Resumo: A advocacia, uma profissão tão antiga quanto a própria história da humanidade, enfrenta obstáculos para assimilar institutos modernos da publicidade, principalmente por serem considerados típicos instrumentos da atividade comercial. A pesquisa aqui realizada é qualitativa, com base na metodologia bibliográfica, documental, comparada e histórica. Questiona se o atual tratamento da matéria se coaduna com a realidade, principalmente perante o atual estágio de evolução da advocacia, no qual escritórios e sociedades de advogados adotam estrutura praticamente empresarial, ou seja, voltada para o lucro. Apresenta o regramento internacional da matéria, enfatizando a manifestação da Suprema Corte dos EUA no julgamento do caso Bates v. State Bar of Arizona. Expõe o tratamento dispensado pelas leis brasileiras e indaga se a publicidade na advocacia poderia ser abordada de uma maneira mais adequada.
Palavras-chave: Publicidade na advocacia. Características da advocacia. Ética profissional. Bates v. State Bar of Arizona. Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil.
Abstract: Legal practice, a profession as old as the history of humanity faces obstacles to assimilate modern institutes of advertising, mainly because they are considered typical instruments of commercial activity. The research here is qualitative, based on bibliographical, documentary methodology, comparative and historical. Questions whether the current treatment of the matter is in line with reality, particularly when presented with the current stage of evolution of law, in which offices and law firms adopt almost corporate structure, even looking for profit. Presents international treatment of the matter, emphasizing the manifestation of U.S. Supreme Court in the trial of the case Bates v. State Bar of Arizona. Exposes the treatment dispensed by Brazilian law and asks whether advertising in legal practice could be addressed in a more appropriate manner.
Keywords: Legal advertising. Features of legal practice. Professional ethics. Bats v. State Bar of Arizona. Statute of Law and Order of Lawyers of Brazil.
Sumário: Introdução. 1. Direito e Advocacia. 1.1. Natureza da advocacia. 1.2. Características essenciais da advocacia. 1.2.1. Indispensabilidade. 1.2.2. Inviolabilidade. 1.2.3. Função social. 1.2.4. Independência e liberdade. 2. Publicidade e propaganda. 2.1. Publicidade na advocacia. 2.1.1. Nos Estados Unidos da América. 2.1.2. No Brasil. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
No dia 4 de julho de 2014, o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil[1] (EAOAB) completa 20 anos. Nessa data histórica, um assunto polêmico merece destaque: a publicidade na advocacia.
A advocacia, uma profissão tão antiga quanto a própria história da humanidade, enfrenta obstáculos para assimilar institutos modernos da publicidade, principalmente por serem considerados típicos instrumentos da atividade comercial.
Há que se questionar se o atual tratamento da matéria se coaduna com a realidade, principalmente perante o atual estágio de evolução da advocacia, no qual escritórios e sociedades de advogados adotam estrutura praticamente empresarial, ou seja, voltada para o lucro.
Vale destacar, ainda, os benefícios gerados pela maior publicidade da advocacia: um cidadão mais informado de seus direitos e mais criterioso na escolha de um advogado. Isso geraria um círculo virtuoso que fortaleceria o Estado Democrático de Direito.
1. DIREITO E ADVOCACIA
A história do Direito é quase tão antiga quanto a própria história da humanidade. Mesmo antes dos códigos criados na antiguidade[2], os costumes das organizações sociais rudimentares orientavam o comportamento de seus integrantes.
Segundo Tercio Sampaio Ferraz Junior[3], nas sociedades primitivas, as relações entre os indivíduos subordinavam-se ao “princípio do parentesco”, o qual os estratificava em famílias ou clãs. Assim, tanto o tratamento dispensado à pessoa quanto a própria forma com a qual ela se reconhecia perante o grupo orientavam-se em função da família ou do clã ao qual o indivíduo pertencia.
Nesse contexto, “[…] o direito confunde-se com as maneiras características de agir do povo (…) tomadas como particularmente importantes para a vida do grupo e manifestada na forma de regras gerais”[4]. Ou seja, a desobediência a uma dessas “maneiras características de agir” acarretaria a exclusão do infrator, uma vez que ele não seria mais visto como pertencente àquele grupo.
Elder Lisbôa[5] ensina que “posteriormente, com a agregação de vários grupos, o fenômeno da civilização acontece, e podemos afirmar que nasce verdadeiramente um conjunto de direitos que mais tarde chamaremos de Direito Positivo”.
Diante do aumento populacional e do aumento da complexidade das interações humanas, conforme Ferraz Junior[6], “[…] o princípio do parentesco, por sua pobreza, é, pouco a pouco, diferenciado e substituído como base da organização social”.
Dentro desse contexto e com base na inventividade que lhe é particular, o ser humano inicia um processo de modificação da natureza que lhe cerca através da ciência e da tecnologia. Segundo Elder Lisbôa[7], “o que era considerado primitivo vai se tornando conhecido, aperfeiçoado e manipulado. O ser humano, por meio de suas pesquisas, avança para obtenção de uma vida supostamente melhor”.
Esse desenvolvimento, naturalmente, reflete na organização do corpo social. Ferraz Junior[8] destaca o surgimento de “centros de domínio político” organizados em polis (modelo das antigas cidades gregas) ou em outros modelos de sociedades políticas, os quais forneceram o suporte perfeito para a transformação do direito em instrumento de equilíbrio social. Em consonância com o supra citado autor[9]:
“O Direito, como ordem, perde seu caráter maniqueísta (…). O tratamento dado ao comportamento desviante encaminha-se agora para procedimentos decisórios regulados, surgindo as formas de jurisdição: juízes, tribunais, partes, advogados etc. (…) Essa progressiva procedimentalização do direito provoca, assim, o aparecimento de um grupo especializado com um papel social peculiar: os juristas, que desenvolvem linguagem própria, com critérios seus, formas probatórias, justificações independentes. Começa, com isso, uma separação entre o exercício político, econômico, religioso do poder e o exercício do poder argumentativo: nasce e desenvolve-se a arte de conhecer, elaborar e trabalhar o direito.”
Carvalho Santos[10] aponta a “necessidade de Justiça” como fator responsável pelo surgimento de indivíduos especializados no trabalho jurídico, “versados no conhecimento da lei”, para assistir outros cidadãos na defesa de seus direitos. Assim sendo, como demonstrado, a evolução natural da humanidade deu origem a uma das mais antigas atividades do mundo: a advocacia.
O Grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa[11] identifica uma das possíveis origens do termo “advocacia” a partir da derivação da palavra latina advocatus (chamado para junto de; chamado para assistir alguém na justiça).
Gisela Godin Ramos[12] afirma que o primeiro registro histórico da existência do advogado provem da Roma antiga, “[…] quando às partes litigantes era facultado se fazer representar por mandatário, denominados de procuradores ad litem, aos quais competia defender seus interesses, integrando a relação processual como parte, e daí assumindo todos os encargos da ação”. Esse seria o ponto de partida para o surgimento dos causidicus e dos advocatus
Interessante é a interpretação histórica apresentada por Marcus Cláudio Aquaviva[13], segundo a qual Moises e Jesus Cristo seriam os primeiros advogados descritos pela história, sendo o primeiro responsável pela “[…] liderança da defesa do seu povo […]” e o segundo, “[…] que ao ver Maria Madalena, adúltera, prestes a ser apedrejada, impediu que o fizessem, invocando a Lei Mosaica”.
Contudo, como ressalta Paulo Lôbo[14], a advocacia, nessa sua etapa de evolução, deve ser entendida “como defesa de pessoas, direitos, bens e interesses […]” não se configurando “[…] a existência de uma profissão, de uma atividade profissional permanente e reconhecida”.
Hoje, após anos de evolução, através de uma interpretação extensiva do artigo 1º da Lei n. 8.906, a advocacia pode ser compreendida como o exercício profissional da postulação a órgãos dos Poderes Judiciário, Administrativo e Legislativo, além da possibilidade de prestar serviços de consultoria, assessoria e direção jurídicas.
Paulo Lôbo[15] vai além e alega que “a atividade [de advocacia] é concebida como um conjunto de atos teleologicamente orientados, em um quadro de continuidade, permanência e integração”. Assim, o advogado, dotado de capacidade postulatória (ius postulandi), torna-se indispensável à administração da Justiça, sendo personagem fundamental na busca pela paz social, conforme a Constituição da República de 1988.
1.1. NATUREZA DA ADVOCACIA
O artigo 2º, §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.906/1994 estabelece a natureza da advocacia: serviço público. Segundo os ensinamento de Paulo Lôbo[16], a administração da justiça constitui atividade pública peculiar, pois é manifestação de um dos Poderes do Estado.
