Resumo: O presente estudo tem como objetivo analisar o instituto da recuperação de empresas e falência, sob a ótica da análise econômica do direito. A interação entre Direito e Economia torna-se essencial para o desenvolvimento e funcionamento de um sistema seguro e eficiente para a preservação da empresa e dos interesses de todos aqueles que dela dependem, inclusive o Estado, o que foi inaugurado no direito brasileiro pela edição da Lei 11.101/2005 (Lei de Recuperação de Empresas e Falência).
Palavras-chave: Direito – Economia – Recuperação – Falência – Empresas
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. O Judiciário como partícipe na recuperação da empresa em crise – 3. Por uma interação entre Direito e Economia no sistema falimentar – 4. Considerações finais – Referências.
1 INTRODUÇÃO
O impacto da falência não se restringe apenas às empresas que se tornem insolventes ou aos seus credores particulares, mas afeta diretamente a economia, que sofre os efeitos das crises econômicas, fatores conjunturais, problemas de liquidez, acirramento da concorrência, desenvolvimento de novas tecnologias e até mesmo insolvência de fornecedores ou clientes.
Os nefastos efeitos sócioeconômicos da falência demandam uma ordem jurídica mais coerente e adequada, visando diminuir os impactos causados pela insolvência na economia, voltando-se, principalmente, para a função social da empresa.
É importante, assim, a análise do novo sistema recuperacional e falimentar brasileiro sob a ótica da interação entre Direito e Economia.
2 O JUDICIÁRIO COMO PARTÍCIPE NA RECUPERAÇÃO DA EMPRESA EM CRISE
Inicialmente, nota-se que a interação entre Direito e Economia, principalmente no sistema recuperacional e falimentar, necessita de um Judiciário conscientizado do seu papel determinante no desenvolvimento econômico[1].
O desempenho do Judiciário no mundo globalizado [2] do século XXI deve ser avaliado segundo os serviços que ele produz em termos de garantia de acesso, previsibilidade e presteza dos resultados, além de remédios adequados. Deve-se “focar a justiça enquanto uma entidade que presta serviços para a sociedade, e considerar a qualidade dos serviços ofertados” [3], de forma eficiente.
Adverte Rafael Bicca Machado que,
“Infelizmente, ainda não está assimilada por todos a idéia de que julgadores devem sopesar, em suas decisões, os reflexos econômico-sociais das mesmas.
Mas para isso, primeiramente, é fundamental que os operadores do Direito, em sua totalidade, deixem de preconceitos e aceitem, antes de mais nada, que a Economia existe como Ciência. Que possui leis e regras próprias, e que estas não são sempre fruto da exploração de uma maioria pobre por uma maioria rica. E, por fim, que estas devem ser minimamente estudadas.” [4]
Segundo Armando Castelar Pinheiro,
“O judiciário é uma das instituições mais fundamentais par ao sucesso do novo modelo de desenvolvimento que vem sendo adotado no Brasil e na maior parte da América Latina, pelo seu papel em garantir direitos de propriedade e fazer cumprir contratos. Não é de surpreender, portanto, que há vários anos o Congresso Nacional venha discutindo reformas que possam tornar o Judiciário brasileiro mais ágil e eficiente. O que se verifica, não obstante, é que apenas recentemente se começou a analisar e compreender as relações entre o funcionamento da justiça e o desempenho da economia, seja em termos dos canais através dos quais essa influi no crescimento, seja em relação às magnitudes envolvidas. Nota-se, assim, que até aqui o debate sobre a reforma do Judiciário ficou restrito, essencialmente, aos operadores do direito – magistrados, advogados, promotores e procuradores – a despeito da importância que essa terá para a economia.”[5]
Carlos Henrique Abrão aponta a necessidade de um Judiciário especializado que se envolva com a realidade da crise da empresa ou transmita, pelo menos, a eficiência prática no momento da quebra.
“Embrenhada na Lei 11.101/05, a Judicatura moderna, do século XXI, pede espaço para a criação de varas especializadas; na maioria dos Estados, isto acontece e com resultados positivos; ultimamente, o Estado de São Paulo criou duas varas especializadas e Câmara temática no Tribunal de Justiça; com isso, os juízos se aprimoram e têm noções muito próximas dos acontecimentos que assolam a atividade empresarial.”
