanto à celeridade do procedimento: a concessão de prazo dilatório ao fornecedor após a ciência da inversão do ônus da prova no ato da audiência de instrução e julgamento.
Nesta senda, suponha-se uma relação de consumo pela aquisição (compra) de produto exposto em sítio eletrônico da internet. O consumidor adquiriu um computador notebook na cor rosa, conforme a ilustração da página eletrônica. Porém, o fornecedor entrega um notebook na cor rosa “pink”. Na inicial são acostadas fotos do produto adquirido e principalmente a página virtual impressa com o produto exposto para venda. Questiona-se: um dos pressupostos do art.6º, VIII do CDC está presente?
Pois bem, a prima facie pela comparação do produto entregue e o ofertado há indícios de cores diferentes (“regras de experiência comum” subministradas pela observação do que ordinariamente acontece). Portanto, existe a probabilidade (aproximação da verdade) da cor do produto entregue não é a mesma do ofertado, isso significa, a verossimilhança da alegação. Por conseguinte, a inversão do ônus é medida (direito) que se impõe (cogente).
Da praxis decorrem duas situações concretas: a primeira (e por ser a primeira) é a ordinária ou o senso comum teórico, define como momento ideal para inversão do ônus probandi o início da audiência de instrução, logo após o recebimento da contestação, quando inexitosa a renovação da proposta conciliatória.
A conseqüência prática-teórica é que ao dar ciência ao fornecedor que cabe a ele demonstrar que entregou o produto corretamente (o vício de adequação inexiste), oportuniza-lhe, no mínimo, um determinado prazo para que possa comprovar algo que ao critério (legal) do juiz é seu ônus, sob pena de cerceamento de defesa. A consequência (da consequência) é que o momento da prova poderá ser diferido, ou seja, restará estabelecido o “contraditório diferido”, posto que se for do interesse (por vezes protelatório) ao fornecedor em produzi-la, certamente requisitará o prazo oportunizado. Ou em caso de “ciência” da inversão em audiência e delimitada a prova que detém por razão técnicas, científicas ou econômicas, manifestará a pretensão da produção da prova aos auspícios da ampla defesa. Tanto uma, como a outra forma, a maioria das vezes o prazo é inutilizado.
Agrava-se a morosidade da situação sob o ponto de vista do consumidor, pois com a eventual juntada da prova controvertida determinada a “critério do juiz”, deverá receber vista para impugná-la, de maneira a perfectibilizar o contraditório diferido. E como parte hipossuficiente juridicamente, inviabilizaria a facilitação do seu direito de defesa perante a “nova” prova produzida, bem como obstaculiza a duração razoável do processo.
A circunstância processual apontada não deve ser analisada de forma isolada ou apenas como uma simples concessão de prazo dilatório, pois não é vedado a sua concessão, e também não se contesta o prazo em si, mas sim critica-se a consequência que ele representa em virtude da inversão do ônus probandi na audiência de instrução e julgamento, momento processual considerado como o ideal, pelo simples fato que é a fase apropriada. Ademais, não leva-se em conta da relevância do direito material (consumidor) a ser provado e a finalidade célere da criação de um rito simplificado para as causa de menor complexidade.
A importância do respeito ao rito da justiça especialidade não é desmedida, eis que reflete além dos efeitos da morosidade processual ao consumidor, representa também efeitos secundários a nível cartorário pelo tempo que o processo deve tramitar na primeira instância por tempo menor possível até sua extinção.
Corroborando essa realidade, a Corregedoria Geral de Justiça do Poder Judiciário Gaúcho recentemente expediu Ofício-Circular Nº 087/2010[3] com base em determinações do Conselho Nacional de Justiça e com objetivo de aprimoramento dos Juizados Especiais, no sentido de orientar que os processos não sejam sentenciados em prazo superior a 10 (dez) dias após a audiência de instrução, mesmo diante de problemas de pauta dos juízes leigos, falta de funcionários e salas de audiência.
