Resumo: Devido à impossibilidade de mescla de períodos rurais e urbanos para obtenção de benefício previdenciário, o êxodo rural desencadeou complicações para a aposentação de muitos trabalhadores que o vivenciaram. Esta situação foi amenizada com a publicação da Lei 11.718/2008 que possibilitou a aposentadoria híbrida aos sujeitos que estivessem vinculados ao campo no preenchimento do requisito etário ou do requerimento administrativo, sendo que os demais só encontraram esperança no entendimento difundido pelo STJ, e recentemente pela TNU, de que não importa a última atividade exercida para fazer jus ao benefício. Diante do exposto, este estudo veio averiguar o posicionamento atual da Justiça Federal, ente que possui competência primária para julgar matéria previdenciária. Para tanto, utilizou se da técnica de pesquisa bibliográfica e documental, constituindo se da análise de conteúdo da amostra de 17 sentenças de tribunais federais emitidas entre as datas de 20/07/2014 a 20/07/2015, de trabalhos científicos, textos normativos, literatura e publicações em sites oficiais. Os resultados obtidos induziram ao entendimento de que embora a maior parte (92,4%) das sentenças emitidas no período averiguado tenha sido favorável à concessão da aposentadoria híbrida a trabalhador urbano, não há um consenso entre os TRFs ou na doutrina, mas sim, uma expectativa de que tal posicionamento venha a ser pacificado.
Palavras-chave: Aposentadoria híbrida, êxodo rural, trabalhador urbano, STJ, TNU.
Adstract: Due to the impossibility of mix of rural and urban periods for obtaining social security benefits, the rural exodus triggered complications for retirement for many workers who have experienced it. This situation has eased with the publication of Law 11,718 / 2008 which allowed the granting of hybrid Retirement those who were related to the fields in the completion of the age requirement or administrative requirement, while others only found hope in understanding diffused by the STJ, and recently by TNU, that no matter the last activity undertaken to qualify for the benefit. Given the above, we decided to find out what the current position of the Federal Court, one who has primary jurisdiction over social security matters. To this end, use of bibliographic and documentary research technique, making sure the sample content analysis of 17 judgments of the Federal Regional Courts issued between the dates of 07/20/2014 to 07/20/2015, scientific works, legal texts , literature and publications on official websites. The results led to the understanding that same most (92.4%) of the sentences issued in the examined period was in favor of granting hybrid retirement for urban workers, there is no consensus between the Federal Regional Courts or in doctrine, but rather, an expectation that such positioning will be pacified.
Keywords: Hybrid Retirement, rural exodus, urban worker, STJ, TNU.
Sumário: Introdução. 1. Evolução da Previdência Social Rural no Brasil. 2. O Êxodo Rural. 3. As Inovações da Lei 11.718 de 2008. 4. O Embate Teórico da Aposentadoria Híbrida. 5. Análise e Discussão dos Dados. Considerações Finais.
Introdução
Apesar do trabalhador rural sempre ter sido vulnerável a diversos infortúnios inerentes ao tipo do labor exercido, só recebeu alguma proteção social na prática, há menos de 50 anos, com a criação na década de 70 do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural – PRÓ-RURAL, que estendeu lhe, com valores reduzidos, alguns dos benefícios já conquistados pelos trabalhadores urbanos (NOVAIS, 2009).
Desde então, a previdência social rural tornou se gradualmente mais protetiva, passando a garantir prestações no valor integral do salário mínimo; regras próprias de contribuição e redução da idade mínima para a aposentação dos camponeses (CUNHA, 2009).
Mesmo assim, alguns embates da categoria permaneceram sem solução.
Lembremos que nos anos de 40 a 96 mais de 60% da população rural evadiu do campo em busca de melhores condições de vida nas cidades em decorrência de diversas causas, tais como à instabilidade do clima em certas regiões, proliferação de pragas, concorrência de grandes produtores, dentre outras. (SANTOS E SILVEIRA, 2003, Apud, CONTI, 2012).
Muitos envolvidos neste evento, conhecido como o êxodo rural, foram prejudicados no momento de sua aposentadoria por não poderem usar os períodos de exercício de atividade rural em benefício urbano ou vice versa.
