O poder da mídia e o direito à intimidade

Resumo: A intimidade é um direito constitucionalmente
consagrado que vem sendo ameaças por parte do jornalismo de investigação.
Assim, faz-se necessária uma análise de tal direito a fim de verificar até que
ponto é lícito penetrar na intimidade alheia sob pretexto de liberdade de
imprensa. E, além disso, analisar, a questão de as comissões parlamentares de
inquérito poderem ou não determinar quebra de sigilo.

Sumário: 1. A intimidade e a liberdade de imprensa; 2.
Segredo profissional; 3. A
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).

1. A intimidade e a liberdade de imprensa

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O direito à
intimidade “consiste na faculdade que tem cada indivíduo de obstar a
intromissão de estranhos na sua vida privada e familiar, assim como de
impedir-lhes o acesso a informações sobre a privacidade de cada um, e também
impedir que sejam divulgadas informações sobre esta área da manifestação
existencial do ser humano.”[1]

Nos textos das
Constituições anteriores a 1988 o direito à intimidade sempre esteve presente,
embora de forma implícita, enquanto a Constituição Federal de 1988 o traz de
maneira expressa determinando no art. 5o, X, que “são
invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de
sua violação”.

Este
dispositivo faz diferenciação entre o direito à intimidade e à vida privada,
consagrando-os autônomos, daí não se poder utilizá-las como sinônimos. Todavia,
há autores, como José Cretella Júnior[2], que não
vislumbram tal divergência.

Os
conceitos de intimidade e vida privada, constitucionalmente consagrados,
apresentam grande interligação, porém, diferenciam-se por ser, o primeiro,
menos amplo que o segundo, encontrando-se, portanto, no âmbito de incidência
deste. Desta forma, o conceito de intimidade refere-se às relações subjetivas e
de foro íntimo das pessoas, como as relações familiares e de amizade. Já o
conceito de vida privada engloba todos os relacionamentos das pessoas,
inclusive os objetivos, como relações de trabalho, estudo etc.[3]

A proibição de violar
a intimidade decorre da exposição, cada vez mais crescente, a que estão
sujeitas as pessoas.

O poder que a mídia
exerce sobre as pessoas através da imprensa é impressionante e, muitas vezes,
devido à arbitrariedade com que se apresenta, causa danos irreparáveis, pois
não há um código de ética que defina os limites de sua atuação.

“Suponha-se que
um sujeito lance ao vento as penas de um travesseiro do alto d um edifício e
determine a centenas de pessoas que as recolham. Jamais será possível recolher
todas. O mesmo ocorre com a calúnia e a difamação. Por mais cabal seja a
retratação, nunca poderá alcançar todas as pessoas que tomaram conhecimento da
imputação ofensiva.”[4]

A publicidade
opressiva é, em última análise, “o julgamento antecipado da causa,
realizado pela imprensa, em regra com veredicto condenatório, seguido da
tentativa de impingi-lo ao judiciário. E sob este rolo compressor, quase sempre
procuram esmagar com opróbrio, ao lado do réu, e à semelhança do que ocorria
durante as trevas da ditadura militar, a pessoa de seu advogado, pelo crime de
haver assumido o patrocínio de uma causa indigna.”[5]

Como se não fossem
suficientes os ilimitados poderes que a imprensa confere a si, existem casos de
informações falsas, forjadas, que expressam claramente a manipulação política
da mídia, que além de exagerar fatos, falseia-os. Exemplo disso foi uma matéria
publicada por repórteres de um jornal de larga circulação do Estado do Rio de
Janeiro, mostrando um casal que vivia em condições miseráveis e dito evangélico
consumindo cocaína, em cima de uma Bíblia e na presença do filho de 8 anos. A
simulação foi desvendada por colegas de profissão dos repórteres, tendo algumas
testemunhas afirmado que o pó era maizena e o casal tinha sido pago para tal
encenação.[6]

Na ânsia de divulgar
notícias que consideram, de acordo com a sua conveniência, ser de interesse
público, os jornalistas acabam invadindo a intimidade dos indivíduos, num total
desrespeito aos direitos constitucionalmente consagrados. Isto posto, devemos
questionar até que ponto é lícito à imprensa tornar pública a vida íntima das
pessoas sob pretexto de levar a informação aos diversos setores da sociedade.