Quer-se demonstrar que aceitar como incontroverso o tema, sob prisma prático-forense, da inversão do ônus da prova somente na alvorada da instrução, distancia-se da tendência por um processo judicial célere que combate as celeumas da morosidade existentes, também, nos ritos simplificados. O julgador além de aplicar (sem subjetividade) os pressupostos da inversão, deve atentar de que forma esta necessita cristalizar-se, tanto no sentido de meio de produção de prova, como o seu momento adequado.
As diversas facetas dos Juizados Especiais fazem com que o momento da inversão também seja diversificado. Não basta a noção teórica do momento da inversão seja a fase instrutória. A técnica processual deve ser respeitada como ciência. Por outro lado o empirismo garante, também, a atualização científica, de modo que o (re)pensar equivale o inovar “na forma da lei”.
1.3 O momento adequado (e ideal) à luz da praxis jurídica no JEC. A Razoável Duração do Processo (CF/88, art.5º, LXXVIII)
Neste tópico, resta apontar algumas situações concretas que propiciam a inversão do ônus da prova diverso e antes da instrução do processo. São casos exemplificativos, porém trata-se de situações rotineiras no âmbito dos Juizados e servem como justificativa para a busca do momento adequado (e próximo ao ideal) da inversão do ônus probandi do Código de Defesa do Consumidor.
Admite-se no Juizado Especial Cível em determinados tipos de ações, onde exista pedido cautelar, por exemplo, que já ao despachar a inicial o Juiz, entendendo existirem as condições necessárias, já determine a inversão.
É o que pode acontecer nos casos de exibição de contrato de prestação de serviço, quando o fornecedor (telefonia, banco, TV a cabo, seguradora e etc) tem na sua posse o contrato de adesão não disponibilizado cópia ao consumidor no momento da contratação, restando impossibilitado de realizar a prova no processo.
Existindo pedido certo e determinado de apresentação do contrato, com base na inversão do art.6º, VIII do CDC, desde logo a “critério do juiz” pode determinar a providência, possibilitando que, com a contestação, o fornecedor (réu) promova a exibição dos instrumentos contratuais necessários à elucidação da relação controvertida entre as partes.
Observe-se o posicionamento jurisprudencial nesse sentido:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. 1)VEDAÇÃO DA INSCRIÇÃO EM CADASTROS DE INADIMPLENTES. Reveste constrangimento inadmissível a inscrição do devedor em cadastros de inadimplentes enquanto pendente ação revisional do contrato que deu origem aos créditos. Jurisprudência dominante. 2) INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. TUTELA ANTECIPATIVA. Versando a revisão de contratos bancários matéria sujeita às regras de proteção ao consumidor, cabível a inversão do ônus da prova ( CDC, art. 6º, inc. VIII ) para determinar ao credor a exibição de documentos de interesse comum, pretensão que encontra amparo igualmente nas normas processuais civis ( CPC, art. 355 e seguintes e art. 844 ).3) PROIBIÇÃO DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO DE TÍTULOS. Descabimento do pedido genérico, fundado só fato do ajuizamento da revisão contratual, em respeito aos princípios que regem a circulação dos títulos de crédito.4) DÉBITO EM CONTA CORRENTE. Privilégio potestativo atribuído ao credor que enfrenta vedação legal por abusividade.” (Agravo de Instrumento Nº 70008708356, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Leoberto Narciso Brancher, Julgado em 07/05/2004).
Sendo assim, possível a incidência do art. 6º, inc. VIII do CDC e, com ele, a inversão do ônus da prova – providência processual que somente se justifica em determinação antecipativa em momento processual in limini, eis que destinada a definir os ônus das partes no curso da instrução.
É uma clara maneira de se inverter o ônus da prova sem a subjetividade do juiz e principalmente pela inteligível insistência de aplicar os requisitos do art.333,I do CPC[4].
Um segundo momento para determinação da inversão do ônus, “excepcionalmente” fora da regra geral (fase instrução), e quando não há pedido antecipatório, seria no próprio mandado citatório[5]. Obviamente, a inversão se daria por despacho anterior e causal da expedição do mandado, quando evidenciado os pressupostos do art.6º, VIII, do CDC, independente se existe prévio pedido do consumidor, eis que como demasiadamente visto e repetido, a incidência do código consumerista decorre da essência cogente e interesse social da norma.