Para diminuir os transtornos, a Lei 11.718 trouxe a possibilidade de mescla de períodos rurais e urbanos para fins de carência em nova modalidade de aposentadoria, denominada pela doutrina de híbrida ou mista. Todavia, como a permissão foi restrita aos que mantiverem se vinculados ao campo, acabou deixando desprotegida uma parcela dos envolvidos no êxodo rural, como por exemplo, os que tiveram de vender seu terreno para buscar oportunidades na cidade já em idade avançada, mas sem cumprir o requisito etário para a aposentadoria por idade rural, perdendo assim, a condição necessária para tal e não conseguindo comprovar a carência mínima para a aposentadoria por idade urbana em época própria (NOVAIS, 2009; CARÉ, 2013; BRAVO, 2015).
Em favor destes sujeitos, o Superior Tribunal de Justiça – STJ firma jurisprudência de que a Aposentadoria híbrida seja concedida mediante a soma de períodos rurais e urbanos independentemente de qual seja o último (CJF, 2014).
Em consonância, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais – TNU, por meio do relator e juiz federal, Bruno Carrá, confirmou em novembro de 2014, entendimento de que a “aposentadoria híbrida de regimes de trabalho, instituída pela Lei 11.718/08, contempla tanto os trabalhadores rurais que migraram da cidade para o campo, como aqueles que saíram do campo e foram para a cidade”, sendo cabível o uso de períodos rurais como carência para a aposentadoria híbrida em ambos os casos (CJF, 2014).
Resta saber se os tribunais federais, detentores de competência primária para julgar matéria previdenciária, estão se posicionando de forma análoga.
Para responder esta questão, o objetivo geral deste trabalho científico foi: averiguar o posicionamento da Justiça Federal sobre o cômputo de labor rural como carência em aposentadoria híbrida para trabalhador urbano no lapso temporal de 20/07/2014 a 20/07/2015. Desmembrando se nos seguintes objetivos específicos:
– Realizar uma revisão teórica que possibilite um diagnóstico da jurisprudência predominante em relação ao tema tratado;
– Verificar a proporção de sentenças favoráveis dos tribunais federais em lides que versam sobre o assunto no período de abrangência desta pesquisa;
– Investigar os fundamentos usados para as sentenças favoráveis e contrárias.
Para realização deste estudo teórico–empírico foram adotadas as estratégias de pesquisa bibliográfica e documental, ou seja, desenvolvida a partir de materiais já elaborados como livros e artigos, e, de materiais que não receberam tratamento analítico ou que podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa, respectivamente (GIL, 2008).
Para atingir o primeiro objetivo específico, foram realizadas leituras e análises de trabalhos científicos, textos normativos, literatura e publicações em sites oficiais.
Para atingir os demais objetivos específicos, foram coletadas dezessete (17) decisões que versam sobre a possibilidade de aposentadoria híbrida ao trabalhador urbano, emitidas por Tribunais Regionais Federais – TRFs no período de 20 de Julho de 2014 a 20 de julho de 2015, por meio de “download” de documentos filtrados por palavras–chave na seção “jurisprudência” do site JUSBRASIL (http://www.jusbrasil.com.br).
A seleção ocorreu de forma aleatória, buscando contemplar o mínimo de sete (07) decisões por tribunal, salvo quando a população de decisões fosse inferior a este número.
Os documentos conseguidos passaram por um processo de análise de conteúdo, valendo se tanto de métodos quantitativos, principalmente para resolução do objetivo intermediário, quanto de métodos qualitativos, voltados para a resolução do último objetivo.
A investigação se mostrou relevante por evidenciar o tratamento atual da Justiça Federal em casos concretos de trabalhadores rurais que por diversos motivos se viram obrigados a migrarem para as cidades, tendo sua expectativa de aposentar-se em idade apropriada frustrada por não poderem computar administrativamente o período de efetivo labor rural como carência em benefício urbano, nem receber a aposentadoria por idade rural devido à perda da condição de rurícola, levantando dados que norteiem estes sujeitos ou advogados que venham a atuar com este tipo de litígio; além de reunir um referencial teórico que fundamente as decisões mais recentes dos tribunais federais frente à situação exposta e também contemple o direito previdenciário do trabalhador rural como um todo, servindo como arcabouço científico para futuros pesquisadores.