Lôbo[17] ainda atenta para o fato de que, apesar de a advocacia não ser função pública, exceto se o advogado for vinculado a ente pública, suas regras são de direito público, o que garante ao profissional do direito independência diante do Estado.
Referenciando Fábio Konder Comparato, Paulo Lôbo[18] explica a natureza de múnus público da advocacia, marcada “pelo monopólio do jus postulandi”, como atividade cujo objetivo precípuo é a realização da justiça.
Segundo Lôbo[19], “a advocacia, além de profissão, é múnus, pois cumpre o encargo indeclinável de contribuir para a realização da justiça, ao lado do patrocínio da causa, quando atua em juízo”. Dessa forma, tem-se que os serviços prestados pelo advogado atingem um interesse maior que o particular: o interesse social.
Nessa diapasão, Gisela Gondin Ramos[20] diz que o advogado, no exercício de sua atividade, realiza “[…] um interesse da própria sociedade, posto que a sua participação e colaboração é fundamental para que se faça a Justiça por todos buscada. (…) Daí dizer-se que o advogado exerce um munus público”.
Para Paulo Lôbo[21], a função social incumbida ao causídico não deve ser aviltada pelo interesse particular do cliente ou por quaisquer outros elementos passíveis de corromper a boa índole do profissional, como a remuneração ou o prestígio, por exemplo.
Por fim, quanto à natureza da advocacia o referido autor[22] explica:
“É serviço público, na medida em que o advogado participa necessariamente da Administração Pública da justiça, sem ser agente estatal; cumpre uma função social, na medida em que não é simples defensor judicial do cliente, mas proteja seu ministério privado na dimensão comunitária, tendo sempre presente que o interesse individual que patrocine deve estar plasmado pelo interesse social”.
Em síntese, o advogado atua como uma força centrípeta que puxa o interesse social e o interesse particular para o centro de uma trajetória em direção à Justiça, onde os dois interesses se conciliam e a paz social é concretizada.
O advogado, exercente de serviço de interesse público, desempenha importante papel na garantia de direitos humanos fundamentais e, consequentemente, reforça os pilares do Estado Democrático de Direito.
Segundo Paulo Lôbo[23], a Lei n. 8.906/1994 adotou o modelo não empresarial de advocacia, o que acarretou tratamento específico à prestação de serviços, como, por exemplo, a impossibilidade de prestar consultoria jurídica por telefone[24]. Para o referido autor[25], “o modelo de sociedade adotado pela Lei n. 8.906/1994 é o de organização de meios, não podendo ter finalidades mercantis ou empresariais”.
Outra restrição decorrente do modelo não empresarial imposto pela Lei n. 8.906/1994 diz respeito à publicidade na advocacia. De acordo com o Código de Ética e Disciplina[26] (artigos 28 a 34) e com o Provimento n. 94/2000 do Conselho Federal da OAB[27], a publicidade da advocacia deve ter objetivo unicamente informativo, ao mesmo tempo que discreta e moderada, estando vedada a utilização de meios promocionais típicos de atividade mercantil.
1.2. CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS DA ADVOCACIA
Paulo Lôbo[28] elenca 4 características essenciais da advocacia que o artigo 2º do Estatuto teria o propósito de ressaltas, quais sejam: 1) indispensabilidade; 2) inviolabilidade; 3) função social; e 4) independência. A essa lista, data venia, deve ser acrescentada a liberdade.
1.2.1. Indispensabilidade
Mencionado anteriormente, o ius postulandi (ou a postulação), em regra, é promovida privativamente pelo advogado em nome de seu cliente. Paulo Lôbo[29] afirma que “ninguém, ordinariamente, pode postular em juízo sem a assistência de advogado, a quem compete o exercício do jus postulandi”.
O direito de postulação privativo do advogado tem fundamento legal no artigo 2º do Estatuto da Advocacia e da OAB (EAOAB) e no artigo 133 da Constituição de 1988, os quais determinam a indispensabilidade do advogado à administração da Justiça.
Existem poucas exceções à essa indispensabilidade, a saber: 1) a impetração de habeas corpus; 2) o ius postulandi das partes na Justiça do Trabalho; e 3) o ius postulandi nos Juizados Especiais estaduais e federais.
O artigo 1º, inciso I, da Lei n. 8.906/1994, incluiu “a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais” no rol de atividades privativas da advocacia. No entanto, o Supremo Tribunal Federal[30], na decisão da liminar da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.127-8/DF, proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros, em 1994, suspendeu parcialmente a eficácia do artigo 1º, inciso I, do Estatuto. Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal admitiu a postulação judicial sem assistência de advogado perante os juizados de pequenas causas, a Justiça do Trabalho e a Justiça de Paz.
Ao julgar definitivamente a ADI n. 1.127, o STF[31] declarou inconstitucional a expressão “qualquer” utilizada na redação do supracitado dispositivo legal e declarou prejudicado o pedido quanto aos juizados especiais por causa de regulamentação superveniente à propositura da ADI.
O ius postulandi das partes na jurisdição trabalhista tem sido objeto de debate por muitos anos. Conforme evolução histórica traçada por Gisela Gondin Ramos[32], o referido instituto fora criado pela Lei n. 1.237 de 1939 e, desde lá, fora mantido na legislação trabalhista. Gondin Ramos[33] aponta o surgimento da discussão acerca do direito de postulação a partir da edição da Lei n. 4.215 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil) de 27 de abril de 1963, cujo artigo 68 prescrevia a indispensabilidade do advogado à administração da Justiça. A discussão teria se aquecido com a promulgação da Constituição de 1988, a qual também encarou o advogado como agente indispensável à administração da justiça.
Nesse cenário, há quem defenda a manutenção do ius postulandi na Justiça do Trabalho com base nos artigos 791 e 839 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Há, ainda, quem defenda a revogação desses dispositivos em face do artigo 1º, inciso I, da Lei n. 8.906/1994.
Pretendendo resolver a questão, a Deputada Federal Clair Da Flora Martins[34] elaborou o Projeto de Lei n. 3.392/2004, o qual objetiva alterar dispositivos da CLT para: 1) estabelecer a imprescindibilidade da presença de advogado nas ações trabalhistas; e 2) prescrever critérios para a fixação de honorários advocatícios na Justiça do Trabalho.
Enquanto aguarda solução definitiva por parte do Poder Legislativo, o Poder Judiciário tenta regular as hipóteses em que se admite a postulação pela parte sem assistência de advogado. Nesse sentido, o Tribunal Superior do Trabalho[35] editou a súmula n. 425 com a seguinte redação:
“O jus postulandi das partes, estabelecido no artigo 791 da CLT, limita-se às Varas do Trabalho e aos Tribunais Regionais do Trabalho, não alcançando a ação rescisória, a ação cautelar, o mandado de segurança e os recursos de competência do Tribunal Superior do Trabalho.”
Em relação aos juizados especiais, tanto a Lei n. 9.099/1995 quanto a Lei n. 10.259/2001 admitem a postulação pelo interessado sem a necessidade de advogado. A última, sob o pretexto de democratizar a justiça e reduzir a burocracia, permitiu à parte em litígio a designação de um “representante para a causa, advogado ou não”[36].
Gisela Gondin Ramos[37], com excelência, tece longas e duras críticas quanto à manutenção do ius postulandi na Justiça do Trabalho e nos Juizados Especiais. Para a autora, são justas as reivindicações por menos burocracia e por mais participação (democracia), porém elas nunca serão alcançadas em detrimento do devido processo legal, principalmente em tempos em que “[…] o acesso à Justiça é condição fundamental para o exercício da cidadania”.
Não se deve confundir acesso à Justiça com o livre ius postulandi ou com o direito de petição insculpido no artigo 5º, inciso XXXIV, alínea “a”, da CRFB/88. A Justiça é atingida quando dois interesses divergentes conciliam-se com base num devido processo legal. O direito de petição, ao seu turno, possibilita ao cidadão brasileiro peticionar a um qualquer órgão do Estado em defesa de seu direito ou da coletividade[38]. Percebe-se, então, que o direito de petição é uma versão menor do ius postulandi.
Assim sendo, mesmo que a todos seja garantido o livre acesso aos órgãos estatais, incluídos aí aqueles administrados pelo Poder Judiciário, não existe certeza de que haverá acesso à Justiça, principalmente porque à maioria da população carece o conhecimento técnico que só o advogado possui.
1.2.2. Inviolabilidade
A inviolabilidade do advogado, além de inserida no artigo 133 da CRFB/88, é tratada pelos artigos 2º, § 3º, e 7º, incisos II e XIX e §§ 2º e 3º do EAOAB.
