Resumo: Este artigo historiciza a preservação do patrimônio cultural no ordenamento estadual do Rio Grande do Sul.
Dentro do processo de historiar a criação legislativa brasileira, não se pode esquecer de mencionar, também, a referente ao Estado do Rio Grande do Sul.
Quanto à legislação do patrimônio cultural no Rio Grande do Sul, o ano de 1954 marca a criação da Divisão de Cultura do Estado do Rio Grande do Sul, ligada à Secretaria da Educação. Naquela época ficou estabelecida a defesa do patrimônio arquitetônico e cultural do Estado, estudos e difusão do folclore.
A partir daí começam a se difundir no Estado, especialmente em Pelotas, a idéia e a importância de preservação do patrimônio histórico.
É em 1964 que se origina junto à referida Divisão, a Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Rio Grande do Sul. À Diretoria fica atribuída a responsabilidade pela política de preservação dos bens patrimoniais e culturais do Estado e a partir de 1979, esse órgão passa a se chamar Coordenadoria do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado, CPHAE.
Com a criação da Secretaria de Estado da Cultura, em 1990, através da portaria n° 11/90, há alteração da denominação das coordenadorias, transformando-as em institutos.
Surge, assim, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado, o IPHAE.
Pretende-se aqui mapear os principais instrumentos legais, sem a pretensão de exaurir o assunto, mas é com o Decreto nº. 17.018, de 15 de dezembro de 1964, que se cria na divisão de cultura da Secretaria de Estado dos negócios da educação e cultura a Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado, na época o Governador Ildo Meneghetti, medidas que tenham por objeto do “enriquecimento” do patrimônio histórico e artístico do Estado, palavra um tanto abrangente, mas que de certa forma se concretizou numa norma bastante vanguardista, senão vejamos:
“ILDO MENEGHETTI, Governador do Estado do Rio Grande do Sul, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo art. 87, inciso XV, da Constituição do Estado,
DECRETA:
Art. 1º – Os serviços de defesa do patrimônio histórico e artístico do Estado passam a ser atribuídos à Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico que ora se cria na Divisão de Cultura, da Secretaria de Estado dos Negócios da Educação e Cultura.
Art. 2º – A diretoria terá por finalidade inventariar, tombar e conservar obras e documentos de valor histórico e artístico, monumentos, paisagens e locais dotados de particular beleza.
Art. 3º – Compete-lhe promover:
I – a catalogação sistemática e proteção dos arquivos estaduais, municipais, particulares ou eclesiásticas, cujos acervos interessem à história regional e à história da arte no Estado;
II – medidas que tenham por objeto o enriquecimento do patrimônio histórico e artístico do Estado;
II – a proteção dos bens tombados, bem como a sua fiscalização;
IV – a coordenação e orientação das atividades dos museus estaduais que lhe fiquem subordinados, prestando assistência aos demais;
V – o estímulo e a orientação da organização de museus de arte, história, etnografia, quer pela iniciativa particular, quer pela pública;
VI – a realização de exposições temporárias de obras de valor histórico e artístico, assim como de publicações de quaisquer outros empreendimentos que visem difundir, desenvolver e apurar o conhecimento do patrimônio histórico e artístico do Estado.”
O Decreto n° 19.211, de 6 de agosto de 1968, dispõe sobre a criação do Conselho Estadual de Cultura, ou seja, ele vai materializar um fórum estadual de discussão da cultura.
Este fórum acaba por ser um momento permanente de reflexão sobre a questão patrimonial.
O Decreto de nº. 22.515, de 9 de julho de 1973, dispõe sobre a realização de um simpósio de preservação do patrimônio cultural.
Neste simpósio começa a se democratizar a discussão sobre patrimônio cultural. Trata-se da primeira grande participação de diversos atores sociais do Estado na proposição e elaboração de políticas públicas de preservação.
“O GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, no uso de atribuições que lhe confere o art. 66, itens IV e VII, da Constituição do Estado,
Considerando que, a teor do art. 181, item III, da Constituição do Estado, a este cabe zelar pelas obras e documentos de valor histórico e artístico, bem como pelos monumentos, paisagens e locais dotados de particular beleza;
Considerando que o patrimônio cultural marca na paisagem e em documentos as criações e o sentir comum de gerações que se sucedem, constituindo valioso meio de transmissão de valores;
Considerando que não basta preservar o acervo já existente, mas é imperioso se incentive a criatividade com vistas à multiplicação dos bens culturais,
DECRETA:
Art. 1º – Como parte das comemorações da “Semana Farroupilha” realizar-se-á, de 17 a 21 de setembro próximo, o “I Simpósio Sul-Rio-Grandense de Preservação do Patrimônio Cultural”.
Com a Lei nº. 7.231, de 18 de dezembro de 1978, se institucionaliza e se dispõe sobre o patrimônio cultural do estado.
Esta norma do Governo Sinval Guazelli é o marco legal sobre a noção de Patrimônio Cultural no Estado do Rio Grande do Sul.
A Lei n. 7.231/78 é um reflexo da “Carta de Pelotas”, encontro promovido pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil – RS.
Com este instrumento os proprietários, possuidores e administradores de bens que forem formalmente reconhecidos como integrantes do patrimônio cultural do Estado deverão mantê-los íntegros.
Esta medida zela pela conservação dos bens patrimonializados e facilita aos agentes públicos a sua vistoria, sob pena de multa aos infratores.
Esta Lei acaba por perpetuar-se como um dos dispositivos arrolados na Constituição Estadual do Rio Grande do Sul:
“Art.220 – O Estado estimulará a cultura em suas múltiplas manifestações, garantindo o pleno e efetivo exercício dos respectivos direitos bem como o acesso a suas fontes em nível nacional e regional, apoiando e incentivando a produção, a valorização e a difusão das manifestações culturais.