A consequência é a mesma, a inversão do ônus possibilita que o fornecedor promova, com a contestação, a produção da prova controvertida entre as partes.
Outro momento da inversão pode ocorrer logo após a audiência de conciliação. Apesar de menor incidência prática, sugere-se nos casos em que haja dúvida quanto a qualidade das partes do processo, isto é, a figura do consumidor e fornecedor, nos moldes discriminativos dos artigos 2º e 3º do CDC, respectivamente; ou ainda, nos casos de pedido elaborados na própria sessão conciliatória, quando inexistosa a proposta de acordo.
A audiência de conciliação prevista no art.22 da Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95) é presidida na maioria por Conciliadores, preferentemente estudantes (estagiários) ou bacharéis de direito, o que poderia ser um entrave para análise dos requisitos da inversão do ônus da prova, eis que o conciliador – como o próprio nome indica – não julga o processo. Não obstante, não é empecilho que o conciliador analise pedido de inversão do ônus da prova, geralmente expressos nas peças iniciais (“Reclamatórias”) ou oralmente no próprio ato.
Nestes casos, apesar da incompatibilidade da função com o mister jurídico que lhe apresente (aplicação do art.6º, VIII), o conciliador pode remeter o pedido de inversão do ônus da prova para análise do Juiz Togado, titular do Juizado. Porque é dever deste a apreciação e homologação de quaisquer decisões tomadas pelo conciliador, desde simples decretação de revelia até acordos realizados em audiência.
Portanto, em caso de expressa manifestação do consumidor pela impossibilidade de prova que esteja na posse ou detenção técnica ou jurídica do fornecedor, a inversão pode ser determinada pelo juiz togado, para fim de produção de prova que facilite a defesa do consumidor.
Nota-se que o critério para inversão continuará sendo de exclusividade do juiz, que por sua vez, caberia por dever legal analisar o direito a inversão do consumidor. O conciliador seria apenas um “canal” ou “elo” entre o juiz e o caso concreto, desempenhando assim a função pública que lhe foi conferida no art.7º da lei especial (“Os conciliadores e Juízes leigos são auxiliares da Justiça […]”)[6].
Desta forma, dispensaria eventual “contraditório diferido” após a audiência de instrução, pois no interregno entre audiência de conciliação e instrução haveria tempo satisfatório para produção da prova ao alcance do fornecedor.
Uma questão que não se pode deixar de ressaltar é que, independente do momento processual, a decisão que concede ou determina a inversão do ônus da prova em benefício do consumidor, mesmo no Juizado Especial Cível, deve ser motivada, de modo que não basta ao Juiz referir que a alegação do consumidor é verossímil ou que o consumidor é hipossuficiente para autorizar a inversão. Deverá ele apontar de forma sucinta diante dos princípios que regem o Juizado os elementos de convicção que o levaram a enxergar verossimilhança na versão apresentada pelo consumidor, ou dos quais extraiu a sua hipossuficiência.
Em conformidade com tais argumentos, verifica-se a necessidade também de fundamentar a decisão que não determinou a inversão sob pena de nulidade consoante o artigo 93, IX, da Constituição Federal[7]. Não rara às vezes, juízes leigos apenas afirmam ou “previnem” (na ata de audiência) que o ônus será invertido por tratar-se de típica relação de consumo. Tal decisão é genérica e com fundamentação insuficiente aos postulados constitucionais do contraditório e ampla defesa. Atente-se ao seguinte explicitado:
“Inversão do Ônus da Prova – Necessidade de expressa determinação judicial. Quando, a critério do juiz, configurar-se a hipótese de inversão do ônus da prova, nos termos do artigo 6º, VIII do Código de Defesa do Consumidor, sob pena de nulidade, é mister a prévia determinação à parte, em desfavor de quem se inverte o ônus, para que prove o fato controvertido. A inversão, sem esta cautela processual, implicará em surpresa e cerceamento de defesa’.” (Ap. Civ. 194.110.664 – RS-4.ª C. – j. 18.8.1994 – Rel. Juiz Marcio Oliveira Puggina).