Segundo Paulo Lôbo[39], a inviolabilidade do advogado possui duas dimensões: uma positiva e a outra negativa. A primeira possui 3 ramificações: “a) imunidade profissional, por manifestações palavras; b) proteção do sigilo profissional; c) proteção dos meios de trabalho, incluindo local, instalações, documentos e dado”[40]. Por sua vez, a dimensão negativa consiste “[…] no poder exclusivo da OAB de punir disciplinarmente os excessos cometidos pelo advogado”[41].
A inviolabilidade do profissional não é arbitrariedade ou privilégio, mas prerrogativa indispensável para o livre exercício da advocacia. Paulo Lôbo[42] alerta para a relatividade dessa característica, uma vez que “a inviolabilidade não é absoluta porque não alcança os atos não profissionais, a saber, os que dizem respeito a interesses meramente pessoais, e os excessivos, que ultrapassam os limites da razoabilidade, aos quais incidem as normas disciplinares”.
A imunidade profissional do advogado por manifestações empregados no exercício da advocacia já tinha previsão no artigo 142, inciso I, do Código Penal, antes mesmo da promulgação do Estatuto de 1994.
Conforme Guilherme de Souza Nucci[43], “pretendeu-se, com a edição do Estatuto da Advocacia, ampliar a imunidade judiciária do causídico, dando-lhe a conotação de imunidade material, tal como possuem os parlamentares (invioláveis por suas opiniões, palavras e votos – artigo 53, CF)”. Contudo, segundo o supracitado autor[44], houve limitação dessa imunidade pela própria CRFB/88, cujo artigo 133 fixa a inviolabilidade “nos limites da lei”, sendo a referida lei o Código Penal.
O EAOAB de 1994 inova ao excluir a ilicitude também do desacato, tipificado pelo artigo 331 do Código Penal. Para Nucci[45], “desacatar” significa “desprezar, faltar com respeito ou humilhar”.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI n. 1.127-8, já mencionada nesse trabalho, entendeu inconstitucional a expressão “desacato” contida no artigo 7º, § 2º do Estatuto da Advocacia.
Conforme reiteradas decisões do Conselho Federal da OAB[46], nem sempre expressões fortes e contundentes usadas por advogado em peça processual podem ser consideradas como ofensa ao dever de urbanidade. No mesmo sentido, é possibilitada a crítica, ainda que ácida, desde que não seja manifestamente desrespeitosa e ofenda a honra e a imagem de outrem[47].
Deve-se assim, diante da situação concreta, ponderar se a manifestação do advogado constitui a conduta tipificada pelo artigo 331 do CP ou se se está diante do livre e legítimo exercício profissional.
Vale salientar que a combatividade deve ser característica de todos os advogados, não apenas para garantir a manutenção e o fortalecimento da democracia, mas como um instrumento para a satisfação dos interesses de seu cliente.
A liberdade de expressão, na advocacia, é sagrada. O advogado, acima do interesse privado do seu cliente, defende o interesse público de pacificação social através de uma sentença justa. Logo, restrições indevidas ao uso da palavra, oral ou escrita, acarretam dano irreparável, não apenas ao cliente do advogado, mas também à sociedade, à justiça e à democracia.
Por fim, vale citar Serrano Neves[48], segundo o qual “[…] não se justifica, no advogado, um comportamento afrontoso, ou abusivo, ou seja, contra legem; mas uma atuação pertinente e plena, portanto, praeter legem, no exercício da defesa de direitos”.
Em síntese, com base nos ensinamento de Paulo Lôbo[49], essa imunidade abriga atos e manifestações direcionados às partes, aos magistrados e a qualquer autoridade pública, judicial ou extrajudicial, desde que nos limites da lei (Código Penal e Estatuto da Advocacia e da OAB).
Quanto ao sigilo profissional, Paulo Lôbo[50] assevera que se trata de um direito-dever, ou melhor, “direito ao silêncio e dever de se calar”. Não se trata, assim como a imunidade aos atos e manifestações, de um direito absoluto. O Tribunal de Ética e Disciplina[51] da OAB/SP, por exemplo, já decidiu que “o sigilo profissional pode ser violado em caso de ser tornar imperiosa a revelação para impedir que o advogado responda por eventual ilícito praticado por seu cliente".
A proteção ao sigilo profissional e aos meios de trabalho (o local, as instalações, os documentos e os dados, dentre outros) é importante elemento da inviolabilidade. Para Gondin Ramos[52], essa característica essencial da advocacia “é outra garantia ao pleno exercício profissional, cujo destinatário é menos o advogado, e mais a sociedade que se vale dos seus serviços”.
Decerto é a inviolabilidade indispensável tanto para o livre exercício quanto para a proteção do cidadão, o qual forneceu suas informações ao advogado em virtude de uma relação de confiança entre ambos.
No entanto, como as outras características da advocacia, essa dimensão da inviolabilidade não é um direito absoluto. A Lei n. 11.767, de 07 de agosto de 2008, fixou algumas restrições de modo a evitar o abuso do direito à inviolabilidade, quais sejam: 1) a inviolabilidade do local e dos instrumentos de trabalho é garantida enquanto estes estiverem afetados ao exercício da advocacia; 2) havendo indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, a autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade, podendo determinar busca e apreensão específicas, com a presença do representante da OAB (artigo 1º da Lei n. 11.767/2008 e artigo 7º, § 6º, da Lei 8.906/1994).
O STF, no julgamento da ADI n. 1.127-8, posicionou-se pela constitucionalidade dessa exigência, a qual, posteriormente, fora regulada pelo Provimento n. 127/2008 do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB)[53].
A exigência da presença de representante da OAB durante a busca e apreensão visa evitar abusos por parte do Estado na realização do procedimento. Ao representante da OAB, de acordo com o artigo 3º do Provimento n. 127/2008 do CFOAB, cabe verificar os requisitos legais da ordem judicial, velar pelo cumprimento do mandado nos seus estritos limites e acompanhar pessoalmente as diligências realizadas, dentre outras funções.
1.2.3. Função Social
Essa característica relaciona-se intimamente com as demais e constitui corolário da própria natureza da advocacia. O advogado, mesmo em patrocínio privado, exerce função social por ser indispensável à administração da Justiça.
Quanto a esse ponto, remete-se o leitor aos tópicos 2.1 e 2.2.1, onde a função social do advogado é abordada a partir da natureza da advocacia e da indispensabilidade do profissional.
1.2.4. Independência e liberdade
Antes de aprofundar o estudo da independência e da liberdade na advocacia, vale copiar a brilhante manifestação de Celso de Mello[54] no julgamento de medida cautelar no Mandado de Segurança n. 30.906/DF, em 05/10/2011:
“O Poder Judiciário não pode permitir que se cale a voz do Advogado, cuja atuação, livre e independente, há de ser permanentemente assegurada pelos juízes e pelos Tribunais, sob pena de subversão das franquias democráticas e de aniquilação dos direitos do cidadão”. (Min. Celso de Mello, na medida cautelar em Mandado de Segurança n. 30.906-DF, em 05.10.2011)
Tratar-se-ão a independência e a liberdade em um mesmo tópico, porque são características que se ligam intimamente.
O artigo 5º, inciso XIII, da CRFB/88 dispõe que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
Com fulcro no texto constitucional, a advocacia, como toda atividade profissional, pode ser exercida livre e independentemente em todo o território nacional, desde que observadas “as qualificações profissionais que a lei estabelecer”, ou seja, os requisitos exigidos pelo Estatuto de 1994.
O artigo 3º do EAOAB determina que “o exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativas dos Inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)”. Logo, a habilitação profissional do advogado depende não somente à conclusão de curso superior de Direito, mas também da inscrição na OAB, conforme disciplinada pelo artigo 8º do EAOAB.
Durante o exercício de sua atividade, o advogado se relaciona com outros agentes responsáveis pela administração da Justiça, como, por exemplo, o juiz e o promotor de justiça.
Paulo Lôbo[55], didaticamente, compara a administração da justiça a uma peça teatral, sendo cada agente do Direito um figurante com um papel a desempenhar, não havendo relação de hierarquia e subordinação entre suas funções.
Pode-se dizer que a independência e a liberdade são as mais valiosas características da advocacia. Para Paulo Lôbo[56], a independência do advogado é “[…] importante fator de preservação do Estado de Direito, do governo submetido a leis, da contenção do abuso da autoridade e da limitação do poder econômico, porque foi instituída no interesse de todos os cidadãos, da sociedade e do próprio Estado”.
O advogado mantém sua independência na relação com os seus clientes, na relação com os magistrados e perante os poderes públicos e demais autoridades. Gisela Gondin Ramos[57] reforça esse entendimento ao dizer que o advogado “[…] para ter condições de exercer sua nobre função, há de se preservar independente de pressões, libertando-se de quaisquer medos que lhe possam restringir a atuação”.
