Resumo: O presente trabalho tem o objetivo de analisar as peculiaridades do Tribunal de Contas, de forma evolutiva, percorrendo desde a sua formação, competências previstas em lei, funções, atribuições etc, até os dias atuais. Volta-se ao exame do seu poder geral de cautela no âmbito daquela Corte. Ademais, de forma ampla, decorre desse poder uma atuação eficaz e eficiente do Controle Externo. Com enfoque principal no tribunal de contas, ensejando o caso do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, com referência à aplicabilidade das medidas cautelares. Medidas estas, de caráter preventivo, que visam a garantir proteção ao erário em face de situações de lesividade ou danos iminentes, como também a efetividade das deliberações do Tribunal de Contas de Pernambuco, visando à eficiência e à eficácia da atuação deste órgão de controle.
Palavras-chave: 1.Tribunal de Contas. 2. Controle externo. 3. Poder geral de cautela. 4. Medida cautelar. 5. Eficácia e eficiência.
Sumário: Introdução. 1 Tribunal de Contas no Brasil. 1.1 O Desenho jurídico-constitucional dos Tribunais de Contas dos Estados – O Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco. 1.2 A classificação das competências constitucionais das Cortes de Contas. 2 Das tutelas de urgência – Medidas cautelares – A sua eficácia no âmbito do controle externo. 2.1 Medidas cautelares – Poder Geral de Cautela – Tribunal de Contas. 2.2 Do cabimento da medida cautelar e do não cabimento da tutela antecipada no tribunal de contas do estado de Pernambuco. 3 As medidas cautelares no âmbito do TCE/PE: o instrumento para uma atuação eficiente e eficaz.
INTRODUÇÃO
Conforme o tema trazido à baila, o enfoque atribuído ao trabalho está encartado no Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, de modo exemplificativo. Veja-se, no entanto, que a composição, organização e plexo atributivo do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE/PE) têm como fundamento válido as disposições inseridas nos artigos 71, 72, 73, 74 e 75 da Constituição da República, na Constituição do Estado de Pernambuco, na Lei Orgânica do TCE/PE (lei Estadual nº 12.600/2004) e nas resoluções (atos normativos) expedidas pelo próprio Tribunal, especificamente a Resolução TC nº 04/2008.
Embora haja controvérsias e polêmicas acerca do tema escolhido, principalmente no que diz respeito ao exercício do controle externo, que Poder da República Federativa integra o Tribunal de Contas (TC), sua competência e funções atinentes, a execução de sua atuação, a eficácia e eficiência de suas deliberações, expedição de medidas cautelares etc, o mesmo mostra-se presente, consagrado e aceito no sistema jurídico brasileiro.
É força afirmar que mesmo por tratar das medidas cautelares, o tema não foi abordado com profundidade no aspecto do processo cautelar em si, haja vista a incompatibilidade com o procedimento adotado no processo administrativo de controle (adotado no âmbito do tribunal de contas). Porém, foram analisadas as medidas sob o ponto de vista material e seus impactos quanto à atuação eficaz e eficiente do Tribunal de Contas, precisamente a Corte de Contas pernambucana, tendo em vista a respeitabilidade dos princípios da legalidade, legitimidade, economicidade, busca da verdade material e os demais princípios constitucionais, como também aqueles que norteiam a administração pública.