Diante do caso da
divulgação, por jornalistas, de conversas entre dois servidores públicos
interceptada e gravada por um desconhecido, a Suprema Corte dos Estados Unidos
decidiu, em maio de 2001, por uma maioria de 6 x 3, que tal divulgação não era
ilícita, pois a gravação não foi feita pelos jornalistas nem por eles estimulada.
Seis integrantes da Corte entenderam que há, no caso, conflito de interesses:
de um lado o interesse público na divulgação da conversa (liberdade de
imprensa) e de outro o interesse privado dos servidores (direito de ter sua
intimidade preservada), prevalecendo o primeiro, tendo em vista que os
servidores tratavam de assuntos públicos.

Consideraríamos tal
posicionamento sensato e útil à informação pública se a nossa imprensa não
fosse tão sensacionalista e despreparada a ponto de forjar situações chocantes
e causadoras de impacto em quem lê ou assiste a notícia como a que citamos
acima (maizena passando-se por cocaína).

Para que o
entendimento da Suprema Corte dos Estados Unidos seja aplicado pela nossa
Colenda Suprema Corte com o fim de levar a informação à sociedade (liberdade de
imprensa), seria necessário termos uma imprensa, no mínimo, educada e
respeitadora dos direitos fundamentais do cidadão, caso contrário seria comum
ver parentes e amigos, senão nós mesmos, envolvidos em situações aparentemente
reais, mas que, na verdade, são simuladas.

Por outro lado, como
se pode impor limites a estes abusos se, até mesmo a Administração Pública os
pratica? Caso claro de abuso por parte desta foi a publicação de um edital no
Estado do Paraná, com a conivência da Prefeitura de Morretes, divulgando que
determinada pessoa era portadora do HIV (vírus da AIDS)[7], o que
provocou a perda do emprego do cidadão e sua expulsão da cidade.

“Há que se fazer
referência àquelas situações em que o indivíduo se encontra em restaurantes,
casas noturnas, boites, hotéis e motéis, em que o público e o particular se
entrelaçam de uma maneira quase que inextrincável. É lógico que os lugares
citados são públicos na medida em que são de acesso livre a todos. Portanto,
quem os freqüenta está a priori abrindo mão do seu direito de privacidade. Isto
não quer dizer contudo que esteja querendo chamar para si os holofotes da
publicidade. (…) É um direito pois que existe de as pessoas freqüentarem
certos lugares com os riscos normais de serem vistas e reconhecidas por aqueles
que os freqüentam. Não é razão o fato de lá se encontrarem para se tornar
involuntariamente objeto de publicidade.”[8]

Corriqueiros são os
escândalos envolvendo pessoas públicas que penetram na esfera de sua
intimidade. Poderiam elas alegar invasão da sua privacidade?

É importante
esclarecer que o termo “pessoa pública” deve ser vislumbrado sob dois aspectos:
o primeiro atinente aos dirigentes do nosso país e o segundo relativo às
pessoas famosas.

Os nossos dirigentes
têm amplos direitos de alegar violação de sua intimidade, desde que o fato
objeto do escândalo não tenha relação com o exercício da função pública que
lhes foi atribuída, pois, como explica Carla Vilhena, “se uma figura pública
tem dez amantes, o problema é dela. Agora, se essa figura é suspeita de
enriquecimento ilícito, tem que explicar como arrumou dinheiro para sustentar
suas amantes”[9].

Assim, no exercício
da função pública os gestores do dinheiro público não têm intimidade a
preservar, salvo a de ordem estritamente pessoal, já que o interesse público
tem prevalência sobre o particular.