A primeira parte do item 3 do “Código de Internacional de Ética” (International Code of Ethics), adotado pela International Bar Association (IBA)[58], determina que “os advogados devem preservar sua independência no exercício de seus deveres profissionais”.
Nesse mesmo sentido, a IBA[59] adotou, em 28 de maio de 2011, uma série de princípios internacionais de conduta da advocacia (International Principles on Conduct for the Legal Profession), sendo o primeiro deles referente à independência do advogado.
Conforme a IBA[60], esses princípios seriam comuns à advocacia por todo o globo terrestre, sendo a observância desses princípios a “(…) pedra angular para todos os outros direitos fundamentais em uma democracia”.
A IBA[61] afirma que a independência exige uma atuação livre de: 1) conflitos com interesses próprios do profissional; 2) influência externa indevida; e 3) qualquer fator que possa interferir no melhor interesse do cliente ou na liberdade técnica do advogado. Em síntese, a performance do profissional não pode ser prejudicada por interesses pessoais ou pressões externas.
Em consonância com os princípios internacionais de conduta da advocacia, Paulo Lôbo[62] explana que “além da independência técnica, o advogado deve preservar sua independência política e de consciência, jamais permitindo que os interesses do cliente confundam-se com os seus”.
Códigos de ética ao redor do mundo explicitamente reconhecem e reforçam a imprescindibilidade da independência do advogado. A American Bar Association[63] adotou 3 princípios nucleares (core principles) que deveriam nortear a advocacia, quais sejam: 1) um Judiciário independente e imparcial, sem o qual não seria possível o Estado de Direito; 2) um advocacia independente, sem a qual não haveria Estado de Direito ou liberdade para as pessoas; e 3) acesso à justiça para todas as pessoas pelo mundo, o que somente seria possível através de uma advocacia livre e um Judiciário imparcial e independente.
O artigo 2º do “Código de Conduta da Associação de Advogados da Espanha” (Code of Conduct of the Spanish Bar)[64], além de repetir as determinações da IBA, prescreve que a independência do advogado é um requerimento do Estado de Direito e da efetiva defesa dos direitos dos cidadãos.
Sobre a liberdade dos advogados na Alemanha, o § 1º das “Regras para a prática profissional” (Rules of Professional Practice)[65] determina que o causídico exerce sua profissão livre e independentemente, sujeito apenas às regras daquela lei, sendo a liberdade ali prevista uma garantia à participação do cidadão no direito e à realização do Estado de Direito.
Ainda, na União Europeia, a “Carta de princípios nucleares da advocacia europeia e o Código de conduta para advogados europeus” (Charter of core principles of the european legal profession and code of conduct for european lawyers) elaborada pelo Council of Bars and Law Societies of Europe (CCBE)[66] destaca a independência como características essencial para a advocacia.
Além disso, o CCBE[67] editou a recomendação “No. R(2000)21” cujo princípio 1, item 3, garante ao advogado o direito de participar em discussões públicas relativas ao direito e à administração justiça, além da livre sugestão reformar legislativas.
Enfim, por todo o planeta, associações de advogado defendem a liberdade de crença, expressão, movimento, associação e reunião dos profissionais. Esse movimento convergente apreende o advogado e as associações profissionais como agentes fundamentais na efetivação de direitos humanos e liberdades fundamentais.
No entanto, como as demais características essenciais da advocacia, essa não se esquiva de restrições. Uma delas, de acordo com o artigo 10 do EAOAB, é a limitação ao exercício da atividade fora do território do Estado-membro, do Distrito Federal ou do Território Federal, em cujo Conselho Seccional o advogado obteve sua inscrição principal ou uma inscrição suplementar por transferência. Eventualmente, a advocacia pode ser exercida em qualquer localidade, desde que não ultrapasse o limite de 5 causas por ano (§ 2º).
A atuação do advogado também não pode ser livre da responsabilidade civil. Além da responsabilidade disciplinar, perante a OAB, o advogado responde civilmente pelos danos que causar ao cliente. Regem a responsabilidade civil do causídico os seguintes dispositivos legais: 1) artigo 133, da CRFB/1988; 2) art. 186, do Código civil; e 3) artigo 32 da Lei n. 8.906/1994.
Uma das mais célebres restrições, e tema principal desse trabalho, diz respeito à publicidade na advocacia. Até que ponto as restrições à publicidade vão de encontro à liberdade profissional? São as regras estipuladas pela OAB eficazes naquilo que propõem? Será que uma maior publicidade na advocacia não seria compatível com a natureza de múnus público da advocacia? Será que a publicidade, por si só, mercantilizaria a advocacia? Não seria a publicidade um importante instrumento no robustecimento do Estado Democrático de Direito?
2. PUBLICIDADE E PROPAGANDA
Armando Sant’Anna[68] explica que “publicidade” e “propaganda”, hoje, são palavras usadas indistintamente, apesar de, no passado, possuírem conceitos próprios. Segundo o referido autor, “[…] a palavra publicidade significa, genericamente, divulgar, tornar público, e propaganda compreende a ideia de implantar, de incluir uma ideia, uma crença na mente alheia”.
Após analisar as origens e as definições de ambos os termos, o supracitado autor[69] conclui que “a publicidade é um meio de tornar conhecido um produto, um serviço ou uma firma”, tendo por objetivo “despertar (…) o desejo pela coisa anunciada, ou criar prestígio ao anunciante”, utilizando-se, para isso, de anúncios pagos.
Segundo Marta Ros Urrutia[70], a publicidade é uma forma de “comunicação persuasiva”, ou seja, um tipo de comunicação que visa alterar a atitude do público alvo perante “[…] produtos, serviços, ideologias ou instituições”. Além disso, a supracitada autora ainda afirma:
“Em princípio, os objetivos gerias da comunicação publicitária são dois: primeiro, a publicidade deve transmitir conhecimento ou informar. Assim, a publicidade informará todos os aspectos do produto ou serviço que pode ser de interesse do receptor para que este possa adotar a decisão de adquiri-lo. E, em segundo lugar, a publicidade deve persuadir. Quer dizer, o objetivo último da comunicação publicitária é exercer uma influência sobre o consumidor para que, finalmente, faça a compra do produto anunciado.” (tradução livre)
Percebe-se que, atualmente, é difícil desassociar a publicidade do seu caráter mercantilista, ou seja, da persuasão e venda de um produto. Todavia, a publicidade não se limita ao comércio. Mabel López García[71] apresenta a seguinte classificação com base em um sentido amplo de publicidade:
“a) Publicidade como qualidade de tornar público, diretamente ligado ao dever de informação de certos fatos, eventos ou informações de interesse público. Este tipo de publicidade não implica, como tal, difusibilidade, ainda que seja o meio para tornar público tais conteúdos. Como exemplo, podemos citar: o caráter aberto de audiências judiciais e de sessões parlamentares e a publicação de normas […].
b) Publicidade como modo específico de comunicação (mensagem publicitária), como mensagem informativa e discricionária com caráter e finalidade persuasivos, difundida e realizada de acordo com técnicas específicas. Como exemplo, podemos citar: os anúncios da campanha eleitoral institucional, anúncios da atividade administrativa, anúncios de determinada marca, produto estabelecimento ou serviço”. (tradução livre)
A partir da definição de publicidade como modo específico de comunicação (persuasiva, para ser mais específico), García[72] elabora uma subclassificação para demonstrar como a mensagem publicitária pode ter, ou não, finalidade comercial:
“b.1) Mensagem publicitária comercial: elaborada por e em conta de sujeitos que agem no exercício de seu livre arbítrio, assim sem dever jurídico, como meio para promover a aquisição de bens ou serviços, seja a curto ou longo prazo. Nesse ponto se incluem tanto a publicidade direta (a mensagem publicitária referente a um produto e cujo único objetivo é o aumento das vendas) quanto a publicidade indireta (aqui a mensagem publicitária refere-se a assuntos, e não a produtos, tendo por objetivo principal mostrar o anunciante como parte integrante da sociedade através da promoção de atividades ou eventos de interesse geral, a fim de que o reconhecimento da dita função social gere algum benefício/lucro/utilidade ao anunciante). […]
b.2) Mensagem publicitária não-comercial: desenvolvida por indivíduos que não procuram, mesmo que indiretamente, a promoção de um produto ou um serviço e de sua venda. Pode ser realizada por órgãos públicos no desenvolvimento de suas funções de polícia, fomento ou serviço público, como por entes privados no exercício de atividades amparadas pela publicidade não-comercial, em que se difunde uma mensagem referente a um sujeito através do fomento de uma determinada atividade de interesse geral, com um propósito imaterial”. (tradução livre)
De acordo com o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos[73], no caso Casado Coca v. Espanha, a mensagem publicitária, indiferentemente de sua natureza (comercial ou não comercial), está amparada pelo direito à liberdade de expressão[74].