1. Evolução da Previdência Social Rural no Brasil
A primeira norma a instituir um sistema de previdência social no Brasil surgiu em 24 de Janeiro de 1923 por meio do Decreto Legislativo de nº 4.682, também conhecido como Lei Eloy Chaves, que estabeleceu a criação da caixa de auxílios e pensões dos ferroviários, tendo em vista a importância da categoria naquela época (HOMCI, 2009; MEIRELLES, 2012).
A partir deste evento, desencadeou-se um processo de expansão e consolidação do sistema de previdência social brasileiro, até que em 1963, através da Lei n° 4214 que constituiu o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural – FUNRURAL, parte dos direitos conquistados pelos trabalhadores urbanos foi estendida aos trabalhadores rurais, categoria até então esquecida (HOMCI, 2009, BERWANGER, 2011).
Vale ressaltar que na prática, os rurícolas continuaram sem proteção até o ano de 1971, quando o Governo finalmente criou o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural – PRORURAL através da Lei Complementar n° 11 de 25 de maio, efetivando o acesso destes aos benefícios de aposentadoria por idade, aposentadoria por invalidez, pensão por morte, auxílio reclusão e auxílio funeral (NOVAIS, 2009).
Nesta ocasião, foi estabelecido que os benefícios de aposentadoria por idade e invalidez sejam concedidos pelo valor de 50% do salário mínimo somente ao chefe do grupo familiar e os demais benefícios a seus dependentes, nas situações de morte ou reclusão deste, sendo as prestações pagas em geral no valor de 30% do maior salário mínimo vigente, conforme texto da Lei Complementar n° 11/71 (BRASIL, 1971).
Segundo Guimarães (2009), o sistema de proteção social do rurícola só veio a tornar-se mais robusto com o advento da Constituição Federal – CF de 1988 que firmou a igualdade de direitos entre os trabalhadores rurais e urbanos, além da redução em 05 anos do requisito etário pra aposentadoria rural e regra própria de contribuição para pequenos agricultores.
Em consonância, Cunha (2009) e Berwanger (2011) consideram que milhões de trabalhadores rurais só não estão abaixo da linha de pobreza e vivem com dignidade, graças à inclusão destes no Regime Geral de Previdência Social a partir da CF de 1988.
Cunha (2009) ainda realça que a vontade do constituinte, regulamentada pela Lei 8213/91 e posteriormente pelo decreto 3048/99, trouxe justiça social aos camponeses, fornecendo amplo acesso aos benefícios previdenciários, com o reconhecimento da mulher como beneficiária do regime geral; a garantia de prestações no valor integral do salário mínimo; a criação de regra própria de contribuição para os rurícolas que exercem sua atividade em regime de economia familiar e a redução da idade mínima da aposentadoria rural em respeito à agrura do labor campesino.
A partir da Lei 8.213/91, de acordo com Nunes (2014), os trabalhadores rurais foram incluídos como segurados do mesmo regime de previdência social dos trabalhadores urbanos, sendo seccionados em quatro categorias: empregado, avulso, contribuinte individual e segurado especial, sendo esta última, a categoria mais extensa, composta por pequenos produtores que exercem a atividade rural individualmente ou em regime de economia familiar como principal meio de subsistência.
Foi estabelecido pela Lei 8.213/91 que os segurados especiais não precisariam comprovar recolhimento de contribuições, mas apenas o efetivo labor rural em número de meses equivalente a carência do benefício pleiteado (BRASIL, 1991).
Tal prerrogativa não foi estendida às demais categorias de trabalhadores rurais, no entanto, o artigo 143 da referida Lei lhes concedeu regra transitória de dispensa da obrigação de recolhimento de contribuições por um período de 15 anos, prorrogado até 31/12/2010 pelas leis 11.368/06 e 11.718/08 (NUNES, 2014).
2. O Êxodo Rural
Enquanto a Previdência Social Rural se desenvolvia, paralelamente acontecia o êxodo rural, principalmente nos anos de 40 a 96, período em que mais de 60% da população rural migrou para áreas urbanas (SANTOS E SILVEIRA, 2003, Apud, CONTI, 2012).
Este evento foi ainda mais intenso nas décadas de 60 e 80, ocasião em que cerca de 13 milhões de pessoas, 33% da população rural no início da década de 60, migraram para os grandes centros urbanos (FARIA, 2015).