1 O TRIBUNAL DE CONTAS NO BRASIL
Diante de modelos estruturais de controle, grande parte de países do mundo, inclusive o Brasil, adotaram o sistema de tribunal de contas (órgãos centrais de controle das finanças estatais), visto que é um dos modelos mais aceitos na atualidade. Conforme entendimento de Luiz Bernardo Dias Costa, o Tribunal de Contas constitui-se um órgão de fundamental importância para o controle externo da Administração Pública e fiel escudeiro, verdadeiro defensor dos interesses da sociedade, aplicando tal controle a todos os gestores dos dinheiros públicos, de forma independente, técnica, rigorosa e sistemática, objetivando salvaguardar o Estado Democrático de Direito[1]. Ocorre, no entanto, uma busca pelo aprimoramento, haja vista os interesses da sociedade, como também rigorosas críticas concernentes à eficácia e à eficiência de ações e deliberações desse órgão. O controle externo da administração pública trata-se de um controle estatal específico, significando, portanto, fiscalização financeira, orçamentária, patrimonial e operacional das entidades da Federação. O artigo 71 da CF/88 dispõe que o controle externo a cargo do Congresso Nacional será realizado com o auxílio do Tribunal de Contas para o qual atribui uma série de competências que são exclusivas do próprio Tribunal. Como um bom exemplo, menciona-se, no entanto uma prestação de contas anual do Chefe do Poder Executivo. O Executivo presta contas ao Tribunal de Contas que emite um parecer prévio e submete a julgamento do Legislativo. Ressalta-se que o julgamento, ato final da atividade controladora é de competência do Legislativo. Porém, o Legislativo, necessariamente, deverá contar com o auxílio do Tribunal de Contas. Não pode, entretanto, o Chefe do Executivo prestar contas diretamente ao Legislativo. Cabe afirmar que o controle parlamentar é subsidiado por uma análise técnica proferida pelo Tribunal de Contas.
O Tribunal de Contas, órgão de extração constitucional, incumbido da tutela dos dinheiros, bens e valores públicos, e que atua por meio da fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial das unidades gestoras do Estado (controle externo), teve suas atribuições ampliadas e realçadas no vigente texto constitucional. No Brasil, algumas análises consideram o tribunal de contas como mero apêndice auxiliar do poder legislativo. Ou seja, alguns autores o concebem, apenas como órgão de assessoramento. Esse pensamento desconsidera completamente a estrutura técnica das Cortes de Contas, sua autonomia administrativa e financeira, conforme preconiza o ilustre Ulisses Jacoby[2]. Atualmente, no ordenamento jurídico brasileiro, a instituição Tribunal de Contas é organismo que auxilia o Poder Legislativo no exercício do controle externo da Administração Pública. Porém, autônomo e independente, competindo-lhe fiscalizar a totalidade das atividades realizadas pelo Poder Público, o que o leva a verificar a contabilidade de receitas e despesas, a execução orçamentária, os resultados operacionais e as variações patrimoniais do Estado, sob os aspectos da legalidade, compatibilidade com o interesse público, economia, eficiência, eficácia e efetividade. Contudo, os tribunais de contas, além de exercerem essa função, afeta ao Poder Legislativo, se incumbem também de exercer função de controle dos três poderes, incluindo aí o Poder Legislativo, segundo Celso de Mello quando da análise da natureza jurídica do Tribunal de Contas. Este entende que
“[…] como o Texto Maior desdenhou designá-lo Poder, é inútil ou improfícuo perguntarmo-nos se seria ou não um Poder. Basta-nos uma conclusão ao meu ver irrefutável: o Tribunal de Contas, em nosso sistema, é um conjunto orgânico perfeitamente autônomo.”[3]
Verifica-se, portanto, a coerência de idéias de Celso de Mello, o qual retrata a verdadeira realidade do Tribunal de Contas, este, constitucionalmente previsto na Constituição da República. Assevera Odete Medauar um entendimento acerca do tribunal de contas:
“Se sua função é de atuar em auxílio ao Legislativo, sua natureza, em razão das próprias normas da Constituição, é a de órgão independente, desvinculado da estrutura de qualquer dos três poderes. O Tribunal de Contas configura instituição estatal independente”[4].
Não cabe afirmar que as funções exercidas pelos tribunais de contas sejam de natureza jurisdicional com o mesmo caráter judicial de definitividade, expressando coisa julgada. Uma vez que o monopólio da jurisdição judicial, ou seja, dizer o direito com força de coisa julgada pertence ao Poder Judiciário. Quando as Cortes de Contas procede ao julgamento das contas dos responsáveis por bens e valores públicos, exercendo uma competência constitucional própria, exclusiva e indelegável, ainda assim não há como negar a natureza administrativa de suas funções. Via de regra, sua jurisdição é de caráter administrativo, que deriva de competência constitucional expressamente estabelecida, com a delimitação do poder de conhecer e julgar as contas prestadas pelos administradores públicos[5].