Mabel López García[75] acrescenta que a liberdade de expressão, somada à liberdade de mercado, permite ao cidadão o conhecimento das características dos bens e dos serviços a ele oferecidos. Caberia aos Tribunais competentes ponderar os direitos fundamentais em questão para que haja abuso por parte dos anunciantes, especialmente no que diz respeito à publicidade enganosa e à concorrência desleal.
Logo, a publicidade não se limita ao aspecto comercial, podendo ser compreendida como uma forma de comunicação dotada de caráter persuasivo, transmitida através de uma mensagem informativa, e com finalidade própria: influenciar a tomada de decisões de quem a recebe.
2.1. PUBLICIDADE NA ADVOCACIA
A publicidade na advocacia é um tema polêmico onde quer que exista associação de advogados. Em regra, disputas que envolvem essa matéria giram em torno de pontos comuns, como a liberdade de expressão, a liberdade no exercício profissional e a atribuição de natureza não comercial à advocacia, em virtude de sua natureza específica.
O “Código Internacional de Ética” (International Code of Ethics) da IBA[76] determina, em dois de seus dispositivos, que o advogado deve manter a honra e a dignidade de sua profissão (regra n. 2) e que o causídico não deve anunciar ou solicitar negócios além da extensão permitida pela jurisdição à qual se submete (regra n. 8).
No que tange aos princípios listados pelo Internacional Principles on Conduct for the Legal Profession, também adotado pela IBA[77], a publicidade na advocacia não possui previsão expressa.
Os artigos 7º e 8º do “Código de Conduta da Associação de Advogados da Espanha” (Code of Conduct of the Spanish Bar)[78] traçam os limites para a publicidade na advocacia daquele país.
Segundo os referidos dispositivos legais, a publicidade é permitida, desde que realizada de modo honroso, leal e verdadeiro, com total respeito à dignidade das pessoas, à livre concorrência e às normas deontológicas editadas por Associações autônomas.
Infringem o Code of conduct of the Spanish Bar as seguintes ocorrências na publicidade, entre outras: a) divulgação, direta ou indireta, de informações protegidas pelo sigilo profissional; b) atos que possam afetar a independência do advogado; c) referência, direta ou indireta, a casos acompanhados pelo advogado ou a seus clientes; d) promessa de resultados que não dependem somente da atuação do profissional; e) captação, pessoal ou por terceiros, de vítimas de acidentes e infortúnios, ou de seus herdeiros ou sucessores, que não têm clareza e total liberdade de escolha de um advogado em virtude do momento de sofrimento; f) estabelecer comparações com outros advogados; g) usar símbolos privativos da Ordem ou das Associações; h) incitar processos judiciais ou conflitos; i) usar meios ou expressões escritos ou audiovisuais que denigrem o advogado ou a Justiça e seus símbolos; j) não identificar o advogado ou o escritório que está prestando os serviços; e k) atentar conta a dignidade das pessoas, da advocacia e da Justiça.
Sobre a publicidade da advocacia na Alemanha, o § 6º das “Regras para a prática profissional” (Rules of Professional Practice)[79] apresenta 3 simples regras: 1) o advogado pode fornecer informações pessoais e sobre seus serviços, desde que a informação seja objetiva e relativa às suas atividades profissionais; 2) é proibida a divulgação de taxas de sucesso ou de volume de trabalho, sendo permitida a referência a casos e clientes, desde que haja consentimento explícito por parte destes; e 3) o advogado não pode incentivar terceiros a realizem publicidade que ele mesmo não poderia realizar por violação a regras deontológicas.
Na União Europeia, a “Carta de princípios nucleares da advocacia europeia e o Código de conduta para advogados europeus” (Charter of core principles of the european legal profession and code of conduct for european lawyers), elaborada pelo Council of Bars and Law Societies of Europe (CCBE)[80], dá um tratamento amplo à questão através de duas regras (Item 2.6, subitem 2.6.1), quais sejam: 1) o advogado tem o direito de informar sobre seus serviços, desde que as informações sejam precisas e verdadeiras, respeitando o sigilo profissional e outros valores fundamentais da profissão; e 2) o advogado pode utilizar qualquer tipo de mídia, como a imprensa, o rádio, a televisão e eletrônicas comerciais, desde que observado o limite imposto pela regra anterior.
Nota-se, após essa breve exposição, distintas maneiras de se disciplinar a matéria, desde a mais liberal até a mais restritiva. Em comum, todas permitem a publicidade, desde que ela não vá de encontro aos princípios nucleares da advocacia. Busca-se, ainda, evitar informações enganosas que atentem contra a honra da advocacia.
Por fim, percebe-se a ausência de menção à natureza comercial ou não comercial da publicidade. O documento adotado pelo CCBE toca essa questão superficialmente ao permitir o uso de mídias típicas de atividades comerciais. No mais, a título de legislação alienígena, evita-se tal discussão.
2.1.1. Nos Estados Unidos da América
O Direito norte-americano apresenta profundo debate sobre a natureza da publicidade na advocacia. Assim como ao redor do mundo, a American Bar Association (ABA) busca delimitar a publicidade na advocacia. A ABA[81] sugere uma série de regras para a ideal atuação profissional, dentre elas a regra n. 7, específica para a publicidade da advocacia. A regra n. 7 possui o seguinte conteúdo:
“7. Informações sobre serviços jurídicos
Regra 7.1 Comunicações relativas aos serviços de um advogado
Um advogado não deve fazer uma comunicação falsa ou enganosa sobre si próprio ou sobre seus serviços. Uma comunicação é falsa ou enganosa quando contém deturpação de um fato ou de um direito, ou quando omite um fato que, se inserido na comunicação, a tornaria falsa ou enganosa.
Regra 7.2 Publicidade
(a) Sem prejuízo dos requisitos das regras 7.1 e 7.3, um advogado pode anunciar serviços através de comunicação escrita, gravada ou eletrônica, incluindo mídia pública;
(b) Um advogado não pode dar nada de valor a uma pessoa para recomendar os seus serviços, exceto se: 1) pagar o preço razoável dos anúncios e comunicações permitidos por essa regra; e 2) pagar as taxas usuais de um plano de serviços advocatícios, ou sem fins lucrativos, ou um serviço de referência de advogado qualificado […]”. (tradução livre)
Percebe-se, a princípio, uma maior liberdade do profissional em comparação às normas expostas anteriormente. No entanto, isso não significa que a ABA não tenha regras mais específicas e restritivas à publicidade na advocacia.
A American Bar Association[82] sugere um conjunto de objetivos aos quais os advogados deveriam aspirar na elaboração na publicidade. Para essa entidade, algumas formas de publicidade podem ser prejudiciais, podendo afetar negativamente a percepção do público sobre o próprio sistema de justiça.
Assim, a publicidade do advogado deve refletir a dignidade e o profissionalismo inerentes à comunidade jurídica. São 10 os objetivos propostos pela ABA[83], quais sejam: 1) a publicidade do advogado deve encorajar e reforçar a confiança e a competência tanto dos advogados anunciantes quanto da advocacia, atendendo às necessidades legais do público, em consonância com a tradição do direito; 2) a publicidade deve ajudar o público a entender os seus direitos e o processo judicial; 3) enquanto “dignidade” e “bom gosto” são termos passíveis de interpretações diversas, a publicidade que se adéqua a esses objetivos, provavelmente, será digna e adequada à profissão; 4) a publicidade deve ser genuína e precisa, e não falsa, enganosa ou ambígua; 5) os advogados devem ter um cuidado especial ao inserir valores de taxas e outros custos em anúncios, para não gerar confusão entre os receptores, tendo o mesmo cuidado ao descrever as áreas preferenciais de prática jurídica; 6) os advogados não devem colocar em risco a dignidade e a confiança do sistema jurídico através de músicas, cenas e slogans inapropriados; 7) os advogados devem considerar a contratação de profissionais de marketing para auxiliar na elaboração do anúncio e na identificação do público-alvo correto; 8) como a propaganda transmite uma mensagem é tão importante quanto a própria mensagem em si; 9) os advogados devem elaborar seus anúncios para atrair questões jurídicas compatíveis com a sua capacidade de resolvê-las; e 10) os advogados devem se preocupar em fazer os serviços jurídicos mais acessíveis ao público, devendo a publicidade ser projetada para construir uma base de clientes, de modo que a quantidade compense a maior acessibilidade dos serviços.