“Mas somente isto é insuficiente. Necessita-se de uma revolução no corpo de funcionários, nos equipamentos, na informática, nos acessos aos bancos de dados, comunicações como os Registros de Empresas, Juntas Comerciais, Banco Central, Receita Federal, e toda a gama de subsídios que se incorpora a favor da reorganização da sociedade empresária.”[6]
A legislação falimentar deve ser um “mecanismo justo e célere e que preserve, na medida do possível, a entidade econômica, sem prejuízos aos credores legítimos da massa” [7].
Ronald Coase nos dá a medida exata da importância da empresa no cenário econômico moderno, o que impõe ao Judiciário e aos agentes econômicos a plena conscientização disso:
“La empresa, en la teoría económica moderna, es una organización que transforma factores de producción em producción. Por qué existen las empresas, qué determina su cantidad y lo que hacen (los insumos que una empresa compra y los productos que vende) no son problemas que interesen a muchos economistas. La empresa en la teoría económica es, según una expresión reciente de Hahn, uma figura misteriosa. Esta falta de interés es realmente asombrosa, teniendo en cuenta que la mayoría de las personas en los Estados Unidos, el Reino Unido y otros países occidentales son empleadas por empresas, que la mayor parte de la producción es realizada por ellas y que la eficiencia de todo el sistema económico depende casi totalmente de lo que pasa dentro de estas moléculas económicas.”[8]
Nesse contexto, uma lei de falências deve perseguir objetivos, além de mera redução de capital de custo. Há que se considerar o assunto sob uma perspectiva mais voltada à análise econômica do direito[9]. A partir disso, o Judiciário deve estar sintonizado na percepção da atividade econômica no século XXI, aprimorando-se além das fronteiras do Direito, sendo um verdadeiro partícipe na recuperação da empresa em crise.[10]
3 POR UMA INTERAÇÃO ENTRE DIREITO E ECONOMIA NO SISTEMA FALIMENTAR
A teoria formal da falência[11] começou com o reconhecimento de que o sistema falimentar às vezes é necessário para salvar o problema de ação coletiva entre os credores de uma empresa. A “angústia” ocorre quando a empresa não consegue ter renda suficiente para cobrir seus custos sem incluir os custos financeiros. Tal empresa tem valor economicamente negativo. Credores se interessam mais na existência de bens que satisfaçam suas exigências do que em salvar empresas. Se existem bens, os credores tentarão pegá-los, e isso provavelmente conduzirá, pouco a pouco, a uma liquidação.
Por outro lado, a teoria moderna da falência relaciona o resultado de um processo falimentar com as fases mais recentes de uma empresa mutuária. Um eficiente sistema falimentar ex post[12] maximizaria o saldo que credores receberiam de empresas insolventes.
Uma lei de falências sem “poderes anulatórios”[13] (declaração de ineficácia e ações revocatórias), onde fornecedores, consumidores e terceiros interessados poderiam contratar com segurança, melhor viabiliza a recuperação das empresas e traz credibilidade ao sistema.
Cabe destacar aqui que o sistema americano é mais dirigido ao mercado que os sistemas equivalentes na Europa. Em muitas jurisdições européias, quando uma empresa importante passa por “angústia” o país aprova um subsídio; o propósito disso é injetar liquidez na empresa. Nos EUA, ao contrário, o mercado de crédito decide se aumenta a liquidez para a empresa. Devedores “angustiados” que não podem persuadir o mercado estão quebrados e liquidados.
Um sistema de falência deveria funcionar para maximizar o retorno e rendimentos que credores ganhariam quando empresas quebrassem. Quanto maior for este retorno menor será a taxa de juros que o credor exigirá para emprestar. Uma maior taxa de juros é eficiente por duas razões. Primeiro, o grupo de projetos socialmente e economicamente variáveis que as empresas irão perseguir se tornam maiores quando as taxas de juros diminuem. Segundo, o esforço que as empresas fazem em busca de projetos de fundos de débitos sobe para nível ótimo quando a taxa de juros cai. [14]
Segundo Alan Schwartz[15], no contexto da organização do processo de falência, duas questões são relevantes: 1. Como a Lei de Falências pode contribuir ex ante na geração de incentivos para que o regime de garantias ajude o sistema de crédito a funcionar com mais eficiência? 2. E como potencializar a eficiência ex post com que se dá a reestruturação ou o fechamento ordenado da empresa, no contexto dos conflitos que se afiguram nessas circunstâncias?