1.1 O DESENHO JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DOS TRIBUNAIS DE CONTAS DOS ESTADOS – O TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE PERNAMBUCO –(TCE/PE)
O Sistema Tribunal de Contas, no nosso ordenamento jurídico, é de extração constitucional para os três âmbitos administrativos da Federação. Assim, os Tribunais de Contas Estaduais e Conselhos de Contas Municipais (onde existem) têm sua composição delineada, à quase exaustão, na Constituição da República, uma vez que se aplicam aos mesmos, resguardadas as diferenças intransponíveis (diferenças de âmbito), os preceptivos constitucionais que estabelecem os contornos orgânico-funcionais do Tribunal de Contas da União (TCU). Assim o é por força do Princípio da Simetria Constitucional que impõe aos entes federados subnacionais o modelo jurídico-constitucional desenhado para a União, conforme dispõe, expressamente, o caput do art. 75 da Carta Magna Republicana, senão vejamos:
“Art. 75- As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais de Contas e Conselhos de Contas dos Municípios.”
Fica evidenciado, portanto, que as constituintes estaduais – investidas de um poder constituinte meramente jurídico, também denominado de Decorrente -, bem como o legislador infra-constitucional, estiveram e estão ilaqueados às diretrizes traçadas pela compulsória simetria constitucional, ou seja, pela última maniatados e mitigados respeitante à concepção orgânico-funcional das cortes de contas estaduais e municipais.
As regras estabelecidas para o Tribunal de Contas da União deverão ser observadas pelos Tribunais de Contas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Aplicando as observações acima à organização objeto deste trabalho, infere-se que a composição, organização e plexo atributivo do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE/PE) têm como fundamento de validade as prescrições contidas nos artigos 71, 72, 73, 74 e 75 da Constituição da República, e estão concretizados na Constituição do Estado de Pernambuco, na Lei Orgânica do TCE/PE (Lei Estadual nº 12.600/2004) e nas resoluções (atos normativos) expedidas pelo próprio Tribunal.
1.2 CLASSIFICAÇÃO DAS COMPETÊNCIAS CONSTITUCIONAIS DAS CORTES DE CONTAS
A análise das competências jurídico-constitucionais do TCE/PE evidencia tratar-se de um órgão multifacetado, com importantes e diversificadas missões republicanas a cumprir, dentre as quais destaco as que abaixo passo a elencar: I) função Judicante Imprópria – apreciar as contas prestadas pelos Chefes dos Executivos do Estado e dos Municípios (nestes casos o TCE/PE emite parecer prévio sobre as contas que serão julgadas pelo Legislativo competente), bem como apreciar atos de aposentadoria, de pensão e de admissão para fins de registro; II) função Judicante Própria – julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos. Trata-se de função exclusiva, cumprindo ao Judiciário, tão-somente, o controle formal da deliberação do TCE/PE; III) função fiscalizadora Típica – realizar, de ofício ou por provocação, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial nas unidades administrativas do Estado e dos Municípios. Neste ponto é de se notar que o TCE/PE atua, também, de ofício (sem provocação), diferentemente do Judiciário que precisa, necessariamente, ser instado para dizer o direito (jurisdição); IV) função Sancionadora – aplicar multa e determinar a restituição de quantia certa ao Erário (neste caso, comprovado o prejuízo causado, geração de títulos executivos extrajudiciais); V) função Acautelatória – sustar a execução de ato impugnado e decidir, ao final, acerca de sustação de contrato. Neste particular o Supremo Tribunal Federal reconheceu que as Cortes de Contas, no exercício de suas funções (notadamente das judicantes próprias), detêm o chamado poder geral de cautela, por meio da expedição de medidas cautelares. À guisa de exemplo, o ilustre Ministro Celso de Mello do STF afirma:
“[…] que assiste, ao Tribunal de Contas, poder geral de cautela. Trata-se de prerrogativa institucional que decorre, por implicitude, das atribuições que a Constituição expressamente outorgou à Corte de Contas. Entendo, por isso mesmo, que o poder cautelar também compõe a esfera de atribuições institucionais do Tribunal de Contas, pois se acha instrumentalmente vocacionado a tornar efetivo o exercício, por essa Alta Corte, das múltiplas e relevantes competências que lhe foram diretamente outorgadas pelo próprio texto da Constituição da República. Isso significa que a atribuição de poderes explícitos, ao Tribunal de Contas, tais como enunciados no art.71 da Lei Fundamental da República, supõe que se reconheça, a essa Corte, ainda que por implicitude, a possibilidade de conceder provimentos cautelares vocacionados a conferir real efetividade às suas deliberações finais, permitindo, assim, que se neutralizem situações de lesividade, atual ou iminente, ao erário”.[6]
Assinala-se também, em relação a esse ponto, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o MS 24.510/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, reconheceu assistir, ao Tribunal de Contas, esse poder geral de cautela.