As principais causas apontadas por Faria (2015) foram: o desenvolvimento econômico das médias e grandes cidades, como São Paulo e Brasília, na época, com a consequente geração de oportunidades de empregos atrativos aos campesinos, e também, a modernização da agricultura, com o incentivo da produção para exportação e da mecanização dos processos, práticas que demandam menos mão-de-obra em relação à agricultura tradicional, forçando os trabalhadores excedentes a procurarem outra forma de sustento.
Santos e Silveira (2003), Apud, Conti (2012) também apontam como causas a instabilidade do clima em determinadas regiões, a exemplo da seca do nordeste; a proliferação de pragas; a perda de mercado da agricultara familiar para os grandes produtores e também a busca dos camponeses por educação e saúde de melhor qualidade.
Enfim, foram diversas as causas do êxodo rural, mas também as consequências na aposentação dos envolvidos, já que até o ano de 2008 não havia qualquer cobertura previdenciária às situações de alternância entre labor rural e urbano.
3. As Inovações da Lei 11.718 de 2008
A partir do ano de 2008, os transtornos enfrentados pelos envolvidos no êxodo rural foram atenuados pela Lei 11.718 que deu nova redação ao § 3° do art. 48 da Lei 8.213/91, permitindo a mescla de períodos rurais e urbanos na aposentadoria dos trabalhadores rurais aos 65 (sessenta e cinco) anos se homem e 60 (sessenta) anos se mulher (NOVAIS, 2009).
“[…]§ 3o Os trabalhadores rurais de que trata o § 1o deste artigo que não atendam ao disposto no § 2o deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher (BRASIL, 2008)”.
Nas palavras de Caré (2013, p. 27), tal dispositivo “dá lugar à nova modalidade de aposentadoria por idade”, denominada pela doutrina como aposentadoria híbrida ou mista.
A referida Lei também trouxe outros benefícios aos rurícolas, sendo que para os segurados especiais trouxe: a ampliação das formas de comprovação do exercício da atividade rural; a permissão de contratação de empregado por até 120 dias de trabalho durante o ano; a permissão de exercício de atividade urbana sem a perda da condição de segurado especial também por até 120 dias/ano; a permissão de exploração de atividade turística por até 90 dias/ano; permissão de comercialização de produtos artesanais feitos a partir de matéria-prima extraída pelo grupo familiar ou de outra origem caso o rendimento não exceda o valor do salário mínimo, e ainda, a permissão de exercício de mandato eletivo como dirigente de sindicato de trabalhadores rurais ou vereador (BRASIL, 2008).
Para os empregados rurais, trouxe o contrato de pequeno prazo ao trabalhador rural, assegurando os direitos trabalhistas e previdenciários proporcionais aos dias trabalhados, e também, regras específicas para a comprovação da carência para fins de recebimento da aposentadoria por idade, sendo necessário provar somente a atividade rural até dezembro de 2010; três meses de vínculo empregatício por cada ano no período de Janeiro de 2011 até dezembro de 2015, ou seis meses por cada ano a partir de janeiro de 2016 até dezembro de 2020, para cômputo do período inteiro (BRASIL, 2008).
Na visão de Novais (2009) e de Castro e Lazzari (2013), a Lei 11.718/2008 foi um marco para a Previdência Social rural, estabelecendo de forma definitiva como fica a situação dos trabalhadores rurais em relação às regras de participação na contribuição e benefícios, abarcando vulnerabilidades da categoria, inclusive, desencadeadas pelo êxodo rural.
4. O Embate Teórico da Aposentadoria Híbrida
Referente à possibilidade da aposentadoria híbrida, trazida pela Lei 11.718/2008, a Administração interpretou que só podem ser beneficiários os vinculados ao campo, deixando uma parcela dos envolvidos no êxodo rural desprotegida, como por exemplo, os que tiveram de vender seu terreno para buscar oportunidades na cidade já em idade avançada, mas sem cumprir o requisito etário para uma aposentadoria por idade rural, perdendo assim, a condição necessária para aposentar se como rurícola e não sendo capaz de atingir o número de contribuições equivalentes à carência exigida para a aposentadoria por idade urbana, sendo obrigados a continuar contribuindo além da idade esperada tanto pelos rurícolas quanto citadinos (NOVAIS, 2009; CARÉ, 2013; BRAVO, 2015).
Em favor destes sujeitos, o STJ estabelece jurisprudência de que a aposentadoria híbrida deve ser concedida “mediante a mescla de períodos laborados em atividade rural e urbana, não importando qual seja a atividade exercida pelo segurado ao tempo do requerimento administrativo ou do implemento do requisito etário” (CJF, 2014).