Com relação
aos artistas, pode-se dizer que a perda da intimidade é o preço pago pelo
ingresso nos bastidores da fama. Suas vidas passam a interessar à sociedade,
seja porque são esportistas que trazem medalhas ao país, seja porque são
artistas “badalados” que aguçam a curiosidade social. Conservam o direito à
intimidade, perdem, todavia, o controle sobre ele, devido ao interesse público
que despertam.

Um caso muito
conhecido desta publicidade opressiva e sensacionalista que mitiga a liberdade
das pessoas impedindo-as de viver como seres humanos normais, foi o que
resultou na morte da Princesa Diana. Perseguida pelos paparazzi, a mulher mais
fotografada do mundo foi vítima de um trágico acidente, que pode ter sido
causado por tal perseguição.

Não podemos
deixar de destacar a importância do consentimento de quem, v.g., está sendo
filmado ou fotografado, pois se tal ocorre, inexiste violação da intimidade.
Assim, o que seria ilícito se feito sub-repticiamente, torna-se perfeitamente
jurídico se houver anuência daquele cuja intimidade está em jogo. Isto porque o
direito à intimidade é, talvez, o direito da personalidade em que se apresenta
mais delineado o arbítrio humano, pois a licitude do ato depende da vontade de
quem o autoriza, desde que esta autorização não vá de encontro à lei, aos bons
costumes e à ordem pública.[10]

Tal
consentimento, lembre-se, deve ser expresso, daí porque há casos de filmagens
em ambientes fechados (bibliotecas, v.g.) em que o organizador da filmagem pede
aos freqüentadores que assinem, em querendo, uma espécie de termo de
compromisso permitindo a divulgação de sua imagem.

Isto posto, é
evidente que, tanto os gestores do dinheiro público como os artistas, que
aguçam a curiosidade pública, renunciam, de certa forma, ao direito
constitucional de preservação da intimidade ao adentrarem na vida pública.
Assim, é lógico que, ao abandonarem-na, tais pessoas recuperam sua
personalidade anterior, que a partir daí estará mais protegida, pois não
existirão motivos que resguardem sua devassa.

Desta forma,
constituem ofensas ao direito à intimidade de qualquer cidadão, violação de
domicílio ou de correspondência; uso de binóculos para espreitar o que ocorre
dentro de determinada casa; instalação aparelhos para captar sub-repticiamente
conversas ou imagens ou copiar documentos de residência ou repartições de
trabalho; intrusão injustificada no recolhimento de uma pessoa observando-a,
seguindo-a, telefonando-lhe, escrevendo-lhe; interceptação de conversas
telefônicas.[11]

Esclarece
ainda a autora, que uma vez violada a esfera de intimidade de uma pessoa, será
devida ao prejudicado com tal intromissão uma indenização pecuniária a ser
arbitrada pelo juiz de acordo com a gravidade da lesão, as circunstâncias em
que ocorreu, a posição social e econômica das partes.

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Façamos uma
ressalva quanto à gravidade da lesão. Suponhamos um desembargador cearense que
é atingido em sua honra através da divulgação de um suposto caso extraconjugal.
Esta notícia, por óbvio, repercutiria de forma negativa em sua reputação e
ambiente profissional. Tal fato não teria a mesma repercussão se, ao invés de
ocorrido no Ceará, ocorresse em Paris, porque o desembargador cearense não
teria o mesmo nível popularidade que em seu Estado de origem. Desta forma, o juiz não
poderia valorar a indenização similarmente, pois as circunstâncias do fato
ocorrido não são as mesmas.

No campo
específico do sigilo das comunicações telefônicas, uma das manifestações do
direito à intimidade, o telefone, tornou-se indispensável à comunicabilidade
rápida e fácil. Entretanto, com o avanço incontível da tecnologia digital, está
longe de ser instrumento seguro de comunicação, principalmente após o
surgimento da telefonia celular.