2 DAS TUTELAS DE URGÊNCIA. MEDIDAS CAUTELARES. A SUA EFICÁCIA NO ÂMBITO DO CONTROLE EXTERNO
Encontram-se elencadas nas funções acautelatórias dos tribunais de contas, conforme reconhecimento pacificado pelo Supremo Tribunal Federal em significativos arestos, a expedição de medidas cautelares[7]. Medidas estas, que em situações de urgência, de iminência de lesividade ao erário ou direito alheio, de risco de ineficácia da decisão de mérito, podem ser adotadas, acarretando entre outras providências, a suspensão do ato ou do procedimento impugnado, até que o Tribunal decida sobre o mérito da questão suscitada. A expedição dessas medidas visa resguardar, tempestivamente, a legalidade e a moralidade da aplicação dos recursos públicos, pois muitas vezes a irregularidade de atos pode acarretar consequências danosas não só em relação à economia pública, mas de modo bastante significativo lesão de forma ampla ao erário.
O constituinte e o legislador infraconstitucional definiram a competência para estabelecer medidas cautelares específicas de controle a fim de garantir a eficácia da atuação do tribunal de contas. Percebe-se, no entanto, a evolução a passos largos das Cortes de Contas, a qual torna mais efetiva a sua atuação. Com certa freqüência essas medidas vêm sendo utilizadas, nada impedindo, por exemplo, a sua aplicação inaudita altera pars, ou seja, sem ouvir a parte contrária sujeita à jurisdição do tribunal, porém mediante decisão fundamentada[8].
2.1 MEDIDAS CAUTELARES – PODER GERAL DE CAUTELA – TRIBUNAL DE CONTAS
Conforme entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), os tribunais de contas têm legitimidade para expedição de medidas cautelares, a fim de prevenir a ocorrência de lesão ao erário ou a direito alheio, bem como garantir a efetividade de suas decisões.
O prestimoso Supremo Tribunal Federal assegura que o Tribunal de Contas possui, assim como os órgãos do Judiciário, o poder geral de cautela, poder este decorrente de atribuição conferida pela própria Constituição Federal (CF/88), que consiste na possibilidade, ainda que excepcional, de concessão, sem audiência da parte contrária, de medidas cautelares, sempre que necessárias à neutralização imediata de situações de lesividade, atual ou iminente, ao interesse público. Conforme decisão do Ministro do STF, Celso de Mello, no Mandado de Segurança com pedido de medida cautelar nº 26547 MC/DF- DISTRITO FEDERAL, publicada no dia 29/05/2007.
O poder geral de cautela permite que o juiz (no âmbito do tribunal de contas de Pernambuco, vê-se como autoridade competente o Conselheiro-relator de ofício ou por provocação dos auditores substitutos, da área técnica do TCE/PE ou do Ministério Público de Contas do TCE/PE), que é o seu titular, tome providências de índole cautelar (isto é, com função cautelar) que não estejam previstas expressamente (tipificadas) e que não tenham sido requeridas. A existência deste poder é conseqüência da impossibilidade de se tipificar todos os perigos possíveis.