Na doutrina, este entendimento é defendido por autores como Berwanger (2012) e Castro e Lazzari (2013) que avaliam a interpretação da Administração sobre aposentadoria híbrida como sendo restritiva e não condizente com a realidade.
Para Berwanger (2012) o posicionamento administrativo afronta ao princípio constitucional da isonomia, pois se é consentido ao trabalhador rural computar períodos de labor urbano, também deveria ser ao trabalhador urbano computar períodos de labor rural, considerando ainda que não há exigência expressa na Lei de que a última atividade necessariamente deva ser rural para fazer jus à mescla de períodos.
De forma análoga, os autores Castro e Lazzari (2013) entendem que não há justificativa fática ou jurídica, a luz do princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, para o tratamento desigual do segurado cuja última atividade tenho sido urbana.
Castro e Lazzari (2013) ainda preconizam que a alteração do §3º do art. 48 da Lei 8213/91, dada pela Lei 11.718/08 não deve ser analisada de forma estritamente literal, mas também contextual e finalística, levando em conta o caráter social das normas previdenciárias.
A 5° Turma do Tribunal Regional Federal – TRF da 4° Região foi pioneira neste entendimento ao condenar o INSS no ano de 2011 a conceder o benefício de aposentadoria híbrida à autora da Apelação Civil 0014935-23-2010-404-999/RS, que tivera seu pedido de aposentadoria por idade negado em primeira instância por ter passado a contribuir definitivamente como trabalhadora urbana, não podendo computar o período rural para fins de carência (TRF4, 2011).
Na ocasião, o desembargador federal Rogério Favreto, relator do processo no tribunal, entendeu que a nova redação dada pela Lei 11.718/08 ao § 3° da Lei 8.213/91 não deve ser interpretada de forma restritiva, já que seu objetivo foi justamente amparar “às situações de alternância entre o trabalho rural e urbano, em especial aos trabalhadores que dedicaram significativo tempo da sua vida nas lides do campo e que pela mudança de ofício não poderiam aproveitar tal período para fins de carência” (TRF4, 2011, p. 11).
Segundo Cavichioli (2014), os tribunais pátrios possuem entendimentos divergentes sobre o tema, já que enquanto os Tribunais das 2° e 4° Regiões defendem a concessão da aposentadoria híbrida a qualquer pessoa que comprove o requisito etário e a soma de 180 meses de períodos laborados em atividade rural e urbana; os Tribunais das 1° e 3° Regiões posicionam se de forma mais conservadora, defendendo que somente o segurado que esteja no exercício de atividade rural na data do preenchimento do requisito etário faz jus ao benefício.
Na mesma linha de raciocínio dos Tribunais das 1° e 3° regiões, os doutrinadores Rocha e Junior (2009), Dias e Macedo (2010) e Amado (2013), Apud, Cavichioli (2014), entendem que a inovação legislativa trazida pela Lei 11.718 veio dar guarita somente aos trabalhadores rurais que ao completarem a idade de 60 anos, se homem, ou 55 anos, se mulher, não conseguirem comprovar o efetivo labor rural em número de meses equivalente a carência mínima para a aposentadoria por idade rural, permitindo lhes, cinco anos mais tarde, o cômputo dos períodos laborados em outras categorias.
Cavichioli (2014) utiliza-se desta corrente doutrinária para respaldar o posicionamento do INSS, realçando ainda que a concessão da aposentadoria híbrida ao trabalhador urbano fere frontalmente a norma do § 2° do art. 55 da Lei 8.213/91 que veda a utilização de períodos rurais como carência em benefício urbano.
Contrários ao fundamento, Castro e Lazzari (2013) argumentam que o regramento do §2º do art. 55 não se aplica à aposentadoria híbrida por tratar-se de um novo tipo de aposentadoria em que não há qualquer distinção de qual período rural deva ser computado.
Até pouco tempo a TNU se posicionava de forma similar a Cavichioli, mas em novembro de 2014, por meio do relator e juiz federal, Bruno Carrá, acabou aderindo ao entendimento do STJ de que a “aposentadoria híbrida de regimes de trabalho, instituída pela Lei 11.718/08, contempla tanto os trabalhadores rurais que migraram da cidade para o campo, como aqueles que saíram do campo e foram para a cidade”, sendo cabível a utilização de períodos rurais como carência em ambos os casos (CJF, 2014).