Um sistema que promova ex ante maior proteção aos credores, por meio de garantias, responde à primeira indagação. A segunda pergunta encontra resposta na realocação ou maximização ex post, de forma eficiente, de ativos entre os vários agentes econômicos. Nos dizeres de Castellar e Saddi:
“primeiro, um procedimento falimentar deveria produzir um resultado eficiente ex post. Quer-se dizer, com isso, que o valor total dos ativos da massa falida deveria ser sempre maximizado, a fim de produzir a maior quantidade de dinheiro possível para os credores, aqui entendidos como todos aqueles que têm algo a prêmio na empresa (não apenas bancos e fornecedores, mas também empregados, fisco etc.). Ou seja, qualquer decisão de venda ou reestruturação deve obedecer à simples regra de que o procedimento será mais eficiente se o resultado aos credores for maio. É evidente que isso conduz a um estado de eficiência ex ante: quanto maiores as garantias dadas aos credores antes da insolvência ou da iliquidez, menores os custos de transação relacionados ao curso das atividades da empresa (a taxa de juros, por exemplo).”[16]
É certo que o processo falimentar impõe custos de transação (deterioração dos ativos, inutilização ou subutilização dos recursos produtivos, custas judiciais, perícias, administrador legal, advogados etc.), pois é sempre um processo de distribuição de valor. A insolvência leva os credores a um jogo semelhante ao do “dilema do prisioneiro”[17]. Na tentativa de cada um maximizar o seu resultado, sabendo que os demais também estarão se comportando assim, inviabilizam-se soluções que produzem um resultado agregado mais elevado. É melhor vender o negócio do devedor como um todo (o que tende a valer mais) do que fatiá-lo. [18]
Para Alan Schwartz[19], o Estado deveria fornecer às partes (pelo menos) dois processos de falência que regulassem a liquidação e reorganização. Cada um destes processos poderia maximizar o retorno/rendimento insolvente líquido, dependendo das circunstâncias das que as partes estão enfrentando. O Estado também deveria permitir que as partes contratassem em acordo de empréstimos/mútuos a respeito de qual procedimento posteriormente seria aplicado a eles. Os contratos ex ante melhor resolveriam os problemas de apresentação que surgiriam entre uma empresa insolvente e seus credores. A empresa pode não devidamente atrasar a entrada em um processo, e pode escolher o procedimento que maximize benefícios. [20]
De outro lado, alerta Pimenta que “em se tratando de falência, deve-se tomar como principal elemento orientador na aplicação da nova legislação um ponto decisivo acertadamente invocado pelo novo ordenamento concursal: a celeridade na condução da falência e no pagamento dos credores.[21]
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A interação entre Direito e Economia torna-se desafio essencial ao desenvolvimento e funcionamento de um sistema seguro e eficiente para a preservação da empresa e dos interesses de todos aqueles que dela dependem, inclusive o Estado, o que foi inaugurado no direito brasileiro pela edição da Lei 11.101/2005 (Lei de Recuperação de Empresas e Falência).
O novo sistema recuperacional e falimentar brasileiro deve ser palco da busca pela preservação da empresa, orientado por duas premissas desafiadoras: primeiro, pela recuperação da empresa em crise, em razão da sua função social e considerável importância no estímulo da atividade econômica, a partir do paradigma do Estado Democrático de Direito; segundo, por uma falência célere e eficiente no pagamento dos credores e na preservação produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa.
Advirta-se, contudo, que a nova normatização do direito concursal brasileiro, por si só, não é capaz de mudar o sistema, necessitando da conjunção de outros fatores institucionais, principalmente um Judiciário mais ágil e eficiente, com juízes devidamente preparados para enfrentar a nova realidade do direito recuperacional e falimentar, atento principalmente ao desenvolvimento econômico. Somente assim a nova Lei de Recuperação de Empresas e Falência poderá alcançar os seus objetivos.
Informações Sobre o Autor
Jean Carlos Fernandes
Advogado. Doutorando em Direito Privado (PUC/MG). Mestre em Direito Comercial (UFMG). Coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Professor de Direito Empresarial nos cursos de pós-graduação da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais, Faculdade de Direito Milton Campos, Centro de Atualização em Direito em convênio com a Universidade Gama Filho, Centro de Estudos da Área Jurídica Federal e Praetorium em convênio com a Universidade Cândido Mendes. Membro do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial e da Associação Brasileira de Ensino do Direito. Autor dos livros Ilegitimidade do boleto bancário, Direito empresarial aplicado e co-autor de Direito societário na atualidade, editados pela Del Rey.