Calcula-se que
são instalados, hoje, no Brasil cerca de 1.500 grampos por dia. É um serviço
caro que custa em média R$
1.000 por semana. Isto é facilitado pela vulnerabilidade do sistema de
telefonia brasileiro. Tal invasão é registrada também na telefonia celular,
pois existe um aparelho chamado Icon R-1 que consegue captar conversas dos
celulares mais próximos com um ajuste rápido e simples. É um aparelho pequeno,
que cabe na palma da mão e custa em torno de US$ 500.[12]

2. Segredo profissional

José Afonso da Silva leciona que o segredo profissional
“obriga a quem exerce uma profissão regulamentada, em razão da qual há de
tomar conhecimento do segredo de outra pessoa a guardá-lo com fidelidade. O
titular do segredo é protegido, no caso, pelo direito à intimidade, pois o
profissional, médico, advogado e também o padre-confessor (por outros
fundamentos) não podem liberar o segredo, devassando a esfera íntima, de que
teve conhecimento, sob pena de violar aquele direito e incidir em sanções civis
e penais”[13].

“A vontade do segredo deve ser protegida ainda quando
corresponda a motivos subalternos ou vise a fins censuráveis. Assim, o médico
deve calar o pedido formulado pela cliente para que a faça abortar, do mesmo
modo que o advogado deve silenciar o confessado propósito de fraude processual
do seu constituinte, embora, num e noutro caso, devam os confidentes recusar
sua aprovação ou entendam de desligar-se da relação profissional. Ainda mesmo
que o segredo verse sobre fato criminoso deve ser guardado. Entre dois interesses
colidentes – o de assegurar a confiança geral dos confidentes necessários e o
da repressão de um criminoso – alei do estado prefere resguardar o primeiro por
ser mais relevante. Por outras palavras: entre dois males – o da revelação das
confidências necessárias (difundindo o receio geral em torno destas, com grave
dano ao funcionamento da vida social) e a impunidade do autor de um crime – o
Estado escolhe o último, que é o menor.”[14]

A violação do segredo profissional está tipificada no Código
Penal:

“Violação do segredo profissional

Art. 154 – Revelar
alguém, sem justa causa, segredo, de
que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja
revelação possa produzir dano a outrem (grifo nosso):

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou
multa.”

Paulo José da
Costa Júnior ressalta que este dispositivo é insuficiente à tutela da
intimidade, porque só estão por ele acobertados os segredos revelados que
tenham nexo causal entre o exercício das atividades enumeradas na lei e o conhecimento
do segredo. Assim é que se, v.g., um paciente relata ao médico suas convicções
políticas, o profissional não estará adstrito a guardar nenhum segredo, ainda
que íntimo.[15]

Inobstante os
argumentos doutrinários, o segredo profissional poderá ser violado, por
determinação legal, se existir uma “justa causa” respaldando tal
atitude, pois a lei dispõe que configura crime revelar segredo profissional
“sem justa causa”. Assim, a “justa causa” é elemento
normativo do tipo e exclui a tipicidade, i.e., o crime.

Um exemplo de
causa justa para revelar segredo é o estado de necessidade: se um advogado tem
uma arma apontada para a sua cabeça por um estelionatário que exige informações
sobre determinado cliente, dificilmente o compromisso ético com a profissão e com
seu constituinte sobrepor-se-ão ao receio da morte.

Destarte, a
existência de um motivo que justifique a revelação do segredo pelo
profissional, que tem o dever de resguardá-lo, legitima sua ação, não
configurando crime.

Assim é que,
“a testemunha pode escusar-se a prestar depoimento se este colidir com o
dever de guardar sigilo. O sigilo profissional tem alcance geral e se aplica a
qualquer juízo, cível, criminal, administrativo ou parlamentar. Não basta
invocar sigilo profissional para que a pessoa fique isenta de prestar
depoimento. É preciso haver um mínimo de credibilidade na alegação e só a
posteriori pode ser apreciado caso a caso”[16].