No início de 2015, a discussão chegou ao Supremo Tribunal Federal – STF, que se posicionou de forma conservadora no processo ARE 857516 – SC SANTA CATARINA 5003171-97.2012.4.04.7213, desprovendo o agravo interposto pela autora que buscava uma reforma da decisão anterior que lhe negava a aposentadoria híbrida por não vinculação ao campo (STF, 2015).
Mesmo com o posicionamento desfavorável do STF, a expectativa é de que os precedentes históricos do trabalhador rural brasileiro e a jurisprudência difundida pelo STJ e TNU influenciem o julgamento dos demais tribunais federais no sentido de permitir a aposentadoria híbrida também ao trabalhador urbano.
Finda a apuração teórica da presente investigação, passou se à apuração empírica.
5. Análise e discussão dos dados
Para atingir o objetivo principal deste trabalho, foi elaborado um roteiro com cinco questionamentos pontuais para direcionamento da análise, baseando se nos objetivos específicos do estudo. A seguir as indagações elaboradas e as respectivas resoluções:
I) Qual a quantidade aferida de decisões emitidas por tribunais regionais federais que versam sobre aposentadoria híbrida para trabalhador urbano, neste último ano?
Foi realizada uma busca das referidas decisões no site do JUSBRASIL, na seção “jurisprudência”, na data de 20 de Julho de 2015, com filtragem de período por “último ano” e de emitente por “TRFs”, usando como palavras-chaves as expressões “aposentadoria por idade híbrida” (com e sem aspas em “híbrida”) e “aposentadoria por idade mista” (com aspas em “mista”), obtendo os respectivos resultados de 163, 251 e 111 itens.
Realçamos que o uso de aspas em algumas palavras-chaves teve o propósito de obter resultados mais precisos em que obrigatoriamente seja mencionado o termo destacado, já que pela busca padrão também são obtidos resultados que abrangem termos similares.
A opção por três formas diferentes de filtragem teve como objetivo o levantamento de estatísticas com maior segurança.
No que diz respeito à precisão dos resultados obtidos, esclarecemos que não há garantia de que a totalidade seja de lides que versem sobre o tema aqui discutido em razão da inviabilidade de construir palavras-chaves que considerem todos os detalhes do tema sem que prejudique o rastreamento de parte da população pertinente.
Entretanto, acreditamos que a quantidade de lides divergentes seja irrisória, tendo em vista que não houve incidência nas amostras coletadas, exceto nas do TRF5, cujos resultados foram desconsiderados por tal motivo.
II) Qual a parcela que cada tribunal representa na população de decisões encontradas?
A Tabela 1 demonstra que a maior parcela, aproximadamente 91,8% das sentenças emitidas foi do TRF4, ficando em segundo lugar o TRF1 com uma parcela de 6,9%, em terceiro o TRF3 com 0,7 % e por último o TRF2 com 0,6%.
III) Qual o percentual de decisões favoráveis à possibilidade de aposentadoria híbrida para trabalhador urbano, seccionado por tribunal? E em termos gerais?
Para calcular o percentual de decisões favoráveis por tribunal, foi feita uma análise do inteiro teor de sete (07) sentenças, escolhidas aleatoriamente, dos tribunais federais da 1ª e 4ª regiões e também do total de sentenças encontradas dos tribunais da 2ª e 3ª regiões, sendo respectivamente uma e duas, constatando um posicionamento favorável em 100% das decisões coletadas dos tribunais da 2ª e 4ª regiões e em nenhuma dos demais.
Para calcular o percentual em termos gerais, efetuamos a multiplicação do percentual averiguado por tribunal pela parcela que cada um representa da população média de decisões encontradas via busca no site do JUSBRASIL, e então, somamos os resultados obtidos, constatando que aproximadamente 92,4 % das decisões emitidas no período apurado foram favoráveis e apenas 7,6% não foram.
IV) Qual o embasamento das decisões não favoráveis?
A justificativa predominante é de que o parágrafo 3º do art. 48 da Lei 8.213/91, incluído pela Lei 11.718/2008, é taxativo ao oportunizar a mescla de períodos laborados em outras categorias para concessão de aposentadoria por idade, ao trabalhador rural, não sendo estendida esta prerrogativa a quem não esteja comprovadamente vinculado ao campo no momento do preenchimento do requisito etário ou do requerimento do benefício.