A ABA[84] apresenta um longo histórico de regulamentos declarados inconstitucionais por tentarem restringir a publicidade na advocacia e outros aspectos da comunicação de serviços jurídicos. Desde 1976, ano em que fora julgado o caso Virginia State Board of Pharmacy v. Virginia Citizens, a Suprema Corte[85] norte-americana fundamenta o seu posicionamento na “Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos” (First Amendment to the United States Constitution).
A Primeira Emenda[86] veda a promulgação de leis que impeçam o livre exercício de qualquer religião, que restrinjam a liberdade de expressão, que violem a liberdade de imprensa, que interfiram no direito de se reunir pacificamente em associações e que proíbam o direito de petição a órgãos do governo.
Esse entendimento fora consolidado um ano após, no julgamento de Bates v. State of Arizona[87] em 1977. A queixa da Bar of Arizona baseou-se num anúncio de jornal promovido por John R. Bates e seu sócio, no qual os advogados ofereciam “serviços legais a taxas razoáveis” e listavam algumas dessas taxas e serviços, como divórcio, falência, mudança de nome etc. Esse caso merece destaque, porque, nele, a Suprema Corte dos EUA desmistificou diversas questões relativas à publicidade na advocacia, como se verá a seguir.
Segundo a Suprema Corte[88] estadunidense, o discurso comercial que serve a interesses individuais e sociais ao mesmo tempo que assegura a livre e confiável escolha dos serviços é protegido pela Primeira Emenda.
A State Bar of Arizona enfatizou os efeitos adversos da publicidade de preços na advocacia. A chave para o profissionalismo, argumentou-se, seria uma sensação de orgulho na prática jurídica. Alegou-se que a publicidade de preços caracterizaria mercantilização da atividade, o que prejudicaria a dignidade e a autoestima de todos os profissionais.
Ademais, fora dito que a dinâmica do mercado afetaria negativamente a orientação dos serviços profissionais e danificaria, irremediavelmente, o delicado equilíbrio entre a necessidade financeira do advogado e sua obrigação de servir altruistamente.
Por fim, a State Bar of Arizona[89] alegou que a publicidade causaria a corrosão da confiança do cliente no advogado. Quando aquele percebesse que este é motivado pelo lucro, sua confiança de que o advogado está atuando em compromisso com o seu bem-estar, em primeiro lugar, é ameaçada.
A ideia de que o advogado está “acima do comércio” é um anacronismo. No julgamento do referido caso, a Corte[90] esclareceu que a proibição à publicidade surgiu como uma regra de ética, e não como uma regra ética. Os primeiros advogados da Grã-Bretanha compreendiam o direito mais como um serviço público do que um negócio, desprezando atos típicos de comércio na atividade. Eventualmente, esse comportamento perante a publicidade avançou para o campo da ética profissional.
Na decisão do caso, a Corte estadunidense[91] reconheceu e elogiou a natureza de serviço público que permea a advocacia. Em seguida, o Tribunal constatou ser inverossímil o argumento de que a publicidade causaria erosão do profissionalismo. No seu âmago, esse argumento considera que advogados devem esconder de si próprios e de seus clientes que a advocacia constitui uma fonte de renda. Segundo a Suprema Corte[92], “raro é o cliente, além disso, mesmo um com meio de vida modesto, que busca um advogado com a expectativa de que seus serviços serão prestados gratuitamente”.
Aliás, a American Bar Association[93] informa que um advogado deve alcançar um acordo claro com o seu cliente quanto às taxas e honorários, devendo isso ser feito no momento da contratação do causídico. Se a base comercial da relação deve ser imediatamente divulgada por razões éticas, uma vez que o cliente está no escritório, parece inconsistente condenar a revelação sincera da mesma informação antes que ele chegue a esse escritório.
Além disso, a afirmação de que a reputação dos advogados seria prejudicada pela publicidade também fora questionada. Profissionais de outros ramos fazem uso de anúncios (a Corte menciona banqueiros e engenheiros) e isso não os torna menos dignos.
Na verdade, à época, era sugerido que a falta de publicidade da advocacia gerava “desilusão pública”[94] quanto à profissão, pois isso era visto como incapacidade daqueles profissionais para alcançar e servir a comunidade.
Ainda, estudos revelaram[95] que muitas pessoas não procuram por conselhos jurídicos, mesmo quando percebem uma necessidade, porque temem o preço do serviço ou porque não encontram um advogado competente para solucionar essa necessidade.
Ademais, a mera publicidade de serviços, taxas e custos não prejudicaria o profissionalismo. Ainda, não seria inerentemente enganosa qualquer publicidade da advocacia. Apesar de o cliente não saber os detalhes envolvidos em determinado serviço jurídico, ele pode identificar o serviço genericamente[96]. Dotado dessa informação, a decisão de recorrer àquele advogado, ou até mesmo ao Poder Judiciário, seria mais precisa.
A proibição da publicidade serve apenas para restringir a informação que flui para os consumidores. A informação quanto aos serviços prestados pelo advogado pode até ser incompleta, mas é melhor do que manter o público na ignorância e prejudicar uma decisão bem informada.
Conforme o Tribunal constitucional norte-americano, a publicidade, tido como mecanismo tradicional em uma economia de livre mercado para um fornecedor informar sobre disponibilidade e termos de troca, pode beneficiar a administração da justiça[97].
Além disso, a Suprema Corte dos EUA[98] afirma que a publicidade pode vir a reduzir os custos de serviços jurídicos ofertados ao cidadão, da mesma forma que facilitaria a inserção de novos advogados no mercado.
Contra o argumento de que a publicidade afetaria a qualidade dos serviços jurídicos, devendo, por isso, ser repudiada na advocacia, a Supreme Court[99] apresentou dois contra-argumentos: 1) um advogado que está inclinado a cortar a qualidade de seus serviços vai fazê-lo independentemente de publicidade; e 2) problemas relacionados à publicidade indevida não precisam ser antecipados, sendo incongruente a conduta dos adversários da publicidade, pois, ao mesmo tempo em que exaltam as virtudes da profissão legal, afirmam que os advogados poderiam enganar seus clientes através da publicidade.
Ademais, para a Suprema Corte norte-americana, a publicidade não constitui uma fonte de danos à administração da justiça, podendo, aliás, gerar benefícios. Embora a publicidade possa aumentar a utilização da máquina judicial, não se pode aceitar a ideia de que é sempre melhor para uma pessoa sofrer um mal, em silêncio, do que corrigir isso pela via contenciosa
Finalmente, a State Bar of Arizona[100] argumentou que a carência de conhecimento jurídico do público o tornaria suscetível à publicidade enganosa. O leigo não tem condições para avaliar se o serviço prestado atende aos padrões profissionais.
Quanto a esse ponto, a Corte estadunidense[101] entendeu que os advogados continuariam a se comportar como sempre fizeram: “cumprindo seus juramentos solenes para manter a honra e a integridade de sua atividade e da justiça”.
Para cada advogado que viola princípios deontológicos, haverá milhares de outros que serão sinceros e honestos. E, é claro, será do interesse destes últimos, como em outros casos de má conduta profissional, o acionamento da entidade competente para remover da atividade aqueles poucos de comportamento reprovável.
Portanto, percebe-se que o Poder Judiciário, provocado por advogados, permitiu a publicidade na advocacia de maneira mais ampla daquela desejada pela ABA. No entanto, a Suprema Corte estadunidense permitiu a regulação infraconstitucional da publicidade na advocacia, a fim de certificar que a informação apresentada seja verdadeira.
2.1.2. No Brasil
No Brasil, a regulação da publicidade na advocacia não se distancia da legislação alienígena. A Ordem dos Advogados do Brasil sustenta uma sólida normatização do tema e um amplo histórico de repressão aos causídicos que extrapolam os limites fixados.
Logo em seu artigo 1º, o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil faz uma restrição quanto à publicidade na atividade. O artigo 1º, § 3º, expressamente proíbe a divulgação em conjunto com outra atividade. Gisela Gondin[102] Ramos afirma que essa determinação “[…] visa resguardar a dignidade da advocacia, impedindo que a mesma possa ser, de alguma forma, vulgarizada”.
O artigo 33, parágrafo único, da Lei n. 8.906/94, dispõe que o Código de Ética e Disciplina regulará mais especificamente a publicidade.
Em seguida, o artigo 34, inciso XIII, faz mais um restrição à publicidade ao caracterizar como infração a conduta de “fazer publicar na imprensa, desnecessária e habitualmente, alegações forenses ou relativas a causas pendentes”. A essa infração aplica-se a pena de censura (artigo 36, inciso I).
Ademais, também é aplicada censura ao advogado que viola preceito do Código de Ética e Disciplina (artigo 36, inciso II). Como o CED também dispõe sobre a publicidade na advocacia, tem-se a ampliação das condutas publicitárias que podem ser punidas pela OAB.