Nas Cortes de Contas, o poder geral de cautela mostra-se mitigado, atenuado. Trata-se de um poder geral de cautela limitado, restrito a um enfoque protetivo, do ordenamento jurídico-constitucional, do erário público e, noutra senda, circunscrevendo-se à busca da eficácia e da eficiência das deliberações finais dessas cortes de contas. Só indiretamente e acidentalmente o exercício do poder geral de cautela vem a proteger direitos subjetivos de “jurisdicionados” da Corte de Contas.
A medida cautelar nos tribunais de contas passa por uma interpretação do STF radicada na teoria das competências implícitas, para fazer valer uma otimização do exercício das atribuições do órgão de controle.
Fica então patenteada a aplicabilidade das medidas cautelares na seara do controle externo, embora cingida aos contornos traçados pelas várias decisões do Excelso Pretório Pátrio que aborda o tema.
O reconhecimento pelo STF da competência implícita dos tribunais de contas – corolário do plexo de altas competências do órgão de controle externo -, cinge-se ao atingimento salutar do escopo da atuação dos tribunais de contas. Cabe salientar a importância dos poderes implícitos atribuídos pela Constituição Federal de 1988 aos tribunais de contas como bem menciona o Min. Celso de Mello em decisão acima apresentada. faz mister explicitar a atuação das Cortes de Contas de Pernambuco quanto à aplicabilidade das medidas cautelares.
Convém salientar, a importância da criação de uma resolução que trata de medidas cautelares no Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco. À guisa de esclarecimento, foi implementada a Resolução TC nº 04/2008 disciplinando a concessão de medida cautelar de controle. De acordo com a supracitada resolução, em seu artigo 1º (primeiro)[9] caput e parágrafos dispõem do procedimento adotado para as medidas cautelares de modo que, o conselheiro-relator, em caso de urgência, poderá de ofício ou mediante provocação dos demais conselheiros, dos auditores substitutos, da área técnica do TCE, do Ministério Público de Contas e demais interessados "adotar medida cautelar, com ou sem a prévia oitiva da parte", determinando a suspensão do ato ou do procedimento impugnado, até que o Tribunal decida sobre o mérito da questão. Em seguida, a decisão monocrática do conselheiro-relator terá que ser submetida ao Tribunal Pleno na segunda sessão subseqüente, que a confirmará ou não. A parte contrariada dispõe de um prazo de cinco dias para apresentar Pedido de Reconsideração, a partir da data da notificação, porém sem efeito suspensivo. A decisão do conselheiro-relator que for confirmada pelo Tribunal Pleno poderá ser transformada em auditoria especial para fins de apreciação do mérito da questão.
A Resolução TC nº 04/2008 visa a: – garantir a utilidade final do controle exercido pelo controle externo; – proteção ou tutela do Erário, tendo em vista danos iminentes ou necessidade de estancá-los; – garantia da eficiência e eficácia da atuação do órgão de controle.
Existe uma tensão constante entre as tutelas cautelares exercidas pelos tribunais de contas e o altaneiro princípio da busca da verdade material, cânone que preside a atuação das cortes de contas e direciona o processo administrativo de controle. Vale dizer que a fiscalização não pode estar confinada nos lindes da verdade formal, absolutamente insuficiente para a consecução de seu fim[10].
Encetando a abordagem que nos parece possível da matéria, é de bom alvitre lembrar que as Cortes de Contas não prestam tutela jurisdicional, portanto nesse aspecto não há que se pensar o Tribunal de Contas à semelhança do Estado-Juiz, sempre eqüidistante e esperando a provocação de quem sente um seu direito subjetivo ameaçado ou lesado. Os tribunais de contas são órgãos de persecução, motivo pelo qual também agem de ofício. É órgão fiscalizador, embora em sua atuação (instância de julgamento dos feitos) funcione como órgão judicialiforme (atuação quase judicial). Na desincumbência de sua missão institucional há que proceder sempre imprimindo pelo vetor persecutório. Porquanto por exemplo, uma prestação de contas julgada regular pode ser reanalisada, a partir de fatos cientificados superveniente (ex officio), ou seja, os tribunais de contas não estão adstritos à verdade formal do primeiro julgamento, ele tem o poder-dever de buscar a verdade material dos fatos por estar incumbido da missão fiscalizadora (investigação), diferentemente do judiciário que não possui a função de investigação ou fiscalização, apenas diz o direito (juris dictio) com o fito de resolver conflitos. Em verdade, a prestação da tutela jurisdicional deve ser provocada para que haja a resolução da lide, pois tem por meta a decidibilidade e debelação dos conflitos de interesses, visto que repousa nos braços da verdade formal dos autos[11].