Assim sendo, não há prejuízo para o fornecedor quando se reconheça de plano ou outro momento antes da instrução e julgamento, a inversão do ônus da prova do CDC posto que não viola norma processual proibitiva tanto pelo CPC como pela Lei dos Juizados.
Possível, portanto, aplicação do art.6º do CDC no rito do JEC tanto na fase ou “momento” in limini do processo (provimento antecipatório ou acautelatório da prova e análise ex officio), “momento” do ato citatório, “momento” da audiência de conciliação. Fases fora do senso comum teórico.
E nesse contexto está o fulcro da questão e base do raciocínio do presente trabalho – não existe um único momento, mas o momento adequado mais próximo do ideal. Pois em que pese a instrução seja o momento “padrão” da inversão, temos que ter em mente que a prova salutar, principal, para o deslinde do feito está na posse do fornecedor, e ele sabe que a possui e, por vezes, a omite como forma de estratégia processual, obstaculizando assim a “facilitação da defesa” dos direitos do consumidor.
Exemplo reiterado disso, quando da prática forense dos juizados especiais, depara-se com defesa (peça contestatória) de negativa da ocorrência dos fatos[8]. Por consequência, transfere-se para parte autora o ônus dos fatos constitutivos do seu direito. O fornecedor se comporta (por ignorância ou dissimulação) como Parte em pé de “igualdade” no processo[9], requisitando inclusive no teor da defesa escrita (e por vezes, oralmente mediante “protesto” ou “consignações” dos advogados, após a inversão aplicada no ato da audiência) a aplicação do art.333 do CPC ou a inaplicabilidade do art.6º, VIII do CDC, quando não o é, em razão da especialidade da norma consumerista que rege o direito posto em litígio que indica a vulnerabilidade como princípio e sua consequência processual (a inversão).
Abstraindo-se a situação da praxis, retoma-se que a adequação mencionada parte do pressuposto de compatibilidade. E a compatibilidade tem como premissa a constitucionalização do processo (procedimento) dentro de um sistema hígido que possa garantir ao mesmo tempo a efetividade da tutela consumerista, sem prejuízo a celeridade do rito dos JEC’s.
Nota-se tanto a defesa do consumidor como a garantia a razoável duração do processo são direitos e garantias individuais fundamentais, insculpidos no art.5º, incisos XXII e LXXVIII, respectivamente. Sua conexão e correlação tem como solução a interpretação teleológica e sistemática dos institutos jurídicos, buscando uma duração razoável do processo através de meios que garantam a celeridade da tramitação. A demora do processo (concessão de prazos, abertura de “nova” fase de instrução para produção de provas) não pode ser justificada tão somente ao absoluto respeito à lei processual da distribuição da carga probatória e as fases do seu procedimento.
Mister uma concordância prática nas tutelas envolvidas transferindo o contraditório e ampla defesa para momento anterior a instrução probatória, com o fim de possibilitar uma amplitude da facilitação dos direitos do consumidor, notoriamente vulnerável (materialmente) e hipossuficiente (processualmente), conforme o art.6º, VIII do CDC.
Se cabe ao Estado promover a defesa do consumidor, é o Poder Judiciário, através do órgão Estado-Juiz que deve buscar meios que garantam a efetividade da instrumentalização do processo.
Ante o exposto e partir de tudo que fora analisado neste trabalho, faz-se necessário e interessante apontar o entendimento eleito como ideal face à questão bastante discutida pelos juristas e doutrinadores em torno do momento adequado para que o juiz inverta o onus probandi quando presente os requisitos da verossimilhança das alegações do consumidor e sua hipossuficiência técnica para a produção das provas em uma lide de consumo.
Desse modo, verifica-se como correto e adequado para a inversão do ônus da prova o momento inicial do feito – a partir da propositura da ação, uma vez que o juiz nesta fase já possui as informações necessárias para reconhecer a presença ou não dos requisitos do inciso VIII do artigo 6º, o que possibilita proceder a inversão e garantir ao consumidor a efetivação do seu direito de facilitação da defesa. Além disso, com o pronunciamento nesta fase, as partes não serão surpreendidas e terão garantidos o Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa para a produção das provas. E principalmente, evitar-se-á a protelação do processo, que seguirá seu caminho normal para fase decisória sem acrescentar tempo ao procedimento.