Os artigos 28 a 34 do CED versam sobre a publicidade na advocacia, estabelecendo direitos e deveres aos advogados. Paulo Lôbo[103] entende que “o Código avança no sentido de admitir a publicidade como direito do advogado, o que interessa especialmente aos mais novos”.
De fato, o artigo 28 do Código de Ética e Disciplina prescreve que “o advogado pode anunciar os seus serviços profissionais, individual ou coletivamente, com discrição e moderação, para finalidade informativa, vedada a divulgação em conjunto com outra atividade”.
Além do CED, o CFOAB[104] editou o provimento n. 94/2000, o qual buscou ordenar de formar sistemática e especificar adequadamente as normas sobre publicidade, propaganda e informação na advocacia.
Com base em todos esses instrumentos normativos, conclui-se que é conteúdo obrigatório da publicidade na advocacia: 1) nome completo do advogado ou da sociedade de advogados; e 2) número da inscrição perante a OAB do advogado ou da sociedade.
No mesmo sentido, quanto ao conteúdo da publicidade, é conteúdo facultativo: 1) nome dos advogados que integram a sociedade; 2) identificação pessoal e curricular do advogado ou da sociedade de advogados; 3) especialização técnico-científica; 4) áreas jurídicas de atuação preferencial; 5) associações culturais e científicas a que pertence; 6) títulos acadêmicos e qualificações profissionais devidamente reconhecidos; 7) endereço do escritório, horário de expediente e meios de comunicação (telefones, home page, e-mail etc.); e 8) idiomas falados ou escritos.
Ao mesmo tempo em que a OAB determina o que é permitido, há também o conteúdo vedado na publicidade relativa à advocacia, a saber: 1) o uso da expressão “escritório de advocacia” ou “sociedade de advogados” sem o número de registro na OAB ou do nome dos advogados que a integram; 2) menção a clientes ou demandas sob seu patrocínio; 3) citação direta ou indireta de qualquer cargo, função ou relação de emprego que tenha exercido passíveis de captação de clientela; 4) emprego de orações ou expressões persuasivas; 5) divulgação de taxas e custos, forma de pagamento e gratuidade; 6) oferta de serviços em relação a casos concretos e qualquer convocação para postulação de interesses nas vias judiciais ou administrativas; 7) promessa de resultado ou indução do resultado com dispensa de pagamentos de honorários; 8) menção a título acadêmico e qualificação profissional não reconhecidos; 9) divulgação em conjunto com outra atividade; 10) uso de fotografias, ilustrações, cores, figuras, desenhos, logotipos, marcas ou símbolos incompatíveis com a sobriedade da advocacia; 11) uso de denominação de fantasia e de símbolos oficiais da OAB; 12) menção ao tamanho, qualidade e estrutura da sede profissional; e 13) utilização de meios promocionais típicos da atividade mercantil.
Tanto o CED como o Provimento n. 94/2000 prescrevem que a publicidade do advogado deve ser informativa, discreta e moderada. Repudia-se a publicidade de cunho mercantil, imoderada e indiscreta. Segundo Paulo Lôbo[105], essa é a “regra de ouro” para a publicidade na advocacia. O artigo 2º do Provimento n. 94/2000 define como publicidade informativa aquela que conteúdo permitido pela OAB, conforme visto acima.
Além do conteúdo, do objetivo e das características da publicidade na advocacia, o CED e o Provimento n. 94/2000 preceituam os meios adequados à publicação de anúncios, informativos e propagandas.
Assim como defendido pela State Bar of Arizona, a OAB não admite a divulgação de taxas e custos. Contudo, conforme destacado por Gisela Gondin Ramos[106], a OAB determina que “os honorários devem ser ajustados previamente e como regra geral, por escrito”. Como fora decidido no julgamento de Bates v. State Bar of Arizona, se a base comercial da relação deve ser imediatamente divulgada por razões éticas, uma vez que o cliente está no escritório, parece inconsistente condenar a revelação sincera da mesma informação antes que ele chegue a esse escritório
Assim, são considerados meios lícitos: 1) internet, revistas, folhetos, jornais, cartões de visita e de apresentação do escritório; 2) placa indicativa do escritório onde se encontra instalado; 3) listas telefônicas e análogos; 4) correspondências (comunicados, boletins informativos, comentários sobre legislação etc.) endereçadas a uma coletividade de pessoas, desde que para fins de comunicar a clientes ou colegas mudança de endereço.
Por outro lado, são considerados meios ilícitos: 1) televisão, rádio, outdoor, painéis de propaganda, anúncios luminosos e quaisquer outros meios de publicidade em via pública; 2) cartas circulares e panfletos distribuídos ao público; 3) mala direta, correspondências e cartões enviados a uma coletividade sem autorização prévia; 4) meios típicos da atividade mercantil; 5) partes externas de veículos com indicação expressa do nome do advogado, do escritório ou da sociedade; 6) oferta de serviços mediante intermediários; e 7) em idioma estrangeiro, a não ser quando acompanhado da respectiva tradução.
No que tange a participações nos meios de comunicação, a manifestação do profissional é amparada pelas normas deontológicas quando eventual, devendo limitar-se a entrevistas ou exposições sobre assuntos jurídicos de interesse geral e com intuito exclusivamente educacional, instrutivo e ilustrativo (artigo 7º do Provimento n. 94/2000).
O Código de Ética e Disciplina, em contrapartida, “[…] não aceita debates de caráter sensacionalista, e proíbe expressamente o advogado de fazer qualquer pronunciamento sobre métodos de trabalho usados por seus colegas de profissão”[107].
Conforme o artigo 8º do Provimento n. 94/2000, o advogado, em suas manifestações públicas, deve evitar: 1) analisar casos concretos, salvo quando arguido sobre questões em que esteja envolvido como advogado constituído, como assessor jurídico ou “parecerista”, cumprindo-lhe, nesta hipótese, evitar observações que possam implicar a quebra ou violação do sigilo profissional; 2) responder, com habitualidade, a consultas sobre matéria jurídica por qualquer meio de comunicação, inclusive naqueles disponibilizados por serviços telefônicos ou de informática; 3) debater causa sob seu patrocínio ou sob patrocínio de outro advogado; 4) comportar-se de modo a realizar promoção pessoal; 5) insinuar-se para reportagens e declarações públicas; e 6) abordar tema de modo a comprometer a dignidade da profissão e da instituição que o congrega.
Segundo a jurisprudência da OAB[108], a “atuação semanal em rádio, emitindo opinião e/ou pareceres sobre assuntos de ordem coletiva e social, com esclarecimento e orientação jurídica sobre fatos ocorridos ou hipotéticos, esclarecendo o público, na busca e defesa de seus direitos” constitui afronta aos artigos 32 e 33 do Código de Ética e Disciplina.
Observa-se, assim, a supremacia de uma interpretação que vai de encontro às características essenciais da atividade, especialmente a função social. A jurisprudência da OAB é rica de casos que envolvem a publicidade na advocacia:
“PUBLICIDADE OU PROPAGANDA – DISTINÇÃO – MODERAÇÃO E DISCRIÇÃO – INTERNET E PLACAS INDICATIVAS – A propaganda está mais vinculada à idéia de comércio ou mercantilização de produtos, e visa alcançar público maior, incentivando a demanda para maior lucro do empresário ou comerciante. a publicidade é a informação mais discreta, sem alardes, para público menor e direito, pressupondo a existência de interesse anterior, por menor que seja. O advogado não vende produto, mas presta serviço especializado. Eventual anúncio de advogado, na internet ou em placas indicativas, deve ser discreto, observando a mesma moderação do veiculado em jornais e revistas especializadas que, em qualquer hipótese, não poderá ser em conjunto com outra atividade. As regras sobre a publicidade do advogado estão contidas no Código de Ética e Disciplina e na Resolução nº 02/92 deste Tribunal.” (OAB/SP, Processo n. E-1.684/98, v.u. em 21/05/1998, parecer e ementa do Rel. Dr. João Teixeira Grande, Rev. Dr. Clodoaldo Ribeiro Machado, Presidente Dr. Robison Baroni)
“EXERCÍCIO DA ADVOCACIA – SERVIÇOS JURÍDICOS POR PESSOA INTERPOSTA – CAPTAÇÃO DE CLIENTELA – IRRELEVANTE A PARTICIPAÇÃO COMUM NA VERBA HONORÁRIA – AGRAVANTE EM CASO DE PARTICIPAÇÃO. Comete infração ética tanto o advogado que indica quanto o indicado para angariar causas e serviços jurídicos, sendo irrelevante que o agenciador tenha participação de verba honorária, valendo essa hipótese como agravante, a teor do que determina o art. 34, III e IV, do Estatuto da Advocacia. Precedente: E. 2.343/01”. (OAB/SP, Processo E-3.255/2005 – v.u., em 17/11/2005, do parecer e ementa do Relator Dr. Cláudio Felippe Zalaf, Revisor Dr. Osvaldo Aristodemo Negrini Júnior, Presidente Dr. João Teixeira Grande.