Parágrafo único – É dever de o Estado proteger e estimular as manifestações culturais dos diferentes grupos étnicos formadores da sociedade rio-grandense.
Art.221 – Constituem direitos culturais garantidos pelo Estado:
I – a liberdade de criação e expressão artísticas;
II – o acesso à educação artística e ao desenvolvimento da criatividade, principalmente nos estabelecimentos de ensino, nas escolas de arte, nos centros culturais e espaços de associações de bairros;
III – o amplo acesso a todas as formas de expressão cultural, das populares às eruditas e das regionais às universais;
IV – o apoio e incentivo à produção, difusão e circulação dos bens culturais;
V – o acesso ao patrimônio cultural do Estado, entendendo-se como tal o patrimônio natural e os bens de natureza material e imaterial portadores de referências à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade rio-grandense, incluindo-se entre esses bens:
a) as formas de expressão;
b) os modos de fazer, criar e viver;
c) as criações artísticas, científicas e tecnológicas;
d) as obras, objetos, monumentos naturais e paisagens, documentos, edificações e demais espaços públicos e privados destinados às manifestações políticas, artísticas e culturais;
e) os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, científico e ecológico.
Parágrafo único – Cabem à administração pública do Estado a gestão da documentação governamental e as providências para franquear-lhe a consulta.
Art. 222 – O Poder Público, com a colaboração da comunidade, protegerá o patrimônio cultural, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamentos, desapropriações e outras formas de acautelamento e preservação.
§ 1º – Os proprietários de bens de qualquer natureza tombados pelo Estado receberão incentivos para preservá-los e conservá-los, conforme definido em lei.
§ 2º – Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.
§ 3º – As instituições públicas estaduais ocuparão preferentemente prédios tombados, desde que não haja ofensa a sua preservação.
Art. 223 – O Estado e os Municípios manterão, sob orientação técnica do primeiro, cadastro atualizado do patrimônio histórico e do acervo cultural, público e privado.
Parágrafo único – Os planos diretores e as diretrizes gerais de ocupação dos territórios municipais disporão, necessariamente, sobre a proteção do patrimônio histórico e cultural.
Art. 224 – A lei disporá sobre o sistema estadual de museus, que abrangerá as instituições estaduais e municipais, públicas e privadas.”
Note-se que a Constituição Estadual já se encarregou de dar guaridas aos conceitos de patrimônio cultural material e imaterial.
A década de 1980 marca o inicio de um período de intensa preocupação com a preservação da memória no Estado. Vários bens imóveis receberam proteção legal em nível estadual, através de processos de tombamentos, levando sempre em consideração os valores histórico e arquitetônico agregados.
O processo de criação legislativa sobre a proteção cultural é bem intenso.
A pesquisa para este artigo verificou mesmo antes da Constituição Estadual do Rio Grande do Sul duas normas importantes:
a) o decreto de nº. 31.049, de 12 de janeiro de 1983, que organizou sob a forma de sistema as atividades de preservação do patrimônio cultural e
b) o de nº. 31.886, de 29 de março de 1985 que alterou as disposições do decreto nº 31.049, de 12 de janeiro de 1983, bem como organizou sob a forma de sistema as atividades de preservação do patrimônio cultural, vale dizer, regulamentou estrategicamente as atividades de preservação.
Outra Lei relevante dentro questão do meio ambiente natural foi a Lei nº 9.077, de 4 de junho de 1990.
A Lei nº 9.077/90 institui a Fundação Estadual de Proteção Ambiental – FEPAM. Este órgão hoje é o responsável pela condução das políticas publico – ambientais no Estado do Rio Grande do Sul.
Já o Decreto de nº 33.765, de 28 de dezembro de 1990 aprovou o estatuto da Fundação Estadual de Proteção Ambiental – FEPAM.
A FEPAM se traduz no órgão responsável pela preservação ambiental, neste momento o Estado divide as responsabilidades criando uma legislação específica à proteção do patrimônio natural, o que se segue com o Decreto nº 33.765, de 28 de dezembro de 1990, que aprovou da FEPAM .
Em suma, não é possível compreender que, na ocasião da elaboração das legislações sobre preservação, se omita a necessidade de avaliar e de repensar a função cultural destes instrumentos.
É que se trata de um direito subjetivo de todos e de direito fundamental a ser respeitado pelo Estado Brasileiro.
As ações públicas e privadas devem estar atentas à necessidade de educar a sociedade e promover a valorização e preservação do patrimônio cultural existente, a fim de transmitir a coletividade a noção de valor e de identidade cultural. Não é outro sentimento, senão o que vem expresso na Lei n º 11.499, de 06 de julho de 2000.
Informações Sobre o Autor
Renato Duro Dias
Bacharel em Direito (UFPel). Pós-graduado em Direito de Família e Sucessões (ULBRA). Mestre em Memória Social e Patrimônio Cultural (UFPel). Foi aluno regular do Mestrado em Direito (PUC/RS). Atualmente é Coordenador do Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande – FURG, Professor Assistente I da FURG, onde ministra Direito Civil, Professor do Curso de Especialização em Educação em Direitos Humanos – FURG/UAB. Membro do Núcleo de Pesquisa, Extensão e Estudos Jurídicos em Direitos Humanos NUPEDH (FURG). Pesquisador do GTJUS – Grupo Transdisciplinar em Pesquisa Jurídica para a Sustentabilidade (CNPq). Advogado. Membro da Comissão Especial de Ensino Jurídico da OAB/RS – Subseção Pelotas. Professor da Escola Superior de Advocacia – ESA – OAB/RS.