Portanto, no que diz respeito aos Juizados Especiais Cíveis – tema do presente trabalho – por ser como o rito sumário, um procedimento célere, faz-se mister a concessão da inversão desde a fase inicial, mais uma razão para o juiz leigo ou o magistrado avaliar os requisitos, e se presentes, concedê-los, sob pena de ficar caracterizada flagrante e injustificada desigualdade processual para com o destinatário final da relação de consumo, o consumidor, que já vulnerável como o é reconhecidamente pelo CDC, apresenta uma vulnerabilidade ainda mais latente, por muitas vezes não possuir advogado e por apresentar as características do homem médio da sociedade, que em geral desconhece tal técnica de inversão a ele assegurada.
CONCLUSÃO
Diante de tudo que fora exposto neste trabalho, torna-se evidente a importância da previsão do ônus da prova no código de defesa do consumidor, principalmente, face a Juizados Especiais Cíveis.
Faz-se imprescindível tornar disponível ao consumidor a possibilidade concreta de defesa de seus direitos. Assim, o CDC providencia os meios de acesso à Justiça e a facilitação da defesa do consumidor. E entre tantas medidas adotadas para que o consumidor obtivesse seus direitos materiais efetivados, verifica-se a inversão do ônus da prova, conforme o artigo 6º da Lei 8.078/90.
E no rito dos JEC’s – Juizados Especiais Cíveis, não é diferente. O estudo crítico do “momento ideal” da inversão do ônus da prova não é subjetivo, mas técnico-processual. As normas de direito material (consumerista) devem ser previamente analisada, selecionadas pelo magistrado no “âmbito” do seu gabinete mediante “triagem” do melhor critério para pacificação dos direitos postos em litígio. Esta pacificação almejada obviamente será alcançada em razão do momento processual mais adequado do ônus da prova, ao nosso ver no início da propositura da ação. Não desconsiderando, é claro, os momentos subsequentes a ela.
Fora dessa ocasião o contraditório resta diferido e, por vezes, traz uma consequência prejudicial para celeridade do procedimento, quando aquele poder-se-ia ser evitado, caso houvesse uma melhor escolha (não subjetiva) jurisdicional do momento adequado para inversão do ônus probandi e manifestação do contraditório prévio.
O que se quis dizer e sugerir ao longo do trabalho é que existem outros momentos adequados e mais próximo ao ideal para inversão dentro da ritualística da Lei 9.0099/95, não sendo um único ou regra geral o início da instrução. Não se confunda a regra geral da inversão, baseada na teoria, com certeza processual (verdade absoluta) do momento mais adequado, posto que “momento adequado” é aquela escolha que melhor traga vantagens para quem precisa da prova do ponto de vista do direito material (consumidor) como processual (o Juiz, o processo). Este último, como instrumento de efetivação do primeiro.
Portanto, reitera-se, entendemos ser adequada a tese de que o momento processual mais próximo do ideal para a inversão do art.6º, VIII do CDC no JEC – Juizado Especial Cívei é a propositura da ação. Desta forma, não acarretará nenhum elemento surpresa e as partes estarão cientes através do pronunciamento do juiz a quem compete o ônus da prova e, portanto, toda a preparação probatória se orientará no sentido da inversão.
Com efeito, será através da utilização desses meios, como a inversão do ônus da prova no momento inicial do processo, sem deixar de serem verificados os requisitos exigidos através da pessoa do juiz, o qual desempenha o papel da atuação do Estado, que o consumidor alcançará o verdadeiro acesso à justiça, pois, através tais importantes garantias processuais que os direitos materiais consagrados elevar-se-ão ao real efeito buscado pela norma, ou seja, sua efetividade.
advogado, pós graduado em Direito Processual Civil (UNINTER), professor, Juiz Instrutor do Juizado Especial Cível e Conciliador do Juizado Especial Criminal da comarca de Rio Grande/RS
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