As Cortes de Contas têm por atributo e poder-dever a persecução em matéria de Controle Externo, o seu agir, muitas vezes, independe de qualquer tipo de provocação, além do que têm atuação pautada em processo administrativo balizado pela busca da verdade material. Assim, ao contrário do que ocorre no processo civil (ao menos preponderantemente), o superno interesse público que preside a atuação do órgão de Controle externo Constitucional, afasta, de plano, a limitação dessa mesma atuação aos limites de uma insuficiente verdade formal.[12]
O Tribunal de Contas, em cujo poder-dever estão incrustadas relevantíssimas razões de ordem pública, tem na iniciativa probatória uma ferramenta irrenunciável e imprescindível para o cumprimento otimizado de sua missão institucional. Portanto, enfatizam os cânones do impulso oficial e da verdade material em qualquer atuação das Cortes de Contas deste País.
2.2 DO CABIMENTO DA MEDIDA CAUTELAR E DO NÃO CABIMENTO ANTECIPAÇÃO DE TUTELA NO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE PERNAMBUCO
O tribunal de contas, mais precisamente o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE/PE) não é órgão de prestação de tutela jurisdicional. Assim, parece-nos algo insólito falar-se de antecipação do que jamais verificar-se-á ao final da atuação do mesmo. Como foi abordado acima, o tribunal de contas é órgão fiscalizador, que atua através de um processo administrativo presidido, de forma marcante, pelo princípio da busca da verdade material. Assim, qualquer antecipação de mérito, antes da satisfação de todo o iter cognitivo, mostra-se absolutamente temerária, além do que vulnera as suas deliberações. A tutela antecipada (que tem fortes traços de semelhança com a tutela jurisdicional executiva), parte, sempre, da alegação verossímil trazida à lume por prova inequívoca (prova suficiente para o surgimento do verossímil), o que representa um plus em relação ao Fumus Boni Juris (suficiente para a concessão das cautelares). Nada obstante, a antecipação da tutela radica na formação do procedimento, exurgindo de uma cognição estrita ou mitigada, na qual é postecipado o direito à ampla defesa. Ocorre que no âmbito do TCE/PE, – em se pretendendo aplicar a tutela antecipada -, estar-se-á, em verdade, postecipando a busca da verdade material. Não se pode postecipar a realização de um princípio que representa uma das garantias da boa atuação dos tribunais de contas, em situação o TCE/PE, como órgão de controle e fiscalização.
O questionamento acima declinado tem como única resposta possível, é bom que se enfatize, o rechaço veemente da aplicação da tutela antecipada aos processos do TCE/PE. A incompatibilidade, neste caso, é de fundo, é essencial.
Noutra linha de argumentação, é força dizer que, embora a tutela antecipada seja comumente confundida com a tutela cautelar, as duas são absolutamente distintas.
A concessão de uma tutela antecipada está deitada sobre o princípio da congruência, ou seja, coincidência entre o que se pede no processo e o que é concedido antecipadamente. Eis o grande diferenciador. Cabe asseverar que as tutelas cautelares, ao contrário do que é defendido com relação às antecipatórias, têm lugar no processo administrativo de controle a cargo dos Tribunais de Contas, e sua previsão consta da própria Constituição da República e das leis orgânicas específicas. É força reiterar, ainda, que a tutela cautelar está implicitamente encartada no plexo atributivo das cortes de contas pátrias.