“EMENTA N. 107/2013/SCATTU. Publicidade na advocacia. Matéria veiculada em meio televisivo durante os intervalos comerciais. Análise objetiva do fato. Vedação prevista no artigo 29 do Código de Ética e Disciplina c/c a letra "a", do artigo 6º, do Provimento nº 94/2000. 1. Comete infração disciplinar o advogado que veicula publicidade em intervalos comerciais durante programação televisiva, conforme previsão ínsita no artigo 29 do Código de Ética e Disciplina c/c a letra "a", do artigo 6º, do Provimento nº 94/2000. 2. A conduta está vedada tanto pelo Código de Ética e Disciplina, quanto pelo Provimento nº 94/2000, não cabendo a análise se é informativa, ou não, logo deve ser analisada objetivamente. 3. A exceção se resume à participação do advogado em programas de rádio e televisão quando se restringirem a entrevistas ou a exposição sobre assuntos jurídicos de interesse geral, visando a objetivos exclusivamente ilustrativos, educacionais e instrutivos para esclarecimentos dos destinatários, o que não se encaixa no presente caso. 4. Recurso conhecido, porém improvido, para manter a decisão que aplicou a pena de censura ao representado […].” (Conselho Federal da OAB, RECURSO 49.0000.2013.000028-2/SCA-TTU, Recte: G.M.B., Recdo: Conselho Seccional da OAB/Rio de Janeiro. Relator: Conselheiro Federal Pelópidas Soares Neto – PE).
“EMENTA: PROPAGANDA IMODERADA E MERCANTILIZAÇÃO DA ADVOCACIA CARACTERIZADA INFRAÇÃO PREVISTA AS REGRAS DE PUBLICIDADE DA ADVOCACIA – VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 28 E 29 DO CÓDIGO DE ÉTICA DISCIPLINA E INFRAÇÃO DO INCISO IV DO ART. 34 DO ESTATUTO DA ADVOCACIA – PENA DE CENSURA CONVERTIDA EM ADVERTÊNCIA EM RAZÃO DA INEXISTÊNCIA DE SANÇÃO DISCIPLINAR ANTERIOR – REPRESENTAÇÃO PROCEDENTE. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Processo Disciplinar no 19R0000682011, acordam os membros da Décima Nona Turma Disciplinar do TED, por maioria, nos termos voto do Relator Divergente, determinaram o arquivamento dos autos. Vencida a Relatora originária, que opinou pela pena de censura, convertida em advertência, em ofício reservado, sem registro nos assentamentos do inscrito. Por maioria determinaram ainda a instauração de Ex-officio, nos termos do artigo 36, inciso II, do EAOAB, e artigos 28 e 28 do CED, com extração de cópia integral deste procedimento.” (OAB/SP, Processo Disciplinar no 19R0000682011, Sala das sessões, 28 de junho de 2012. Rel. Dr. Marco Antonio de Matteo Ferraz – Presidente Dr. José Sanches).
Assim como existe o mito impunidade entre os cidadãos comuns, no que diz respeito à aplicação de penas pelo Poder Judiciário, entre os advogados também há esse sentimento quanto ao poder disciplinar da OAB. Contudo, trata-se de um sentimento inverossímil, já que uma rápida pesquisa nos bancos de dados da OAB demonstram um longo histórico de punição.
Existem notícias de advogados sendo suspensos preventivamente por infringirem as normas estabelecidas para a publicidade na advocacia. No entanto, conforme entendimento adotado pelo Tribunal de Ética de São Paulo[109], não cabe suspensão preventiva quando a pena a ser aplicada no processo principal deve receber sanção de censura.
Nos termos do artigo 70, § 3º, do EAOAB, o advogado poderá ser suspenso preventivamente, caso de seus atos haja repercussão prejudicial à dignidade da advocacia. Deve-se questionar se da publicidade na advocacia pode resultar prejuízo à dignidade da advocacia, principalmente após o que fora exposto nesse trabalho.
A internet, um meio de comunicação relativamente recente na história da advocacia, ainda carece de análise e regulação. Tanto Gisela Gondin Ramos[110] quanto Paulo Lôbo[111] são uníssonos aos afirmar que o silêncio da lei não significa desvinculação dos preceitos deontológicos da profissão.
De fato, cabe perguntar se a panfletagem, proibida pela OAB, tem o mesmo alcance que a internet. Não seria este um veículo típico da atividade empresarial, já que muitas empresas dependem de seus sites para comercializar os seus produtos?
No Brasil, não existe manifestação do Supremo Tribunal Federal sobre um conflito entre liberdade de exercício profissional ou de expressão e a publicidade na advocacia, ao contrário do que ocorre nos EUA.
O Superior Tribunal de Justiça[112] teve a oportunidade de se posicionar quanto ao tema no julgamento do AREsp n. 048276. O agravante, Hanoff Advogados Associados S/C, visava “[…] a declaração a declaração de inconstitucionalidade e ilegalidade de dispositivos que proíbem a publicidade de serviços de advocacia em mídias de rádio e televisão”. Todavia, o STJ não analisou o mérito da questão por entender inadequado a via processual eleita.
CONCLUSÃO
Diante de tudo que fora exposto ao longo do trabalho, pode-se concluir que a publicidade na advocacia enfrenta uma oposição muito forte de um grupo mais tradicionalista, ainda preso a conceitos arcaicos que não condizem com a era em que vivemos.
Reconhecer que a advocacia é fonte de renda do advogado não desqualifica a profissão ou o profissional, pois já é fato de conhecimento comum. Da mesma forma, hoje, sociedades de advogados têm adquirido um formato empresarial, buscando tanto a administração da justiça quanto o lucro.
A publicidade na advocacia brasileira poderia ter seus contornos ampliados, o que não significaria o sacrifício de princípios e regras deontológicos. Há, na verdade, um intuito maior por trás dessa intensificação da publicidade: reforçar o papel da advocacia no Estado Democrático de Direito.
Como visto anteriormente, nos comentários ao julgamento do caso Bates v. State bar of Arizona, a proibição da publicidade serve apenas para restringir a informação que flui para os consumidores.
A informação quanto aos serviços prestados pelo advogado pode até ser incompleta, mas é melhor do que manter o público na total ignorância e prejudicar a formação de uma decisão bem instruída.
A publicidade, tida como mecanismo tradicional em uma economia de livre mercado para um fornecedor informar sobre disponibilidade e termos de troca, pode beneficiar a administração da justiça. Repudiar o mercantilismo na advocacia é enganar-se quanto ao atual estágio evolutivo da profissão.
Além disso, a publicidade pode vir a reduzir os custos de serviços jurídicos ofertados ao cidadão, da mesma forma que facilitaria a inserção de novos advogados no mercado. Isso daria origem a um ciclo virtuoso de melhoria dos serviços advocatícios. Uma classe profissional mais atuante na sociedade, mesmo que por meio de publicidade, seria mais valorizada por todos.
Com serviços jurídicos mais baratos e maior publicidade quanto ao enorme leque de serviços prestados, o cidadão passará a ter mais ciência dos seus direitos. Um cidadão mais informado também é um cidadão mais exigente quanto aos seus direitos, inclusive no que diz respeito aos serviços que lhe são ofertados.
Além disso, podemos fundamentar a publicidade da advocacia nas liberdades de expressão e de exercício profissional, ambas consideradas direitos fundamentais assegurados pela Constituição de 1988.
O advogado é indispensável à administração da justiça, exerce função social, detém capacidade postulatória, defende os interesses das partes em juízo ou fora dele e presta assessoria e consultoria. Quanto mais transparentes e acessíveis forem os serviços advocatícios, os cidadãos terão os seus direitos garantidos com mais presteza e eficácia. Em alguns casos, a publicidade do advogado pode ser o único meio pelo qual o cidadão poderia ter ciência de uma ofensa a um direito seu.
Claro que não estamos falando de total liberalidade, uma vez que isso acarretaria o uso inescrupuloso da publicidade. Contudo, cabe à Ordem dos Advogados do Brasil operar disciplinarmente quando verificada essa situação, não devendo podar, previamente, o direito de todos os profissionais.
Informações Sobre o Autor
Everson Elias Gonçalves de Oliveira
Advogado inscrito na OAB/MG. Atua nas áreas de Direito Previdenciário e Ética Pro-fissional. Especialista em Direito e Processo Previdenciário pela UNIASSELVI. Defensor dativo do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/MG