3. A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)

São extremamente corriqueiros os
atos de CPIs que pedem a quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico de
suspeitos apuração de ilícitos, devendo-se evidenciar que tais atos devem ser
fundamentados para serem válidos. É o que nos ensina acórdão do Supremo, in
verbis:

“EMENTA: COMISSÃO PARLAMENTAR DE
INQUÉRITO – QUEBRA DE SIGILO ADEQUADAMENTE FUNDAMENTADA – ATO PRATICADO EM
SUBSTITUIÇÃO À ANTERIOR QUEBRA DE SIGILO QUE HAVIA SIDO DECRETADA SEM QUALQUER
FUNDAMENTAÇÃO (…) A QUEBRA FUNDAMENTADA DO SIGILO INCLUI-SE NA ESFERA DE
COMPETÊNCIA INVESTIGATÓRIA DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO. A quebra
do sigilo fiscal, bancário e telefônico de qualquer pessoa sujeita a
investigação legislativa pode ser legitimamente decretada pela Comissão
Parlamentar de Inquérito, desde que esse órgão estatal o faça mediante
deliberação adequadamente fundamentada e na qual indique, com apoio em base
empírica idônea, a necessidade objetiva da adoção dessa medida extraordinária”[17].

O STF, em
recente julgado, no qual foi relator o Min. Sepúlveda Pertence, suspendeu
liminarmente decisão da CPI de indisponibilizar bens e quebrar os sigilos
bancário, fiscal e telefônico de Francisco Lopes, por entendê-la desprovida da
fundamentação devida, e, portanto, desconfigurando o interesse social. In
verbis:

“A exigência
cresce de tomo quando se trata, como na espécie, de um juízo de ponderação, à
luz do princípio da proporcionalidade, entre o interesse público na produção da
prova visada e as garantias constitucionais de sigilo e privacidade por ela
necessariamente comprometidas (…) No caso, ao que se extrai da documentação
instrutória da petição inicial, a relevância, a adequação e a necessidade da
verdadeira devassa ordenada não foram objeto de fundamentação”[18].

Seguiu a mesma
orientação ao indeferir mandado de segurança contra ato de CPI, por ter sido
fundamentado. In verbis:

“EMENTA:
MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DE COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO QUE DETERMINOU A
QUEBRA DOS SIGILOS BANCÁRIO, FISCAL E DE REGISTRO DE DADOS TELEFÔNICOS DO
IMPETRANTE. ALEGADA INCOMPETÊNCIA DO ÓRGÃO PARA INVESTIGAR CONSELHEIRO DE
TRIBUNAL DE CONTAS. Improcedência da preliminar de incompetência, dado não se
configurar, no caso, a hipótese prevista no art. 105, I, a, da Constituição,
qual seja, de processamento e julgamento de crime comum atribuído a integrante
órgão público da espécie em
causa. Ausência, por outro lado, da alegada ilegalidade,
posto tratar-se de ato que não se ressente de falta de fundamentação, havendo
se assentado, ao revés, em requerimento formalizado e aprovado pela CPI com
base em depoimento colhido no curso das investigações. Mandado de segurança
indeferido.”[19]

A CPI tem
poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, porém, para que
possa exercê-los deve fundamentar sua decisão, visto que as decisões
desprovidas de fundamentação não têm efeitos jurídicos

O Supremo entende que
as CPIs não dispõem de poder para determinar interceptação telefônica, que só
pode ocorrer em investigação criminal ou instrução processual penal, desde que
autorizada pelo Judiciário.

As CPIs
possuem, por outro lado, amplos poderes para ordenar a quebra de sigilo de
registros telefônicos, independentemente de prévia autorização judicial, desde
que fundamentado o pedido.[20]

Além disso, a CPI
existe para apurar fatos certos e determinados. E se durante a investigação
parlamentar forem descobertos fatos criminosos, deverá ser dada ciência ao
Ministério Público.[21]

Ressalte-se,
ainda, que são comuns os casos em que pessoas investigadas têm exposta a sua
imagem em depoimentos que mais parecem o interrogatório de um acusado.