No caso do TCE/PE, a sua previsão – a despeito de ser competência de extração constitucional (inciso X, art. 71 c/c art. 75 da Constituição da República, reproduzido na Constituição Estadual por força da simetria irrogada por nosso ordenamento jurídico-constitucional) -, também é objeto de norma infraconstitucional, a saber, o artigo 18 da Lei Orgânica do TCE/PE (embora trate de previsão pouco fecunda ante o largo espectro de funções desempenhadas pelos órgãos de controle externo do País), bem como da supracitada Resolução TC nº 04/2008 (ato normativo que aportou com a concreção necessária a uma profícua utilização da tutela cautelar).
3 AS MEDIDAS CAUTELARES NO ÂMBITO DO TCE/PE: O INSTRUMENTO PARA UMA ATUAÇÃO EFICIENTE E EFICAZ
Conforme já ressaltado anteriormente, os contornos institucionais dos Tribunais de Contas dos Estados seguem em linhas gerais traçadas pela Constituição da República o Tribunal de Contas da União, assim é que são entendidas às cortes de contas dos entes subnacionais as competências implícitas reconhecidas ao TCU (Tribunal de Contas da União), como é o caso da competência para exarar medidas cautelares, o que se pode coligir dos arestos citados no capítulo segundo deste trabalho.
Em epítome, é força concluir que a chamada tutela cautelar, corporificada na expedição de medidas cautelares, está dentro do conjunto de atribuições implícitas, conforme bastante reconhecido pelo STF, e por assim dizer, também contidas na fórmula do dispositivo de simetria constitucional exprimido na expressão “aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização…”[13]. Assim é que a utilização de medidas cautelares pelas cortes de contas estaduais sempre prescindiram de previsão infraconstitucional, arrimado no que o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE/PE) passou a lançar mão das mesmas antes mesmo da previsão em norma regulamentadora.
O presente trabalho tem como principal escopo, depois de traçadas as linhas gerais acerca da admissibilidade das medidas cautelares na seara do processo administrativo de controle (adotado no âmbito do tribunal de contas), analisar o caso do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE/PE) e, após o exame de alguns processos nos quais foram exaradas medidas cautelares (exemplificação de casos concretos), tecer conclusões – embora sem a pretensão de as mesmas serem generalizantes -, acerca da influência da utilização do mecanismo cautelar sobre eficiência e eficácia da atuação da Corte de Contas pernambucana.
Partindo-se do conceito de eficiência, tem-se, pois, o que se chama de boa administração. Evitando entrar nas obscuras sendas da plurivocidade, impõe-se esclarecer o que se entende por eficiência e eficácia. A eficiência seria otimização dos meios para o alcance do resultado. Conceito este ligado diretamente ao conceito de eficácia que seria o atingimento de metas pré-estabelecidas, de realizar objetivos. Atingir resultados não é ser eficiente, mas sim ser eficaz, seria cumprir metas pré-estabelecidas, resultados esperados.
Feitas as necessárias advertências conceituais, é importante ressaltar que o iter procedimental adotado no âmbito do TCE/PE tem por supedâneo não apenas o direito infraconstitucional editado pelo Estado, os seus capitais de sustentação têm natureza constitucional e, por isso mesmo, são impostergáveis, indesprezáveis. Dentre os mais eminentes, é força citar, pela importância que têm para o desenvolvimento deste artigo, os princípios da ampla defesa, do contraditório e da previsão de instância revisional.
Assim é que, o TCE/PE, como todas as cortes de contas do País, pelo fato de serem obrigados a respeitar as citadas regras-garantia, adicionando-se a isto o fato de serem órgãos judicialiformes, finda, no mais das vezes, por expedir deliberações tardias, inidôneas para alcançarem o fim colimado pelo próprio controle.
Esta dificuldade imanente, integrante da própria essência do TCE/PE, tem como um dos mais profícuos caminhos de superação uma atuação mediante exaração de medidas cautelares, inclusive inaudita altera pars. É o que será demonstrado em seguida pela casuística trazida à baila.