Também argumentam que a concessão de aposentadoria híbrida aos que não estejam vinculados ao campo viola frontalmente o § 2° do art. 55 da Lei 8.213/91 que proíbe o cômputo de período rural não contributivo como carência em benefício urbano.
Este posicionamento também encontra respaldo nos doutrinadores Junior (2009), Dias e Macedo (2010) e Amado (2013), Apud, Cavichioli (2014), que difundem o entendimento de que a inovação legislativa trazida pela Lei 11.718 veio dar guarita somente aos trabalhadores rurais que não conseguirem preencher todos os requisitos no momento em que completam a idade de 60 anos, se homem, ou de 55 anos, se mulher.
V) Qual o embasamento das decisões favoráveis?
A justificativa predominante é de que a redação do parágrafo 3° do art. 48 da Lei 8.213/91 foi acrescentada pela Lei 11.718/2008 para promover justiça social às situações de alternância de labor em atividade rural e urbana decorrentes do êxodo rural, não devendo, a luz dos princípios constitucionais da isonomia, da universalidade, da uniformidade e da equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, dispostos nos artigos 5°, caput, 194°, parágrafo único e 201° da CF/1988, ser interpretada de forma restritiva, beneficiando somente aos que mantiverem a condição de rurícola no preenchimento da idade ou no requerimento administrativo, pois se assim o for, o trabalhador seria prejudicado por passar a contribuir, o que seria um contrassenso.
Outro argumento usado pelo Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira (2014) é de “que o caráter social da norma previdenciária requer interpretação finalística, ou seja, em conformidade com os seus objetivos” (TR4, 2014, p. 5).
Também é aludido que o citadino poderia readquirir a condição de trabalhador rural com o desempenho de apenas um mês na atividade campesina, não sendo razoável que lhe seja exigido o retorno às lides rurais por prazo tão ínfimo para fazer jus ao benefício.
Para sustentar a tese, o Desembargador Federal Messod Azulay Neto (2014) menciona, inclusive, doutrinadores como Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari (2012) que lecionam no sentido de que as normas previdenciárias devem ser interpretadas de forma ampla, com base nos princípios constitucionais que regem o sistema, não havendo justificativa fática ou jurídica para que se estabeleça qualquer discriminação do segurado que tiver exercido atividade urbana posteriormente a rural (TRF2, 2014).
Considerações Finais
É fato que a concessão de aposentadoria híbrida ao trabalhador urbano não é aceita pela Administração, cujo entendimento é de que somente os que permanecerem vinculados ao campo podem computar períodos rurais e urbanos como carência.
Frente ao exposto, este trabalho científico veio averiguar como a Justiça Federal, principal julgadora de matéria previdenciária, está posicionando-se em relação ao tema.
Nesta busca, apurou-se que a maior parte (92, 4%) das decisões emitidas pelos tribunais regionais federais no período de 20 de julho de 2014 a 20 de julho de 2015 foi favorável ao cômputo do labor rural como carência para concessão de aposentadoria híbrida ao trabalhador urbano. Não sendo possível afirmar, entretanto, que este índice represente o posicionamento da Justiça Federal como um todo, tendo em vista que a única população de sentenças expressiva é a do TRF4 (vide Tabela 1), tribunal favorável em 100% das decisões e pioneiro neste posicionamento.
Verificou se também que tanto as decisões favoráveis quanto contrárias são respaldadas pela doutrina, dispositivos legais ou fundamentos constitucionais, sendo que as primeiras adotam uma interpretação mais ampla e finalística da redação do parágrafo 3º do art. 48 da Lei 8.213/91, enquanto as últimas, uma interpretação mais restritiva e objetiva.
Por fim, o levantamento bibliográfico e a análise dos achados induziram ao entendimento de que não há consenso jurisprudencial, nem doutrinário sobre a possibilidade de mescla de períodos rurais e urbanos para quem abandonou o campo, mas sim uma expectativa de que logo venha a ser pacificada entre os tribunais federais, pois além do STJ, TRF2 e TRF4 já estarem gerando precedentes neste sentido, a TNU, responsável pela uniformização da jurisprudência no âmbito dos Juizados Especiais Federais, recentemente adotou entendimento análogo, fortalecendo ainda mais a corrente jurisprudencial.
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