“E, como
se tem visto, seja pela televisão, seja pela leitura dos jornais, os
inquisidores, no desejo de se mostrarem severos, muitas vezes ficam longe de
ser imparciais ou gentis. Afinal, não podem se esquecer que falam com pessoas
não processadas, mas indiciadas, não acusadas, não rés, não condenadas. Enfim,
e em princípio, inocentes. E, como tal, não podem ter a sua imagem, a sua
reputação, a sua honra, maltratadas, agredidas, apresentadas no dia seguinte,
por toda a imprensa como culpadas. Nesse passo, a CPI também não respeita, e
muito menos acata, o direito que os cidadãos têm de não serem exibidos, pelas
televisões e jornais, como se já fossem violadores da lei, esquecida, mais uma
vez, que tais pessoas têm o direito de, comparecendo à CPI, não serem
fotografadas e televisadas, todo o tempo, sob o risco de transformar tudo em
palanque, ou, pelo menos, em espetáculo deprimente e degradante, onde,
publicamente, se humilham as pessoas. (…).”[22]

É cediço que a
quebra de sigilo, qualquer que seja, configura violação da intimidade. Assim,
deve-se aplicar o princípio da proporcionalidade[23], pois
ao interesse particular do indivíduo, sobrepor-se-á o interesse do Estado em
punir os ilícitos, visto que as liberdades públicas se contrapõem, de maneira
veemente, às liberdades individuais, embora haja claro conflito entre o
interesse do Estado em reprimir crimes e o seu dever de resguardar os direitos
fundamentais de cada cidadão, mormente o que aqui analisamos.

 

Bibliografia:

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Gandra. Comentários à Constituição do
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JÚNIOR, José. Comentários à Constituição
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DIAS, Monique Rocha. O Princípio da
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. [OAB/CE]. Fortaleza: ABC Editora, n° 6:
191-197, jul./dez./2001.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro. 6a
ed., São Paulo: Saraiva, 1992, 7 v.

D’OLIVO, Maurício. O direito à
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NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição
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VELLOSO, Carlos Mário da
Silva. As Comissões Parlamentares de Inquérito e o sigilo das Comunicações
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. São Paulo: Revista dos Tribunais, n° 26: 36-53, jan./mar.
1999.

 

Notas:

[1]
Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra da Silva Martins, Comentários à Constituição do Brasil, p. 63.

[2]
José Cretella Júnior, Comentários à
Constituição brasileira de 1988
, p. 257.

[3]
Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Comentários
à Constituição Brasileira de 1988
, p. 35.

[4]
Damásio Evangelista de Jesus, Direito
Penal
, p. 231.

[5]
Antônio Evaristo de Moraes Filho (Prefaciou a obra de Antônio Carlos Barandier.
As garantias fundamentais e a prova.
Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 1997) apud Luís Guilherme Vieira. O fenômeno opressivo da mídia: uma abordagem
acerca das provas ilícitas
. [Internet]. URL: http://www.geraldoprado.com/
fenomeno.htm, [s.d.].

[6] Ibid.

[7]
Aids leva o Paraná para a Justiça. Folha
de São Paulo
. Edição de 25/jan./1994, p. 3-1.

[8]
Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra da Silva Martins, op. cit., p. 62.

[9]
Público e Privado se afrontam na CPI.
Folha de São Paulo
. São Paulo: edição de 21/nov./1993: p. 1-12.

[10]
Milton Fernandes, Proteção civil da
intimidade
, p. 116.

[11]
Maria Helena Diniz. Curso de Direito
Civil
, p. 105.

[12]
Luciana Fregadolli, O Direito à
Intimidade e a Prova Ilícita,
p. 89.