3.1 ADENTRAR NA CASUÍSTICA DO TCE/PE, PARTINDO PARA A DEMONSTRAÇÃO DO ATINGIMENTO DA EFICIÊNCIA E EFICÁCIA DAS DELIBERAÇÕES DO TCE/PE POR MEIO DAS MEDIDAS CAUTELARES[14].
A análise cingiu-se a alguns casos[15], do qual se verifica de imediato que no caso 1(um), houve a violação dos princípios da impessoalidade e da competitividade decorrente da irregularidade de certos atos. Fez-se necessária a expedição de medida cautelar visando assegurar, resguardar um mais eficiente e eficaz resultado do processo administrativo de controle a partir de uma efetiva atuação do Tribunal de Contas de Pernambuco. Ademais, no caso 2(dois) foi utilizada da medida cautelar, porquanto os atos realizados malferiram o princípio da impessoalidade, caso contrário a não utilização dessa medida de urgência acarretaria possíveis danos futuros ao erário, uma vez que a competitividade é elemento desencadeador da desejada economia de escala. E no último caso, o 3(três), com a violação dos mesmos princípios acima citados, e a expedição da medida cautelar visando os interesses públicos também explicitados acima, percebe-se um fato interessante. Ocorre que após o Conselheiro-relator editar monocraticamente a medida cautelar suspendendo o processo, imediatamente houve a regularização dos atos viciosos, dessa forma a medida cautelar não precisou ser submetida ao pleno do Tribunal conforme regra procedimental. Propôs, portanto a revogação da medida cautelar, o Conselheiro-relator que expediu monocraticamente, visto que a finalidade já tinha sido alcançada. Nota-se, contudo, a eficaz atuação desta Corte de Contas, decorrente da legalidade, da celeridade utilizada, da economia processual etc.
Fica comprovada que a medida cautelar é um instrumento que está perfeitamente contemplado no conjunto de atribuições implícitas dos tribunais de contas dos Estados conforme reconheceu o Supremo Tribunal Federal. A medida cautelar diante da necessidade de observância das garantias constitucionais de natureza processual, é um instrumento imprescindível para o alcance de maior eficiência e eficácia das deliberações das cortes de contas. Hipótese esta, translucidamente confirmada pela casuística trazida para o âmbito deste trabalho, ou seja, o exemplo do TCE/PE (sem nenhuma pretensão generalizante) deixa demonstrado, às escâncaras, que as medidas cautelares exaradas garantiram as plenas eficiência, eficácia e efetividade da atuação deste Tribunal nos casos abordados.
CONCLUSÃO
Cabe ressaltar que a idéia de controle está ligada diretamente ao Estado de Direito como foi visto e que este controle visa assegurar a atuação da Administração em consonância com os princípios que norteiam o ordenamento jurídico. As medidas cautelares de controle atualmente são consideradas instrumentos imprescindíveis para o alcance de maior eficiência e eficácia das deliberações das cortes de contas. Mostra-se um instrumento hábil, seguro e eficaz. No Estado de Pernambuco, com a criação da Resolução TC nº 04/2008, que passou a disciplinar especificadamente a medida cautelar, tornou-se mais efetiva a atuação deste Tribunal, na sua missão de controle e proteção ao Erário, tendo em vista danos iminentes, garantia da eficiência e eficácia da atuação deste órgão de controle. Ratificando, portanto, o entendimento firmado pelo STF no sentido de reconhecer o plexo de competências implícitas conferidas pela Constituição da República ao Tribunal de Contas, afirmando possuir legitimidade para expedição de medidas cautelares visando prevenir lesão ao Erário ou a direito alheio, bem como garantir a efetividade de suas decisões.
No Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, o instrumento das medidas cautelares vem sendo utilizado de maneira significativa. Como foi verificado, o uso de tal mecanismo tem proporcionado um ganho considerável, verificou-se a economia processual, diminuição dos gastos públicos, celeridade nos procedimentos transparecendo credibilidade para toda sociedade.
Informações Sobre o Autor
Danielle da Silva Arcoverde
Bacharela em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Advogada. Pós-graduada em Direito Público pela UCDB/MARCATO (lato sensu)