[13] Curso de Direito Constitucional Positivo,
p. 190.

[14]
Nelson Hungria. Comentários ao Código
Penal
. 5a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1980, 6 v. Apud Luciana
Fregadolli, O Direito à Intimidade e a
Prova Ilícita
. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 1998, p. 136.

[15]
Paulo José da Costa Júnior, Comentários
ao Código Penal
, p. 180-181.

[16]
Carlos Mário da Silva Velloso, As Comissões Parlamentares de Inquérito e o sigilo das
Comunicações Telefônicas
, p. 49-50.

[17]
MS-23.652/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, maioria, j.
22/nov./2000, DJU 16/fev./2001. No mesmo sentido: MS-23.452/RJ, Pleno, Rel.
Min. Celso de Mello, j. 16/set./1999, DJU 12/maio/2000; MS-23.639/DF, Pleno,
Rel. Min. Celso de Mello, j. 16/nov./2000, DJU 16/fev./2001.

[18]
MS-23.466-1, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, votação unânime, j.
04/maio/2000, DJU 06/mar./2001.

[19]
MS-23.554/DF, Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, votação unânime, j. 29/nov./2000,
DJU 23/fev./2001.

[20]
Ao se falar em quebra de sigilo telefônico, está-se referindo à quebra de
sigilo dos dados (registros) telefônicos, enquanto ao fazer alusão à quebra de
sigilo da comunicação telefônica (interceptação telefônica), está-se referindo
à conversa via telefone. Neste sentido, Luiz Flávio Gomes, que entende que
“a quebra do sigilo dos dados telefônicos pode ser determinada por CPI.
Essa determinação conta com amparo legal. O que não podem as CPIs é determinar
escuta ou interceptação telefônicas, que só podem ocorrer ‘para fins criminais’,
dentro de uma investigação criminal ou dentro de uma instrução processual
penal. E a CPI é criada para apuração de fatos administrativos. Não é uma
investigação criminal. Não se destina a apurar crimes nem a puni-los, pois
essas atividades são da competência dos Poderes Executivo e Judiciário. Se no
curso de uma investigação administrativa vier a deparar com fatos criminosos,
deles dará ciência ao Ministério Público” (A CPI e a quebra do sigilo
telefônico. Jornal O Estado do Paraná,
Caderno de Direito e Justiça, p.1, de 25/maio/1997).

[21] Art.
58, § 3.º As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de
investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos
regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e
pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um
terço de seus membros, para a apuração
de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso,
encaminhadas ao Ministério Público
, para que promova a responsabilidade
civil ou criminal dos infratores.

[22]
Carlos Mário da Silva Velloso, op. cit., p.
37-38.

[23] O princípio da proporcionalidade nasceu no direito
americano, que o apresenta como “princípio da razoabilidade”, mas
atingiu seu ápice no direito alemão, que utiliza a denominação que aqui
utilizamos. O fundamento deste princípio também é diverso naquelas legislações,
pois enquanto o direito alemão justifica-o no Estado Democrático de Direito, o
direito americano funda-o no devido processo legal, no que foi seguido pelo
Supremo Tribunal Federal. Este princípio constitui uma atenuação à doutrina
constitucional moderna de vedação das provas ilícitas, prevendo sua utilização
sempre que o interesse tutelado se sobreponha à tutela da intimidade, podendo, portanto,
ser aceita em caráter excepcional ou em casos de extrema gravidade. A concepção
atual do princípio da proporcionalidade representa uma limitação ao poder do
Estado, garantindo a integridade moral e física dos que lhe estão sub-rogados.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Eveline Lima de Castro

 

Acadêmica de Direito da Universidade de Fortaleza e Bolsista do Programa de Bolsas de Iniciação Científica, com o tema “Interceptação de Comunicações Telefônicas segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”, sob a orientação do professor mestre Marcus Vinícius Amorim de Oliveira.

 


 

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